RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 19. 1

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Artigo Original

Avaliação inicial da prevalência de algumas enteroparasitoses na comunidade de Palmital, município de Berilo-MG

Initial evaluation of some enteroparasitosis prevalence in the community of Palmital, Berilo, MG

Luciamáre Perinetti Alves Martins1; Andréia Aparecida Tognon Bueno Serapião2; Rosângela Frediano Valenciano2; Glória Thaís de Oliveira3; Katiano Jorge Andrade Santos3; Roberto Esteves Pires Castanho4

1. Profa. Dra. da Disciplina de Parasitologia da Faculdade de Medicina de Marília- FAMEMA
2. Biomédicas do Serviço de Parasitologia da Faculdade de Medicina de Marília- FAMEMA
3. Estagiários em Parasitologia do Serviço de Parasitologia da Faculdade de Medicina de Marília- FAMEMA
4. Prof. Dr. Responsável pela Disciplina de Parasitologia da Faculdade de Medicina de Marília- FAMEMA

Endereço para correspondência

Luciamáre Perinetti Alves Martins
Avenida Monte Carmelo, 800 Marília - São Paulo
CEP 17519-030
E-mail: luciapam@famema.br

Instituição: Faculdade de Medicina de Marília- FAMEMA. Disciplina e Serviço de Parasitologia

Resumo

INTRODUÇÃO: as áreas onde as condições de saneamento básico são precárias as parasitoses intestinais persistem como importante problema de saúde pública.
OBJETIVO: este trabalho avalia a prevalência de enteroparasitoses na comunidade de Palmital, situada na região média do Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais carentes do estado de Minas Gerais, que há 11 anos conta com as ações implementadas pela Associação Rural de Assistência à Infância (ARAI- Berilo).
MÉTODOS: o exame parasitológico de fezes foi realizado pelos métodos de Ritchie e Kato-Katz em 149 indivíduos de ambos os sexos com idade de zero a 90 anos.
RESULTADOS: entre os protozoários, foi identificada a prevalência de 8,1% para Giardia lamblia, 6,0% para Entamoeba histolytica/dispar e 63,1% para Blastocystis hominis. A infecção pelos helmintos apresentou ancilostomídeos com 14,8% e Enterobius vermicularis com 2,0%. Moradores na área considerada urbana apresentaram-se mais parasitados quando comparados com os da área rural (p=0,0144).
CONCLUSÃO: os resultados desta pesquisa mostraram que os conhecimentos sobre as formas de transmissão das enteroparasitoses ainda não estão incorporados na população.

Palavras-chave: Protozoários; Helmintos; População Rural; Doenças Parasitárias.

 

INTRODUÇÃO

Várias pesquisas têm mostrado sensível diminuição na prevalência das parasitoses intestinais em grandes centros urbanos nos últimos anos1,2, entretanto, em áreas onde as condições de saneamento básico são precárias as parasitoses intestinais ainda persistem como importante problema de saúde pública.

Os parasitas mais frequentemente diagnosticados, são os protozoários Giardia lamblia e Entamoeba histolytica/díspar; e entre os helmintos, Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura e ancilostomídeos.3 Trabalhos recentes têm destacado a presença de Blastocystis hominis, visto seu potencial poder de patogenicidade, que se apresenta como um dos parasitas mais frequentes.2,4,5

Os geo-helmintos são prevalentes em países em desenvolvimento, onde fatores como condições climáticas, tipo de solo, saneamento, aliados ao comportamento humano, dificultam o seu controle.6 Entre os protozoários, a G. lamblia é encontrada tanto em países em desenvolvimento como em países desenvolvidos, sendo que muitos fatores podem estar envolvidos em sua transmissão, como o fato de seus cistos já serem infectantes no momento da sua eliminação, permitindo a transmissão interpessoal1, e também por ser considerada uma zoonose.8,9 Embora nem sempre causando sintomas clínicos3, a E. histolytica/dispar apresenta distribuição variável, sendo encontrada com maior prevalência nas regiões onde não há saneamento básico.9,10

Também apresentando relação com baixas condições socioambientais, a esquistossomose mansônica tem ampla distribuição no país, com alta prevalência nos estados da região nordeste, norte de Minas Gerais e, atualmente, o surgimento de alguns focos no Sul do país.3

Considerando-se que as parasitoses intestinais ainda afetam grande parcela da população e que existem poucos dados sobre a sua prevalência no norte de Minas Gerais, este trabalho busca avaliar nas diferentes faixas etárias da comunidade de Palmital, situado no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais carentes do estado, após as ações implementadas pela Associação Rural de Assistência à Infância (ARAI- Berilo) e do Fundo Cristão para Crianças (FCC).

 

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo: este estudo foi realizado em dezembro de 2006 na comunidade de Palmital, localizado a 22 Km da sede do município de Berilo, com acesso por estrada de terra. Apresenta uma parte urbanizada, com ruas calçadas de bloquete, fossas sépticas e água encanada de poço artesiano e uma região rural, onde os moradores utilizam água de poço, minas e fossa séptica ou negra. Na comunidade residem 480 pessoas, sendo 156 moradores da região rural e 324 da região urbanizada, os quais recebem assistência médica de uma Unidade de Saúde da Família (USF) e educação em uma escola municipal de Ensino Fundamental (1ª à 4a. série) e por uma creche do ARAI, para crianças até seis anos.

Amostras: após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Marília-SP (nº 333/06), foram escolhidos aleatoriamente 149 (31%) moradores de ambos os sexos, com idade variando de oito meses a 90 anos, os quais assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Todos os resultados foram encaminhados à USF da comunidade para tratamento específico.

Métodos realizados: as amostras fecais foram colhidas em recipientes adequados, sem conservantes e enviadas ao laboratório de análises clínicas de Berilo, onde uma porção do material foi colocada em frascos contendo solução de formol a 10% para a realização do método de Ritchie11 e outra foi utilizada na realização de lâminas para o método de Kato modificado por Katz et al.12. Dessa forma, o material conservado foi enviado ao Laboratório de Parasitologia da Faculdade de Medicina de Marília-SP para a obtenção do diagnóstico laboratorial.

Análise estatística: na análise das prevalências segundo sexo e faixa etária foi utilizado o teste do Qui-quadrado, adotando-se para todos o nível de significância de 5% de probabilidade para a rejeição da hipótese de nulidade. Foi utilizado o programa Copyright Instat 1990-1993.

 

RESULTADOS

Das 149 amostras examinadas, 86 (57,7%) eram de pessoas que residiam na área considerada urbana e 63 (42,3%) na área rural. Do total de amostras, 109 (73,2%) foram positivas para protozoários e helmintos. Os protozoários Endolimax nana (18,2%), Entamoeba coli (17,5%) e Iodamoeba butschlii (3,3%), apesar de terem sido diagnosticados, não serão considerados para fins de discussão, pois não são considerados patogênicos.

Desse modo, entre os protozoários, o mais prevalente foi B. hominis, com 63,1%, seguido por G. lamblia, com 8,1%, e E. histolytica/dispar, com 6,0%. Entre os helmintos foram encontrados 14,8% de ancilostomídeos e 2,0% de E. vermicularis.

A Tabela 1 mostra a distribuição das 149 amostras fecais em cada faixa etária e o número de exames positivos, não tendo sido encontrada diferença estatisticamente significativa em qualquer das faixas etárias (p>0,05).

 

 

Ainda se considerando as faixas etárias, a Tabela 2 mostra a distribuição dessas amostras fecais positivas segundo o local de moradia, na qual se observou resultado estatisticamente significativo (p=0,0144) quando comparado o total de amostras provenientes da zona urbana com a zona rural. Entre as faixas etárias, exceto dos seis aos 12 anos, houve maior número de casos positivos na área urbana quando comparada com a rural, apesar do teste exato de Fisher quando realizado separado por faixa etária não ser significativo (p>0,05).

 

 

A distribuição e prevalência dos parasitas intestinais que foram encontrados nas 149 amostras fecais segundo a faixa etária podem ser observadas na Tabela 3.

 

 

Não se computando os parasitas cujo poder patogênico não está esclarecido, como o B. hominis. E. nana, I. butschlii e E. coli, a prevalência das enteroparasitoses nos 149 indivíduos seria de 30,1%.

Assim, a Tabela 4 demonstra a distribuição dos parasitas comprovadamente patogênicos segundo o local de moradia, na qual se observou diferença estatisticamente significativa no número de casos positivos para ancilostomídeos quando comparados os moradores da área considerada urbana com os da rural (p=0,042).

 

 

Ressalta-se que a falta de resultados positivos para Strongyloides stercoralis, Taenia sp, como também a baixa prevalência de Enterobius vermicularis possam ter ocorrido devido aos métodos parasitológicos utilizados nesta pesquisa.

 

DISCUSSÃO

A comunidade de Palmital foi a escolhida entre as 32 pertencentes ao município de Berilo devido à receptividade do médico da USF local, disponibilizando-se em oferecer tratamento aos moradores parasitados.

Nesta comunidade, em 1986, foi implantado o projeto da Associação Rural de Assistência à Infância (ARAI) em conjunto com o Fundo Cristão para Crianças (FCC), que tem como objetivo promover a qualidade de vida e o desenvolvimento integral da criança e do adolescente13. Assim, com o auxílio destes projetos, as residências pertencentes à parte urbana da comunidade possuem fossas sépticas e são abastecidas com água encanada proveniente de poço artesiano e a parte rural com água encanada de minas ou poços e a maioria destas residências conta com banheiros e fossas sépticas.

Os resultados obtidos nesta pesquisa mostraram 69,1% de positividade nas amostras analisadas, sendo que 30,1% apresentaram parasitas comprovadamente patogênicos e 63,1% apresentaram infecção por B. hominis associada ou não a outros parasitas. Embora vários trabalhos também mostrem significativa prevalência da infecção por B. hominis em diversas regiões brasileiras2,4,14, ainda pairam dúvidas quanto ao seu poder patogênico.2,14,15

A escassez de pesquisas atuais relacionadas às parasitoses intestinais nessa região do estado de Minas Gerais dificulta comparações, mas Amaral13 encontrou índices de positividade elevada em crianças de zero a seis anos em comunidades desse município, no qual Palmital estava incluído.

Na pesquisa citada, Amaral13 encontrou 42,2% das crianças desnutridas e 29,9% das eutróficas parasitadas por G. lamblia, enquanto neste trabalho a prevalência foi de 11,1% para a mesma faixa etária. A diferença nas prevalências de giardíase desta pesquisa com as de Amaral13 deve-se provavelmente às ações profiláticas aplicadas semestralmente pela USF (comunicação pessoal) instalada na comunidade em 2005, uma vez que Amaral realizou a coleta do material em 2001. Os índices obtidos neste trabalho são semelhantes aos encontrados por vários autores16,17,18 em outras regiões do estado de Minas Gerais.

Apesar da melhora na qualidade de vida desses moradores implementada pelo ARAI, FCC e USF, a prevalência do complexo E. histolytica/dispar ainda é alta (6,0%), ficando expressa a necessidade de tratamento da água destinada ao consumo da população. É de se considerar que dentre os principais fatores que influenciam a transmissão da amebíase estão os relacionados aos hábitos alimentares e à qualidade da água utilizada para consumo.

Quanto aos helmintos, o ancilostomídeo foi único geo-helminto encontrado, com 14,8%, observandose que a partir dos seis anos há aumento no número de pessoas infectadas, possivelmente como consequência de mais contato dos indivíduos com o solo. Algumas pesquisas6,17,19 também encontraram o ancilostomídeo como o helminto mais prevalente em escolares deste estado, ressaltando-se que Ferreira et al.19 também o encontraram como o único geohelminto de sua pesquisa.

A prevalência de ancilostomídeos talvez esteja ligada ao tipo de solo e clima semiárido dessa região do Brasil, propícios ao desenvolvimento do parasita, uma vez que em região do nordeste com clima semelhante ao de Palmital este parasita também foi o mais prevalente.20

O encontro de maior número de indivíduos parasitados na área considerada urbana parece estar relacionado à maior concentração de pessoas, associado a hábitos e comportamentos que facilitam a contaminação do solo e a transmissão das parasitoses a novos hospedeiros.

Apesar da esquistossomose nessa região do estado ser considerada de alta prevalência3,21,22, nenhuma amostra foi positiva nesta pesquisa, provavelmente devido ao fato de a população estudada não ser ribeirinha.

 

CONCLUSÃO

Este estudo apresenta limitação quanto ao diagnóstico de S.stercoralis e E.vermiculares, devido à ausência de método adequado de exame parasitológico para a sua identificação.

Os resultados mostraram alguns dados animadores quando comparados aos obtidos por Amaral13, mas estão longe do ideal, visto a alta prevalência de ancilostomídeos., G. lamblia, E. histolytica/dispar e, ainda, B. hominis, demonstrando que os conhecimentos sobre as formas de transmissão das enteroparasitoses ainda não estão incorporados na população.

 

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