ISSN (on-line): 2238-3182
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CAPES/Qualis: B2
Abordagem do derrame pleural parapneumônico em um hospital universitário: onde estamos e para onde devemos ir
Parapneumonic pleural effusion approach in an university hospital: where we are and where we should go
Séphora Fonseca1; Simone Botelho Alvarenga1; Guilherme Rache Gaspar1; Mariana Alves de Almeida1; Thais Guimarães Silveira1; Maíra Donato Andrade1; Cristina Gonçalves Alvim2
1. Acadêmicos do curso de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
2. Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora em Pneumologia Pediátrica
Cristina Gonçalves Alvim
Av. Alfredo Balena, 190 - 2º andar
Belo Horizonte - MG CEP: 30130-100
E-mail: cgalvim@terra.com.br
Instituição: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo
INTROCUÇÃO: o derrame pleural em crianças com pneumonia bacteriana; ocorre em até 50% das vezes.
OBJETIVO: avaliar a abordagem do derrame pleural parapneumônico nos últimos cinco anos no Hospital das Clínicas da UFMG.
METODOLOGIA: análise retrospectiva dos prontuários de todos os pacientes submetidos à toracocentese, drenagem pleural ou videotoracoscopia no período de janeiro de 2002 a julho de 2007.
RESULTADOS: foram estudados 21 pacientes, 71,4% do sexo masculino e idade média de 70,4 meses. Um terço dos pacientes foi encaminhado do interior do estado. A maioria (86%) apresentava comorbidades. A duração da internação variou entre quatro e 50 dias, média de 16,4 dias. Os procedimentos realizados foram drenagem pleural direta (42,8%), toracocentese seguida de drenagem (28,6%) e apenas toracocentese (28,6%). Nos dois primeiros grupos, não houve diferença significativa quanto ao tempo de internação. Videotoracoscopia foi realizada em quatro pacientes, em média 11,5 dias após o início da pneumonia. Apenas dois de seis pacientes com sinais de organização à ultrasonografia foram submetidos à videotoracoscopia. O tempo médio de permanência com dreno de tórax foi de 8,8 dias. As médias da duração da internação e da permanência do dreno foram significativamente mais baixas nos pacientes procedentes de Belo Horizonte (p<0,01). Não foram encontradas associações entre tipo de procedimento, tempo decorrido para realização destes e duração da internação.
CONCLUSÕES: a duração da internação hospitalar dos pacientes aqui observados foi mais prolongada do que o relatado na literatura. Ressalta-se a importância de se reavaliar o papel da videotoracoscopia na redução da morbidade e duração da internação desses pacientes.
Palavras-chave: Derrame Pleural; Criança; Pediatria; Intervenção na Crise; Pneumonia; Empiema.
INTRODUÇÃO
A causa mais comum de derrame pleural em crianças é a pneumonia bacteriana. O derrame pleural ocorre em até 50% dos casos de pneumonia, mas a grande maioria na forma não-complicada (sem invasão bacteriana do espaço pleural), que se resolve sem necessidade de intervenção cirúrgica. O derrame parapneumônico geralmente é suspeitado na realização da radiografia de tórax para o diagnóstico inicial ou avaliação da falta de resposta ao tratamento prévio de pneumonia.
A fase inicial é denominada exsudativa, com líquido de aspecto claro, baixa celularidade, pH normal, LDH>1.000 U/L e bacteriologia negativa. Se o processo não for controlado, ocorre invasão bacteriana do espaço pleural, com intensificação da reação inflamatória, seguida de depósito de fibrina, predispondo a loculações. Esta é a fase fibrinopurulenta, em que pode ser encontrado o empiema (presença de pus). A última fase é chamada de organização, quando pode ocorrer espessamento pleural e encarceramento pulmonar. A abordagem ideal do derrame complicado deve evitar a evolução para a fase de organização com suas complicações. O exame bioquímico do líquido é fundamental na orientação do diagnóstico do derrame complicado e da necessidade de drenagem em líquido não-purulento, indicada quando pH<7,2; glicose<40mg% e/ou LDH>1.000U/L.
A partir da década de 90, tem-se observado na literatura uma mudança na conduta em relação à abordagem do derrame pleural parapneumônico (DPP), com tendência à maior utilização da avaliação pela ultrassonografia (US) tóracica e debridamento cirúrgico por videotoracoscopia mais precoce nos casos de derrame organizado. Essa mudança tem permitido reduzir o tempo de internação e suas complicações, quais sejam: fístula broncopleural, infecção hospitalar, dor relacionada ao dreno e sofrimento do paciente e família.1,2,3
Este estudo surgiu da necessidade de se avaliar a abordagem do derrame pleural parapneumônico no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), comparando-a com o relatado na literatura. Além disso, buscaram-se explicações para o maior tempo de hospitalização dos pacientes no HC/UFMG.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo retrospectivo no qual foi realizado um levantamento de dados nos prontuários de todos os pacientes admitidos na enfermaria de Pediatria do HC/UFMG, com derrame pleural parapneumônico, em um período de cinco anos (janeiro de 2002 a julho de 2007). Foram considerados elegíveis para inclusão no estudo apenas os casos submetidos a algum procedimento cirúrgico (toracocentese, drenagem pleural ou videotoracoscopia), registrado no Centro Cirúrgico do HC/UFMG e cujo derrame estava associado à pneumonia. Foram excluídos os pacientes portadores de neoplasia maligna. O diagnóstico de derrame pleural parapneumônico foi baseado em dados clínicos, laboratoriais e de imagem.
A partir dos registros realizados pela pediatria e cirurgia pediátrica, foram obtidas informações tais como origem do paciente, sexo, idade, duração da febre e sintomas, uso de antibióticos, intervalo entre diagnóstico do derrame e a instituição do tratamento, exames complementares e procedimentos realizados, tempo de permanência do dreno, análise laboratorial do derrame, presença de complicações e outros dados clínicos e laboratoriais do paciente.
Os dados foram registrados e analisados no programa estatístico Epi Info 6.04. A análise descritiva foi gerada a partir de médias, medianas e proporções. Para a análise da associação entre a variável resposta de interesse, tempo de internação e as variáveis intervenientes, foi empregado o teste exato de Fisher. Foram calculados odds ratio (OR) e o intervalo de confiança 95% (IC95). Foi considerado como significância estatística o valor de p < 0,05.
O presente estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, da Unidade Funcional da Pediatria do HC/UFMG e da Diretoria de Ensino e Pesquisa do HC/UFMG.
RESULTADOS
Foram estudados 21 pacientes. Na Tabela 1 estão descritas as características gerais dos pacientes analisados. Foram consideradas comorbidades: anemia, desnutrição, asma, varicela e abscesso hepático; 47% das crianças receberam hemotransfusão e os casos mais graves foram internados no CTI, representando um total de 33,3 %. A utilização de oxigênio suplementar foi rotineira, presente em 76,2 % dos pacientes.
Nas primeiras 48 horas após a admissão hospitalar, a média da dosagem de leucócitos ao hemograma foi igual a 19.981 (+/-14.572 DP) e mediana 17.150 (Δ 2.560 - 68.000). A dosagem da proteína C reativa (PCR) no mesmo momento variou entre 14 e 642, mediana igual a 150 e média 230,54 (+/-194.9 DP).
Quanto à identificação do agente etiológico, hemocultura foi solicitada em 13 pacientes (61,9%), sendo dois casos (9,5%) positivos para Streptococcus pneumoniae e dois (9,5%), para Staphylococcus aureus. Metade (47,6%) dos pacientes utilizou algum esquema antimicrobiano antes da internação. A pesquisa de antígenos por meio da hemaglutinação pelo látex foi solicitada em apenas 23,8% dos casos, sendo positiva em um paciente (Haemophilus iinfluenzae). A análise do líquido pleural evidenciou aspecto amarelo-citrino em 25,9% dos casos, sero-hemorrágico em 11,1% e purulento em 22,2%. A cultura de líquido pleural foi positiva em cinco casos, sendo isolados Streptococcus pneumoniae (n=2) e Haemophilus iinfluenzae (n=2) e Stenotrophomonas maltophilia (n=1).
O ultrassom foi realizado em 71,4 % dos casos. Esse método permitiu a verificação de organização do derrame em 21,1 % dos exames e a quantificação do líquido, sendo que 21,1% eram de pequeno, 5,3% de médio e 10,5% de grande volume. A tomografia computadorizada (TC) foi realizada em 38,1 % dos casos.
Os procedimentos para a abordagem do derrame parapneumônico estão relatados na Tabela 2. Videotoracoscopia foi aplicada em quatro pacientes, em média 11,5 dias após o início da pneumonia. Apenas dois de seis pacientes com sinais de organização ao US foram submetidos à videotoracoscopia.
Na Tabela 3 estão mostrados os tempos decorridos entre a admissão e a realização de procedimentos. Na Tabela 2, evidencia-se a proporção de procedimentos realizados: toracocentese sem drenagem (T), toracocentese seguida de drenagem (TD) e drenagem imediata (DI). Os pacientes não submetidos à drenagem, grupo T, apresentavam derrame sem sinais de complicação. No segundo grupo (TD), a drenagem foi realizada, em média, 5,5 dias após a toracocentese. Não houve diferença significativa estatisticamente quanto ao tempo de internação entre o grupo que realizou TD e o DI, p=0,86. A videotoracoscopia foi realizada em quatro pacientes, dois do grupo TD e dois do grupo DI.
A análise dos possíveis fatores relacionados ao maior tempo de hospitalização é mostrada na Tabela 4. As médias da duração da internação e da permanência do dreno foram significativamente mais baixas nos pacientes procedentes de Belo Horizonte (p<0,01). Não foram encontradas associações entre tipo de procedimento, tempo decorrido para realização destes e duração da internação. Observou-se que no grupo internado mais recentemente, a duração da internação foi mais curta, com significância estatística.
DISCUSSÃO
Fraga et al.4 escreveram relevante revisão que corrobora a importância do US torácico na correta abordagem do derrame pleural parapneumônico complicado. Apesar de em nosso serviço ainda se verificar a utilização frequente dos meios propedêuticos sugeridos5, ainda se está diante de uma média de internação superior à encontrada em outros serviços6,7, como foi o caso de Ramanh et al. 7, que encontraram internação de 8,6 dias em caso de US alterado, em contraste com nossa média geral, de 20,7 dias de internação. Acredita-se que o perfil dos pacientes estudados compromete a comparação devido à gravidade dos mesmos, caracterizada pela elevada frequência de comorbidades, uso de oxigenoterapia e necessidade de terapia intensiva, e à demora até a admissão hospitalar, especialmente daqueles encaminhados do interior do estado - situações comuns a um hospital universitário de referência. Nota-se que, de acordo com a literatura, um dos exames mais utilizados no estudo de derrame pleural foi o ultrassom, estando presente na maioria das investigações.8
Em alguns casos, somente o ultrassom não foi eficaz na avaliação das características do derrame a fim de auxiliar na decisão terapêutica, sendo a tomografia computadorizada (TC) um método complementar. Esta foi realizada em quase 40% dos pacientes, levando-se a questionar se esse número não seria excessivo devido ao alto custo do exame e ao risco mais alto para o paciente devido à irradiação. Novamente, o perfil de complexidade e gravidade dos pacientes estudados pode ser o responsável por esta alta incidência do uso da TC.9
A heterogeneidade do tratamento proposto é uma realidade em nosso serviço. Apesar da falta de homogeneidade das condutas, não foi encontrada diferença estatística referente ao tempo de internação nas condutas tomadas (T, TD, DI), situação que pode ter sido influenciada pelo baixo universo amostral. Outro ponto a se ressaltar é a ainda pequena proporção de pacientes submetidos à videotoracoscopia, mesmo nos pacientes com sinais de organização ao US, onde este procedimento vem sendo recomendado mais precocemente.1,3,6 Em três extensas revisões da literatura sobre a abordagem do derrame pleural parapneumônico, as conclusões mostraram que o debridamento por videotoracoscopia permite a redução do tempo de internação, que se situa em torno de 10 dias quando este procedimento é adotado.1,2,10
A identificação do agente etiológico foi possível em poucos pacientes. A baixa positividade das culturas pode ser parcialmente explicada pela alta frequência de utilização de antibióticos antes da admissão hospitalar. Tal observação reforça a necessidade de mais utilização da pesquisa de antígenos, o que foi feito em menos de um terço dos casos.
A maior limitação do presente estudo é o número reduzido da amostra. Isso se deve a dois motivos principais. Primeiro, o derrame pleural com necessidade de intervenção cirúrgica ocorre em apenas 5 a 10% dos casos de pneumonia. Segundo, é possível que haja perdas de procedimentos não registrados no Centro Cirúrgico, realizados no Pronto-Atendimento do HC/UFMG.
Apesar das limitações, foi possível verificar que a procedência de outros locais contribui para a duração mais prolongada da internação. Observou-se, também, redução do tempo de internação no período mais recente, o que pode refletir tendência à maior aproximação das recomendações mais recentes em termos de abordagem do derrame pleural.10,11
CONCLUSÃO
Este estudo vem demonstrar a complexidade dos pacientes de um hospital universitário e apontar possíveis motivos para a duração da internação mais prolongada do que relatado na literatura. A conduta na abordagem do derrame foi bastante heterogênea em relação ao tipo e o tempo de instituição do procedimento realizado, colocando a necessidade de se buscar um protocolo para avaliar melhor os resultados futuramente. Ressalta-se a importância de se reavaliar o papel da videotoracoscopia na redução da morbidade e duração da internação desses pacientes.
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