RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 19. 4

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Relato de Caso

Uso da toxina botulínica A na bexiga hiperativa refratária aos anticolinergicos

Use of A-botulinum toxin into overactive bladder resistant to anticholinergic drugs

Dimas José Araújo Vidigal1; Alcino Lázaro da Silva2; Marcos Vinicius de Castro Rocha3; Maurício José da Silva Junior4; Cláudia Souto Ottoni5; Felipe Eduardo Costa Vidigal6

1. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Urologia (TISBU), Doutorando em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Urologista do Hospital Ibiapaba S/A, Barbacena, MG (HISA)
2. Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
3. Urologista do Corpo de Saúde da Escola Preparatória de Cadetes do AR (EPCAR), Barbacena, MG
4. Anestesista do Hospital Ibiapaba S/A, Barbacena, MG (HISA)
5. Fisioterapeuta. Clínica Physios, Barbacena, MG
6. Acadêmico de Medicina. Faculdade de Ciências Médicas de Juiz de Fora- Suprema, Juiz de Fora, MG

Endereço para correspondência

Dimas José Araújo Vidigal
Rua Augusto Justi, 74 São Cristóvão
Barbacena, MG CEP 36201613
Email: dimas@barbacena.com.br

Recebido em: 14/11/2007
Aprovado em: 01/07/2008

Instituição: Trabalho realizado no serviço de Urologia do Hospital Ibiapaba S/A (HISA) - Barbacena - Minas Gerais

Resumo

A síndrome da bexiga hiperativa é freqüente e pode acometer pacientes em diferentes faixas etárias. Incide mais entre mulheres a partir da quinta década de vida. Possui grande impacto negativo na qualidade de vida. Os anticolinérgicos administrados pela via oral são medicações de primeira escolha para o seu tratamento. Este relato apresenta um caso de bexiga hiperativa refratária ao uso dos anticolinérgicos que respondeu ao tratamento com a toxina botulínica A intra-vesical.

Palavras-chave: Bexiga; Doenças da Bexiga Urinária; Qualidade de Vida; Toxina Botulínica Tipo A.

 

INTRODUÇÃO

A bexiga hiperativa constitui-se em afecção crônica caracterizada clinicamente por manifestações clínicas de urgência, frequência, urgência para urinar, incontinência urinária e noctúria, que podem aparecer isoladas ou em associação, na ausência de doença local que as explique, e com importante impacto negativo na qualidade de vida do paciente.1,2

Representa a segunda causa de incontinência urinária.2 Sua prevalência é estimada em 3 a 43% na população da Europa e América do Norte.3 Ocorre em ambos os sexos e em qualquer faixa etária. É mais incidente em mulheres e idosos.4

A causa da bexiga hiperativa não é bem conhecida, mas envolve fatores neurogênicos e musculares5. O estímulo induzido pela acetilcolina dos receptores pósgânglionares muscurínicos do músculo detrusor está envolvido tanto na contração normal como na involuntária da bexiga.6

O tratamento farmacológico é o mais utilizado, sendo os agentes anticolinérgicos por via oral a medicação de primeira escolha.5

Este trabalho descreve a evolução de um paciente com bexiga hiperativa refratária ao tratamento com anticolinérgicos e receptiva à toxina botulínica A (BTX-A® - Botox).

 

RELATO DO CASO

Paciente de 83 anos de idade queixando-se de urgência para urinar e noctúria. A avaliação da genitália externa e o exame completo de urina estavam normais. O estudo urodinâmico mostrou fortes contrações involuntárias com perdas de urina (Figura 1), após serem infundidos 200 mL de soro fisiológico (SF) a 0,9% na bexiga.

 


Figura 1 - Traçados de cistometria feita antes do uso da toxina botulínica A mostrando (setas) contrações involuntárias anárquicas com perdas de urina secundárias à bexiga hiperativa.

 

O exame de uretrocistoscopia mostrou-se sem alterações. Iniciou-se o tratamento com 4mg de oxibutinina. A dose foi aumentada até três vezes ao dia, sem resposta. Foi medicada também com a tolterodina na dosagem de 4 mg. A paciente estava extremamente ansiosa e pessimista. Foi sugerida a ela, e aceita, a aplicação do botox A, laboratório Allergan (Allergan Pharmaceuticals Ireland, Westport - Irlanda), intravesical. Foram aplicadas 200,0 unidades (U) do botox A na região do trígono vesical sob raquianestesia, sendo cada 100 U do medicamento armazenadas em frascos de 1 mL congelado a vácuo - cada 0,1 mL da solução contém 10,0 U de toxina botulínica A. A toxina botulínica A foi diluída primeiramente em 1 mL de SF e posteriormente (2 mL= 200,0 U) rediluída em 28 mL de SF, totalizando o volume de 30 mL. Foram realizadas aplicações de 0,5 mL da solução, sob visão endoscópica, em pontos aleatórios, no músculo detrusor, com espaço aproximado de 0,5 cm entre cada aplicação, na região do trígono. A paciente ficou sob uso de sonda de demora até na manhã do dia seguinte. Recebeu alta após ter urinado espontaneamente depois de quatro horas. Foi reavaliada após 20 dias. Não apresentou intercorrências durante esse período. Relatou estar bem e muito satisfeita com o procedimento a que foi submetida. O estudo urodinâmico de controle mostrou melhora das contrações involuntárias (Figura 2).

 


Figura 2 - Traçados de cistometria mostrando a normalização das contrações involuntárias. Um pico de onda (seta) correspondente à tosse induzida. Cistometria feita após 30 dias do uso da toxina botulínica A.

 

DISCUSSÃO

A síndrome da bexiga hiperativa está presente em 18,9% da população brasileira, incidência que aumenta com a idade, o que compromete sobremaneira a qualidade de vida, sendo causa de isolamento social, frustração e ansiedade.1

Os anticolinérgicos por via oral representam medicação de primeira escolha há mais de 30 anos. Em muitos casos não há bons resultados. Podem propiciar efeitos colaterais como asialismo, tonturas, constipação, turvação da visão e alterações neurológicas centrais. Neste grupo estão o brometo de propantelina, sulfato de hiosciamina, cloridrato de oxibutinina, tartarato de tolterodina, tropsium, solifenacim e o darifencim7, que são contraindicados diante do glaucoma. O cloridrato de duloxetina, um antidepressivo inibidor seletivo de recaptação de serotonina, está sendo testado para o tratamento da doença.

O botox A é o veneno produzido pela bactéria Clostridium botulinum, que se desenvolve em alimentos contaminados, agente causador do botulismo, doença rara e grave. A toxina botulínica é obtida a partir da cultura dessa bactéria. O botox tipo A, diferentemente de outros medicamentos injetáveis, não atua na corrente sanguínea. Age somente nos pontos onde é injetado, inibindo a liberação do neurotransmissor acetilcolina, tendo efeito anticolinérgico local. O resultado é o bloqueio muscular.

O objetivo dos primeiros testes com a toxina botulínica, realizados inicialmente na década de 50, era descobrir aplicações terapêuticas para o seu uso. Começou a ser adotado em 1980 no tratamento de espasmos dos músculos oculares. A descoberta do emprego cosmético foi feita em 1987, pelo casal de médicos canadenses Jean e Alastair Carruthers.

Os primeiros estudos com o botox A para o tratamento da bexiga hiperativa tiveram início8 no ano 2000, com a aplicação do botox A intravesical na dosagem de 200,0 a 300,0 U na região do trígono-vesical.

Pesquisas recentes mostram que não existe diferença nos resultados do tratamento quanto à eficácia clínica e duração do efeito da medicação, quando é aplica na dose de 200,0 ou 300,0 U no tratamento da bexiga hiperativa. São necessárias mais investigações para o consenso quanto aos seus resultados sobre a bexiga hiperativa e efeitos adversos.9,10 A sua aplicação intravesical tem apresentado bons resultados no tratamento da hiperatividade vesical, devendo sua aplicação ser repetida a cada seis meses.11

 

CONCLUSÃO

A toxina botulínica tipo A na dose aqui relatada, aplicada no trígono vesical em diferentes pontos, mostrou-se eficaz e sem efeito colateral no tratamento da bexiga hiperativa refratária ao uso de anticolinérgicos.

 

REFERÊNCIAS

1. Wein AJ, Rovner ES. Definition and epidemiology of overactive bladder.Urology. 2002;60(5 Suppl. 1):7-12.

2. Hashim H, Abrams P. Drug treatment of overactive bladder: efficacy, cost and quality-of-life considerations. Drugs. 2004;64:1643-56.

3. Milson I, Steward W, Thuroff J. The prevalence of overactive bladder. Am J Manag Care. 2000;6(11 suppl):565-73.

4. Parazzini F, Lavezzari M, Arbitani W. Prevalence of overactive bladder and urinary incontinence. J Fam Pract. 2002;51(12):1072-5.

5. Amaro JL, Haddad JM, Trindade JCS, Ribeiro RM. Reabilitação do assoalho pélvico nas disfunções urinárias e anorretais. São Paulo: Segmento Farma; 2005. p.165-6.

6. Chapple CR. Muscarinic receptor antagonists in the treatment of overactive bladder. Urology. 2000;55(5 suppl. 1):33-6.

7. Lawrence M, Guay DR, Benson SR, Anderson MJ. Immediaterelease oxybutynim versus tolderodine in detrusor overactivity: a populacion analysis. Pharmacotherapy. 2000;20:421-8.

8. Schurch B, Stohrer M, Kramer G, Schmid DM, Gaul G, Hauri D. for treating detrusor hyperreflexia in spinal cord injured patients: a new alternative to anticholinergic drugs? Preliminary results. J Urol. 2000 Sep; 164(3):692-7.

9. Schurch B. Botulinum toxin for the management of bladder dysfunction. Drugs. 2006;60(10):1310-8.

10. Botulinum toxin injection: A review of injection principles and proctocols. Int Braz J Urol. 2007;23(2):132-41.

11. Cheret A, Perrouin-Verbe B, Le Normand L, Labat JJ, Brunel P, Leford M, Mathe JF. Efficay of repeat injections of botulinum A toxin to the detrusor in neurogenic bladder overactivity. Ann Readapt Med Phys. 2007;50(8):651-60.