RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 18. 4

Voltar ao Sumário

Educação Médica

O ensino de emergência é uma necessidade?

Is emergency medical learn a need?

Paula Martins

Professora Adjunta do Depto. de Cirurgia da Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora do Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas - Universidade Federal de Minas Gerais. Chefe do serviço de Cirurgia do Hospital Universitário Risoleta Tolentino Neves - Fundação de Desenvolvimento e Pesquisa - Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço para correspondência

Paula Martins
Av. Alfredo Balena, 110
CEP 30130-100, Belo Horizonte - MG
E-mail: martinsp@medicina.ufmg.br

Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG

Resumo

No Brasil, a política nacional de saúde compreende a atenção integral à saúde, pressupondo-se que a ação de cuidar é o balizador fundamental do processo de atenção, enquanto cuidar bem das pessoas baliza a ação. Este cuidado só pode ser desenvolvido se ocorrer a formação de profissionais que gostem de pessoas e de cuidar das mesmas em quaisquer situações de agravo a saúde. As Universidades são quem têm tal missão e têm que interagir com todas as instâncias da saúde para adequar o seu ensino. Na área da saúde, o ensino tende a adequar-se à realidade assistencial aproximando as instâncias formadoras e as assistenciais. Ocorrem o desenvolvimento educacional, a interação social e a educação médica continuada. A inserção das Universidades permite integração com formação de profissionais capazes de diminuir ou responder à demanda. Em seus hospitais, os corredores lotados aliam-se à assistência médica mais diferenciada, atendimento supervisionado por professores ou por profissionais com vivência em urgências estabelecidas por áreas, levando cada vez mais a uma distorção na formação: a "especialização". A formação é fragmentada, modular em vez de integral, com a formação do médico emergencista. Entretanto, a despeito das limitações, a integração da Universidade ao campo de atenção na urgência é uma realidade necessária inquestionável, com benefícios óbvios. Os grandes desafios são reformular os estágios, a dedicação dos alunos e a formação do profissional de ponta, capazes de atender toda a urgência.

Palavras-chave: Educação Medica; Serviços Médicos de Emergência; Emergências; Sistemas de Saúde.

 

INTRODUÇÃO

Os conceitos de saúde e doença passam por uma série de definições nas quais o importante é o bemestar físico e mental do individuo. A implicação lógica desse fato é a promoção da saúde em um contexto amplo que envolve a prevenção, os cuidados e o tratamento de qualquer agravo da mesma.1,2 A política nacional de atenção integral à saúde pressupõe que a ação de cuidar é um balizador fundamental dos processos de atenção a saúde, enquanto cuidar bem das pessoas baliza toda a ação.2 Um sistema de atenção integral à saúde deve englobar combinação de práticas sanitárias e sociais de intervenção permanente e não esporádica, de tal modo que seja resultado, não de uma única atividade ou um só evento, mas de uma permanente atuação nos processos de prevenção e de cura.2,3 Alguns princípios básicos nas relações são fundamentais para garantir a integralidade da assistência, a saber2,3:

o ser humano, e não a doença, deve ser o centro da assistência;

o ser humano, além de ser o centro da assistência, deve ser visto em sua totalidade;

a assistência a ser oferecida deve ser vista em seus diversos níveis;

o tratamento deve ser diferenciado para os desiguais (eqüidade);

a integralidade deve sair da assistência médicoassistencial propriamente dita, exclusiva e interferir nas condições de vida.

Para atender a essa nova dimensão do entendimento de saúde, é necessário que ocorra uma definição das diretrizes da política de saúde, enfatizando o cuidado como parte essencial e indispensável dessa política.2 O cuidado deve ser especificado e entendido como um conjunto de elementos singulares que se fazem necessários em diferentes momentos da busca da atenção: acesso, acolhimento, atendimento e conduta terapêutica.2,3 Esse cuidado só pode ser desenvolvido em sua plenitude se ocorrer a formação de profissionais que gostem de pessoas e de cuidar das mesmas em quaisquer situações de agravo à saúde. Objetivando capacitar os profissionais da saúde, processos revolucionários no aparelho formador da área de saúde se fazem necessários, paralelamente à educação, valorizando o gosto pelo cuidado com o outro.3,4 Não só o médico, mas todo profissional da área de saúde passa a ter papel fundamental como agente de promoção da saúde integral. A formação de tal profissional deve permitir, ao máximo, sua adequada capacitação, tal que possa enfrentar os desafios que lhe forem apresentados. A capacitação adequada deve envolver todos os pontos de atenção à saúde, de modo a propiciar desenvoltura satisfatória ao exercício das profissões.4

As Universidades, como agentes formadores, são quem têm esta missão e, não se furtando ao seu papel, necessariamente têm que interagir com todas as instâncias da saúde para adequar o seu ensino. Nos últimos anos, há tendência natural do ensino na área de saúde a adequar-se à realidade assstencial de tal modo que as instâncias formadoras se aproximaram das assistencias.4,5,6 O ensino se estende além das fronteiras das salas de aulas e passa a ser oficialmente reconhecido em todos os pontos de atenção. O ato de ensinar passou a ser missão não só dos professores, mas de todos aqueles que de alguma maneira atuam em campos abertos ao ensino.5,6 A prática conjunta do ensino e assistência permite a inserção dos pontos de atenção de saúde na educação profissional, e vice-versa: a educação médica nas áreas de atenção à saúde.6,7 Os resultados são sempre animadores, com ganho em todos os sentidos, mas com destaque especial para o desenvolvimento educacional, a interação social e a educação médica continuada.7,8 Os alunos se tornam satisfeitos e motivados, a tal ponto que seu aprendizado fica mais forte, real e relevante para a prática clínica. Os alunos também aprendem sobre a estrutura e funcionamento do sistema de saúde, as ações de saúde e o papel de cada profissional. Os professores, especialistas, gestores, pacientes e a população, de modo geral, também se beneficiam com essa ação, que promove o aumento do recrutamento para profissionais principalmente da atenção primária.7

O cuidado integral da saúde no campo da urgência e emergência representa expressiva parcela de atendimentos, atingindo 48 milhões de atendimentos realizados em prontos-socorros, apenas pelo SUS no ano de 2002, com alta mortalidade.9 Do ponto de vista medico, essas situações são definidas pelo Conselho Federal de Medicina como:

URGÊNCIA - "ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata";

EMERGÊNCIA - "constatação médica de agravo à saúde que implique risco iminente de morte ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, o tratamento médico imediato".

Número expressivo desses atendimentos é de pacientes em estado crítico, o que poderia ter sido evitado se tivessem recebido tratamento médico adequado previamente.10 A taxa de internação hospitalar desses doentes é muito baixa, devido à carência de leitos na rede, gerando "internação" em macas durante dias, fato que todos nós já vivenciamos nos hospitais públicos. As UTIs são sobrecarregadas, incapazes de realizar milagres das vagas e com índice de mortalidade de 25%. Neste panorama, um sistema de ensino voltado para a inserção das Universidades e de seus alunos permite a integração com formação de vários profissionais tais como: enfermeiros e equipe, médicos, dentistas, assistentes sociais e psicólogos, com capacidade de diminuir ou responder a tal demanda. Não só alunos e professores são beneficiados, mas também: cidadãos que se encontram em agravos de urgência ou emergência e procuram uma das portas de entrada da Rede SUS, conselhos locais, municipais e estadual de Saúde, polícia civil-militar, corpo de bombeiros (COBOM), segurança, funcionários administrativos, SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), administradores hospitalares, comunidade e Ministério Público.

Nos hospitais universitários, a situação muda pouco: corredores lotados, pacientes em macas e assistência médica mais diferenciada, pois são estabelecimentos voltados para o ensino. O atendimento é supervisionado por professores ou por profissionais com vivência em urgências estabelecidas por áreas, levando cada vez mais a uma distorção na formação: a "especialização" dos PS de: clínica médica, cirurgia, ortopedia, neuro, pediatria, obstetrícia/GO, otorrino, oftalmo e outros mais.9 O aluno, principalmente de Medicina, recebe formação fragmentada, modular do ensino em vez de integrada, como é tendência mundial, à formação do médico emergencista.

 

CONCLUSÕES

A despeito desta limitação, a prática de integração da Universidade ao campo de atenção na urgência é uma realidade necessária inquestionável, como em qualquer outro ponto, com seus benefícios óbvios. A UFMG, especificamente a Faculdade de Medicina, já adota esse modelo há vários anos e a prática médica tem sido seu principal foco de atenção. Entretanto, como a Universidade tem papel crítico, inovador e formador no campo da urgência e emergência, adequações urgem serem feitas para possibilitar a melhor formação de um profissional apto, à altura, sem restrições nos corredores do PS. A tentativa de reformular os estágios, a dedicação dos alunos e a formação do profissional da ponta ainda são os principais desafios.

 

REFERÊNCIAS

1. Cecílio LC. Ministério da Saúde do Brasil, Equipe de referência e apoio matricial. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.

2. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem serem defendidos. In: Mattos RA, Pinheiro R, organizadores. Os Sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde na atenção e no cuidado à saúde. 6ª ed. Rio de Janeiro: IMS/UERG- CEPESC- Abrasco; 2006.

3. Benevides R, Passos E. Humanização na Saúde: um novo modismo? Interface Com Saúde Educ. 2005;9(17):389-406.

4. Campos GWS. Educação médica, hospitais universitários e o Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 1999;15(1):187-94.

5. Schindler N, Winchester DP, Shermn H. Recognizing clinical faculty's contributions in education. Acad Med. 2002;77(9):940-1.

6. Bandiera GW, Morrison L. Emergency medicine teaching faculty perceptions about academic sessions: "What's in it for us?" CJEM. 2005;7(1):36-41.

7. Dornan T, Littlewood S, Margolis SA, Scherpbier A, Spencre J, Ypinazar V. How can experience in clinical and community settings contribute to early medical education? A BEME systematic review. Med Teach. 2006 Feb; 28(1):3-18.

8. Lopes AC. Ensino à beira do leito - uma verdade inabalável. Rev Assoc Med Bras. 1998;44(3):167-8.

9. Medicina de urgência no Brasil: aonde vamos? Rev Assoc Med Bras. 2003;49(3):225.

10. O'Dwyer G, Oliveira SP, De Seta MH Avaliação dos serviços hospitalares de emergência do Estado do Rio Janeiro. Ciência Saúde Coletiva. 2008;13(5):1637-48.