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ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Diagnóstico diferencial da telarca precoce: ainda um desafio
Differential diagnosis of premature thelarche: still a challenge
Sarah Baccarini Cunha1; Ivani Novato Silva2; Antônio José das Chagas3; Eugênio Marcos Andrade Goulart4; Maria Teresa Filgueiras5
1. Médica-assistente da Divisão de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG
2. Professora Associada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina, Divisão de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG
3. Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina, Divisão de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG
4. Professor Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG
5. Médica-assistente do Serviço de Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da UFMG
Ivani Novato Silva
Depto de Pediatria da FM - UFMG
Av. Alfredo Balena, 190 s/267 - 2º andar
Belo Horizonte MG CEP 30130 - 100
E-mail: ivanins@medicina.ufmg.br
Instituição: Divisão de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas/ Departamento de Pediatria da UFMG; Belo Horizonte, MG.
Resumo
OBJETIVO:identificar as características de meninas com telarca precoce isolada (TP) que teriam utilidade no diagnóstico diferencial com puberdade precoce central (PPC).
MÉTODOS:foram estudadas 45 meninas entre 12 meses e seis anos de idade com relato de crescimento de mamas isoladamente, sem qualquer outro sinal de puberdade, atendidas na Divisão de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
RESULTADOS:o início da telarca ocorreu antes de 24 meses de idade em 97,8% delas. Não houve progressão para o quadro de puberdade durante acompanhamento mediano de 13 meses. Observou-se variação clínico-laboratorial, tendo ocorrido aceleração transitória da velocidade de crescimento ou avanço da idade óssea em 15% das meninas, além de alterações ultra-sonográficas. Esses achados caracterizam um quadro intermediário entre TP e PPC nesse percentual. Observou-se, ainda, que 33% das que tinham até quatro anos de idade apresentaram níveis puberais de LH após estímulo, mas níveis de FSH muito mais elevados e não evoluíram clinicamente para puberdade. Elevação acentuada e predominante de FSH foi observada em 100% da amostra após estímulo com GnRH, o que praticamente define o diagnóstico de TP.
CONCLUSÕES:o quadro laboratorial na TP apresenta variações, o que reforça a importância do acompanhamento clínico no diagnóstico diferencial com PPC. O teste com GnRH deve ser interpretado com cautela em idades até quatro anos. Elevação acentuada e predominante de FSH praticamente define o diagnóstico de TP.
Palavras-chave: Puberdade Precoce/ultra-Sonografia; Hormônio Liberador de Gonadotropina.
INTRODUÇÃO
Telarca precoce (TP) é considerada uma variante benigna do desenvolvimento puberal, definida como o crescimento de mamas sem qualquer outro sinal de maturação sexual, em meninas com idade inferior a oito anos de idade cronológica.1Entre seis e oito anos de idade, o aparecimento de mamas pode ser parte de um desenvolvimento puberal fisiológico adiantado e merece cuidadosa avaliação. A TP é muito freqüente, principalmente nos dois primeiros anos de vida, e pode ser o primeiro sinal de puberdade precoce central (PPC), sendo, neste caso, patogênica e na maioria das vezes necessitando de tratamento. Classicamente, em meninas com TP, o crescimento e maturação óssea são considerados normais, não existem outros sinais de atividade estrogênica ou desenvolvimento de pêlos axilares e/ou pubianos, alterações de comportamento ou dificuldades escolares.2
O mecanismo fisiopatológico da TP ainda permanece desconhecido, sendo as principais hipóteses a maior sensibilidade do tecido alvo a discretas elevações do estrógeno, ativação parcial do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal com desequilíbrio da relação LH/ FSH ou produção excessiva autônoma de estrógeno por cistos ovarianos.3-5
A descrição da evolução dessas crianças tem a finalidade de contribuir para o diagnóstico e a diferenciação com a PPC levando à correta identificação do quadro, uma vez que existe ainda muita diversidade de informações na literatura.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Foram estudadas, em coorte longitudinal, todas as meninas com TP, com idade cronológica (IC) entre 12 meses e seis anos, encaminhadas para a Divisão de Endocrinologia Pediátrica e do Adolescente do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais no período de 2001-2002.
Foram incluídas 45 meninas com relato de crescimento isolado de mamas, sem qualquer outro sinal de puberdade. Crianças com síndromes genéticas que pudessem estar associadas à puberdade precoce (PP) ou com relato de uso de cosméticos ou medicamentos que contivessem estrógeno não foram admitidas no estudo.
O acompanhamento clínico foi realizado a cada três meses, com ênfase na aferição de dados antropométricos, exame das mamas, classificadas pelo método de Tanner6 e exame detalhado da área genital. A VC foi avaliada segundo critérios de Tanner et al.7 Para avaliação antropométrica dos pacientes, foi utilizado o programa Epinutri do software Epiinfo, versão 6.03 que utiliza dados do National Center for Health Statistics - NCHS.8
Avaliação da idade óssea (IO) foi realizada pelo método de GP9 por um mesmo avaliador. Foi analisada a relação ΔIO/ΔIC, isto é, a relação entre o ganho temporal entre as duas variáveis.
Relação acima de 1.4, valor máximo obtido considerando +2 DP da média para a IC, caracterizou avanço da IO.9
A ultra-sonografia pélvica foi realizada pelo mesmo examinador e, na avaliação do útero, relação corpo/colo > 1 foi relacionada ao início puberal.10-13Morfologicamente, os ovários foram classificados, de acordo com os trabalhos de Salardi12 e Buzi11, em: homogêneo: ausência de folículos; paucicistico: aquele com menos de quatro folículos menores que 9 mm; microcístico: aquele que apresentasse quatro ou mais folículos menores que 9 mm; macrocístico: aquele que apresentasse cistos (folículo ovariano maior que 9 mm).
A avaliação laboratorial foi realizada, no mínimo, em dois momentos para cada menina, ao diagnóstico e após 3-6 meses de acompanhamento. As dosagens de LH, FSH e estradiol foram realizadas no Laboratório Central do HC-UFMG pelos métodos de radioimunoensaio (RIA) em 11 meninas e por quimioluminescência (ICMA) em 34 delas (após mudança metodológica no laboratório). A sensibilidade do estradiol em ensaios por RIA foi de 7 pg/mL, do FSH e do LH, de 0,2 mUI/ mL, segundo dados dos fabricantes dos kits. A sensibilidade do estradiol em ensaios por ICMA foi de 12 pg/mL e as do LH e FSH de 0,1 mUI/mL.
A resposta das gonadotrofinas ao GnRH (100 mcg, IV) foi medida coletando-se amostras de sangue para determinação do LH e FSH basais, 30 e 60 minutos após estímulo. A resposta puberal foi caracterizada pela concentração de LH maior que 5 mUI/mL na metodologia ICMA14 e pela elevação do LH de pelo menos 15 mUI/mL em relação ao basal ou valor absoluto maior ou igual a 25 mUI/mL no método RIA.15
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG. As crianças foram incluídas após assinatura de termo de consentimento pelo responsável, após informação detalhada do estudo.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Foi avaliada a distribuição de freqüência das variáveis temporais e de classificação das mamas e da presença de folículos e cistos ovarianos. O ganho estatural foi analisado pela diferença de escore Z (estatura/idade) em relação ao tempo. O teste "t" de Student foi utilizado para comparação de médias e o teste do quiquadrado para as associações entre concentração de LH, volume uterino e ovariano com a IC e IO, considerando-se significativo o valor de p-alfa<0,05.
RESULTADOS
Foram acompanhadas 45 meninas com idade média de 2,5 ± 1,4 anos na primeira consulta, durante o período de 6-46m (mediana de 13 meses). Não foram observados, durante o período, sinais clínicos compatíveis com quadro evolutivo para PPC.
A telarca ocorreu antes de dois anos de idade em 97,8% das meninas, sendo 35,6% desde o nascimento. À primeira consulta, 37,8% das meninas tinham mamas M2 e 62,2% M3, que evoluíram durante o acompanhamento com aumento em 8,9%, regressão em 24,4%, tamanho inalterado em 60% e flutuação (aumento e regressão) em 6,7% delas. A telarca era unilateral em 11% das meninas.
Seis meninas (13%) apresentaram aceleração da VC. Observou-se, nesse grupo, SDS=0,24 ± 1,1 na primeira consulta e 0,48 ± 1,05 após 13 meses de seguimento, com diferença significativa (p=0,006). Durante o período não foram observados outros dados clínicos de puberdade. A análise das outras 39 meninas não mostrou aceleração da VC durante o estudo (p=0,11).
A relação ΔIO/ΔIC foi de 1,02 ± 0,4, mostrando que não houve avanço da IO do grupo de 45 meninas durante o acompanhamento de 13 meses. Sete (15,5%) apresentaram IO avançada em relação à IC na primeira avaliação, não tendo apresentado, no entanto, aceleração da VC.
A concentração média do estradiol basal dos exames realizados por RIA estava dentro dos valores de referência, enquanto a média de estradiol por ICMA estava acima do valor de referência para a idade nas duas avaliações (Tabela 1).
As concentrações de LH e FSH basais estavam dentro do valor de referência. Após estímulo com GnRH o FSH mostrou hiper-resposta em relação ao basal, nas duas avaliações, independentemente do método usado (Tabela 1).
As concentrações de LH após estímulo com GnRH estavam de acordo com os valores de referência nas meninas que realizaram exames por RIA. Quinze (33%) até quatro anos de idade (mediana=18 meses) mostraram resposta puberal do LH ao estímulo com GnRH aos 30 e 60 minutos, quando o exame foi feito pelo método ICMA. As outras mostraram valores pré-púberes (Tabela 1).
A IC foi inversamente associada à maior probabilidade de resposta puberal ao estímulo com GnRH nas meninas. Na primeira avaliação, meninas com idade igual ou inferior a dois anos tinham sete vezes mais chance de apresentarem resposta púbere após estímulo com GnRH (p=0,02; OR=7,43; IC 95%=1,21 a 58,5). Na segunda, tinham 5,6 vezes mais chance de apresentarem esta resposta (p=0,04; OR= 5,6; IC 95% = 1,02 a 33,01).
Não foi observada diferença entre os valores de LH basal ou máximo após estímulo, quando as meninas que apresentaram aceleração da VC ou avanço da IO foram comparadas às que não apresentaram essas alterações (p=0,13 e p=0,99, respectivamente). Os valores de estradiol foram significativamente mais elevados nas que apresentaram essas alterações (p=0,045).
Os resultados da avaliação ultra-sonográfica são apresentados na Tabela 2.
Nas duas avaliações realizadas, 6,7% das meninas apresentaram ovários homogêneos (n=3), 44,4% ovários microcísticos (n=20), 40% paucicísticos (n=18) e 8,9% macrocísticos (n=4). O volume ovariano ou uterino estava acima de 2DP da média para a idade em 20% das meninas, sem associação com os dados hormonais ou aparecimento de outros dados clínicos. Não houve evidências de crescimento progressivo de ovários ou útero durante o período de observação.
DISCUSSÃO
A correta caracterização de meninas com TP é fundamental, porque seu diagnóstico implica apenas acompanhamento clínico, com a perspectiva de bom prognóstico em longo prazo, ao contrário do seu principal diagnóstico diferencial, a PPC, um quadro evolutivo, com aceleração da VC e da maturação óssea, que necessita de tratamento prolongado e oneroso, caso seja confirmado.
As 45 meninas estudadas apresentavam TP isolada, confirmada pelo acompanhamento durante no mínimo um ano sem evolução clínico-laboratorial. Algumas características clínicas dessas meninas sugerem fortemente o diagnóstico de TP isolada, como o aparecimento das mamas antes de dois anos de idade. Os achados de estadiamento em M2-M3 ou crescimento unilateral também são frequentemente relatados.16-18
Foram observadas alterações no tamanho das mamas, como regressão ou crescimento, durante um ano de acompanhamento, sendo que 6,7% das meninas apresentaram flutuação de tamanho. Embora a presença de cistos ovarianos seja uma possível causa para essas flutuações durante o seguimento, não foi possível relacioná-las com cistos ao ultra-som ou outros sinais de estimulação estrogênica neste estudo, como também relatado por outros autores.19
No entanto, foram observadas várias características não esperadas para meninas com TP, em relação à maioria das publicações. Um percentual delas (13%) apresentou aceleração da velocidade de crescimento, sem outros sinais de evolução puberal. Esse achado está em desacordo com inúmeros relatos que descrevem VC normal em meninas com TP e consideram este dado um dos pontos importantes para diagnóstico diferencial com PPC.3,20-22
Observações semelhantes levaram à descrição, por alguns autores, de um quadro intermediário entre TP e PPC, caracterizado como "variante de telarca".23-25 Essas meninas apresentariam características parciais de uma e outra entidade, sem evoluírem para o quadro clássico de PPC. Nossa observação sugere que a aceleração transitória da VC pode acontecer em crianças com TP sem significar PPC, visto que nenhuma delas com essa característica evoluiu para PPC após período mínimo de um ano de acompanhamento. Sales et al. descreveram valores intermediários de IGF-1 e da relação IGF-1/IGFBP-3 entre meninas com TP e crianças pré-puberes e PPC, sugerindo um padrão diferente de funcionamento do eixo GH-IGF-1 nessas crianças.26
Foi observada, também, idade óssea avançada em relação à IC em 15,5% das meninas, sem que se pudesse detectar aceleração concomitante da VC. Esse dado está presente em alguns relatos da literatura18, mas não é consenso.22 O mais importante, no entanto, é que não foi encontrada aceleração progressiva da idade óssea, um fator importante para caracterizar a TP no diagnóstico diferencial com a PPC. Também aqui a observação clínica, que não mostrou evolução das meninas para PPC, é fator preponderante para essa diferenciação.
Pacientes com telarca isolada podem apresentar graus leves de ação estrogênica vulvar, o que poderia estar refletindo secreção de estrógeno ocasional.4,27,28 Existe grande sobreposição entre os níveis de estradiol em meninas com TP, PPC e meninas pre-púberes normais29-31, em parte relacionada à metodologia de realização do exame. No presente estudo, o estradiol, dosado por ICMA, mostrou-se elevado, sem associação com evolução puberal. Dessa forma, e especialmente devido à sua grande variação, concordamos com seu valor limitado no diagnóstico diferencial com a PPC.
O teste de estímulo com GnRH tem sido usado para identificar a ativação do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas (HHG), no diagnóstico diferencial entre PPC e TP.5,31,32 O desenvolvimento de ensaios mais sensíveis melhorou essa diferenciação, dado observado neste estudo, quando identificaram-se crianças com estímulo hormonal por meio de exames realizados pelo método ICMA e não RIA. Desde a década de 70, vários trabalhos relataram resposta predominante do FSH após estímulo com GnRH em meninas com TP, em relação a outras meninas pre-púberes.5,31,32 Devido às diferenças encontradas entre as concentrações de gonadotrofinas, postulou-se que em meninas com TP haveria ativação parcial do eixo HHG afetando somente o FSH. Um distúrbio da sensibilidade de receptores hipotalâmicos para o FSH levaria à alteração na sua liberação e poderia induzir o desenvolvimento de pequenos folículos nos ovários. A produção de estrógeno resultante poderia levar ao desenvolvimento de mamas.5,32 A elevação exagerada da concentração de FSH após estímulo com GnRH, característica da TP, foi encontrada em todas as crianças do presente estudo, corroborando os achados do acompanhamento clínico.
No entanto, deve ser enfatizado que um número significativo de meninas com idade inferior a quatro anos, e especialmente abaixo de dois anos, apresentou elevação também do LH em concentrações freqüentemente acima dos níveis de corte aceitos como diagnósticos de PPC e não evoluíram com esse quadro clínico. Foi o que ocorreu, p.ex., com uma das meninas, com 25 meses de idade, que apresentou FSH basal de 5,8 e 45,2 mUI/mL após 30', enquanto o LH foi de 0,7 no basal para 17,0 mUI/mL após o estímulo. Nesses casos, os valores desproporcionalmente elevados de FSH e a baixa relação LH/FSH são importantes para a exclusão do diagnóstico de PPC. Algumas vezes esses valores do FSH (ou do LH) são inadvertidamente interpretados como resposta positiva ao teste de estímulo com GnRH, justificando diagnóstico e tratamento inadequados, com graves conseqüências para a criança e sua família. Várias evidências indicam que o eixo HHG está ativo, especialmente nos primeiros dois anos de vida, quando as gonadotrofinas, LH e FSH, são detectáveis no sangue em níveis puberais. Foi sugerido que, aparentemente em resposta a esse estímulo, a formação de folículos ovarianos aumentaria.33 Como já enfatizado, cuidado especial deve ser tomado na interpretação da concentração de gonadotrofinas em crianças nessa faixa etária, já que tanto o LH como o FSH podem estar elevados e conduzir ao falso diagnóstico de PPC.34,35
Um parâmetro de grande utilidade para o diagnóstico diferencial entre TP e PPC é a avaliação da ultra-sonografia pélvica. Na literatura, não há uniformidade de padrões esperados para cada idade36-38 e este é um dado a ser considerado. Apesar disso, muitos autores observaram que o volume uterino nas meninas com telarca precoce está dentro dos valores de referência para a idade.13,39,40 No presente estudo, 13% das meninas apresentaram volume uterino acima de +2 DP da média e 19% tinham volume ovariano maior que +2 DP, sem outros achados puberais. Herter et al.12 também encontraram essa variação em meninas com TP. Acredita-se que esses achados possam refletir variações individuais, não sendo, necessariamente, patogênicos. A relação corpo/colo uterino > 1, considerada por alguns autores sugestiva de PPC38, também não auxiliou o diagnóstico em nosso estudo, considerando que 15,7% das meninas com TP tiveram essa relação maior que 1 e não apresentaram evolução de seu quadro clínico. Esses achados poderiam estar relacionados à ação de estrógeno produzido por cisto ovariano, que não se pôde documentar, ou outras causas como alterações dietéticas com exagerado consumo de fitoestrógenos, como recentemente sugerido.41 No entanto, a constatação periódica à ultra-sonografia de ausência do crescimento uterino e de endométrio configurando quadro não evolutivo, característico de TP e excludente de PPC, é mais importante que os achados isolados de aumento do volume uterino ou da relação corpo/colo.
Verificou-se predomínio de ovários não homogêneos nas meninas com TP, principalmente de ovários microcísticos e paucicísticos. Apesar do ovário homogêneo ser típico do estádio pré-puberal12, estrutura ovariana não homogênea tem sido descrita em meninas com TP. Herter et al.12 relataram ovários paucicístico e macrocístico na TP. Della Manna et al. descreveram a mesma freqüência de ovários microcísticos em meninas com PPC e com TP. Crofton et al. encontraram ovários com estrutura não homogênea em meninas com TP e sugeriram que o desenvolvimento folicular aumentado estaria, provavelmente, sob influência do FSH.42 No presente estudo, não foi possível correlacionar variações do tamanho das mamas e as outras alterações com a presença e o tamanho dos cistos ovarianos detectados. Observouse que, mesmo quando a ultra-sonografia pélvica é realizada por profissional experiente, é preciso considerar a variabilidade dos padrões ultra-sonográficos esperados para cada idade.36-38 É desejável, portanto, muito critério na interpretação desses dados e que, preferencialmente, a evolução das imagens seja acompanhada pelo mesmo profissional.
Concluiu-se que houve grande variabilidade dos dados hormonais, radiológicos e ultra-sonográficos no grupo de meninas com TP. Como a apresentação não é uniforme, elas necessitam de avaliação cuidadosa e acompanhamento em longo prazo. Esse acompanhamento a cada 3-4 meses, para avaliar a progressão de caracteres sexuais, a velocidade de crescimento, a idade óssea e o volume uterino ao ultra-som, é que vai permitir caracterizar o quadro em estacionário ou em regressão, no caso da TP, ou evolutivo, na PPC. O diagnóstico diferencial com a PPC deve ser criteriosamente estabelecido, especialmente nas meninas com IC inferior a dois anos, antes da decisão terapêutica. A observação clínica cuidadosa e a adequada orientação aos pais pode evitar um longo tratamento, com riscos para a criança, além de oneroso. Neste estudo, apenas o achado de FSH muito elevado em relação ao LH, após estímulo com GnRH, esteve presente em 100% das meninas, podendo, na prática, sugerir fortemente o diagnóstico de TP e excluir PPC.
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