RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 23. 1 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20130004

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Artigo Original

Obesidade, circunferência abdominal e controle da sintomatologia da asma

Obesity, abdominal circumference and control of asthma symptomatology

Izabella de Campos Carvalho Lopes1; Julia Lopes de Brito Costa1; Juliana Becker Dias1; José Diogo Oliveira Fialho1; Bruno Coelho Pereira1; Júnia Rios Garib2

1. Acadêmica(o) do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médica Pneumologista. Professora da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Júnia Rios Garib
E-mail: juniagarib@uai.com.br

Recebido em: 29/08/2011
Aprovado em: 17/10/2012
Apoio Financeiro: Este estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Declaramos ausência de qualquer interesse pessoal, comercial, acadêmico, político ou financeiro na publicação do mesmo.

Instituição: Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil.

Resumo

INTRODUÇÃO: asma e obesidade são problemas frequentes de saúde.
OBJETIVOS: avaliar a prevalência de obesidade e obesidade abdominal em amostra de pacientes asmáticos do Ambulatório de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e correlacioná-las com o controle da sintomatologia da asma.
MÉTODOS: 74 pacientes com asma, com idade igual ou superior a 18 anos, foram avaliados entre março e julho de 2010. Foram analisadas nesses pacientes as medidas do índice de massa corpórea (IMC), da circunferência abdominal (CA) e o Questionário de Controle da Asma (ACQ-5).
RESULTADOS: a amostra era constituída por 57 mulheres (77,0%) e 17 homens (23,0%); 83,8% apresentavam CA acima do recomendado e 44,6% eram obesos. Houve correlação positiva significativa entre o escore total do ACQ-5 e a CA (p=0,006) e IMC (p=0,015). Em relação ao escore categorizado do ACQ-5, foram propostos dois pontos de corte - 0,75 e 1,50. Considerando o primeiro ponto de corte para o ACQ-5, verificou-se significativa associação com o IMC (p=0,023) e com a CA (p=0,034). Não foi verificada significativa associação com algum dos índices com o segundo ponto de corte no escore médio do ACQ-5.
CONCLUSÕES: constatou-se elevada prevalência de obesidade e obesidade abdominal em população de asmáticos e provável influência destas no controle da sintomatologia da asma.

Palavras-chave: Obesidade; Circunferência Abdominal; Asma.

 

INTRODUÇÃO

A asma é doença inflamatória crônica caracterizada por hiper-responsividade das vias aéreas inferiores e por limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com tratamento1-3, manifestando-se clinicamente por crises recorrentes de sibilância, dispneia, aperto no peito e tosse, particularmente à noite e pela manha ao despertar.1,2

A obesidade e o sobrepeso são definidos como acúmulo anormal ou excessivo de gordura no organismo, que pode ser prejudicial à saúde4 devido à sua associação com doenças crônico-degenerativas e importantes alterações metabólicas.5

Nas últimas duas décadas houve, coincidentemente, significativo aumento na prevalência de asma e obesidade em crianças e adultos.3,6-8

A obesidade pode provocar agravamento da sintomatologia da asma brônquica devido à mudança na mecânica respiratória, diminuição da capacidade residual funcional e do volume de corrente secundárias, além do estilo de vida sedentário e da baixa capacidade para realizar atividades físicas. A obesidade pode, ainda, aumentar o risco de refluxo gastroesofágico, o que favorece a hiper-responsividade das vias aéreas nos asmáticos.3,7,9-12 As alterações inflamatórias descritas em obesos são também passíveis de interferir nas manifestações clínicas da asma brônquica, como aumento do TNF-α e de outras citocinas pró-inflamatórias, como as IL-4, IL-5 e IL-6.3,7,9-11,13

A relação entre a obesidade e a asma, entretanto, ainda permanece controversa. Vários estudos mostraram que a associação entre os valores elevados do índice de massa corporal (IMC) e a incidência de asma é significativamente maior nas mulheres quando comparada aos homens.3,9,12 A obesidade é fator de significativo risco de incidência de asma brônquica em ambos os sexos.3

O excesso de obesidade abdominal pode ser importante fator de risco para a asma brônquica.14 O IMC é usado como medida de adiposidade em estudos clínicos e epidemiológicos pela facilidade de mensuração, posto que utiliza dados antropométricos como peso e estatura, que são de fácil obtenção e boa reprodutibilidade.5 São também usados como medida da adiposidade a circunferência abdominal (CA) e a relação cintura-altura, por refletirem o valor dos depósitos de gordura visceral, que são metabolicamente diferentes de outras gorduras do organismo. O aumento da circunferência abdominal (> 88 cm) foi associado ao aumento da prevalência de asma brônquica, mesmo em mulheres com IMC normal.14

Este estudo objetivou avaliar a prevalência de obesidade e obesidade abdominal e sua possível influência sobre o controle sintomatológico em amostra de pacientes com asma brônquica.

 

CASUISTICA E MÉTODOS

Entre março e julho de 2010 foi selecionada amostra composta de 74 pacientes com diagnóstico de asma brônquica, sem outras pneumopatias, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, atendidos consecutivamente no Ambulatório de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais - Ambulatório Affonso Silviano Brandao, independentemente da medicação usada.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana do Hospital Universitário São José (HUSJ). Não foram incluídos os pacientes que não concordaram em participar do estudo a partir da assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O IMC é preditor internacional de obesidade adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) calculado pela divisão do peso do indivíduo (em quilogramas) pela sua altura (em metros) ao quadrado. A obesidade foi classificada, de acordo com o Projeto Diretrizes de Sobrepeso e Obesidade (2004) na população brasileira, em baixo peso (IMC <18,5 kg/m2), peso normal (IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m2), sobrepeso (IMC entre 25,0 e 29,9 kg/m2) e obeso (IMC >30 kg/m2).15

A CA é método simples e representativo da gordura acumulada no abdome, que reflete melhor o conteúdo de gordura visceral e também apresenta grande associação com a gordura corporal total.15 A medida da CA foi realizada no ponto médio entre o rebordo costal inferior e a crista ilíaca, visto do aspecto anterior. Os critérios estabelecidos nas Diretrizes de Sobrepeso e Obesidade (2004)15,16 mostram que a CA >94 cm para homens e >80 cm para mulheres representa risco aumentado de complicações metabólicas associadas à obesidade em homens e mulheres caucasianos.

Para a avaliação do controle da sintomatologia de asma brônquica foi usado o Asthma Control Questionnaire (ACQ-5, Questionário de Controle da Asma) validado em estudos clínicos no Brasil.17 Todos os pacientes foram submetidos à administração do ACQ-5 de forma supervisionada por entrevistadora treinada, em local adequado e sem o auxílio de terceiros. A entrevistadora aplicou o questionário sem induzir respostas.

O estudo da correlação entre as perguntas do ACQ-5 (escore) e as medidas do IMC e da CA foi realizado por meio do coeficiente de correlação de postos de Spearman.18 Para a análise do escore categorizado do ACQ-5 e IMC e CA categorizados foi utilizado o teste exato de Fisher devido ao elevado número de categorias. O intervalo de confiança (IC) foi de 95% e o nível de significância adotado foi de 5%.

 

RESULTADOS

Foram analisados 57 (77,0%) e 17 (23,0%) pessoas dos sexos feminino e masculino, respectivamente. A idade média foi de 54 ± 16, com variação de 18 a 88 anos.

O valor médio da CA foi de 99±15 cm, com variação entre 66 e 149 cm. O valor médio do IMC entre pacientes com asma brônquica foi de 29±6 kg/m2, com variação entre 17 e 49 kg/m2. Foi observado o valor de CA acima do recomendado em 83,8% da população estudada e o IMC como obeso em 44,6% (Tabela 1).

 

 

Foi observada correlação positiva significativa entre o escore total do questionário ACQ e a CA (p=0,006) e IMC (p=0,015). (Tabela 2).

 

 

Em relação ao escore categorizado do ACQ, foram propostos dois pontos de corte - 0,75 e 1,50. Para o IMC, foi excluído o grupo baixo peso, porque continha apenas um indivíduo. Considerando-se o primeiro ponto de corte para o ACQ, verificou-se associação significativa, com nível de significância de 5%, tanto com as categorias de IMC (p=0,023) quanto com as categorias de CA (p=0,034) (Tabela 3). A proporção de indivíduos com escore médio do ACQ acima de 0,75 apresentou tendência a aumentar com o IMC, atingindo 84,8% do grupo com obesidade. Essa proporção passou de 42% no grupo com CA dentro do recomendado para 76% do grupo com CA elevada. O segundo ponto de corte no escore médio do ACQ não exibiu associação significativa com o IMC categorizado (p=0,301) nem com a CA categorizada (p=0,061) (Tabela 4).

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Observou-se elevada prevalência de obesidade e obesidade abdominal em amostra de pacientes com asma brônquica do Ambulatório de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais - Ambulatório Affonso Silviano Brandao - e sua possível influência sobre o controle de sua sintomatologia. A idade dos indivíduos não apresentou correlação significativa com qualquer item do questionário, nem com as medidas corporais.

Na avaliação da correlação entre o IMC e a CA com o controle da sintomatologia da asma brônquica por meio do ACQ-5, verificou-se associação significante e positiva entre o aumento do IMC e da CA com o ACQ-5 no ponto de corte de 0,75. Com o ponto de corte de 1,50 no escore médio do ACQ não foi apurada associação significativa com algum dos dois índices. O ACQ, quando validado em língua inglesa, apresentou dois pontos de corte para discriminar asma brônquica controlada de não controlada: o escore de 0,75 é utilizado na prática clínica, com valor preditivo negativo de 0,85 (significando que se o escore for < 0,75, há 85% de chance da asma brônquica estar bem controlada), e o escore de 1,50 é usado em estudos clínicos, com valor preditivo positivo de 0,88 (significando que se o escore for > 1,50, há 88% de chance de a asma não estar bem controlada).17

A fisiopatologia que envolve a sobreposição da obesidade e da asma brônquica permanece desconhecida. Estao envolvidos vários mecanismos, sendo especialmente significativas: a baixa tolerância para atividade física, as alterações da mecânica respiratória e a predisposição ao refluxo gastroesofágico, que ocorrem em obesos.3

O IMC foi empregado para verificar possível associação entre obesidade e sintomatologia da asma brônquica5,19 obtidos por questionário e a presença de distúrbio ventilatório do tipo obstrutivo pela espirometria. Encontrou-se aumento na prevalência de sintomatologia de asma brônquica entre obesos, sem aumento na prevalência de distúrbio do tipo obstrutivo, sugerindo que a possível razao para a elevação na prevalência do diagnóstico de asma brônquica entre obesos decorria da queixa de dispneia e limitações ao exercício presente nesse grupo.

As associações detectadas entre obesidade e asma brônquica são recentes, pois somente com o aumento suficiente da prevalência de obesidade ou possibilidade de estudo em grandes amostras populacionais conseguiu-se documentar associações estatisticamente significantes entre elas.20 Admite-se que seriam decorrentes de diferenças no estilo de vida entre obesos e não obesos e de diferenças no tipo de alimentação. Os obesos são também mais expostos ao tabaco e alérgenos intradomiciliares, pelo fato de permanecerem mais tempo no interior da residência.5,20

Os obesos com dispneia e sibilância torácica são frequentemente diagnosticados como portadores de asma brônquica, mesmo sem a constatação de obstrução da via aérea, redução nos percentuais de fluxos ou hiper-responsividade da via aérea.5,21 A obesidade parece ser fator de risco para a sintomatologia respiratória decorrente da mudança na mecânica respiratória, sem evidência real de obstrução das vias aéreas e hiper-reatividade brônquica. Essa sintomatologia parece atuar como fator de confusão para a definição do diagnóstico de asma brônquica nesses pacientes.3,21

A asma brônquica em adultos, diferentemente entre crianças, tem alta prevalência em mulheres,3 o que concorda com o achado neste estudo, em que 77,0% dos pacientes eram mulheres. Parece que o estrogênio e outros hormônios femininos podem ser importantes na etiologia da asma brônquica, possivelmente por meio da modulação da produção de citocina Th2.14

O uso de índices que determinam a distribuição da gordura toracoabdominal poderia ser mais adequada do que o IMC para avaliar a influência da obesidade no sistema respiratório.3 Corroborando o estudo de Behren et al.14, esta investigação demonstra que o aumento da CA foi associado à elevação da prevalência de asma brônquica, mesmo em mulheres com IMC normal.

A limitação mais significativa deste trabalho consistiu na presença de pacientes sob corticoterapia crônica em algum momento de seu tratamento. O corticoide determina aumento do peso e da circunferência abdominal, o que secundariamente pode constituir-se em fator adverso à evolução da asma brônquica.

 

CONCLUSÕES

Este estudo sugere, como várias outras evidências observadas na literatura, que a obesidade e o aumento da circunferência abdominal interferem negativamente no adequado controle da sintomatologia da asma brônquica.

 

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