RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 18. 2

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Relato de Caso

Uso de inibidores de enzima conversora de angiotensina (quinalapril) na hipertensão associada à hipotensão ortostática em idosos

Use of the angiotensin-converting enzyme (quinalapril) Inhibitors in hypertension related to orthostatic hypotension in aged people

Ulisses Gabriel Vasconcelos Cunha1; Antônio Luciano da Costa Júnior2; Flaviana Martins de Oliveira2; Helga Clementino Figueiredo2; José Júlio de Souza Neto2; Rodrigo Mendes Brega2

1. Coordenador da Residência médica em Geriatria do Hospital dos Servidores do Estado de MG - Belo Horizonte
2. Médicos-Residentes de Geriatria do Hospital Governador Israel Pinheiro

Endereço para correspondência

Avenida Afonso Pena 3111/201
CEP: 30130-008 Belo Horizonte - MG
E-mail: ugvc@terra.com.br

Unidade de Geriatria do Hospital Governador Israel Pinheiro IPSEMG

Resumo

São relatados os casos de dois idosos portadores de hipertensão arterial sistêmica (HAS) associada à hipotensão ortostática (HO) sintomática que foram tratados com quinalapril (20mg/dia), um inibidor da enzima conversora de angiotensina, após utilização infrutífera de várias classes de anti-hipertensivos, com resultados satisfatórios.

Palavras-chave: Hipertensão/tratamento; Hipotensão/tratamento; Hipotensão ortostática/tratamento; Idoso; Anti-hipertensivos.

 

INTRODUÇÃO

A doença cardiovascular é a principal causa de morte em idosos e a hipertensão arterial sistêmica (HAS) um dos seus principais fatores de risco.1

A hipotensão ortóstatica (HO) é também muito freqüente na idade avançada e constitui importante causa de morbidade, pois pode ocasionar síncope, quedas e isquemia de órgãos nobres, como infarto agudo do miocárdio (IAM) e Acidente Vascular Encefálico (AVE).2

Até 10% dos hipertensos apresentam HO concomitante, que pode ser agravada ou precipitada pela terapia anti-hipertensiva, particularmente na idade avançada.3,4

A terapêutica anti-hipertensiva pode ocasionar HO mesmo em baixas doses, seja pelo seu efeito sobre o sistema nervoso autônomo ou por ação direta sôbre os vasos sanguíneos.

Alguns dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) (enalapril, lisinopril e quinalapril)5-7 e os bloqueadores dos canais de cálcio diidropiridinicos (amlodipina, felodipina, nitrendipina)8-11, entretanto, podem tratar a HAS com mais baixo risco de induzir ou agravar a HO.

São descritos neste artigo dois idosos com HAS e HO sintomática concomitante que obtiveram redução satisfatória dos níveis tensionas supinos e das quedas posturais sintomáticas com a utilização do IECA (quinalapril).

Caso 1

PBC, 87 anos, hipertensa em uso de hidroclorotiazida 25 mg/dia, admitida com tonteira diária após assumir o ortostatismo, com limitação de suas atividades básicas.

A pressão arterial em decúbito era de 170x100 mmHg, com quedas posturais sintomáticas de até 30 mmHg, com aumento da frequência cardíaca variando de 10 a 20 bpmin.

Não foram detectadas manifestações extrapiramidais, piramidais, cerebelares ou de neurônio motor inferior. Os testes selecionados de disfunção autonômica sugeriram lesão de fibras eferentes simpáticas para os vasos de resistência e capacitância (imersão da mão em água gelada) e eferentes parassimpáticas para o coração (ausência de arritimia sinusal respiratória).

Os seguintes fatores de risco para HO foram identificados: a) uso de drogas (diurético); b) diabetes mellitus em uso de insulina; c) síndrome paraneoplásica (carcinoma broncogênico); d) hiponatremia (diurético e/ou síndrome inapropriada da secreção de hormônio antidiurético: carcinoma broncogênico).

A intervenção sobre alguns dos fatores de risco (suspensão do diurético, ressecção do nódulo pulmonar maligno e correção da hiponatremia) não foram eficazes em abolir as quedas posturais sintomáticas em ortostatismo.

Na tentativa de se controlar tanto a hipertensão arterial supina quanto a HO sintomática, iniciou-se IECA (quinalapril) 20mg/dia obtendo-se controle da HAS supina (130x70 mmHg), com redução significativa das quedas posturais e dos sintomas de hipoperfusão cerebral. A paciente retornou às suas atividades básicas de vida de forma independente.

Caso 2

MDS, 75 anos, hipertensa, portadora de demência vascular, depressão maior e artrite reumatóide foi admitida com tonteira em ortostatismo com quedas frequentes. Estava em uso de nitrendipina(10 mg/dia), clonazepam (0,5 mg/dia) e prednisona (5 mg/dias alternados).

A PA em decúbito era de 170 x100 mmHg, com quedas posturais sintomáticas de até 80 mmHg e aumentos da frequência cardíaca de até 40 bpm.

Não foram detectadas manifestações extrapiramidais, piramidais, cerebelares ou de neurônio motor inferior.

Os fatores de risco para HO encontrados foram: a) uso de nitrendipina e clonazepam; b) infartos lacunares múltiplos periventriculares.

Nessa paciente a associação de hipertensão supina, resposta taquicárdica exagerada e testes autonômicos anormais, assim como ausência de aumento dos níveis séricos de catecolaminas com a mudança postural, foram sugestivos de disfunção autonômica secundária.

As medidas não farmacológicas instituídas foram infrutíferas devido à não adesão da paciente, que também não concordou com a suspensão do clonazepam. A retirada da nitrendipina resultou em piora da hipertensão arterial supina (atingindo níveis de até 210x110 mmHg), sem qualquer melhora nas quedas posturais sintomáticas.

O emprego de quinalapril 20 mg/dia resultou em controle parcial da PA supina (150/100 mmHg) e menores quedas posturais, tornando-se a paciente assintomática.

 

DISCUSSÃO

O tratamento da HAS reduz a incidência de AVE, o déficit cognitivo, o IAM, a insuficiência cardíaca e mortalidade cardiovascular em idosos2. A HO é também uma condição muito freqüente na idade avançada, acometendo até 30% de idosos não selecionados12,13. Constitui importante causa de morbidade, pois pode ocasionar síncope, quedas e isquemia de órgãos nobres (IAM, AVE).2

Até 10% dos pacientes hipertensos apresentam HO concomitante3, que pode ainda ser agravada ou precipitada pelo uso de terapia anti-hipertensiva,4 como ilustram os dois casos aqui descritos.

Dos pacientes portadores de disfunção autonômica que se apresentam com HO, muitos são hipertensos supinos graves, como pode ser observado no caso 2.

É sabido que tanto a HAS quanto a HO impõem seus próprios riscos se não abordadas e tratadas adequadamente. No entanto, quando a HAS coexiste com HO (casos 1 e 2), o clínico se depara com um dilema. Não tratar a HAS seria considerado inaceitável na maior parte dos casos, mas ignorar uma HO particularmente sintomática que pode ser precipitada e/ou agravada com o uso de antihipertensivos seria igualmente inadmissível.

Perante esta situação de difícil abordagem, como controlar adequadamente a HAS em idoso, considerando-se os riscos de indução e/ou agravamento de HO? Seria possível, com os agentes antihipertensivos, atingir os níveis tensionais recomendados sem os riscos de HO?

Os anti-hipertensivos comumente incriminados como causadores de HO são os diuréticos, a hidralazina, os alfa e beta-bloqueadores, a alfametildopa e os bloqueadores dos canais de cálcio não diidropiridínicos, seja pelo seu efeito sobre o sistema nervoso autônomo ou por ação direta nos vasos sanguíneos. Não existem estudos acerca da eficácia e segurança dos diferentes anti-hipertensivos especificamente utilizados em idosos com HAS e HO concomitante. As medidas não farmacológicas sugeridas no tratamento da HO são notoriamente pouco eficazes e de difícil adesão pela maiora dos idosos, particularmente aqueles muito velhos, com co-morbidades e polifarmácia (caso 2). No entanto, evidências ressaltam alguns dos IECAs e os bloqueadores dos canais de cálcio diidropiridinicos como drogas que poderiam tratar a HAS com mais baixos riscos de induzir ou agravar a HO.

Os IECAs (enalapril, lisinopril, quinalapril)6-8, diferentemente de outros anti-hipertensivos, parecem mesmo atenuar a HO, provavelmente devido à melhora na sensibiidade dos barorreceptores. Também os bloqueadores dos canais de cálcio diidropiridinicos (amlodipina, nitrendipina, felodipina)9,10,11,12 não parecem ocasionar HO sintomática, podendo inclusive melhorar a tolerância ortostática e mesmo outros aspectos homeostáticos cardiovasculares.14

Nos dois casos relatados optou-se pela utilização de um IECA com alguma evidência de eficácia tanto na redução da PA supina quanto nas quedas posturais sintomáticas, tendo sido escolhido aleatoriamente o quinalapril utilizado na dose de 20mg/dia.

No caso 1, o controle da PA supina foi adequado, atingindo-se níveis pressóricos recomendados com acentuada redução nas quedas posturais e nos sintomas de hipoperfusão cerebral, retornando a paciente a uma vida independente.

A paciente do caso 2 foi admitida em uso de bloqueador dos canais de cálcio diidropiridínico (nitrendipina), não tendo sido observado adequado controle da PA supina, mantendo quedas posturais sintomáticas importantes. No entanto, a suspensão da nitrendipina ocasionou aumento considerável da pressão arterial supina. O manuseio terapêutico de pacientes portadores de disfunção autonômica (caso 2) é notoriamente problemático, principalmente com a utilização de drogas classicamente recomendadas, como a alfafludrocortisona, que pode ocasionar aumentos importantes na PA supina e nem sempre ser eficaz em abolir a HO e os sintomas de baixa perfusão cerebral. Com a utilização do IECA (quinalapril), houve redução da PA supina, porém não se atingindo níveis pressóricos recomendados, mas as quedas posturais se tornaram menos freqüentes e significativas, tornando-se a paciente assintomática a maior parte do tempo. Considerouse satisfatório o controle da PA supina e em ortostatismo, levando-se em consideração o fato de a paciente ser portadora de disfunção autonômica.

No entanto, considerando-se as recomendações do Hypertension Optimal Treatment (HOT) Study quanto a atingir os níveis tensionais recomendados, aproximadamente dois terços dos pacientes necessitam de dois ou mais agentes anti-hipertensivos, implicando que polifarmácia é usualmente necessário.15 Nesta situação, caso ocorra HO, sugere-se limitar o número de anti-hipertensivos prescritos, assim como os níveis tensionais a serem atingidos. É importante ressaltar que mesmo não se conseguindo atingir os níveis tensionais recomendados, os pacientes podem obter benefício.

Sugere-se que até o desenvolvimento de estudos especificamente desenhados para esse grupo de pacientes, a utilização, pelo menos como tentativa inicial, de um dos seguintes IECAs: enalapril, lisinopril ou quinalapril, é possível com benefícios reais sem efeitos adversos equivalentes.

 

REFERÊNCIAS

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9. Pandita-Gunawardena ND, Clarke SEM. Anlodipine lowers blood pressure without affecting cerebral blood flow as measured by single photon emission computed tomography in elderly hypertensives subjects. Age Ageing. 1999;28:451-7.

10. Pandita-Gunawardena ND, Dorrance DE, Macdonald G. Efficacy of nitrendipine in the treatment of elderly hypertensives subjects, and its effects on cerebral blood flow. J Cardiovasc Pharmacol. 1989;14(suppl. 10):852-8.

11. Thulin T, Fagher B, Grabowski M, Ryding E, ElmqvistJ, Johansson BB. Cerebral blood flow in patients with severe hypertension, and acute and chronic effects of felodipine. J Hypertens. 1993;11:83-8.

12. Tilvis RS, Hakala SM, Valvanne J, Erkinjuntti T. Postural hypotension and dizziness in a general aged population: a four-year follow-up of the Helsink Aging Study. JAGS. 1996;44:809-14.

13. Cunha UGV, Costa, IL , Faria GO, Júnior, CGC. Hipotensão ortostática em idosos hospitalizados. Arq Bras Cardiol. 1991;56:39-42.

14. James MA, Rakicka H, Panerai RB, Potter JF. Baroreflex sensitivity changes with calcium antagonist therapy in elderly subjects with isolated systolic hypertension. J Hum Hypertens. 1999;13:87-95.

15. Hansson L, Zanchetti A, Carruthers SG, Dahlöf B, Elmfeldt D, Julius S, et al. Effects of intensive blood-pressure lowering and low-dose aspirin in patients with hypertension: principal results of the Hypertension Optimal Treatment (HOT) randomised trial. HOT Study Group. Lancet. 1998;351:1755-62.