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CAPES/Qualis: B2
Tuberculose linfonodal disseminada sem acometimento de linfonodos periféricos
Disseminated lynphonodal tuberculosis with no onset of peripheral lynphonodes
Mauro Herbert de Carvalho Landim
Resumo
É descrita a evolução da tuberculose em paciente com síndrome da imunodeficiência adquirida caracterizada por síndrome febril, acometimento do estado geral e dor abdominal. A radiologia do tórax revelou alargamento mediastinal. A tomografia computadorizada do tórax e a ultrassonografia abdominal revelaram, respectivamente, linfadenomegalias mediastinais bilaterais, abdominais e acometimento hepatorrenal sem linfadenomegalias periféricas. A mediastinoscopia com biópsia estabeleceu o diagnóstico da tuberculose
Palavras-chave: Tuberculose; Tuberculose dos linfonodos; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida.
A incidência de formas extrapulmonares de tuberculose tem aumentado de modo surpreendente, constituindo um dos critérios para diagnóstico de síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA).
A epidemia de SIDA vem modificando o conceito clássico de tuberculose linfonodal, considerada anteriormente uma forma orgânica isolada.
A tuberculose linfonodal decorre da disseminação, por via hematogênica, de focos bacilares pulmonares. Embora qualquer cadeia linfonodal possa estar comprometida, localiza-se com mais frequência nas regiões cervicais, supraclaviculares e hilomediastinais.
Com o evento da associação tuberculose/ vírus da imunodeficiência adquirida (HIV), considera-se, acima de tudo, uma manifestação grave de doença sistêmica pronta a disseminar-se.
A maioria dos pacientes com SIDA com tuberculose linfonodal possui acometimento de linfonodos cervicais. Poucos casos mostraram acometimento de cadeias linfonodais - mediastinais ou abdominais - isoladas sem acometimento periférico.
Não há descrição de acometimento mediastinal, hepático, renal e abdominal pela tuberculose, sem apresentar linfadenomegalia periférica.
RELATO DO CASO
Paciente masculino, 41 anos, negro, casado, vendedor ambulante, natural e residente em Belo Horizonte, admitido na Santa Casa de Belo Horizonte com tosse, expectoração mucoide, febre vespertina, sudorese noturna e perda ponderal de aproximadamente 10 quilos desde 45 dias antes.
Ex-tabagista de aproximadamente 20 anos/ maço, ex-etilista (não quantificou o grau de etilismo) e negava uso de drogas ilícitas e relação homossexual.
Apresentava-se hidratado, hipocorado +/4+, acianótico, anictérico, eupneico, apirético, sem lifonodos cervicais, inguinais, axilares e supra-axilares palpáveis. O murmúrio vesicular era audível universalmente sem ruídos adventícios. O abdome estava plano, flácido, peristáltico, doloroso difusamente à palpação profunda.
A telerradiografia do tórax mostrava imagem nodular hilomediastinal bilateral (Figuras 1 e 2)
A propedêutica complementar mostrou:
Hb: 9,4 g/dL, Ht: 28,6 %, Hm: 3,44 milh/mm³,HCM: 27,3 pg, VCM: 83,1fl, CHCM: 32,8 g/dL, RDH: 14,6, leucócitos:4400 /mm3, bastonetes: 12%, segmentados: 77%, monócitos: 2%, linfócitos: 9%, plaquetas: 218.000 /mm3;
glicose de jejum: 68 mg/dL;
ureia: 28 mg/dL;
creatinina: 1 mg/dL;
cloretos: 105 mEq/L;
potássio: 5 mEq/L;
sódio: 140 mEq/L
A tomografia computadorizada do tórax evidenciou lifonodos mediastinais, alguns cofluentes, outros com centro hipoatenuante e realce periférico, comprometendo os sítios paratraqueal superior e inferior à direita, paratraqueal inferior à esquerda, pré-vascular na janela aorto-pulmonar, subcarinal, paraesofágico e hilar à direita. Alguns desses linfonodos medindo cerca de 15 mm no seu menor eixo formavam pequenas massas de partes moles em regiões subcarinal/paraesofágica e hilar direita.(Figuras 3 e 4). A traqueia e brônquios principais apresentavam características usuais, sem sinais de lesões endobrônquicas nos segmentos visualizados e o coração e vasos da base com características usuais. O parênquima pulmonar não tinha alterações evidentes. Espaços pleurais virtuais.
A ultrassonografia abdominal revelou hepatomegalia associada à linfoadenomegalia difusa abdominal e espessamento parietal difuso de vesícula biliar; lesão cortical renal difusa bilateral e focal à esquerda.
Foram realizadas mediastinoscopia exploradora e biópsia de linfonodo mediastinal. O exame anatomopatológico dos cortes histológicos do material mostrou tecido fibroconjuntivo com áreas de necrose caseosa e infiltrado inflamatório misto. A pesquisa para BAAR foi positiva.
Foi iniciado esquema tríplice (rifampicina, isoniazida, pirazinamida) e solicitada sorologia para o VIH, que se mostrou positiva.
No vigésimo quinto dia de internação hospitalar e terceiro de esquema tríplice apresentou um episódio de crise convulsiva e piora do estado geral. Foi iniciada fenitoína. A tomografia computadorizada de crânio mostrou discreto aumento dos espaços liquóricos intra e extraventriculares sem acometimento do parênquima cerebral. Evoluiu com confusão mental, agitação, hipotensão e icterícia. O abdome apresentava-se distendido, doloroso à palpação e peristalse diminuída.
No vigésimo sétimo dia de internação faleceu.
DISCUSSÃO
Com o surgimento da SIDA, houve modificação na apresentação conhecida da tuberculose linfonodal, sendo hoje considerada uma doença sistêmica pronta para disseminar.
A associação de tuberculose e SIDA é frequente, com potencialização significativa da morbidade e mortalidade da tuberculose. A tuberculose, no portador de SIDA, adquire características e apresentações diferentes da evolução clássica da doença.
A forma mais frequente da evolução da tuberculose linfonodal associada à SIDA é o acometimento de cadeias cervicais. Não é raro o acometimento mediastinal. Com menos frequência ocorre acometimento de cadeias linfonodais ou de órgãos abdominais.
O acometimento de linfonodos periféricos, principalmente de cadeias linfonodais cervicais, sempre ocorre. Este caso, entretanto, apresenta inusitadamente tuberculose, acometendo cadeias linfonodais mediastinais, abdominais, fígado e rim sem acometimento de linfonodos periféricos.
Esta apresentação faz ter como diagnóstico diferencial os linfomas, as micobacterioses atípicas.
Os linfomas são doenças que normalmente causam lifonodomegalia mediastinal e febre vespertina, o diagnostico diferencial é facilmente feito com a biópsia de um linfonodo mediastinal.
As micobacterioses atípicas são raras em pacientes imunocompetentes, porém, como se trata de um paciente imunodeficiente, é um diagnóstico que deve ser considerado. A diferenciação é feita a partir de tipagem da micobacteria.
Não foi possível realizar culturas e tipagem dos BAARs encontrados no material de biópsia enviado para o estudo anatomopatológico.
AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Waldir Teixeira do Prado, ao Dr. Paulo César Ferreira Soares e à Érika Faria de Matos.
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