RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 19. 1

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Editorial

Escleroterapia de varizes dos membros inferiores: prudência e bom senso

Ernesto Lentz de Carvalho Monteiro

 

A própria intuição nos revela que o tratamento de estruturas anatômicas definitivamente lesadas, sem qualquer possibilidade de regressão, é a sua eliminação, desde que o tecido, mesmo lesado, não tenha importância vital. Embora esta eliminação possa ser realizada por diversos procedimentos, como a abrasão com termo-cautério, a eletrofulguração, a terapia com raios laser e a radioterapia, entre outros, não resta a menor dúvida de que a exérese cirúrgica é a proposta terapêutica mais segura, mais definitiva e sem efeitos colaterais. Este dogma é válido para todos os sistemas. Nenhum médico ousaria, por exemplo, cauterizar ou irradiar uma lesão sugestiva de epitelioma basocelular na pele, uma vez que a exérese cirúrgica bem conduzida dessa lesão é curativa, isenta de riscos e sem prejuízo estético.

Em relação às varizes dos membros inferiores, em suas múltiplas formas clínicas, por tratar-se de veias anormalmente dilatadas, sem função, definitivamente lesadas, o tratamento é sua eliminação por meio de procedimentos seguros e de resultados definitivos. Essa cura diz respeito exclusivamente às veias eliminadas, uma vez que a história natural da doença varicosa, congênita ou adquirida, coloca o paciente sempre exposto ao surgimento de novas varizes.

A técnica mais antiga para o tratamento das varizes é realmente a escleroterapia, isto é, a injeção endovenosa de substâncias lesivas ao endotélio que provocam a trombose da veia varicosa, eliminando-a, portanto, da rede circulatória. Esta técnica, embora tenha perdurado por decênios, sempre foi desapontadora, pelos maus resultados funcionais e estéticos, grande número de complicações e alto índice de recidivas.

Ao longo do tempo, um melhor entendimento da fisiopatologia das varizes pelo desenvolvimento de testes para localizar veias comunicantes insuficientes e, modernamente, pela propedêutica não-invasiva, principalmente o duplex-scan, ao lado do aprimoramento técnico dos cirurgiões e anestesistas, levou o tratamento das varizes a uma preferência cirúrgica universal, proporcionando hoje ao paciente varicoso ótimos resultados funcionais e estéticos insofismáveis, com ênfase para o papel desempenhado pelos cirurgiões brasileiros, de reconhecido talento.

Entretanto, muitos casos permaneceram à margem dos recursos cirúrgicos. O principal grupo de varizes que continuaram sendo tratadas pela escleroterapia são as chamadas microvarizes, com grande gama de apresentações clínicas, de retirada cirúrgica realmente impossível. As microvarizes incomodam muito o paciente, pelo desconforto estético que trazem, sendo responsáveis por grande parcela dos atendimentos em consultório, principalmente pela clientela feminina. Daí a constante procura do esclerosante ideal, que seria aquele capaz de produzir o efeito desejado, sem efeitos colaterais locais ou sistêmicos.

Todos os esclerosantes provocam a mesma lesão endotelial, variando os resultados, bem como as complicações, dependendo da técnica utilizada, pela diluição do produto e pelo volume injetado em cada sessão. Os mais conhecidos são o soro glicosado a 75%, o cloridrato de monoethanolamina, o fenol a 2,5% e modernamente o polidocanol injetado em forma de espuma e, atualmente, com elevado número de seguidores.

Modernamente, alguns angiologistas, principalmente os apologistas do emprego da microespuma de polidocanol, voltaram a insistir no tratamento de varizes de grande calibre por meio da escleroterapia.

Sem desprezar a escleroterapia cuidadosa como única opção para tratamento de hemangiomas e outros defeitos venosos não-ressecáveis ou como complemento de tratamento cirúrgico em casos muito especiais, a generalização da escleroterapia com microespuma de polidocanol, em que pese à opinião contrária de seus seguidores, não tem os resultados apregoados, as complicações não são desprezíveis e as recidivas são precoces, como mostra a já numerosa bibliografia.

Portanto, para tratar varizes, esta complexa doença, recomenda-se, mais do que nunca: prudência e bom senso.

 

Ernesto Lentz de Carvalho Monteiro
Professor de Técnica Cirúrgica da Faculdade de Medicina da UFMG
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular