RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 18. 3

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Artigo Original

Sintomatologia depressiva em idosos de um plano de saúde

Depressive symptomatology among a health plan aged people

Ana Cristina Nogueira Borges Faria1,4; Sandhi Maria Barreto1,3; Valéria Maria de Azeredo Passos1,2

1. Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais
2. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina, UFMG
3. Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina, UFMG
4. Fundação Sidertube (VMB)

Endereço para correspondência

Ana Cristina N. B. Faria
Av. Professor Alfredo Balena, 189, Sl. 1407 Santa Efigênia
Belo Horizonte - MG CEP: 30.130-100
E-mail: anacristina@ciape.org.br

Resumo

OBJETIVOS: determinar a prevalência e fatores associados à sintomatologia depressiva em idosos (> 60 anos)
MÉTODOS: estudo transversal com investigação de sintomatologia depressiva em idosos, através da Escala Geriátrica de Depressão (GDS-15, Yesavage, 1982), avaliação da capacidade funcional básica pela Escala de Atividades Básicas de Vida Diária (Katz, 1970) e rastreamento cognitivo pelo Mini-Exame do Estado Mental (Folstein, 1975). Sintomatologia depressiva, definida por escore GDS-15 > 6. Utilizado protocolo com características sócio-demográficas e clínicas dos pacientes, de acordo com a avaliação geriátrica ampla.
RESULTADOS: participaram, deste estudo, 314 idosos, 158 (50,3%) homens e 156 (49,7%) mulheres, mediana de 64 anos de idade. A prevalência da sintomatologia depressiva foi duas vezes maior nas mulheres (30,1% vs. 15,8%, OR=2,29; IC:1,28-4,12). Na análise multivariada em mulheres, a sintomatologia depressiva foi positivamente associada à asma (OR=5,94; IC:1,42-24,87), anemia (OR=17,46, IC:1,62-188,22), distúrbios do sono (OR=3,11; IC:1,39-6,96), polifarmácia (OR=3,24; IC:1,52-6,88), uso prévio de antidepressivos (OR=3,25; IC:1,51-6,98), pior auto-percepção da saúde (OR=24,28, IC:1,94-303,15) e pior percepção comparada da saúde (OR=8,2; IC:1,98-33,80). Atividades físicas regulares foram negativamente associadas (OR=0,24; IC:0,08-0,72). Nos homens, houve associação positiva com neoplasia (OR=3,01; IC:1,13-7,98), pior percepção comparada da saúde (OR=19,42; IC:2,71-138,82), uso prévio de benzodiazepínicos (OR=4,43; IC:1,59-12,29) e de antidepressivos (OR=4,64; IC:1,39-15,45).
CONCLUSÕES: observada alta prevalência de sintomas depressivos, principalmente em mulheres. Os resultados pontuam especificidades de gênero e a associação da depressão, em,idosos com co-morbidades e uso de medicamentos.

Palavras-chave: Idoso; Depressão; Avaliação Geriátrica; Planos de Pré-Pagamento em Saúde.

 

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional é processo evidente e acelerado no Brasil. Em 1960, a população brasileira com 60 anos ou mais era de 2,1 milhões, aumentando para 14,6 milhões em 2000, com estimativas de atingir 32 milhões em 2025, quando o Brasil passará a ocupar o sexto lugar em maior população idosa do mundo.1,2 De 1900 a 2000, a expectativa de vida no Brasil aumentou de 33,7 para 68,6 anos. Estima-se que em 2025 seja 75,3 anos.2

O aumento da expectativa de vida deve ser celebrado, pois, é resultado de melhorias na saúde, ambiente de vida e trabalho. Mas, o maior tempo de vida também pode significar aumento de doenças crônico-degenerativas, piora de qualidade de vida e aumento de gastos com saúde.3

Dentre os problemas de saúde mais prevalentes, são de particular importância os transtornos do humor, pela repercussão na qualidade de vida e possibilidade de se estenderem por meses ou anos, se não tratados. A depressão corresponde a alteração da área afetiva ou do humor com intenso impacto funcional e que envolve inúmeros aspectos biopsicossociais.4

A depressão em idosos nem sempre se enquadra nos critérios diagnósticos, segundo o DSM-IV.5 Sintomas depressivos podem ser mascarados ou potencializados pelo envelhecimento, doenças associadas e uso de medicações. Formas de manifestação atípicas de depressão, como queixas somáticas, síndromes dolorosas, perda funcional, pseudo-demência depressiva, ansiedade, irritabilidade e abuso de álcool podem dificultar o diagnóstico.6,7 O humor deprimido pode ser menos significativo em idosos, onde predominam inapetência, alterações do sono, falta de energia e perda de interesse.7 Além disso, a depressão interfere significativamente na recuperação e reabilitação de doenças.8

A sintomatologia depressiva é mais freqüente que depressão maior e distimia.8,9 Manifesta-se sutilmente, com disforia e sintomas somáticos, freqüentemente associada a traços de depressão, mas nem sempre preenche critérios diagnósticos DSM IV de depressão.10

Este trabalho tem por objetivo estudar a prevalência e os fatores associados à sintomatologia depressiva em idosos, visando contribuir para a melhoria da qualidade de vida, nesta faixa etária.

 

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal, iniciado em 1/10/2001 e concluído em 19/12/2003, desenvolvido para descrever a prevalência e as características associadas à sintomatologia depressiva, em idosos (> 60 anos) usuários do plano de saúde de grande indústria siderúrgica, sediada em Belo Horizonte.

Os idosos foram convocados, por carta, a participarem de um projeto de avaliação global da saúde. Foram definidos, como casos, os portadores de sintomatologia depressiva, que apresentaram pontuação igual ou superior a seis, na Escala Geriátrica de Depressão (GDS), versão com 15 itens e ponto de corte 5/6 (não caso/caso).11 Esta escala foi aplicada por uma única enfermeira, devidamente treinada. Todos os pacientes foram avaliados pela mesma geriatra (ACNBF), que não teve acesso ao resultado da escala.

A Escala Geriátrica de Depressão (GDS), utilizada para a definição de casos neste estudo, foi desenvolvida, especificamente, para rastreamento de sintomas depressivos em idosos. É de fácil e rápida aplicação e pode ser utilizada em indivíduos com alterações clínicas, déficit cognitivo leve e baixa escolaridade. Suas questões têm respostas objetivas (sim ou não) e avaliam sintomas afetivos e de comportamento, com pouca ênfase em sintomas somáticos. Não exige formação médica do entrevistador, podendo até ser auto-aplicável.6, 11, 12 A forma abreviada, com 15 questões (GDS-15), já foi validada para uso no Brasil, com sensibilidade de 85,4% e especificidade de 73,9%, com mesmo ponto de corte utilizado neste estudo.13

Foi preenchido um questionário eletrônico, contendo informações da avaliação geriátrica ampla, provenientes da anamnese, exame clínico, resultados de testes de rastreamento funcional, cognitivo e de humor e resultados de exames complementares.

Os dados pesquisados foram: a) sócio-demográficas (idade, sexo, procedência, estado civil, escolaridade, renda familiar, dados sobre aposentadoria e pensão); b) hábitos de vida (atividade física no lazer e tabagismo); c) clínicas (presença de doenças diagnosticadas previamente e confirmadas na investigação e diagnósticos atuais); d) sexualidade (atividade sexual, presença de ressecamento vaginal, impotência e redução da libido); e) dados antropométricos (peso e altura); f) avaliação da qualidade de vida (satisfação conjugal e com aposentadoria, perda de parentes nos últimos cinco anos, auto-percepção da saúde e percepção da saúde comparada); g) avaliação da capacidade cognitiva e funcional; h) utilização de serviços de saúde (uso de medicamentos, número de consultas e internações hospitalares no último ano, avaliações preventivas de saúde: controle urológico e ginecológico, mamografia e reposição hormonal).

Em todos os participantes foram realizados os exames: hemograma, TSH, vitamina B12, ácido fólico, glicemia jejum, teste de dextrosol (se gicemia jejum entre 100 e 125), glicohemoglobina (se diabetes), creatinina, lipidograma, PSA, pesquisa de sangue oculto fecal, ECG, audiometria e exames de imagem (RxTx). Propedêutica mais avançada foi indicada, de acordo com a necessidade de cada paciente participante do estudo.

As doenças e transtornos avaliados foram: hipertensão arterial, angina, infarto, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência arterial periférica, doença pulmonar obstrutiva crônica, asma, gastrite, úlcera ou refluxo gastroesofagiano à E.D.A., constipação intestinal, incontinência urinária, hipotireoidismo, hipertireoidismo, Diabetes mellitus, dislipidemia, anemia, acidente vascular cerebral, doença de Parkinson, distúrbios do sono, baixa acuidade visual, baixa acuidade auditiva à audiometria, zumbidos e neoplasia.

O rastreamento cognitivo foi realizado pelo Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), utilizados dois pontos de corte: 23/24 e 19/20 (negativo/positivo).14 Os idosos foram classificados, para capacidade funcional básica, em: independentes, parcialmente dependentes ou totalmente dependentes, pela Escala de Atividades Básicas de Vida Diária de Katz .15

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFMG (Processo nº: 140/02). Os idosos que concordaram em participar do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Foi garantido atendimento médico a todos os pacientes, independente da participação no estudo. Todos foram encaminhados para avaliação oftalmológica, mulheres para avaliação ginecológica e homens para avaliação urológica. Os encaminhamentos para outras especialidades médicas ocorreram, de acordo com as necessidades individuais.

Todas as informações foram arquivadas e protegidas em prontuário eletrônico. Os dados foram armazenados em programa Excel. Foi realizada conferência de todo o banco de dados e uma segunda conferência aleatória.

A análise exploratória dos dados, com obtenção das características da população estudada e da prevalência de sintomatologia depressiva, foi realizada através do software estatístico Stata.16 A investigação dos fatores associados à depressão foi feita por sexo, utilizando-se a regressão logística múltipla. Foram usados os seguintes critérios para a inclusão de variáveis no modelo logístico: a) existência de associação entre as variáveis independentes e intervalo de confiança (IC), em nível inferior a 20 % (p<0,20) e b) variáveis que, mesmo não apresentando associação neste nível, poderiam ser potenciais fatores de confusão (escolaridade). No modelo final, foram consideradas as variáveis associadas que apresentaram o valor de p para a razão de verossimilhança, igual ou inferior a 0,05. A força das associações entre as variáveis, na regressão logística, foi aferida pela razão de chances (Odds-ratio) e intervalos de confiança (IC=95%).17

 

RESULTADOS

De 677 idosos participantes do convênio de saúde, 317 (46,8%) compareceram às consultas, no período do estudo, sendo que, três deles não concordaram em participar. Não houve diferença estatística entre idosos que participaram do estudo e os demais, com relação ao sexo e idade.

Características da população estudada

Dos 314 participantes, 158 (50,3%) eram homens e 156 (49,7%) mulheres; 243 (77,4%) casados, 52 (16,6%) viúvos, 11 (3,5%) solteiros e 8 (2,5%) divorciados. A idade variou de 60 a 92 anos, com mediana de 64 anos e média de 66 anos. Doze idosos (3,8%) não freqüentaram escolas; 123 (39,2%) estudaram até quatro anos, 58 (18,5%) estudaram de cinco a oito anos, 65 (20,7%) cursaram de nove a 11 anos e 55 (17,8%) mais de 11 anos. Quarenta e dois (13,4%) recebiam até três salários mínimos (SM) , 50 (16%) entre 3-4,9 SM, 137 (43,6%) entre 5-9,9 SM, 24 (7,6%) entre 10-14,9 SM, 16 (5,1%) entre 15-19,9 e 41 (13%) tinham renda igual ou superior a 20 SM. A renda não foi informada por quatro participantes (1,3%).

Mais da metade dos idosos (n=163, 51,9%) não fazia atividades físicas no lazer, 121 (38,5%) referiam prática regular de esportes, três vezes ou mais e 30 (9,6%) uma ou duas vezes na semana. Apenas 32 (10,2%) idosos fumavam e 116 (36,9%) eram ex-fumantes.

Um homem e uma mulher eram totalmente dependentes para as atividades básicas de vida diárias e três mulheres parcialmente dependentes. Quinze (9,5%) homens e 45 (28,8%) mulheres apresentaram rastreamento positivo para déficit cognitivo, no ponto de corte do MEEM 23/24. Quando utilizado o ponto de corte 19/20, foram considerados casos 2 (1,26%) homens e 6 (3,8%) mulheres.

As doenças clínicas de maior prevalência neste estudo foram: hipertensão arterial (n=173; 55,1%); gastrite (n=129; 41,1%), refluxo gastro-esofágico (n=76; 24,2%) e úlcera péptica (n=46; 14,6%) à endoscopia digestiva alta; incontinência urinária (n=74; 23,6%); zumbidos (n=67; 21,3%); diabetes (n=63; 20,1%); constipação intestinal crônica (n=56; 17,8%); neoplasias (n=41; 13,1%); hipotireoidismo (n=39; 12,4%); angina (n=24; 7,6%) e asma (n=17; 5,4%).

Cento e oitenta e sete participantes (59,5%) relataram vida sexual ativa. Nos homens, a queixa de impotência estava presente em 71 casos (44,9%) e nas mulheres, a secura vaginal foi relatada em 33 casos (21,1%). A redução da libido foi relatada por 85 participantes (27,1%), 48 (15,3%) homens e 37 (11,8%) mulheres.

Dentre os 243 idosos casados, 214 (88%) relataram satisfação com o relacionamento conjugal. Nos viúvos, a média do tempo de perda do cônjuge foi de 12,6 anos.

A maioria dos participantes (n=165; 52,5%) relatou perda de parentes próximos nos últimos cinco anos, mais freqüente a perda de irmãos (27,9%) e dos pais (22,4%).

Duzentos e trinta e oito idosos (75,8%) classificaram sua saúde como boa, 63 (20,1%) razoável e 13 (4,1%) como ruim. A análise da auto-percepção da saúde comparada mostrou que 229 (73,2%) se achavam melhor, 65 (20,7%) julgavam sua saúde igual e 19 (6,1%) achavam sua saúde pior que a saúde de outras pessoas de sua idade.

O número de consultas médicas, nos últimos 12 meses, variou de uma até 35, média de 9,7. A média do uso diário de medicamentos foi igual a 2,8: 56 (17,8%) idosos não usavam medicação, 196 (62,5%) tomavam de uma a quatro; 54 (17,2%) de cinco a oito e oito (2,5%) de nove a doze medicamentos.

Verificou-se, nas mulheres, que 109 (69,9%) e 111 (71,2%) realizavam, respectivamente, avaliação ginecológica e mamografia preventivas. A terapia de reposição hormonal foi relatada por 40 (25,6%) mulheres. A avaliação regular de próstata era realizada por 101 (63,9%) homens. Quarenta (12,7%) idosos relataram uma e 12 (3,8%) duas internações nos últimos 12 meses.

Prevalência de sintomatologia depressiva e fatores associados

A sintomatologia depressiva foi positivamente associada ao sexo feminino (OR=2,29; IC:1,28-4,12), acometendo 47 (30,1%) mulheres e 25 (15,8%) homens, o que motivou a análise separada por sexos. Não houve associação estatística entre sintomas depressivos e faixa etária (OR=1,18; IC:0,73-1,89), estado civil (OR=1,21; IC:0,88-1,66); escolaridade (OR=0,98; IC: 0,90-1,07); renda familiar (OR=0,73; IC:0,51-1,05), tabagismo atual (OR=0,75; IC:0,29-1,91), ex-tabagismo (OR=0,93; IC:0,82-1,06), incapacidade funcional (OR=4,26; IC:0,99-18,4), alterações do teste cognitivo, insatisfação conjugal (OR=1,21; IC:0,47-3,15) ou perda de parentes nos últimos cinco anos (OR=0,93; IC:0,55-1,58).

Em relação à análise univariada, a sintomatologia depressiva apresentou, nas mulheres, associação positiva com hipertensão arterial, asma, refluxo gastro-esofágico e gastrite, anemia, redução da libido e distúrbios do sono. Atividades físicas três vezes ou mais por semana e atividade sexual foram negativamente associadas aos sintomas depressivos nas mulheres.w Nos homens, sintomatologia depressiva foi positivamente associada à história de neoplasia, impotência e redução da libido, com associação negativa para vida sexual ativa (Tabela 1).

 

 

Houve associação entre sintomatologia depressiva e pior auto-percepção da saúde e de sua saúde comparada a de pessoas da sua idade, em ambos os sexos. Em mulheres, houve associação positiva com internações, uso de quatro ou mais medicações diárias, uso prévio de antidepressivos e de benzodiazepínicos e uso atual de anti-hipertensivos. Em homens, houve associação positiva, com uso prévio de antidepressivos e de benzodiazepínicos (Tabela 2).

 

 

O modelo final da análise multivariada mostrou que a sintomatologia depressiva, em mulheres, permaneceu positivamente associada à presença de asma (OR=5,94; IC:1,42-24,87), anemia (OR=17,46; IC:1,62-188,22), distúrbios do sono (OR=3,11; IC:1,39-6,96), polifarmácia (uso de quatro ou mais medicações diárias) (OR=3,24; IC:1,52-6,88), uso prévio de antidepressivos (OR=3,25; IC:1,51-6,98), pior auto-percepção da saúde (OR=24,29; IC:1,94-303,15) e pior percepção comparada de sua saúde (OR=8,2; IC:1,98-33,80). A realização de atividades físicas, três vezes ou mais por semana, persistiu negativamente associada (OR=0,24; IC:0,08-0,73). Nos homens, o modelo final da análise multivariada mostrou associação com história de neoplasia (OR=3,01; IC:1,13-7,98), pior percepção comparada da saúde (OR=11,73; IC:1,99-69,11), uso prévio de benzodiazepínicos (OR=4,43; IC:1,59-12,29) e uso prévio de antidepressivos (OR=4,64; IC:1,39-15,45).

 

DISCUSSÃO

A prevalência de sintomatologia depressiva encontrada neste estudo é semelhante (15-27%) as realizadas em estudos com idosos na comunidade. 8, 18 No Brasil, foi encontrada prevalência de 26% em idosos atendidos em ambulatório, utilizando GDS-30 para definição de casos.6 Em estudo de base populacional com 1.172 idosos, a prevalência de sintomatologia depressiva, também utilizando-se GDS-30, foi de 46,2% nas mulheres e 24,6% nos homens.18

Neste estudo, não foi observada associação entre idade e sintomatologia depressiva. A idade, por si só, não aumenta o risco de depressão. Estudos epidemiológicos sugerem que os efeitos da idade, na sintomatologia depressiva, podem ser atribuídos aos problemas de saúde e incapacidades freqüentes em idosos e não ao envelhecimento per si.12

Após ajuste por outros fatores, como incapacidade, doenças crônicas, suporte social, baixa renda e prejuízo cognitivo, a idade perde sua associação com sintomas depressivos. A persistência destes sintomas é relacionada à piora e sua remissão à melhora da saúde geral.19 Idosos saudáveis e independentes funcionalmente têm o mesmo risco para depressão que adultos jovens.20

Nas mulheres, a associação de sintomas depressivos com doenças e uso de quatro ou mais medicações diárias pode ser decorrente da maior procura pelos serviços de saúde ou do maior número de doenças associadas. A associação dos sintomas depressivos atuais com o uso prévio de antidepressivos, em homens e em mulheres, pode estar ligada a recidivas ou recaídas de episódios depressivos. Os distúrbios do sono verificados nas mulheres podem representar sintoma depressivo atual, ou mesmo efeitos colaterais do uso de medicamentos. Nos homens, foi verificada a associação de sintomas depressivos com neoplasias, que é bem estabelecida na literatura, com prevalências descritas de até 58% desta associação.21

Doenças pré-existentes podem precipitar ou piorar a depressão em idosos.22 Sintomas depressivos parecem relacionados à vulnerabilidade física, aos efeitos colaterais de drogas ou representam uma síndrome depressiva clínica associada às comorbidades, com interferência na recuperação e reabilitação das doenças. Por outro lado, é possível a manifestação de depressão em idosos, através de somatizações e síndromes hipocondríacas, que podem levar a extensas propedêuticas de doenças, com sobrecarga ao idoso e aos serviços de saúde.22

A associação entre anemia e sintomas depressivos não parece estar ligada à deficiência de vit. B12 ou ácido fólico, que, neste estudo, não foram associados aos sintomas do humor. Os sintomas de anemia, fraqueza, cansaço, sonolência e perda de energia confundem-se com sintomas de depressão; a associação encontrada podendo ser devida aos sintomas comuns. Revisão sistemática sobre anemia em idoso aponta anemia associada a quedas e depressão.23

Percepção da saúde, sexualidade e utilização de serviços parecem ser fatores associados aos sintomas depressivos e relacionados ao gênero masculino e feminino. Sabe-se que algumas diferenças da saúde entre homens idosos e mulheres idosas são, primariamente, relacionadas ao sexo biológico (características genéticas e biológicas que distinguem homens e mulheres). Outras diferenças relacionadas ao gênero, isto é, aos papéis socialmente construídos, comportamentos e expectativas aprendidos.24 A pior percepção da saúde, em ambos os sexos, foi importante fator relacionado à sintomatologia depressiva. A percepção ruim da saúde pode representar baixa auto-estima, freqüentemente presente na depressão, mas pode, também, ser marcador da qualidade da saúde. Nos homens, a associação de sintomatologia depressiva à inatividade sexual e à redução da libido perde o significado estatístico, quando corrigidos por aspectos clínicos e uso de medicações, sugerindo que menor atividade sexual, queixa de impotência e redução da libido podem ser efeitos colaterais de drogas ou manifestações de doenças.

De forma semelhante à literatura, a inatividade física, no presente estudo, foi associada negativamente à sintomatologia depressiva, em mulheres.25 São conhecidos os benefícios da atividade física na prevenção e no tratamento de várias doenças crônicas, depressão e ansiedade. A atividade física aumenta a produção de hormônios estimulantes, como as endorfinas, melhora auto-estima e sono.25,26, 27 Por outro lado, o humor deprimido desestimula a realização destas atividades, comprometendo, ainda mais, o quadro depressivo.

É importante ressaltar que, a população, do presente estudo, pode ser considerada diferenciada em relação à população geral de idosos, já que, apenas 42,2% dos idosos brasileiros têm plano privado de saúde.24 O elevado número de consultas por idoso e alta prevalência de avaliações preventivas ginecológica e urológica podem ser reflexo de estudo realizado a partir de dados de um plano de saúde, com facilidades para marcação de consultas e existência de projetos educativos de prevenção à saúde.

 

CONCLUSÃO

A sintomatologia depressiva nos idosos foi freqüente e mais prevalente em mulheres. Os resultados reforçam importância em se conhecer melhor as especificidades da depressão em homens e mulheres idosas, especialmente a associação com comorbidades e uso de medicamentos em mulheres.

Devido às repercussões da depressão para saúde e qualidade de vida do idoso, os médicos da atenção primária devem estar atentos às suas várias formas de manifestação nesta faixa etária. A Escala Geriátrica de Depressão é um bom instrumento de rastreamento de sintomatologia depressiva no idoso. Na presença de queixas clínicas freqüentes, após descartar causas orgânicas, deve-se pensar na possibilidade de depressão e realizar abordagem diagnóstica adequada, fundamental para indicar o tratamento.

 

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