ISSN (on-line): 2238-3182
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CAPES/Qualis: B2
Atenção pré-natal em Viçosa-MG: contribuições para discussão de políticas públicas de saúde
Pre-birth attention in Viçosa-MG: contributions to the discussion on public health policies
Bianka Caliman Salvador1; Hudsara Aparecida de Almeida Paula1; Clarisse Costa Souza2; Alessandra Miranda Cota2; Mariana Andrade Batista2; Renata Chácara Pires2; Poliana Cardoso Martins3; Rosângela Minardi Mitre Cotta4
1. Nutricionista, mestranda em Ciência da Nutrição. Universidade Federal de Viçosa
2. Nutricionista. Universidade Federal de Viçosa
3. Mestre em Ciência da Nutrição. Universidade Federal de Viçosa
4. Professora Adjunto Universidade Federal de Viçosa MG - Brasil
Centro de Ciências Biológicas II. Departamento de Nutrição e Saúde. Campus da Universidade Federal de Viçosa
Av. Ph Rolfs, s/ nº.
Viçosa - MG CEP: 36570-000 Brasil
E-mail: biankacsalvador@gmail.com
Instituição: Universidade Federal de Viçosa. Viçosa - MG
Resumo
OBJETIVO: este trabalho visa, analisar a assistência pré-natal oferecida às gestantes atendidas em uma unidade pública de saúde de Viçosa-MG, além de investigar sobre o conhecimento dessas usuárias quanto ao Conselho Municipal de Saúde, como um meio institucional de participação social.
MÉTODO: foram realizadas entrevistas por meio de um roteiro semi-estruturado.
RESULTADOS: As gestantes encontravam-se predominantemente no terceiro trimestre de gestação (55,6%; n= 25). Destas, 11 (44%) haviam realizado apenas três consultas pré-natais ou menos. Apenas uma das gestantes relatou ter se submetido a todos os exames e vacinação recomendados pelo Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento. Segundo relato das usuárias, o tempo médio de espera, do horário marcado até o início da consulta médica, era de 1:30 h. Apenas 67% das gestantes estudadas faziam acompanhamento nutricional, mesmo sendo este considerado importante por 85% delas. Pequena parte das gestantes apresentou queixas em relação ao pré-natal (29%) e, daquelas que sabiam o que é o Conselho Municipal de Saúde (7%), nenhuma disse já ter pensado na possibilidade de levar suas queixas sobre os serviços de saúde àquela instância colegiada. Poucas gestantes (36%) disseram saber quais eram seus direitos como usuárias do Sistema Único de Saúde, mesmo que não plenamente.
CONCLUSÃO: verificou-se ineficiência na cobertura do pré-natal, quantitativa e qualitativamente, bem como falta de conscientização das gestantes quanto a seus direitos e possíveis formas de reivindicação para um acompanhamento de saúde adequado nessa fase da vida.
Palavras-chave: Gestantes; Cuidado Pré-Natal; Serviços de Saúde Materna; Sistema Único de Saúde; Participação Comunitária; Atenção Primária à Saúde; Centros de Saúde.
INTRODUÇÃO
A assistência pré-natal tem relação estreita com os níveis de saúde das mães e seus filhos, uma vez que a ausência ou a baixa qualidade desta assistência está associada à taxa de mortalidade materna mais alta e a inadequadas condições de nascimento.1 Neste sentido, é importante enfatizar que os cuidados direcionados ao grupo materno-infantil são imprescindíveis para aumentar o conforto e a segurança integral, num contexto de promoção da saúde da mulher e da criança, bem como promover a saúde da população em geral.2
No final da década de 1990, o cuidado com a saúde da mulher no Brasil ainda apresentava, assim como hoje, muitos desafios a serem superados. Problemas referentes à qualidade propriamente dita, assim como aos princípios filosóficos do cuidado, centrado em um modelo medicamentoso, hospitalocêntrico e tecnocrático eram observados.3,4 Diante disso, o Ministério da Saúde lançou, em 2000, o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN)5 impulsionado pela necessidade de diminuir a morbimortalidade materna e perinatal. Considerando a humanização o grande fio condutor, esse programa visa a assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento prénatal, da assistência ao parto e ao puerpério.3,5
A humanização, como um dos pilares desse programa, remete à qualidade do cuidado prestado no pré-natal tanto pelo envolvimento da mulher com sua família no processo de gestação e parto, quanto pela promoção de ações que aumentem a compreensão dessa população sobre esse processo, considerando a integração do saber popular com o saber científico da equipe de saúde.2,6 Os preceitos que englobam o cuidado humanizado à tríade mulher-criança-família tornam mais clara a necessidade de considerar a saúde a partir de uma visão holística e humanística, visto que o respeito à individualidade das pessoas e a valorização das crenças e da comunicação são componentes essenciais da humanização.7
Na cidade de Viçosa-MG, assim como em outras localidades do país4,8,9, as informações referentes à qualidade da assistência pré-natal são preocupantes e refletem um problema de saúde pública. De acordo com dados obtidos na VI Conferência Municipal de Saúde de Viçosa-MG, realizada em abril de 2005, apenas 45,7% das gestantes atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no ano de 2003, se submeteram às seis consultas mínimas de pré-natal, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde.5 No ano de 2004, houve redução dessa prevalência, uma vez que somente 30% das gestantes tiveram as seis consultas.10
Diante da situação vigente nos serviços públicos municipais responsáveis pela prestação da assistência pré-natal, levanta-se a hipótese de que o controle social poderia constituir um veículo importante para a melhoria da assistência à saúde da mulher. Este controle, voltado para a saúde, deve ser entendido como o intervir e o interagir da sociedade, representada em todos os seus segmentos, junto ao Estado, na gestão das políticas públicas da saúde, sendo que essa relação necessita acontecer de forma permanente, visando ao benefício de toda a sociedade.11,12
Fortalecer o controle social é possibilitar a participação da sociedade na busca de alternativas de atenção à saúde, no acompanhamento e controle do uso de recursos públicos e na responsabilização do Estado e da própria sociedade em relação à saúde.13
A contribuição para o empoderamento das mulheres, destacando seu papel como protagonista na gestação e no parto, é um ponto importante a ser considerado. Uma vez que são elas as usuárias diretas do serviço de atenção pré-natal, sua opinião pode indicar aspectos importantes referentes à oferta e qualidade dos serviços, permitindo reorientar as ações de saúde de maneira a atender integralmente suas demandas.3,12,13
O objetivo deste trabalho foi analisar a assistência pré-natal oferecida às gestantes atendidas em uma unidade pública de saúde do município de Viçosa-MG, além de investigar sobre o conhecimento dessas usuárias acerca do Conselho Municipal de Saúde, como um meio institucional de participação social.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Foram realizadas entrevistas com as gestantes usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), atendidas em um Centro de Saúde do município de Viçosa, localizado na Zona da Mata Mineira, em 2005. Esse Centro de Saúde cobre aproximadamente 87% dos atendimentos pré-natais realizados pelo SUS no município. Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, na época do estudo, mensalmente eram atendidas aproximadamente 264 gestantes no Centro de Saúde referido. A amostra analisada correspondeu a 17% dos atendimentos mensais, obtendose, assim, um total de 45 usuárias entrevistadas.
A seleção se deu de forma aleatória e o tamanho amostral foi calculado por meio do programa Epi Info, versão 6.04, para estudos transversais. A partir da população total de 264 gestantes; variabilidade aceitável de 5%; nível de confiança de 99,99%; e freqüência esperada de gestantes com menos de seis consultas prénatais (representado como mau indicador de assistência à saúde3) igual a 34% (percentual obtido em estudo regional prévio realizado por Coutinho et al.)13 obtevese amostra mínima de 35 mulheres. Acrescentaram-se 29% a esse valor, visando a evitar comprometimento por perdas ou recusa de participação. Desta forma, a amostra final foi constituída por 45 gestantes, a qual correspondeu a 17% dos atendimentos mensais.
Para a caracterização da população obstétrica e obtenção de informações acerca do pré-natal e da participação social, utilizou-se um roteiro semiestruturado. Foram avaliadas:
variáveis sociodemográficas (idade, escolaridade, ocupação e renda);
informações referentes à concepção das gestantes quanto a aspectos relacionados ao atendimento (local e tempo de espera, duração da consulta, qualidade, realização de acompanhamento nutricional);
informações referentes aos exames e orientações preconizados pelo PHPN4 (período gestacional, número de consultas pré-natal, vacina e exames realizados); e
informações relacionadas ao controle social (conhecimento dos direitos relacionados ao pré-natal, como usuárias do SUS, e sobre o Conselho Municipal de Saúde (CMS), queixas e atitudes tomadas).
As entrevistas foram realizadas após a autorização das gestantes, por meio do termo de consentimento livre e esclarecido, tendo sido o trabalho aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa.
Os dados coletados foram armazenados e analisados no software Epi Info, versão 6.04.
RESULTADOS
A idade média das gestantes atendidas no serviço público foi de 24 anos, sendo a mínima de 15 e a máxima de 38 anos. A maioria delas (75,6%) pertencia à faixa etária de 20 a 34 anos.
Quanto ao grau de instrução, ocorreu o predomínio das mulheres que não haviam concluído o Ensino Fundamental (60%) e ressalta-se que apenas 40% possuíam oito anos ou mais de estudo.
No que se refere à ocupação, verificou-se que 64,7% das gestantes não se encontravam inseridas no mercado de trabalho durante a gravidez (ou por serem "do lar" ou por estarem desempregadas). Daquelas inseridas no mercado de trabalho, as ocupações encontradas foram: ajudante de bar, babá, balconista, cabeleireira, cozinheira, diarista, empregada doméstica, garçonete, manicure, professora, servente hospitalar e trabalhadora rural.
A maioria delas (77,8%) apresentou renda mensal per capita menor ou igual a um salário mínimo.
As gestantes encontravam-se predominantemente no terceiro trimestre de gestação (55,6%; n= 25). Destas, 11 (44%) haviam realizado apenas três consultas ou menos, destacando-se um caso em que a primeira consulta havia sido feita somente no sétimo mês de gestação (Quadro 1).
Quando perguntadas sobre o local de espera para o atendimento, a maioria das gestantes o classificou como adequado (67%). As justificativas são apresentadas na Tabela 2.
Em relação ao período de espera do horário marcado até o início da consulta médica, o tempo médio foi de 1:30 h, sendo o tempo mínimo relatado de 30 minutos e o máximo de 2:45h.
No que se refere à duração da consulta, o tempo mínimo e máximo relatado pelas gestantes foi de dois minutos e 40 minutos, respectivamente. As três opções de duração da consulta mais mencionadas, cada qual refletindo 24,4% das respostas, foram: inferior a 10 minutos, igual a 15 minutos e igual a 30 minutos, sendo a mediana de 17 minutos.
Quanto à avaliação da qualidade do atendimento médico pelas gestantes, a maioria o classificou como bom ou ótimo (76%), seguido da opção razoável (24%).
Considerando os procedimentos recomendados pelo PHPN5, observou-se que apenas uma das gestantes relatou ter se submetido a todos os exames e vacinação (dado não mostrado), sendo os menos realizados (por 40% ou menos das gestantes): VDRL (sífilis), toxoplasmose e vacina antitetânica.
O número de gestantes que estava tendo acompanhamento nutricional foi igual a 31 (67%), ressaltando-se que das 25 gestantes que se encontravam no terceiro trimestre de gestação, 64% (n= 16) realizaram três ou menos atendimentos nutricionais (dados não mostrados).
O tempo médio de duração do atendimento nutricional relatado foi de 16 minutos, com predomínio das seguintes respostas: menor ou igual a 10 minutos (35,4%), igual a 15 minutos (22,6%) e igual a 20 minutos (22,6%).
As orientações nutricionais recebidas mais citadas pelas gestantes foram sobre: alimentação adequada, fracionamento das refeições ao longo do dia, aleitamento materno, controle do peso e cuidados com o bebê, ingestão de líquidos e prática de atividade física.
De todas as gestantes que participaram do presente estudo, 85% consideraram importante o acompanhamento nutricional durante a gravidez, porém, verificou-se que apenas 76% delas realizavam esse acompanhamento. As justificativas apontadas para esta importância foram a aprendizagem adquirida, o fato de receberem orientações sobre alimentação adequada, o controle do peso e o cuidado para terem uma gestação melhor.
O atendimento nutricional (n= 31) foi predominantemente identificado como bom ou ótimo (90,3%), em virtude, principalmente, do tratamento adequado oferecido pelo nutricionista, das orientações sobre o controle do peso e da existência de diálogo. Das demais das gestantes (9,7%) que consideraram o atendimento nutricional razoável, duas não souberam justificar a resposta e a terceira afirmou que as recomendações do nutricionista já eram de seu conhecimento.
Segundo 64% das gestantes, a questão do aleitamento materno não foi abordada por nenhum dos profissionais com os quais teve contato até a aplicação do roteiro. Aquelas que receberam informações sobre o aleitamento materno foram abordadas, na maioria das vezes (69%), pelo nutricionista.
Pequena parte das gestantes apresentou queixas em relação ao pré-natal (29%). Considerando que houve mais de uma resposta à questão proposta, os problemas relatados foram: mau atendimento de médicos e outros funcionários (n=3); demora para o atendimento (n=4); pouca consideração e procedimentos não realizados (n=2); número insuficiente de médicos (n=3); ausência de lugar reservado para atender à gestante (n=1); e o fato de não ser o mesmo médico a realizar o pré-natal e o parto (n=1).
A maior parte das gestantes que apontou queixas em relação ao pré-natal relatou nunca ter recorrido a ninguém para se queixar (77%). As demais procuraram o balconista para fazerem sua reclamação.
Em relação ao conhecimento das gestantes referente à participação social, daquelas que sabiam o que é o CMS (7%), nenhuma disse já ter pensado na possibilidade de levar suas queixas sobre os serviços de saúde àquela instância colegiada.
Pequena parte das entrevistadas (36%) relatou saber quais eram seus direitos como usuárias do SUS. No entanto, mesmo entre essas gestantes, observou-se que o conhecimento pleno de seus direitos não existia.
DISCUSSÃO
A idade média de 24 anos encontrada para as gestantes estudadas reflete consonância com outros estudos brasileiros,14,15 assim como sua maior prevalência na faixa etária de 20 a 34 anos16,17, considerada a mais adequada para a reprodução.18
Quanto à escolaridade, a porcentagem de gestantes que não havia concluído o Ensino Fundamental foi superior à encontrada em Piracicaba-SP (16,6%)15 e próxima do observado em Teresópolis-RJ (55,4%).19
Destaca-se que a baixa escolaridade materna tem sido relacionada à morbimortalidade infantil19, ao déficit de crescimento e desnutrição20, à menor chance de as gestantes efetuarem mais de seis consultas durante o pré-natal e à maior dificuldade em seguir o calendário vacinal.21,22 Tem-se ainda que a instrução materna pode ser entendida como um indicador de condição social; mais alto grau de instrução favorece o acesso ao emprego e à melhoria do padrão socioeconômico e, conseqüentemente, das condições de vida.22,23
Verificou-se que a maioria das gestantes não possuía trabalho remunerado durante a gravidez, assim como foi observado em outros estudos em diferentes localidades do Brasil.24,25 Essa baixa inserção no mercado de trabalho reflete a impossibilidade de contribuir com as despesas familiares, podendo comprometer a qualidade da vida materna e a do bebê.26 Além disso, entre aquelas que possuíam algum vínculo empregatício, constatouse renda mensal per capita menor ou igual a um salário mínimo para a maioria. Assim, reforça-se a idéia de que o predomínio de gestantes com baixo nível de escolaridade pode implicar na dificuldade de obter um emprego melhor e em desfavorável condição socioeconômica.
No que se refere à relação entre idade gestacional e número de consultas pré-natais realizadas, observou-se número insuficiente de consultas, diferindo do que é preconizado pelo PHPN, que é a realização de, no mínimo, seis consultas pré-natais, sendo, preferencialmente, uma no primeiro trimestre, duas no segundo e três no terceiro trimestre da gestação.24
Estudos mostram que essa condição não é incomum em outras regiões do país1,8,9,27,28, o que reflete situação preocupante, uma vez que se sabe dos malefícios que a realização de um adequado pré-natal pode prevenir.1,25
Quanto ao local de espera para o atendimento, a maioria o considerou adequado. No entanto, algumas das respostas apresentadas ("por ser público tá bom" - no sentido de gratuito; "em comparação de onde moro tá bom"; "não tem outro lugar") apontam um cenário desalentador. Essas respostas refletem a falta de conscientização das gestantes acerca dos seus direitos, visto que elas delimitam a qualidade dos serviços que lhe são oferecidos à sua condição socioeconômica. Diante deste quadro, reforça-se a necessidade de politização das demandas, compreendida a partir do desvendamento da realidade de funcionamento do sistema de saúde, por meio da construção de um saber e de uma força social capazes de cobrar o cumprimento da legislação, além de participar efetivamente do processo de mudança.29
Em relação aos resultados relativos ao período de espera do horário marcado até o início da consulta, verifica-se uma situação que deve ser modificada, uma vez que fere os princípios de humanização do pré-natal quanto ao direito de acesso ao atendimento digno e de qualidade na gestação.5 Já a duração da consulta contextualiza o fato das ações de saúde no serviço público serem consideradas, por muitos profissionais, uma atividade secundária, de forma que os médicos priorizam principalmente a produtividade em detrimento da qualidade, o que é, em muitas situações, imposto pela administração dos serviços.30
No que tange à realização dos exames laboratoriais e à aplicação da vacina antitetânica, destaca-se que a prevenção da toxoplasmose congênita e da sífilis, além do vírus da imunodeficiência humana, deve ser feita em todas as gestações, de forma a permitir que os cuidados ao recém-nascido sejam otimizados e o prognóstico da criança seja melhorado.31
Em estudo realizado com gestantes usuárias do SUS em Caxias do Sul-RS,26 verificou-se que 44,3% delas submeteram-se a todos os procedimentos recomendados pelo PHPN. Apesar de refletir valor muito mais alto que o encontrado neste estudo (2,2%), a realização desses procedimentos ainda é ineficiente nessa e em outras localidades do país.4,9
A participação de uma equipe inter e multidisciplinar, o cuidado pré-natal precoce e a garantia da assistência de qualidade ao longo da gestação são necessários para o sucesso da assistência prénatal.32 No entanto, neste trabalho, apenas 68,9% das gestantes estudadas estavam tendo acompanhamento nutricional, mesmo sendo este considerado importante por 85% delas.
O cuidado nutricional no pré-natal tem sido valorizado pela importância no resultado obstétrico. A identificação precoce de gestantes com inadequado estado nutricional permite ao nutricionista intervir por meio da orientação individualizada, gerando resultados positivos nas condições ao nascer e, assim, menores chances de morbimortalidade perinatal e neonatal.33 Apesar do tempo médio relatado da duração do atendimento nutricional ter sido de 16 minutos, observa-se que as gestantes puderam assimilar informações a respeito dos assuntos abordados pelo nutricionista, quando relataram as orientações recebidas desse profissional.
Além disso, o nutricionista pode ser visto como um ator importante na orientação sobre o aleitamento materno. Neste estudo, mesmo considerando que a questão do aleitamento não foi abordada a 64% das gestantes, segundo as mesmas, por nenhum dos profissionais com os quais tiveram contato até a aplicação do roteiro, constatou-se que, entre aquelas que receberam informações, a abordagem em sua maior parte foi feita pelo nutricionista. A partir do exposto, conclui-se que as informações inerentes ao aleitamento realmente não foram dadas às gestantes ou foram repassadas de maneira inadequada, de forma que elas não conseguiram assimilar as informações e sequer se lembravam do assunto, refletindo, de qualquer forma, a necessidade de melhorias.
Estudando mulheres assistidas em uma unidade de saúde de referência na atenção materno-infantil em Teresina, Ramos e Almeida34 referiram que elas transpareciam preocupação por não terem recebido informações sobre a amamentação, sobretudo dos médicos. Concluíram, ainda, que as principais falhas na atenção pré-natal estavam relacionadas à pouca efetividade de comunicação entre as gestantes e os profissionais de saúde, uma vez que estes, apesar de perceberem e reconhecerem os anseios da mulher, não são capazes de romper com o modelo de assistência flexeneriano que ainda vigora.
O fato da maior parte das usuárias não manifestar queixa em relação ao pré-natal pode ser fundamentado no baixo nível de escolaridade relacionado à dificuldade em reconhecer seus direitos, levando, desta forma, à maior condescendência quanto ao serviço de saúde recebido.35
Algumas gestantes mencionaram insatisfação em relação à interação interpessoal (gestante versus médico ou outros funcionários do serviço de saúde). Uma vez que o conhecimento técnicocientífico quanto à intervenção proposta não existe, os usuários tendem a despender mais atenção à relação interpessoal e, assim, esperam sentir dedicação do profissional a partir de uma interação humanizada e individualizada.36 Por outro lado, é preciso considerar também as justificativas apontadas pelos profissionais de saúde quanto às possíveis limitações em dar mais atenção à gestante. Dificuldades referentes: à maior necessidade de tempo exigida pela assistência humanizada e ao número reduzido de profissionais na equipe; às limitações físicas, cognitivas e afetivas existentes no ambiente de trabalho; e à falta de cuidados humanizados despendidos aos profissionais por parte da instituição são comuns em nosso meio.2
Diante do exposto, torna-se oportuno destacar que a comunicação é uma peça chave para a humanização, sendo favorecida pelas condições técnicas e materiais. A opinião dos usuários deve ser somada à dos profissionais de saúde para a formação de uma rede de diálogo que gere ações consoantes. Além disso, a instituição, de forma geral, assim como os profissionais de todos os setores, formuladores de políticas públicas, além dos conselhos profissionais também são responsáveis pela obtenção do sucesso.27
A participação da sociedade no controle do sistema de saúde foi impulsionada principalmente pelo Movimento da Reforma Sanitária. Sendo o CMS uma instância colegiada que é local de participação das representações populares,12,37-39 o presente estudo buscou identificar o conhecimento das gestantes sobre esse órgão, tendo-se constatado que a maior parte delas não sabe o que é o CMS e, desta forma, não sabe que tem garantida a representação na composição do mesmo, como usuária do sistema de saúde.
Das gestantes que sabiam o que é o CMS, nenhuma relatou ter-se queixado de suas insatisfações àquele órgão. Tal fato pode ser justificado pela falta de interação da população com os mecanismos de participação social, o que leva a interpretá-la como uma "fraqueza" da sociedade civil em atuar nos canais participatórios.38
Aliado ao fato do desconhecimento sobre o CMS, não é de se surpreender que a maioria das gestantes não conhecesse seus direitos como usuárias do SUS. Mendoza-Sassi et al.40 estudaram gestantes de baixo nível socioeconômico no município de Rio Grande-RS e também encontraram resultados que refletiam o pobre conhecimento das gestantes sobre o pré-natal.
Ao considerar que não se sabe quais são seus direitos, torna-se mais difícil sua reivindicação. Com isso, não há atuação das gestantes como agentes ativos e criativos da "voz" em busca de melhor qualidade dos serviços de saúde, ou seja, não estão socialmente organizadas, sendo, portanto, destituídas de voz política.30
Há necessidade de implementação de estratégias de políticas públicas de saúde que contribuam para a melhor qualidade nos serviços de atenção obstétrica, visto que, na prática, como indicado pelos resultados encontrados, a cobertura desses serviços (tanto em termos quantitativos, quanto qualitativos) ainda é ineficiente.
É importante ressaltar a necessidade do desenvolvimento de programas educativos que orientem as gestantes quanto à importância da realização de todos os exames e de todos os acompanhamentos preconizados durante o pré-natal e que seja permanentemente abordada a prática do aleitamento materno e seus benefícios. Torna-se cada vez mais urgente conscientizar as usuárias de que o sistema público de saúde não é gratuito e, sim, financiado por toda a sociedade, ainda que indiretamente. Nessa ótica, não podem continuar sendo considerados normais fatos como a espera desumana pelo atendimento, o tempo insuficiente para os atendimentos e a rispidez de muitos dos funcionários e profissionais de saúde. Em outras palavras, os usuários do SUS são uma maioria silenciosa que conta pouco no jogo político e, embora esses usuários tenham alcançado a cidadania na saúde com esse sistema, ainda permanecem subcidadãos políticos.41
Sugere-se que o poder público busque promover mais articulação da comunidade (enfocando aqui a população obstétrica) com os órgãos que desempenham a função de controle social, como é o caso do CMS, por meio da divulgação e conscientização de sua função e importância, permitindo, assim, que a população usuária tome voz e reconheça seu dever de reivindicar melhorias das ações de saúde, das quais depende e às quais tem direito.
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