RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 18. 2

Voltar ao Sumário

Artigo Original

Perfil da saúde dos médicos e do exercício profissional na cidade de Barbacena/MG

Physicians health and the medical professional practice profile in Barbacena-MG

Glenda de Souza Pataro Teixeira1; Gabriela Mendonça Rabello1; Flora Sol da Costa1; Fabiana Ferreira Vieira1; Dilermando Fazito de Rezende2

1. Acadêmicas da Faculdade de Medicina de Barbacena - FAME/FUNJOB
2. Professor da Faculdade de Medicina de Barbacena - FAME/FUNJOB

Endereço para correspondência

Glenda de Souza Pataro Teixeira
Rua Grão Pará, 895/1300 Funcionários
CEP: 30150-341 Belo Horizonte - MG
e-mail: glenda_pataro@hotmail.com

Faculdade de Medicina de Barbacena - FAME/FUNJOB

Resumo

OBJETIVOS: analisar as condições de saúde física e mental, assim como o perfil pessoal e profissional dos médicos que exercem a profissão na cidade de Barbacena-MG.
MÉTODOS: baseou-se nas respostas dadas a um questionário entregue para 279 médicos, sendo respondidos e devolvidos 141 (50,5%). Os questionários foram agrupados, de acordo com o sexo.
RESULTADOS: os resultados apontam uma população médica, predominantemente masculina, com idade média de 46 anos, apresentando boa saúde física e mental, embora consideram-se mais estressados atualmente. O sexo feminino apresentou mais alterações psíquicas, em relação ao sexo masculino. Constatou-se que esses médicos sentem-se realizados profissionalmente (>94%), embora se achem mal remunerados e se queixem da sobrecarga de trabalho e da alta responsabilidade profissional.
CONCLUSÃO: observou-se que os médicos de Barbacena têm uma jornada de trabalho intensa e estressante, mas conseguem manter hábitos de vida considerados saudáveis e têm uma boa relação sócio-familiar.

Palavras-chave: Médicos; Papel do Médico; Papel Profissional; Prática Profissional; Saúde; Saúde Mental. Saúde do Trabalhador

 

INTRODUÇÃO

Uma alta prevalência de distúrbios psíquicos, sociais e profissionais, entre médicos e estudantes de medicina, tem sido relatada na literatura.1,2,3 A natureza estressante do exercício profissional e da formação médica é apontada, habitualmente, como um dos fatores responsáveis ou desencadeantes de distúrbios emocionais em médicos.1 Estudos mostram, ainda, um grande número de médicos sendo acometidos por doenças físicas e não apenas por distúrbios psíquicos e/ou emocionais.4,5

O presente trabalho procurou investigar a associação entre os aspectos psicossociais do trabalho médico com a saúde mental e física dos médicos atuantes em Barbacena/MG, com a finalidade de verificar se tais aspectos são comuns a esta classe profissional ou peculiar aos médicos que exerciam suas atividades na cidade.

 

MÉTODOS

Um estudo de corte transversal foi realizado no período de agosto de 2005 a maio de 2006, na cidade de Barbacena, cujos dados foram obtidos através de um questionário acompanhado de um termo de consentimento pós-informado, entregue, pessoalmente, a todos os médicos registrados na Associação Médica de Barbacena e aos professores da Faculdade de Medicina de Barbacena, que exerciam a profissão neste município e que não estavam vinculados a esta associação. Assim, a amostra constituiu-se de 279 médicos.

As questões versavam sobre dados pessoais, formação profissional, rotina; além das condições de trabalho, hábitos, vícios e percepção dos profissionais sobre o seu estado de saúde físico e psíquico.

Para a interpretação dos resultados, foram determinados escores, baseados nas respostas relacionadas à saúde física e mental. Para a avaliação da saúde física, foram computadas as respostas dadas às questões, referentes ao número de horas de trabalho/dia; exercício da profissão em outra cidade; os locais onde a profissão era exercida; número de plantões/semana e fins de semana; alterações de saúde física, número e qualidade das refeições diárias; freqüência de atividades físicas; freqüência das férias; horas de sono/dia e sua qualidade; uso de bebida alcoólica, tabaco e drogas. A cada resposta foi atribuída a pontuação 0,0 para maior grau de saúde física; 0,5 para grau intermediário e 1,0 para baixo grau.

Para a avaliação da saúde mental, foram computadas as respostas dadas às questões referentes aos seguintes assuntos: estado emocional atual, percepção a respeito do sofrimento psíquico da profissão, realização de psicoterapia, realização profissional e futuro da profissão, além de idéias suicidas e o motivo pelo qual as mesmas estavam presentes. As respostas referentes à saúde mental receberam 0,0 - para boa saúde mental - e 1,0 - para saúde mental comprometida.

Os escores de saúde física e mental totalizaram uma pontuação de 0 a 15 pontos e 0 a 20 pontos, respectivamente. Aqueles que se encontravam perto da pontuação máxima, foram classificados como profissionais com saúde física ou mental comprometidas.

Foram realizadas as distribuições de freqüência, comparando o sexo feminino com o masculino, calculado as porcentagens, as médias e desvios padrão de modo usual.

A análise dos dados foi feita através do programa estatístico Epi Info versão 3.32, para armazenamento e análise do banco de dados. Foram aplicados a Razão de Probabilidade (RP), Intervalo de Confiança (IC), o Teste de Qui-Quadrado (X2) e teste exato de Fischer, considerando significativas, as correlações com p < 0,05.

 

RESULTADOS

Dos 279 médicos contatados, 141 (50,5%) concordaram em participar da pesquisa, sendo destes 42 (29,8%) mulheres e 99 (70,2%) homens. A média de idade entre as mulheres foi de 40 ± 7,75 anos (mín 26-máx 59) e entre os homens foi de 46 ± 11,20 anos (min 27-máx 79); com valor de t igual a 3,54 e p menor que 0,01.

Dados pessoais: o sexo masculino apresentou uma maior prevalência de união matrimonial (83,8%) e possuem maior número de filhos (Tabela 1).

 

 

Hábitos e qualidade de vida: quanto ao sono, a maioria foi considerada como de boa qualidade e com duração de 5 - 8 horas/dia. Ambos os sexos fazem atividade física regularmente e o menor número de refeições diárias foram relatadas pelo sexo masculino (Tabela 2).

 

 

Características da formação profissional: a maioria dos médicos graduou-se em faculdade particular, aproximadamente, há 10 - 30 anos. As especialidades clínicas prevaleceram, com predomínio de ginecologia/obstetrícia e pediatria no sexo feminino e ortopedia e especialidades cirúrgicas no sexo masculino. Sobre títulos de pós-graduação, pós-doutorado, mestrado e especialidade, não foram encontrados diferenças estatísticas entre os sexos (Tabela 3).

 

 

Características profissionais: as mulheres possuem menor remuneração, apesar de trabalharem tanto quanto os homens. Em relação aos locais de atuação, encontra-se em ordem decrescente de atuação: consultórios, hospitais, Unidade Básica de Saúde (UBS-p< 0,05), Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), pronto atendimento e laboratório. Os médicos participantes da pesquisa atuam em ambos os setores (público e privado), simultaneamente (Tabela 4).

 

 

Vida Sexual: ambos os sexos consideram-se sexualmente ativos e o uso de preservativos não é prevalente. As mulheres preocupam-se mais com a saúde genito-urinária do que os homens (p<0,01) (Tabela 5).

 

 

Características inerentes ao trabalho e ao convívio familiar: a maioria dos médicos sentem-se realizados profissionalmente e não gostariam de mudar de profissão, embora não se considerem adequadamente remunerados.

Em relação ao sofrimento psíquico inerente à profissão, as mulheres (64,3%) sofrem mais que os homens (38,1%). A relação familiar, em sua maioria, é considerada ótima; o trabalho não atrapalha a vida familiar e, quando atrapalha, a falta de tempo foi a justificativa mais citada (Tabela 6).

 

 

Fatores psicológicos e emocionais: verifica-se maior prevalência de profissionais estressados, ansiosos e perfeccionistas, apesar de felizes e confiantes com a profissão ( Tabela 7).

 

 

Fatores de desgaste da profissão: os principais fatores de desgaste na profissão são o excesso de trabalho/múltiplos empregos e as más condições de trabalho (Tabela 8).

 

 

Freqüência e uso de drogas: o sexo masculino é o que consome mais bebidas alcoólicas, sendo que, em ambos os sexos, o consumo ocorre principalmente durante os fins de semana e a cerveja é a bebida preferida. A maioria não fuma ou usa drogas e, quando relata o uso, as drogas mais citadas foram os antidepressivos e ansiolíticos, que são mais freqüentes entre as mulheres (Tabela 9 e 10).

 

 

 

 

Procedimentos cirúrgicos e saúde mental: entre as mulheres, prevalece o procedimento cirúrgico do tipo gineco-obstétrico (54,7%), enquanto que a maioria dos homens nunca se submeteu a procedimentos cirúrgicos (52%). Houve baixo índice de idéias suicidas entre os médicos e maioria nunca apresentou depressão e, quando apresentaram, negaram o fato dela estar relacionada às questões profissionais (Tabela 11).

 

 

Afecções e/ou sintomas apresentados: os distúrbios mais prevalentes entre os homens foram: ansiedade (41,4%), sobrepeso (40,6%), cefaléia (37,5%). Nas mulheres: irritabilidade (56,1%), fadiga (52,4%) e cefaléia (64,3%) (Tabela 12).

 

 

O escore de saúde física não demonstrou diferença estatística entre os grupos, apontando que 57,1% do sexo feminino e 53,5% do sexo masculino tiveram a pontuação de 0 a 7,5 pontos, o que significa que possuem boa saúde física (OR=0,66 e IC 95%).

Já em relação ao escore da saúde mental, foi verificado que 54,8% das mulheres tiveram pontuação de 3,0-20 pontos, indicando uma pior saúde mental em relação aos homens, dos quais 55,6% tiveram de 0,0-3,0 pontos. (OR=0,66 e IC 95%).

 

DISCUSSÃO

A amostra obtida neste trabalho (50,5%) permite extrapolar dados para a população total dos médicos de Barbacena, com significativo grau de confiabilidade. Tal porcentagem é considerada satisfatória, pela maior adesão, quando comparada às pesquisas similares, como: Freitas (16,1%), Nascimento Sobrinho (43,7%), Tucunduva (21,1%).6,7,8

Entretanto, verificou-se uma importante taxa de recusa, que pode ser atribuída ao receio do profissional de ser identificado através do termo de consentimento, à falta de tempo e de interesse ou à extensão do questionário. Esse resultado aponta uma dificuldade na obtenção de respostas nas pesquisas com médicos.

Os resultados indicam que os médicos que exercem a profissão em Barbacena são, predominantemente, do sexo masculino (70,2%), proporção esta também encontrada na pesquisa do Conselho Federal de Medicina (CFM), que foi de 69,8%.5

Por outro lado, na literatura revisada, há uma equivalência entre os dois sexos, como mostrado no estudo de Nascimento Sobrinho (52,6% e 47,4%) e Guevara (52,7% e 47,3%) referentes ao sexo masculino e feminino respectivamente.9,10

Quanto ao título de pós-graduação, os participantes apresentaram uma porcentagem de doutorado (2,8%), menor em relação à literatura. Segundo Freitas, esse valor chega a 3,7% e Nascimento Sobrinho 5,2%.6,7 Entre as especialidades, nos estudos de Freitas, Nascimento Sobrinho e Mechtels, a prevalência da ginecologia/obstetrícia é mais freqüente, sendo que na população médica de Barbacena, nos estudos do CFM e Nogueira, a pediatria foi verificada como especialidade dominante. 2,5,6,7,11 A baixa freqüência de médicos com título de mestrado e doutorado parece estar associada a uma maior valorização no mercado de trabalho dos programas de residência médica.

Constatou-se que os médicos participantes da pesquisa têm uma renda mensal de 16 a 25 salários, abaixo daquela encontrada por Freitas em Minas Gerais, que varia em torno de 20 a 40 salários.6 Tal remuneração não é considerada satisfatória pelos médicos de Barbacena e é associada ao excesso de trabalho e múltiplos empregos, contribuindo para uma alta taxa de fadiga, cefaléia, irritabilidade e ansiedade, queixas também relatadas na literatura.2,3,8,12,13

Por outro lado, tais profissionais não consideram que haja prejuízo no convívio familiar, fato contestado por outros estudos2,8,9, além de apresentarem um alto índice de realização profissional (94,3%). Tal comportamento mostra um reordenamento do trabalho na direção da satisfação profissional, possibilitando um ajuste entre as exigências do processo de trabalho e a estrutura psíquica de cada um. No entanto, as repercussões sobre a saúde dos trabalhadores que, reconhecidamente são expostos a fatores estressantes e ansiogênicos, são ainda pouco conhecidas.

Nota-se que o trabalho feminino ainda é subvalorizado, em vista da menor remuneração e relato de excesso de trabalho, contribuindo para um maior sofrimento psíquico relacionado à profissão em relação ao sexo masculino, conforme citado na literatura.7,8,10 A isso, associa-se o resultado demonstrado pelo escore, de que o sexo feminino possui pior saúde mental.

Conforme mostra o escore adotado, ambos sexos apresentam boa saúde física. Dentre as doenças físicas, observa-se um baixo índice de cardiopatia (0,7%), opondo-se ao estudo de Kay, que aponta cerca de 4-15% de doenças cardiovasculares. Por outro lado, houve uma concordância em relação à hipertensão (22%), comparada a 24% no estudo de Kay.4,10,13,16 Tais achados, apresentados pela pesquisa, podem ser associados à alta taxa de atividades físicas, concordante com a literatura que relata um declínio do sedentarismo entre os médicos.3,8 Ressalta-se a escassez de estudos referentes à saúde física desses profissionais, dificultando a comparação dos dados obtidos com outros estudos.

Evidenciou-se uma baixa taxa do tabagismo (10%) entre os médicos de Barbacena, concordante com o estudo de Nascimento Sobrinho, que relatou uma taxa de 13,1%. O declínio do tabagismo tem sido relatado, nos últimos anos, pela literatura.3,10 Esse declínio pode ser atribuído a uma maior preocupação com a saúde e os efeitos do tabagismo, por parte dos médicos. Já em relação ao uso de álcool (71%), houve uma maior porcentagem quando comparado à literatura, citado por Alves (34,3%) e no estudo de Nascimento Sobrinho(48,6%).7,15

O presente estudo, assim como o de Nascimento Sobrinho7 e de Alves15, apontam baixa prevalência de depressão, idéia/tentativa de suicídio e uso de drogas, contrapondo com os outros estudos descritos na literatura.1,2,3,8,16 Essa incompatibilidade pode ser atribuída a uma subnotificação por parte dos médicos, em decorrência do receio de serem identificados.

 

CONCLUSÃO

Os resultados apresentados neste trabalho estimulam novas investigações para caracterizar, mais precisamente, a exposição à alta demanda psicológica, dentro dos serviços de saúde, além da qualidade da saúde física, na busca de um melhor entendimento a respeito dos processos de trabalho aos quais estão submetidos os profissionais médicos nas suas várias especialidades.

 

REFERÊNCIAS

1. Nogueira-Martins LA. Saúde mental do médico e do estudante de medicina. Bol Psiquiatr. 1996;29:07-09.

2. Nogueira-Martins LA. Saúde mental dos profissionais de saúde. In: Botega NJ, Organiador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. Porto Alegre: Artmed; 2002. p.130-44.

3. Nogueira-Martins LA. Saúde do médico. Conselho Federal de Medicina, nov. 2004. [Citado em 20 mar. 2006]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br..

4. Kay MP, Mitchell GK, Del Mar CB. Doctors do not adequately look after their own physical health. MJA. 2004;181:368-70.

5. Conselho Federal de Medicina. O médico e o seu trabalho. Brasília, DF: Conselho Federal de Medicina; 2004.

6. Freitas BE, Ventura AL, Freitas RMC, Pedroso ERP. O Perfil dos médicos em Minas Gerais: o processo de profissionalização na medicina mineira. Rev Med Minas Gerais. 2001;11:230-5.

7. Nascimento Sobrinho CL, Carvalho FM, Bonfim AS, Cirino CAS, Ferreira IS. Condições de trabalho e saúde dos médicos em Salvador, Bahia, Brasil. Rev Assoc Med Bras. 2006;52:97-102.

8. Tucunduva LTCM, Garcia AP, Prudente FVB, Centofanti G, Souza CM, Monteiro TA, et. al. A Síndrome da estafa profissional em médicos cancerologistas brasileiros. Rev Assoc Med Bras. 2006;52:108-12.

9. Guevara CA, Henão DP, Herrera JA. Síndrome de desgaste profesional en médicos internos y residentes. Colomb Méd. 2004;35:173-8.

10. Nascimento Sobrinho CL, Carvalho FM, Bonfim AS, Cirino CAS, Ferreira IS. Condições de trabalho e saúde mental dos médicos de Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22:131-41.

11. Mechteld RMV, Ellen MA, Smets, Frans JO, Hanneke CJMH. Stress, satisfaction and burnout among Dutch medical specialists. CMAJ. 2003;168:271-5.

12. Ordenes ND. Prevalencia de Burnout en trabajadores del hospital Roberto del Río. Rev Chilena Pediatr. 2004;75:449-54.

13. Gaspar S, Moreno C, Menna-Barreto L. Os plantões médicos, o sono e a ritmicidade biológica. Rev Assoc Med Bras. 1998;44:239-45.

14. Lamond N, Dorrian J, Roach GD, McCulloch K, Holmes AL, Burgess HJ, et al. The impact of a week of simulated night work on sleep, circadian phase, and performance. Occup Environ Méd. 2003;60:13-21.

15. Alves HNP, Surjan JC, Nogueira-Martins LA, Márquez ACPR, Ramos SP, Laranjeira RR. Perfil clínico e demográfico de médicos com dependência química. Rev Assoc Med Bras. 2005;51:310-6.

16. Meleiro AMAS. O médico como paciente. São Paulo: Lemos; 1999.