RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 19. 4

Voltar ao Sumário

Relato de Caso

Crises epilépticas convulsivas e malformação de Dandy-Walker no adulto: relato de caso

Seizures and the Dandy-Walker malformation in adulthood: a case report

Anderson Ferreira Leite1; Antônio Osvaldo de Freitas Júnior1; Nilton Alves de Rezende2

1. Acadêmicos da Faculdade de Medicina da UFMG
2. Professor Associado do Departamento de Clínica Medica da Faculdade de Medicina da UFMG

Endereço para correspondência

Professor Nilton Alves de Rezende
Departamento de Clínica Médica FM-UFMG
Av. Professor Alfredo Balena, 190, 4º andar B: Santa Efigênia
Belo Horizonte, MG, Brasil CEP-30-130-100
Email narezende@medicina.ufmg.br

Recebido em: 28/03/2007
Aprovado em: 06/08/2008

Instituição: Trabalho realizado no Ambulatório de Clínica Médica, Disciplina Medicina Geral de Adultos II da Faculdade de Medicina da UFMG.

Resumo

A síndrome de Dandy-Walker é uma malformação cerebral caracterizada por hipoplasia ou agenesia do vérmis cerebelar e dilatação do quarto ventrículo, com formação cística na fossa posterior. O diagnóstico é realizado, na maioria dos casos, no período prénatal ou na primeira infância, decorrente de anormalidades no desenvolvimento fetal ou de sinais e/ou sintomas de hidrocefalia. Raros casos assintomáticos são descritos no adulto, quase sempre diagnosticados casualmente a partir de exames de imagem. O paciente descrito neste relato foi diagnosticado com a malformação de Dandy-Walker aos 16 anos de idade após apresentar crises epilépticas convulsivas generalizadas como possível manifestação clínica da doença.

Palavras-chave: Síndrome de Dandy-Walker; Sistema Nervoso Central/anormalidade; Encefalopatias; Convulsões.

 

INTRODUÇÃO

Foi descrita a hidrocefalia associada a cisto da fossa cerebral posterior e hipoplasia do vérmis cerebelar inicialmente por Sutton, em 1887. Dandy e Blackfan reconheceram esta tríade como entidade clínica, em 1914, relacionada à atresia dos forames de Luschka (abertura lateral do quarto ventrículo) e Magendie (abertura medial do quarto ventrículo). Em 1954, Benda concluiu que representava uma anomalia complexa do desenvolvimento cerebelar e denominou-a de síndrome de Dandy-Walker"(SDW).1

O processo de desenvolvimento das estruturas da fossa cerebral posterior constitui-se na base para as malformações cerebelares. Essas estruturas se aprimoram precocemente no período neonatal até os primeiros anos pós-natais, deixando o cerebelo vulnerável a largo espectro de condições patogênicas em seu desenvolvimento. A patogenia da SDW é controvertida, aceita-se com mais frequência que decorra de falha na formação dos forames de Luschka e Magendie durante o quarto mês de vida intrauterina, o que promove abaulamento cístico do quarto ventrículo associado à agenesia ou hipoplasia do vermis cerebelar. As alterações genéticas dessa síndrome foram mapeadas no cromossomo 13q32.2-33.2, região em que se encontram os genes ZIC2 e ZIC5, relacionados a várias malformações do sistema nervoso central.2

A incidência da SDW é de aproximadamente 1:30.000 nascimentos3 e alguns estudos mostram ocorrência de malformações em outros órgãos em 70% dos pacientes.4 As suas características básicas decorrem de hipoplasia ou agenesia do vérmis cerebelar, dilatação do quarto ventrículo em continuidade com cisto da fossa posterior e, geralmente, hidrocefalia.5 O diagnóstico é realizado na maioria das vezes no período pré-natal ou na primeira infância em decorrência de sinais e/ou sintomas de hidrocefalia, sendo descritos também retardo mental, convulsões, ataxia cerebelar e atraso no desenvolvimento psicomotor.5 Descreve-se neste trabalho um adulto que apresentou crises epilépticas convulsivas em associação à SDW.

 

RELATO DO CASO

Paciente masculino, com 16 anos de idade, estudante, natural e procedente de Jussari-BA, encaminhado para atendimento no Ambulatório de Clínica Médica Carmo-Sion em Belo Horizonte para tratamento de crises epilépticas convulsivas iniciadas há três meses. As crises duravam aproximadamente 10 a 15 minutos, sendo acompanhadas de movimentos tônico-clônicos de membros e sialorreia, sem perda de controle de esfíncteres. Ressaltaram-se, ainda antes e após as crises, amnésia e confusão mental, respectivamente. Encontrava-se em uso de fenobarbital, 100 mg BID, mas continuava apresentando crises convulsivas. Descrevia história de febre reumática na infância, mas sem manifestações clínicas dessa doença no dia da consulta. O exame neurológico era normal, sem sinais focais nem evidências de hipertensão intracraniana ao exame do fundo de olho. Ausência de alterações nos demais aparelhos e sistemas. O eletroencefalograma (EEG) mostrou ondas lentas esparsas. Foi prescrita carbamazepina 400 mg/dia.

As queixas em seu retorno, 10 dias após a primeira consulta, foram de discreto tremor fino e intermitente, de curta duração, localizado nas extremidades dos membros superiores, e ausência de novas crises convulsivas. A tomografia computadorizada cerebral evidenciou dilatação cística do quarto ventrículo, em comunicação com a cisterna magna pela ausência do vérmis cerebelar. Esses achados são compatíveis com malformação de Dandy-Walker.

 

DISCUSSÃO

A síndrome de Dandy-Walker é uma malformação do sistema nervoso central de natureza genética5, relativamente rara. O diagnóstico é feito por ressonância magnética ou tomografia computadorizada fetal6 ou na primeira infância, quando mais de 90% dos pacientes apresentam as suas manifestações clínicas decorrentes, principalmente, de hidrocefalia e hipertensão intracraniana, sintomatologia cerebelar e atraso no desenvolvimento psicomotor.5 A maioria dos pacientes sobrevive e pode chegar à vida adulta relativamente sem sintomas, quando devidamente tratados, e sem outras comorbidades, principalmente malformações cerebrais ou extracerebrais. São raros, entretanto, os casos em que o diagnóstico é feito após a primeira infância. Os pacientes apresentam, quase sempre, manifestações cerebelares ou de hipertensão intracraniana, quando o diagnóstico é tardio.7 Neste relato o paciente permaneceu assintomático por 16 anos e não apresentava as características clínicas mais frequentes da malformação de Dandy-Walker, o que o torna uma exceção.

As crises epilépticas, convulsivas ou não-convulsivas, são descritas como manifestações clínicas da SDW em pacientes com hidrocefalia. Não foi demonstrada, entretanto, relação etiológica direta entre as suas malformações cerebrais e a epilepsia. As crises epilépticas convulsivas podem estar associadas à grande variedade de causas. A única associação constatada em adulto entre crises epilépticas convulsivas e SDW foi referida por Iancu et al.8, em 1996. Os autores verificaram posteriormente que não se tratava de crise epilética convulsiva verdadeira, mas de transtorno conversivo. O diagnóstico de epilepsia convulsiva foi realizado sem dificuldade com base no quadro clínico. As malformações da SDW podem estar relacionadas com o desenvolvimento de crises convulsivas, entretanto, não foi possível estabelecer com segurança no paciente desta avaliação, pela associação etiológica entre essas entidades.

 

REFERÊNCIAS

1. Michael NHM, Malamud MCN, William G, Ellis MD. The Dandy-Walker syndrome - a clinicopathological study based on 28 cases. Neurology. 1972;22:771-80.

2. Ballarati L, Bonati MT, Gimelli S, Maraschio P, Finelloi P, Giglio S. 13q Deletion and central nervous system anomalies: further insights from karyotype-phenotype analyses of 14 patients. J Med Genet. 2007; 44(1):e60.

3. Kontopoulos E, Bornick P, Quintero R. Dandy-Walker Syndrome: insight into a possible etiological mechanism. SMFM Abstracts. 2006.

4. Ewald O, Scremin F, Busch F, Hertwig RV. Ocular alterations in a pediatric patient with Dandy-Walker malformations: case report. Arq Bras Oftalmol. 2006; 69:97-9.

5. Notaridis G, Ebbing K, Giannakopoulos P, Bouras C, Kövari E. Neuropathological analysis of an asymptomatic adult case with Dandy-Walker variant. Neuropathol Appl Neurobiol. 2006; 32:344-50.

6. Klein O, Pierre-Kahn A, Boddaert N, Parisot D, Brunelle F. Dandy-Walker malformation: prenatal diagnosis and prognosis. Childs Nerv Syst. 2003;19:484-9.

7. Osenbach RK. Menezes AH. Diagnosis and management of the Dandy-Walker malformation: 30 years of experience. Pediatr Neurosurg. 1992;18:179-89.

8. Iancu I, Kotler M, Lauffer N, Dannon P, Lepkifker E. Seizures and the Dandy-Walker syndrome: a case of suspected pseudoseizures. Psychother Psychosom. 1996; 65:109-11.