RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 19. 4

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Relato de Caso

Tumores estromais gastrointestinais

Gastrointestinal stromal tumor - GIST

Maria Flávia Abrão Issa1; Rafaia Bauer Brinati Duarte2; Geraldo Alberto Alves de Alcântara3; José de Laurentys Medeiros4

1. Médica formada pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais
2. Residente de Clínica Médica da Santa Casa de Belo Horizonte
3. Gastroenterologista e preceptor de Clínica Médica da Santa Casa de Belo Horizonte
4. Gastroenterologista / hepatologista e chefe do Serviço de Clínica Médica e Gastroenterologia da Santa Casa de Belo Horizonte

Endereço para correspondência

Maria Flávia Abrão Issa
Rua Marechal Hermes, nº 673, Gutierrez
CEP: 30430-030 Belo Horizonte / MG
Email: falecomafafa@gmail.com

Recebido em: 07/11/2008
Aprovado em: 09/02/2009

Instituição: Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte

Resumo

GIST (Gastrointestinal stromal tumor) é o tumor estromal do trato gastrointestinal que por muito tempo foi denominado "leiomioma" ou "leiomiossarcoma". A partir da microscopia eletrônica e da imuno-histoquímica, descobriu-se que é uma neoplasia que se origina das células intersticiais de Cajal e da expressão da proteína C-Kit. Embora raro, representa a maioria dos tumores mesenquimais do trato digestivo. Localiza-se preferencialmente no estômago e acomete principalmente homens de meia-idade e idosos. A remoção cirúrgica é o tratamento de escolha devido aos sintomas e possíveis complicações. O tratamento farmacológico tem sido preconizado em casos avançados. Este trabalho apresenta a evolução clínica do GIST gástrico, diagnosticado em um homem de 51 anos com perda sanguínea crônica acutizada, internado na enfermaria de Gastroentereologia da Santa Casa de Belo Horizonte para propedêutica e tratamento.

Palavras-chave: Tumores do Estroma Endometrial; Neoplasias Gastrointestinais; Hematemese; Imunohistoquímica; Proteínas Proto-Oncogênicas; Antígenos CD34.

 

INTRODUÇÃO

Por muitos anos, acreditava-se que a maioria dos tumores mesenquimais gastrointestinais fosse proveniente da musculatura lisa1, sendo denominados "leiomiomas" e "leiomiosarcomas". A utilização da microscopia eletrônica e da imuno-histoquímica, entretanto, evidenciou que apenas alguns desses tumores apresentavam características de diferenciação de músculo liso, contribuindo para a adoção do termo mais genérico, tumor estromal, proposto em 1983.2

Hoje, essa neoplasia constitui-se em entidade bem definida, designada GIST (gastrointestinal stromal tumor), a partir das descobertas de sua origem pelas células intersticiais de Cajal3 e da expressão da proteína c-Kit.4

As células intersticiais de Cajal são responsáveis pela motilidade intestinal5, apresentam características imunofenotípicas e ultraestruturais tanto de músculo liso quanto de diferenciação neural e expressam o receptor Kit (CD117) semelhante ao tumor estromal gastrointestinal (GIST). O Kit é um receptor tirosinoquinase transmembrana, responsável por várias funções celulares, entre as quais proliferação, adesão, apoptose e diferenciação celular.6 No GIST, a mutação no gene "Kit" é responsável pela ativação constitutiva na proteína Kit, que causa estímulo sem oposição para proliferação celular, estando implicada na sua gênese.

Esse tumor representa 80% dos tumores mesenquimais do trato digestivo, sendo mais comum no estômago (70%). Afetam indivíduos de meia-idade e idosos, principalmente do gênero masculino, diagnosticado a partir das suas manifestações clínicas associadas à morfologia celular típica e imuno-histoquímica positiva.7

 

DESCRIÇÃO DO CASO

VOB, 51 anos, masculino, com hematêmese há dois dias, sem episódios prévios semelhantes, astenia e adinamia. Há três anos foi submetido à internação hospitalar devido à palidez cutâneo-mucosa de longa data sem etiologia definida e à necessidade de transfusão sanguínea, que chegou a 900 mL de concentrado de hemácias. Portador de esquistossomose mansoni diagnosticada há 20 anos, sem tratamento específico. Relato de câncer gástrico em sua mãe e em dois primos como causa de óbitos.

Apresentava-se hipocorado (3+/4+), com sinais vitais e exame do abdômen normais e sopro sistólico 2+/6+ panfocal. A endoscopia digestiva alta (EDA) revelou lesão ulcerada de bordas elevadas, bem delimitada, não-infiltrativa, com fundo necrótico friável, medindo, aproximadamente, 4,5 cm de diâmetro na grande curvatura do corpo gástrico proximal. O exame anatomopatológico da lesão ressaltou neoplasia fusocelular de padrão mesenquimal, podendo corresponder a tumor do estroma gastrointestinal (GIST). A tomografia do abdômen enfatizou volumosa massa com atenuação de partes moles, com realce difuso e heterogêneo pelo contraste e várias hipoatenuações focais de permeio, contornos lobulados, situada na região do fundo e parte do corpo gástrico, condicionando irregularidade e redução de sua cavidade (Figuras 1, 2, 3).

 


Figura 1 - Porção superior do tumor ocasionando falha de enchimento gástrico (contraste oral).

 

 


Figura 2 - Tumor (setas vermelhas) e sua relação com o pâncreas (setas azuis) e o hilo esplênico (setas verdes). Fase contraste oral.

 

 


Figura 3 - Tumor (setas vermelhas) e sua relação com o pâncreas (setas azuis) e o hilo esplênico (setas verdes). Fase contraste oral/venoso.

 

A laparotomia identificou tumor de aproximadamente 12 cm no corpo gástrico, invadindo cauda do pâncreas e hilo esplênico. Foram realizadas gastrectomia total, esplenectomia, pancreatectomia caudal e jejunostomia e reconstrução do trânsito intestinal em "Y de Roux".

Evoluiu com febre e leucocitose, sendo iniciados cefepima e metronidazol três dias após a realização da laparotomia. A leucocitose permaneceu após sete dias de antibioticoterapia, evoluindo, ainda, com náuseas e vômitos, sem tolerar dieta enteral pela jejunostomia. Ultrassonografia de abdômen 10 dias após a laparotomia salientou imagem hipoecogênica com resíduos em loja esplênica, medindo aproximadamente 11,7 x 4,2 cm, sendo aspirada secreção purulenta acastanhada.

Foi submetido à reintervenção cirúrgica para drenagem do abscesso subfrênico e colocação de dreno em loja esplênica. A cultura da secreção identificou crescimento de Candida tropicallis, iniciando-se tratamento com fluconazol.

O exame anatomopatológico da peça cirúrgica mostrou histologia compatível com tumor estromal gastrointestinal (GIST) > 5/50 HPF, com margens livres e linfonodos livres de neoplasia. A neoplasia alcançava o pâncreas sem, no entanto, invadi-lo. O estudo imuno-histoquímico foi positivo para CD 34 e CD 117.

A alta hospitalar ocorreu 45 dias após a realização da laparotomia, sem indicação de quimioterapia adjuvante, uma vez que o tumor foi ressecado com margens livres.

 

DISCUSSÃO

Os pacientes com GIST evoluem, em cerca de 30% das vezes, de forma assintomática. As manifestações clínicas mais comuns são sangramento digestivo alto, incluindo hematêmese, melena ou sangue oculto nas fezes, em geral em decorrência de úlcera mucosa. As outras manifestações clínicas incluem dor abdominal ou massa palpável. O GIST apresenta-se de forma maligna em 25 a 30% dos casos por ocasião do seu diagnóstico inicial, pelo critério de metástases ou invasão de órgãos ou estruturas adjacentes.7 A avaliação do risco de malignidade é dividida em escalas, de acordo com o tamanho e o índice mitótico9 (Tabela 1).

 

 

A cirurgia está indicada para todos os casos de GIST que causam sintomas ou com suspeita de malignização. O tipo de ressecção a ser empregada depende da localização e do tamanho do tumor. As lesões com suspeita de invasão de órgãos adjacentes devem ser tratadas por cirurgia radical com ressecção em monobloco do órgão acometido. É necessária técnica cirúrgica meticulosa visando prevenir a rotura tumoral durante o ato cirúrgico, pois a cápsula do tumor se rompe com facilidade, podendo resultar em disseminação neoplásica e pior prognóstico9. A metástase linfonodal é evento infrequente10, não havendo subsídio na literatura que corrobore a realização de linfadenectomia de rotina, salvo na vigência de linfonodos macroscopicamente suspeitos. O tratamento cirúrgico da doença metastática está restrito a número limitado de casos, visto que a maioria dos pacientes com doença metastática apresenta disseminação extensa, impossibilitando a ressecção tumoral. Alguns tratamentos foram utilizados para controlar a doença metastática irressecável como radioterapia, quimioterapia sistêmica ou intraperitoneal e a quimioembolização da artéria hepática, porém sem evidências de benefício. A descoberta do mesilato de imatinib revolucionou o tratamento do câncer, por ser a primeira droga a agir especificamente na alteração molecular responsável pela etiologia desses tumores, interferindo na atividade tirosinoquinase dos receptores "Kit".

 

REFERÊNCIAS

1. Martin JF, Bazin P, Feroldi J, Tumeurs myoides intramurales de l'estomac;consideration microscopiques a propos de 6 cas. Ann Anat Path. 1960;5:484-97.

2. Mazur MT, Clark HB. Gastric stromal tumors: reappraisal of histogenesis. Am J Surg Pathol. 1983;7(6):507-19.

3. Kindblom LG, Remotti HE, Aldenborg F, Gastrointestinal pacemaker cell tumor (GIPACT): gastrointestinal stromal tumors show phenotypic characteristics of the interstitial cells of Cajal. Am J Pathol. 1998;152(5):1259-69.

4. Hirota S, Isozaki K, Moriyama Y, Gain-of-function mutations of c-Kit in human gastrointestinal stromal tumors. Science. 1998;279(5350):577-80.

5. Isozaki K, Hirota S, Nakama A, Disturbed intestinal movement, bile reflux to the stomach, and deficiency of c-Kit expressing cells in Ws/Ws mutant rats. Gastroenterology. 1995;109(2):456-64.

6. Huizinga JD, Thuneberg L, Kluppel M, W/kit gene required for intestinal cells of Cajal and for interstitial pacemaker activity. Nature. 1995;373(6512):347-9.

7. Linhares E, Valadão M. Atualização em GIST. Rev Col Bras Cir. 2006;33(1):51-4.

8. Fletcher CDM, Berman JJ, Corless C, Gorstein F, Lasota J, Longley BJ, Diagnosis of Gastrointetinal Stromal Tumors: A consensus approach. Hum Pathol. 2002;33(5):459-65.

9. Ng EH, Pollock RE, Munsell MF, Prognostic factors influencing survival in gastrointestinal leiomyosarcomas. Implications for surgical management and staging. Ann Surg. 1992;215(1):68-77.

10. DeMatteo RP, Lewis JJ, Leung D, Two hundred gastrointestinal stromal tumors: recurrence patterns and prognostic factors for survival. Ann Surg. 2000;231(1):51-8.