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CAPES/Qualis: B2
Perfil das crianças infectadas pelo vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), internadas em hospital de referência em infectologia pediátrica de Belo Horizonte/MG, 2003
The profile of human immunodeficiency virus (HIV) infected children inmates in a reference hospital in pediatric infectology in Belo Horizonte-MG, 2003
Mariana Boaventura Chaves Vieira1; Claudete Aparecida Araújo Cardoso2; Andréa Lucchesi Carvalho3; Eliana Barros Marques Fonseca4; Heliane Brant Machado Freire5
1. Especialista em Pediatria
2. Infectologista Pediátrica. Doutora em Pediatria pela UFMG
3. Infectologista Pediátrica. Mestre em Pediatria pela UFMG
4. Pediatra e Infectologista Infantil
5. Professora Adjunta-Doutora - Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina-UFMG. Coordenadora da Residência em Pediatria-FHEMIG
Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG
Centro Geral de Pediatria da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG)
Resumo
Este trabalho analisa o perfil clínico-epidemiológico de crianças infectadas pelo HIV, que necessitaram de tratamento hospitalar. Trata-se de estudo prospectivo, descritivo, das crianças com infecção confirmada pelo HIV, admitidas no Centro Geral de Pediatria da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (CGP-FHEMIG), no período de março a dezembro de 2003. Foram incluídas 47 crianças HIV-infectadas, todas por transmissão vertical, com média de 1,4 internações/criança. À admissão, 40,4% apresentavam classificação clínica C (CDC, 1994). Foi relatado o uso de sulfametoxazol-trimetoprim profilático, em 34% dos pacientes. A cobertura vacinal para BCG, Haemophilus influenzae B e pneumococo foi, respectivamente, 87,2, 78,7 e 42,6%. Os diagnósticos mais comuns foram pneumonia, broncoespasmo, varicela e diarréia. Nenhuma criança evoluiu para óbito. Foi observada maior taxa de hospitalização nas crianças com doença clínica avançada e imunodepressão grave. A baixa utilização de imunoprofilaxia ativa e passiva contra bactérias encapsuladas pode se relacionar ao grande número de casos de pneumonia. A profilaxia primária para pneumocistose associou-se à redução, na sua incidência.
Palavras-chave: Infecções por HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida/epidemiologia; Saúde da Criança; Hospitalização
INTRODUÇÃO
Nos primeiros anos da epidemia do HIV, não estavam disponíveis tratamentos para prevenir a transmissão vertical do vírus, nem profilaxia ou tratamento de doenças indicadoras de AIDS.1
Desde 1990, foi iniciada e mantida, de acordo com recomendações oficiais, a profilaxia primária e secundária para pneumonia por Pneumocystis carinii.2,3
Após julho de 1995, foi prescrita às crianças, mais gravemente imunocomprometidas, a profilaxia para infecção pelo complexo Mycobacterium avium3. Além dessas medidas, foram administradas às crianças HIV-infectadas imunizações, incluindo anti-pneumocócica.
Portanto, importantes avanços no cuidado de crianças infectadas pelo HIV levaram a mudanças na progressão clínica da doença, resultando em menor morbidade e mortalidade.4
Atualmente, o Ministério da Saúde disponibiliza, no Brasil, 15 medicamentos anti-retrovirais, para cerca de 115 mil indivíduos, que correspondem a, praticamente, 100% dos pacientes com indicação de tratamento, em uma rede integrada e hierarquizada, com mais de mil serviços especializados no diagnóstico e tratamento clínico-laboratorial.
Esta política de medicamentos está refletindo na diminuição de internações por AIDS, redução de custos e mortes evitadas.
Embora o número absoluto de internações permaneça estável, a média de internações, por paciente, caiu de 1,65 internações/ano, em 1996, para 0,28 internação/ano.
No período de 1994-2001, foram evitados, no país, cerca de 60 mil casos novos e mais de 90 mil mortes por AIDS. Com isso, evitou-se, aproximadamente, 125 mil internações no ano de 2001, a um custo aproximado de 360 mil dólares. Observa-se que houve diminuição na taxa de mortalidade relacionada ao HIV, de 12,2 por 100 mil habitantes, em 1995, para 6,3 por 100 mil em 1999.
A mediana de sobrevida entre casos adultos aumentou de 5 meses, observada na década de 80, para 52 meses nos pacientes diagnosticados, em 1996 e, entre crianças em uso de terapia anti-retroviral, a mediana saltou para 102 meses no mesmo período. Poucas são as intervenções em Saúde Pública sobre determinada população com impacto tão intenso e em tão curto espaço de tempo.5
Com o surgimento de terapias mais eficazes, constituídas pelos inibidores de protease e terapia combinada, para o tratamento de indivíduos infectados pelo HIV, além de profilaxias primárias e secundárias para infecções associadas à imunodeficiência, ocorreu redução expressiva na mortalidade por AIDS em diversos países, entre eles o Brasil.6,7
Desde o início da epidemia da AIDS em nosso país houve, também, redução expressiva na incidência em adultos de todas as condições associadas à doença, incluindo candidíase, tuberculose, pneumonia por Pneumocystis carinii, neurotoxoplasmose, herpes, sarcoma de Kaposi, criptococose e infecção por protozoários.8
A AIDS, em criança, geralmente apresenta progressão da doença mais rápida do que em adultos. A sobrevida vem aumentando nos países desenvolvidos devido, principalmente, ao aprimoramento de serviços e de meios diagnósticos e terapêuticos.9
O tempo entre o diagnóstico e a morte costuma ser mais longo nas crianças infectadas em idades mais avançadas. Esse período é bastante variado e depende da gravidade das infecções que aparecem no início da evolução clínica - habitualmente, tem extremos de dois a três meses e alguns anos.10
A Coordenação Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde conduziu um estudo de corte não concorrente para análise de sobrevida de AIDS, no Brasil, em menores de 13 anos de idade, no período de janeiro de 1983 a dezembro de 2000. O seu objetivo foi o de avaliar a sobrevida, de acordo com o impacto dos esquemas de intervenções diagnósticas, terapêuticas e profiláticas.9
Este período considerou desde a data do primeiro caso diagnosticado e perdurou por várias fases de condutas diagnósticas, terapêuticas e profiláticas. Foram selecionados 1.154 casos, em seis unidades federadas (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Brasília e Pará), correspondendo a 69,9% dos casos notificados.9 Após a data do diagnóstico, a mediana de sobrevida geral dos 1.154 casos foi de 52,8 meses (IC 95%: 41,9 - 60,8). Observou-se que, com o desenvolvimento de estratégias terapêuticas, houve melhora da qualidade e da duração da vida das crianças com infecção sintomática.9
O objetivo do presente estudo é analisar o perfil clínico e epidemiológico das crianças infectadas pelo HIV, que necessitaram de tratamento hospitalar no CGP-FHEMIG.
METODOLOGIA
Este trabalho foi realizado no CGP-FHEMIG, serviço de referência para atendimento de doenças infecciosas e parasitárias, na população pediátrica da região metropolitana de Belo Horizonte. Na Unidade de Infectologia do CGP-FHEMIG, são atendidos, mensalmente, cerca de 450 pacientes com patologias infecto-contagiosas, dentre elas, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). O serviço de infectologia possui 45 leitos para internação.
A população pediátrica atendida no CGP-FHEMIG faz parte de um universo de 297 crianças HIV-infectadas, acompanhadas na unidade ambulatorial do Grupo de AIDS Pediátrica da Universidade Federal de Minas Gerais. Dentre esses 297 pacientes, 245 (82,5%) estavam em uso de terapia antiretroviral e 16 (5,4%) utilizavam imunoglobulina endovenosa para profilaxia de infecções bacterianas de repetição.
Este é um estudo prospectivo, descritivo, realizado através de observações clínicas e laboratoriais. A população estudada foi de crianças admitidas na unidade de infectologia do CGP-FHEMIG, com infecção confirmada pelo HIV. Foram coletados os dados através de questionário padronizado, preenchido à admissão e à alta hospitalar. O período do estudo foi de março a dezembro de 2003.
A análise do banco de dados foi realizada no pacote estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences) para Windows versão 8.0.11 Os gráficos foram construídos no programa Harvard Graphics 2.0 for Windows.
RESULTADOS
No estudo, foram incluídas 47 crianças HIV-infectadas, internadas no CGP-FHEMIG, com o total de 67 internações neste período (média de 1,4 internações/criança). Eram 27 crianças do sexo feminino (57,4%). A via de transmissão do HIV foi vertical em 100% dos casos. A idade média à admissão foi de 4,7 anos (0-11 anos), com mediana de 5 anos. O tempo médio de permanência dos pacientes foi de 12,6 dias (2-112 dias), sendo a mediana de 8 dias.
À admissão no serviço, 19 crianças (40,4%) apresentavam classificação clínica C, sendo 16 (34%) categoria clínico-imunológica C3 (CDC, 1994)12. Destas 19 crianças, a manifestação definidora de AIDS mais comum foi infecção bacteriana de repetição, em 12 pacientes (63,2%). Na Tabela 1, são descritas as classificações clínico-imunológicas desses pacientes à admissão no CGP-FHEMIG.
Entre todas as crianças, 32 (68,1%) estavam em uso de anti-retrovirais, no momento da internação; em três outras, o tratamento foi iniciado na primeira internação, com um total de 35 crianças em uso de anti-retrovirais (68,1%). Dos esquemas anti-retrovirais usados nesses pacientes, a maioria (31) fazia uso de terapia tripla, sendo 23 (65,7%) com dois inibidores de transcriptase reversa nucleosídeos (ITRN) e um inibidor de protease (IP) e oito (22,9%) com dois ITRN e um inibidor de transcriptase reversa não nucleosídeo (ITRNN). A terapia dupla com dois ITRN era seguida por quatro crianças (11,4%) (Figura 1).
Foi relatado o uso de sulfametoxazol-trimetoprim (SMZ-TMP) para profilaxia de infecções oportunistas em 16 (34%) dos 47 pacientes. Duas das 16 crianças estavam em uso, além do SMZTMP, de imunoglobulina endovenosa mensal para profilaxia de infecções bacterianas. A cobertura vacinal nesses pacientes para BCG, Haemophilus influenzae B e pneumococo foi, respectivamente, de 87,2, 78,7 e 42,6%.
A Tabela 2 mostra a relação entre a vacinação de BCG, Haemophilus influenzae e pneumococo e a presença de pneumonia durante a internação. Não se observou diferença estatisticamente significativa entre a vacinação e a ocorrência de pneumonia.
O diagnóstico mais comum à admissão foi pneumonia, seguido por broncoespasmo, varicela e diarréia (Figura 2). As principais queixas no momento da internação foram febre (76,1%), taquipnéia (56,7%) e tosse (50,7%). A radiografia de tórax foi realizada em 43 pacientes, sendo os achados mais comuns caracterizados como condensação lobar (37,2%) e infiltrado intersticial (27,9%).
Nenhuma criança HIV-infectada admitida no serviço, durante o período do estudo, evoluiu para óbito. Receberam alta com melhora clínica 46 pacientes (97,9%). Uma criança foi transferida para outro hospital para o tratamento cirúrgico.
DISCUSSÃO
Foi observada maior taxa de hospitalização nas crianças HIV-infectadas com doença clínica avançada e imunodepressão grave (categoria C3).As infecções bacterianas de repetição são uma das manifestações mais comuns de AIDS e foram a principal doença definidora neste estudo. As manifestações pulmonares foram causas comuns de internação.
O uso profilático de imunoglobulina endovenosa e a vacinação contra Haemophilus influenzae B e pneumococo são eficazes na redução da inciincidência de infecções bacterianas invasivas.4 A baixa utilização de imunoprofilaxia ativa e passiva contra bactérias encapsuladas, neste estudo, relacionou-se ao grande índice de pneumonia. Este dado deve ser analisado com cautela, devido ao número pequeno de pacientes estudados, o que dificulta inferência estatística com segurança.
A profilaxia primária para Pneumocystis carinii, relatada nos pacientes, associou-se à redução na incidência de pneumocistose.
AGRADECIMENTOS
Aos pediatras do CGP/FHEMIG, que deram assistência às crianças internadas e contribuíram para a realização do estudo: Dr. Inácio Roberto de Carvalho, Dr. Nelson Lobo Martins e Dr. Fernando Boucinhas.
REFERÊNCIAS
1. Simpson BJ, Shapiro ED, Andiman WA. Prospective cohort study of children born to human immunodeficiency virus- infected mothers, 1985 through 1997: trends in the risk of vertical transmission, mortality and acquired immunodeficiency syndrome indicator diseases in the era before highly active antiretroviral therapy. Pediatr Infect Dis J. 2000;19:618-24.
2. Center of Diseases Control and Prevention (CDC). Guidelines for prophylaxis against Pneumocystis carinii pneumonia for children infected with human immunodeficiency virus. MMWR. 1991;40(RR-2):1-13.
3. Center of Diseases Control and Prevention (CDC). Revised guidelines for prophylaxis against Pneumocystis carinii pneumonia for children infected with or perinatally-exposed to human immunodeficiency virus. MMWR. 1995;44(RR-4):1-11.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Coordenação de DST-AIDS. Infecção pelo HIV em crianças: guia de tratamento clínico. Brasília: Ministério da Saúde; jan. 2004.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação de DST-AIDS. Relatório de implementação e avaliação do Projeto AIDS de 1998 a 2002. Brasília: Ministério da Saúde; ago. 2002.
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8. Guimarães MDC. Estudo temporal das doenças associadas à AIDS no Brasil, 1980-1999. Cad Saúde Pública. 2000;16(supl. 1):21-36.
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12. Centers for Disease Control and Prevention. 1994 revised classification system for human immunodeficiency virus (HIV) infection in children less than 13 years of age. MMWR 1994;43:1-10.
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