RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 19. 1

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Artigos de Revisão

Características da saúde do idoso brasileiro

The brazilian aged people's health characteristics

Renata Junqueira Pereira1; Rosângela Minardi Mitre Cotta2; Sylvia do Carmo Castro Franceschini3; Silvia Eloiza Priore4

1. Nutricionista, Mestre em Ciências da Nutrição pelo Departamento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Viçosa
2. Doutora em Saúde Pública pela Universidad de Valencia - Valencia - Espanha, Professor Adjunto do Departamento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais
3. Doutora em Ciência pela Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de Medicina - São Paulo - Brasil. Professor Adjunto do Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais
4. Doutora em Ciência pela Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de Medicina - São Paulo - Brasil. Professor Adjunto do Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais

Endereço para correspondência

Rosângela Minardi Mitre Cotta
Av. PH Rolfs, s/n - Campus Universitário
Viçosa - MG CEP 35.570-000
E-mail: rmmitre@ufv.br

Instituição: Departamento de Nutrição e Saúde / Universidade Federal de Viçosa

Resumo

O presente estudo objetiva realizar revisão da literatura e caracterizar as condições de saúde da população idosa brasileira. Em menos de 40 anos, o Brasil passou de um perfil de mortalidade típico de população jovem para outro caracterizado por enfermidades complexas e onerosas, próprias das idades mais avançadas. Revela-se o perfil da população idosa, em relação à presença de enfermidades crônicas a conseqüente sobrecarga sobre o sistema sanitário e a necessidade de se programarem políticas e de se adaptar o sistema de saúde brasileiro para atendimento desta nova demanda do grupo idoso.

Palavras-chave: Envelhecimento; Saúde do Idoso; Nutrição do Idoso.

 

INTRODUÇÃO

O envelhecimento aumenta o risco de adquirir enfermidades e incapacidades, e com ele a necessidade de implantar e implementar políticas que visem, garantir e manter, às condições de vida e de assistência sócio-sanitárias adequadas para a população idosa.1,2

No Brasil, paralelamente à transição demográfica, ocorre a transição epidemiológica, caracterizada pelas mudanças nos padrões de morbimortalidade, com diminuição da mortalidade geral e predomínio das morbidades crônico-degenerativas, principalmente no grupo de idade mais avançada.3

Neste sentido, o envelhecimento da população e o aumento da esperança de vida sinalizam para um incremento de patologias crônicas e de incapacidades que requerem uma atenção sócio-sanitária mais efetiva.

De acordo com estudos brasileiros, cerca de 85% dos idosos apresentam, pelo menos, uma doença crônica.4,5 As doenças crônicas representam a principal causa de mortalidade e incapacidade, o que justifica a demanda pelos serviços de saúde, e respondem por parte considerável dos gastos efetuados no setor.6

Considerando-se as características do processo de envelhecimento da população brasileira, o presente estudo teve como objetivo realizar uma revisão da literatura e caracterizar as condições de saúde da população idosa no Brasil.

 

METODOLOGIA

Realizou-se uma revisão bibliográfica da literatura, a partir de duas das principais bases de dados em saúde pública: MEDLINE (base de dados de literatura internacional, produzida pela US National Library of Medicine - NLM), LILACS (Literatura Latino-Americana y del Caribe en Ciencias de la Salud).

De forma complementar ao estudo, foram também consultadas as bases de dados Scielo e os Periódicos da Capes, além de sites da Internet para a busca de documentos do Ministério da Saúde do Brasil (MS), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

 

CONDIÇÕES DE SAÚDE

Embora, no Brasil, haja carência de informações que permitam avaliação, ao longo do tempo, das condições de saúde da população idosa, acredita-se que a população idosa esteja vivendo mais, como também melhor, pois os indivíduos que conseguem sobreviver em idades mais avançadas são selecionados por melhores condições de saúde e melhor qualidade de vida.8

As condições de saúde no idoso podem ser estudadas, através das características de saúde deste grupo etário, que se tornam indicadores de morbimortalidade, da presença de déficits físicos e cognitivos e do acesso aos serviços de saúde, tais como: a prevalência de enfermidades crônicas, a utilização de medicamentos, o acesso aos serviços de saúde, as capacidades física, funcional e cognitiva e a autopercepção da saúde.9

Prevalência de Enfermidades Crônico-Degenerativas

Em menos de 40 anos, o Brasil passou de um perfil de mortalidade típico de população jovem, para outro caracterizado por enfermidades complexas e onerosas, próprias das idades mais avançadas.10

Em geral, as doenças dos idosos são crônicas e múltiplas, perduram por vários anos e exigem acompanhamento médico constante e medicação contínua.11

O bem-estar na velhice resulta do equilíbrio entre as várias dimensões de saúde, sem significar, necessariamente, a ausência de problemas em todas essas dimensões.12

De acordo com estudos brasileiros, cerca de 85% dos idosos apresentam, pelo menos, uma doença crônica e, em 10% são identificadas, em média, cinco dessas enfermidades.5

Estudo de Lima-Costa9, analisando resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998, mostrou que 69,0% dos indivíduos, com 60 anos ou mais, apresentavam, pelo menos, uma enfermidade crônica, sendo esta proporção maior entre as mulheres (74,5%) do que entre os homens (62,2%).

Em estudo de Ramos12, com dados do Projeto Epidoso em São Paulo, verificou-se que 90% da população analisada referiram, pelo menos, uma enfermidade crônica.

Coelho Filho et al.13, estudando idosos do Nordeste do Brasil, mostraram que 92,4% dos indivíduos estudados referiram, pelo menos, uma enfermidade; e a proporção dos que referiram mais de cinco enfermidades foi três vezes maior no sexo feminino (18,7%) do que no sexo masculino (5,8%).

Almeida et al.14, analisando dados da PNAD de 1998, encontraram prevalência de, pelo menos, uma enfermidade crônica em 80,8% dos indivíduos idosos estudados. Este estudo, também, mostrou que o risco de apresentar doenças crônicas foi 4,57 vezes maior para os idosos do que para a população mais jovem; além disso, comprovouse aumento da prevalência dessas enfermidades com o aumento da idade. Padronizando-se a idade, inclusive, houve redução da prevalência com o aumento da escolaridade e da renda. A prevalência de doenças crônicas também foi maior entre as mulheres e entre os que não possuíam planos de saúde.

Os estudos citados revelam o perfil da população idosa, em relação à presença de enfermidades crônicas. Eles confirmam as afirmações da sobrecarga sobre os sistemas sanitários, a necessidade de se programarem políticas públicas e adaptá-las ao sistema de saúde brasileiro, para que ele possa atender a esta nova demanda do grupo idosos.

Capacidade Funcional

De acordo com Ramos12, o conceito de saúde proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) já não se mostra adequado para descrever a saúde do idoso, porque a ausência de doenças é privilégio de poucos e o completo bem-estar pode ser alcançado por muitos, independentemente da presença ou ausência de enfermidades.

Nesse sentido, a capacidade funcional surge como um novo paradigma de saúde para o idoso e o envelhecimento saudável passa a ser resultante da interação multidimensional entre a saúde física e mental, independência na vida diária, integração social, suporte familiar e independência econômica.12,15

Segundo Lima-Costa et al.16, estudando os resultados da PNAD de 1998, a percepção da própria saúde, o comprometimento das atividades cotidianas por problemas de saúde, o fato de estar acamado e o nível funcional cognitivo são melhores indicadores da qualidade de vida em idosos do que especificamente a presença de enfermidades.

Embora o conceito de capacidade funcional seja amplo, abrangendo outros como os de deficiência, incapacidade, desvantagem e autonomia, na prática, trabalha-se com o conceito de capacidade/incapacidade. A incapacidade funcional pode ser definida pela presença de dificuldade ou impossibilidade de desempenho de certas atividades da vida diária (AVD).17

Estudos brasileiros revelam que, aproximadamente, 40% dos indivíduos acima de 65 anos de idade precisam de algum tipo de auxílio para realizar atividades diárias como fazer compras, cuidar das finanças, preparar refeições e limpar a casa. Além disso, 10% requerem ajuda para realizar tarefas básicas como tomar banho, vestir-se, usar o banheiro, alimentar-se, sentar-se e levantar-se de cadeiras e de camas.4,5

Um estudo multicêntrico desenvolvido por Rosa et al.17, analisando idosos de São Paulo em 1989, mostrou que idosos com níveis mais baixos de escolaridade apresentaram chance cinco vezes maior de dependência moderada a grave. Categorias como aposentados, pensionistas e dona de casa tiveram chance oito vezes maior; em relação à idade, entre 65 e 69 anos, a chance foi de 1,9 vezes, aumentando gradativamente, podendo alcançar 36 vezes até os 80 anos e mais; a chance para as mulheres foi duas vezes maior em relação aos homens.

Lima-Costa et al.9, em estudo da PNAD de 1998, também verificaram que a prevalência de incapacidades aumenta com a idade para ambos os sexos.

Rosa et al.17 observaram que as características associadas à dependência moderada/grave foram analfabetismo, ser aposentado, pensionista ou dona de casa, ter mais de 65 anos, morar em domicílios multigeracionais, ter sofrido internação nos últimos seis meses, não visitar amigos e parentes, ter problemas de visão, ter história de derrame e ter avaliação pessimista da própria saúde.

Lima-Costa et al.18, em estudo da PNAD 1998, observaram que a pior função física no idoso esteve associada à menor renda domiciliar per capita, independentemente do sexo. Além disso, os idosos com piores níveis socioeconômicos perceberam a própria saúde como pior, tiveram alguma de suas atividades cotidianas comprometidas por problemas de saúde, estiveram acamados recentemente e queixaram-se mais de dificuldades para realizar atividades da vida diária.

De acordo com Ramos12, em estudo com idosos do Projeto Epidoso em São Paulo, o nível de renda mostrou-se fortemente associado à saúde física e mental. A proporção de idosos, portadores de enfermidades crônicas, depressão e dependência no dia-a-dia foi significantemente mais alta entre idosos de baixa renda.

O estado de viuvez, a solidão, a hospitalização e a exclusão de atividades sociais também podem influenciar negativamente a capacidade funcional do idoso.17, 19

Anderson20, analisando dados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN) de 1989, encontrou que o perfil epidemiológico da população idosa brasileira foi de alta prevalência de morbidades crônico-degenerativas, estando associadas a este perfil, variáveis psicossociais, tais como: prevalência de depressão, solidão e baixa renda per capita.

Utilização de serviços de saúde

Os inquéritos de saúde de base populacional, como a PNAD, são boas fontes de informação sobre o acesso e a utilização dos serviços de saúde, principalmente em sistemas de saúde complexos, como o brasileiro, onde é praticamente impossível obterse conhecimento adequado da situação por meio de dados secundários. As informações fornecidas por esses inquéritos constituem elementos importantes para o planejamento de políticas públicas e mesmo para avaliação de programas e serviços.21

As doenças crônicas representam a principal causa de incapacidades, a maior razão para a demanda por serviços de saúde e respondem por grande parte dos gastos do setor saúde.

Entre as características que predispõem a utilização de serviços de saúde encontram-se as variáveis sociodemográficas, como: idade, gênero, raça e hábitos de vida. A capacidade de consumo de serviços de saúde é condicionada pela renda, cobertura securitária pública ou privada, pela oferta de serviços e pela necessidade definida através da presença de um problema de saúde.14

O processo de envelhecimento associa-se ao aumento dos riscos de incidência de várias enfermidades, quer pelo próprio processo biológico, quer pelos longos períodos de exposição a patógenos. Essa maior incidência e prevalência de morbidades resultam em demanda maior por serviços de saúde pelos idosos, aumentando a necessidade de consultas, de atendimento especializado e estendendo o tempo médio de internação. Além disso, as especificidades e complexidade dos quadros clínicos levam à utilização de serviços mais complexos e mais caros. Assim, o acesso aos serviços adequados às necessidades do idoso representa importante fator na qualidade de vida em saúde.21

Em estudo de Anderson20, analisando resultados da PNSN/89, a proporção de idosos relatando internação, no período de um ano, variou de 10,3% (idosos de 60 a 69 anos) a 21,2% (idosos de 80 anos e mais). Assim, no ano de 1989, aproximadamente 1,9 milhões de internações ocorridas no Brasil foram de pessoas com 60 anos ou mais de idade, representando 10% do total de internações ocorridas no Brasil.

Camarano et al.8, analisando as internações ocorridas no país pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mostraram que as principais causas de internações hospitalares, para indivíduos de 60 anos ou mais, de ambos os sexos, foram as doenças do aparelho circulatório, seguidas pelas do aparelho respiratório. As duas juntas responderam por mais de 50% das causas de internação para o grupo idoso. A terceira causa foram as doenças do aparelho digestivo, para ambos os sexos, mas a sua importância, em relação às duas primeiras, foi menor: 9,6% das internações do sexo masculino e 8,3% do sexo feminino.

Segundo esses mesmos autores, mais da metade das internações hospitalares na rede SUS, por causa das doenças do aparelho circulatório, foi de pessoas com 60 anos ou mais, de ambos os sexos. Aproximadamente, um terço das internações por doenças das glândulas endócrinas, nutricionais, metabólicas e transtornos imunológicos e por doenças do sistema nervoso foi, também, da população idosa. E quase 40% das internações por neoplasmas foram de mulheres idosas.20

Lima-Costa et al.16, quando analisaram a PNAD/98, reconheceram que a procura por serviços de saúde e o não atendimento pelos mesmos foram mais freqüentes entre idosos de menor renda. Além disso, a filiação ao plano de saúde privado foi mais freqüente entre os idosos com maior renda.

Esses mesmos autores verificaram que a situação econômica afetava negativamente e igualmente a saúde de idosos e indivíduos mais jovens no Brasil.

Almeida et al.14, estudando os resultados da PNAD de 1998, encontraram que a utilização dos serviços de saúde pela população idosa brasileira foi maior 1,8 vezes entre os portadores de enfermidades crônicas, com demanda significantemente maior de consultas médicas. Contudo, não houve diferença estatisticamente significativa entre o número médio de consultas pelo SUS e pelos planos de saúde privados.

Esses mesmos autores, observaram, que o número de internações no último ano foi 3,5 vezes maior entre os portadores de enfermidades crônicas do que entre os demais.14

Pinheiro et al.22, estudando idosos de diferentes classes socioeconômicas e bairros da cidade do Rio de Janeiro, constataram que existiam desigualdades no consumo de serviços de saúde, em relação à condição socioeconômica e em relação ao local de moradia dos idosos: os idosos de maior renda e que residiam em bairros de melhor nível socioeconômico tinham maior acesso aos serviços de saúde.

Estudo de Bós e Bós 23, analisando os determinantes da utilização dos serviços de saúde entre idosos que participaram do estudo realizado pelo Conselho Estadual do Idoso do Rio Grande do Sul (CEI-RS), observaram que as chances de utilização de serviços de saúde pelos idosos foram 15% maiores para os indivíduos do sexo feminino; 2,7% maiores com o aumento da idade a cada ano; 4% maiores para cada ano de escolaridade a mais; 7% maiores com o aumento da renda individual em um salário mínimo; 20% maiores com o aumento da renda domiciliar em um salário mínimo e 15% menores com o aumento de uma pessoa na família.

Esses mesmo autores observaram que com o aumento da renda, o idoso apresentava maior tendência a escolher o atendimento pela rede privada de saúde.23

Utilização de Medicamentos

Os idosos, geralmente, apresentam múltiplas enfermidades e, portanto, utilizam maior quantidade de medicações.

As mudanças fisiológicas que acompanham o processo de envelhecimento influenciam as concentrações de medicamentos e seu metabolismo no organismo, de forma que a polifarmácia e as interações entre drogas podem influenciar negativamente a capacidade funcional, bem como a habilidade psicomotora e cognitiva dos idosos - o que aumenta o risco de acidentes, ferimentos, isolamento e, finalmente, institucionalização.24

Segundo Rozenfeld25, a maioria dos idosos consome, pelo menos, um medicamento, e cerca de um terço deles consome cinco ou mais simultaneamente.

O uso dos medicamentos varia conforme a idade, o sexo, as condições de saúde e outros fatores de natureza social, econômica ou demográfica. Vinte e cinco por cento da população mundial não têm acesso, ou têm acesso limitado, aos fármacos.26

No Brasil, estima-se que, aproximadamente, 23% da população consumam 60% da produção de medicamentos, e que, 64,5 milhões de pessoas, em condições de pobreza, não tenham como comprar remédios. Além da idade e do sexo, outros fatores predisponentes para o uso de medicamentos têm sido identificados no país. No grupo dos idosos, as mulheres mais velhas, com maior renda familiar e com mais sintomas, utilizam mais medicamentos prescritos.25

Atualmente, o uso de medicamentos pelos idosos tem gerado preocupação quanto aos gastos excessivos e aos possíveis efeitos, benéficos ou indesejáveis.

Estudo de Lima-Costa et al.18, analisando os resultados da PNAD de 1998, verificou que o gasto médio mensal com medicamentos compromete cerca de um quarto (23%) da renda mensal de metade da população idosa brasileira.

No Brasil, estudos populacionais sobre o consumo de produtos farmacêuticos evidenciam o uso crescente com a idade, tanto no interior, como em grandes centros urbanos. O número médio de produtos consumidos oscila entre dois e três medicamentos.27

 

A INFLUÊNCIA DAS CONDIÇÕES DE VIDA NA SAÚDE DO IDOSO

As piores condições de vida favorecem a ocorrência de doenças e dificultam a adoção de hábitos sadios de vida.14

Pelas dificuldades em relação à saúde, já comentadas anteriormente, o fato de morar sozinho pode acarretar uma série de dificuldades adicionais ao idoso, como, por exemplo, o sentimento de solidão e de exclusão social, a má alimentação, além de dificuldades com a higiene pessoal e do próprio domicílio. Assim, morar sozinho pode ser bom para o idoso, desde que existam condições econômicas e físicas suficientes para a manutenção do auto-cuidado.20

Em estudo de Anderson20, com dados da PNSN de 1989, embora a maioria da população idosa brasileira estivesse morando com duas ou mais pessoas, a maior proporção de idosos morando sozinhos esteve entre as mulheres com 70 anos ou mais (15%), sendo que, para os homens, esta proporção foi de 6%.

Estudo de Ramos12, com idosos do Projeto Epidoso em São Paulo, mostrou que os idosos vivendo sozinhos eram, em geral, mulheres de origem urbana, viúvas, de baixo nível socioeconômico, portadoras de várias enfermidades, com nível intermediário de dependência no dia-a-dia.

Esse mesmo autor observou, também, que os domicílios multigeracionais, além de serem muito prevalentes, associavam-se ao baixo nível socioeconômico e, mais que uma opção sociocultural, tais arranjos representavam formas de sobrevivência.12

Desta forma, pode-se afirmar que os tipos de arranjos domiciliares abrigam idosos com características bastante distintas e tais características vão demandar dependência da família, em maior ou menor grau.

Diversos estudos que abordam as trocas de apoio entre o idoso e a família, tanto no que diz respeito aos recursos físicos, financeiros e com relação à coabitação, mostram que quanto menor a renda e piores as condições de saúde dos idosos, maiores as suas chances de receber apoio dos familiares. Paralelamente, tem sido observado, em estudos com a população idosa brasileira, que há uma transferência de apoio do idoso para a família, e que, muitas vezes, chega a ser bem próximo da base que a família proporciona.28 Essa afirmação encontra adesão no trabalho de Camarano et al.8, sugerindo que, quando se reduzem ou se aumentam os benefícios previdenciários, o Estado não está simplesmente atingindo um grupo de indivíduos, mas uma fração razoável dos rendimentos de famílias inteiras.

Um indivíduo que chegue aos 80 anos, capaz de gerir sua própria vida e determinar quando, onde e como se darão suas atividades de lazer, convívio social e trabalho, poderá ser considerado saudável, independentemente da presença de enfermidades crônicas, importando que esta pessoa mantenha sua autonomia, seja feliz e integrada socialmente.12

Assim, o bem-estar na velhice seria o resultado do equilíbrio entre as várias dimensões da capacidade funcional do idoso, sem significar a ausência de doenças.12

 

REFERÊNCIAS

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