RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 18. 3

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Artigo Original

Perfil de pacientes obesos classe III do Sistema Público de Saúde submetidos à gastroplastia em "Y de ROUX", no Hospital das Clínicas da UFMG: altas prevalências de superobesidade, co-morbidades e mortalidade hospitalar

The Sistema Público de Saúde / Public Health System Classe III obese patients' profile, who have undergone "ROUX-en-Y " gastroplasty, in the UFMG Hospital das Clinicas: superobesity, co-morbidity and hospital mortality high prevalence

Maria de Fátima Haueisen Sander Diniz1; Valéria Maria de Azeredo Passos2; Sandhi Maria Barreto3; Marco Túlio Costa Diniz4; Daniela Barreto Linares5; Leonardo Nogueira Mendes6

1. Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da UFMG
2. Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Pesquisadora do CNPq-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e membro do Centro Colaborador de Doenças Crônicas do Ministério da Saúde do Brasil
3. Departamento de Medicina Social e Preventiva da Faculdade de Medicina da UFMG, Pesquisadora do CNPq-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e membro do Centro Colaborador de Doenças Crônicas do Ministério da Saúde do Brasil
4. Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG e Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG
5. Estudante de Medicina, bolsista de Iniciação Científica CNPq
6. Médico Residente de Cirurgia Geral do Hospital Israel Pinheiro e ex-bolsista de Iniciação Científica da FAPEMIG

Endereço para correspondência

Maria de Fátima Haueisen Sander Diniz
Rua Ceará,1735/502 Funcionários
Belo Horizonte - MG CEP: 30150-311 Brasil
Email: mfhsdiniz@ufmg.br

Resumo

OBJETIVOS: apresentar as características sócioepidemiológicas e clínicas de população de um centro público de referência em tratamento da obesidade mórbida em Minas Gerais.
MÉTODOS: avaliaram-se os dados demográficos, uso de álcool e tabaco, índice de massa corporal (IMC) e a presença de co-morbidades entre os submetidos à gastroplastia em "Y de Roux", de março de 1998 a 2005.
RESULTADOS: dois terços dos pacientes eram mulheres (142/73,5%). As medianas da idade, IMC e excesso de peso foram de 37 anos, 51,9kg/m2 e 71,7kg, respectivamente. A superobesidade (IMC>50 kg/m2) foi observada em 60,6%, com maior prevalência entre os homens (χ2=5,6; p<0,01). A prevalência de co-morbidades foi alta: hipertensão arterial (63,2%), hipercolesterolemia (41,6%), hipertrigliceridemia (45,2%), "diabetes mellitus" (23,8%), hiperuricemia (42,6%), síndrome metabólica (66,3%), anemia(5,2%). Não houve associação entre o grau de obesidade e a existência de comorbidades. A taxa de mortalidade foi de 4,1%.
CONCLUSÃO: essa população do Sistema Público de Saúde é de altíssimo risco, com elevado IMC e alta freqüência de co-morbidades por ocasião da cirurgia, o que provavelmente contribuiu para a mortalidade cirúrgica.

Palavras-chave: Obesidade Mórbida; Cirurgia Bariátrica; Serviços de Saúde; Saúde Pública.

 

INTRODUÇÃO

A prevalência da obesidade aumentou em praticamente todos os países do mundo nas últimas décadas.1 Tal fenômeno também ocorre no Brasil, onde um inquérito populacional revelou taxas de obesidade de 8,9% e 13,1% para a população urbana maior de 20 anos de idade dos sexos masculino e feminino, respectivamente.2 O aumento da prevalência do sobrepeso e da obesidade no Brasil é fato recente, provavelmente decorrente das mudanças de estilo de vida associadas ao fenômeno de transição econômica.2,3

No Brasil, coexistem realidades díspares quanto ao estado nutricional. O país ainda apresenta taxas elevadas de desnutrição (aproximadamente 4% da população adulta maior de 20 anos e de 5,7% das crianças).2 Por outro lado, as formas graves de obesidade (obesidade classe III ou mórbida, definida pelo IMC > 40 kg/m2) aumentam, constituindo um novo problema de saúde pública. Estima-se em 0,7% a prevalência de obesidade classe III na população urbana das grandes capitais brasileiras (dados não publicados da Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF).2 Isto equivale a mais de 300.000 obesos mórbidos nessas capitais. A obesidade mórbida (OM) associa-se à morbimortalidade precoce, devido ao mais alto risco de doenças metabólicas e cardiovasculares.4

O IMC é também um indicador prognóstico do sucesso das medidas terapêuticas para a obesidade. A eficácia por longo prazo do tratamento clínico da OM é muito baixa, não ultrapassando os 10%.4 As cirurgias bariátricas representam uma importante opção terapêutica para as formas graves de obesidade, promovendo a perda sustentada do peso e melhora das co-morbidades associadas.5,7 O tratamento cirúrgico da OM exige a formação de grupos multidisciplinares, com a alocação de recursos econômicos e capacitação técnica do pessoal.7 Trata-se de uma situação nova para os sistemas públicos de saúde em todo o mundo.

O Grupo Multidisciplinar para o Tratamento Cirúrgico da Obesidade Mórbida do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais é um dos pioneiros no Brasil no atendimento de obesos classe III do Sistema Público de Saúde (SUS). Este trabalho tem o objetivo de avaliar aspectos sócioepidemiológicos e clínicos e a mortalidade operatória de uma coorte de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, proveniente de um centro público de referência em tratamento de obesidade mórbida em Minas Gerais. Há necessidade de mais estudos brasileiros que abordem esse tipo de casuística.8,11

 

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Este estudo constitui a linha de base da coorte dos pacientes do SUS, operados no período de março de 1998 a março de 2005. A cirurgia foi indicada para pacientes com IMC > 40 kg/m2 ou IMC > 35 kg/ m2, em associação com co-morbidades significativas12. Foram excluídos pacientes dependentes do álcool, usuários de drogas e os considerados inaptos após avaliação psicológica. No pré-operatório, os pacientes elegíveis foram avaliados por profissionais das áreas de cirurgia, endocrinologia, nutrição, psicologia e, quando necessário, psiquiatria.

Os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, contemplando riscos, benefícios, necessidade de adoção de medidas profiláticas aos déficits nutricionais no pós-operatório e autorização para pesquisa. Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais. Os custos do tratamento - consultas, exames, cirurgia e internação hospitalar - são cobertos pelo SUS, à exceção dos medicamentos necessários para reposição vitamínica e mineral no pós-operatório.

A técnica operatória utilizada em todos os pacientes foi a gastroplastia com reconstrução em "Y de Roux" (RYGBP), sempre por via laparotômica, com exclusão de 110 cm da alça jejunal.

Foram obtidas informações:

sociodemográficas: sexo, idade no momento da cirurgia, escolaridade, ocupação;

hábitos de vida: tabagismo e uso de bebidas alcoólicas;

clínicas: presença de hipertensão arterial, diabetes mellitus;

utilização de serviços e tratamentos: tempo de espera para a cirurgia (tempo decorrido entre a data da primeira consulta e a data da cirurgia); medicamentos (anti-hipertensivos, antidiabéticos orais, insulina, benzodiazepínicos, antidepressivos e fenotiazinas);

exames laboratoriais (hemograma, albumina sérica, glicemia em jejum, colesterol total, colesterol HDL, colesterol LDL, triglicérides, ácido úrico, ferro sérico); glico-hemoglobina A1c (para os diabéticos); ferritina; ácido fólico, vitamina B12;

mortalidade até 30 dias e até um ano de pós-operatório.

As coletas de sangue foram realizadas com a recomendação de jejum mínimo de 12 horas e abstenção de bebidas alcoólicas por pelo menos 72 horas. Os exames laboratoriais realizados foram:

hemograma: contagem de células automatizada por impedância elétrica e citometria de fluxo-Celldyn 3700;

dosagens séricas de: albumina, glicemia, colesterol total e frações, triglicérides, ácido úrico, ferro: química seca;

System Vitros Chemystry 950 AT; glico-hemoglobina A1c: fluorescência enzimática

DiaSTAT; ferritina: quimioluminescência- Immulite 1000; ácido fólico e vitamina B12: quimioluminescência- Immulite 2000.

Os pacientes foram pesados e medidos e o índice de massa corporal foi calculado a partir do peso e altura [IMC =peso(kg)/altura2(m2)]. O excesso de peso foi calculado pela fórmula: Excesso de peso= Peso Atual - Peso Ideal13. Os pacientes foram classificados em grupos de acordo com o IMC: de 35 a 39,9 kg/m2, 40 a 49,9 kg/m2, > 50 kg/m2 (superobesidade).

Aferiu-se a pressão arterial com esfigmomanômetro de mercúrio com manguito apropriado para obesos. As medidas foram feitas em repouso por no mínimo 30 minutos, sem o consumo de cafeína ou cigarro por igual período de tempo. A hipertensão arterial sistêmica (HAS) foi definida como PA > 140/90 mmHg e/ou uso de anti-hipertensivo.14.

O diabetes mellitus foi definido de acordo com os critérios do Expert Committe on the Diagnosis and Classification of diabetes mellitus.15 Definiu-se controle satisfatório do diabetes pelo valor da glico-hemoglobina A1c < 7,0% (normal - 4,0% a 6,0%).

A anemia foi estipulada pela alteração de pelo menos dois parâmetros: hemoglobina < 12,0 g/dL, hemácias < 4,0x103/mm3, hematócrito < 36,0% para mulheres, e hemoglobina < 13,5g/dL, hemácias < 4,5x103/mm3, hematócrito < 41,0% para homens. Considerou-se hipercolesterolemia o colesterol total > 200 mg/dl; hipertrigliceridemia, triglicérides > 150 mg/dl; HDL baixo, quando HDL < 40 mg/dl para homens e HDL<50 mg/dl para mulheres16; hiperuricemia, ácido úrico > 6 mg/dl em mulheres e > 7 mg/dl em homens. Considerou-se hipoalbuminemia a albumina < 3,5 g/l, leucopenia, leucócitos totais < 4500/mm3. Para a definição de síndrome metabólica, utilizaram-se os critérios do Adult Treatment Panel III (ATPIII)16.

A mortalidade pós-operatória foi avaliada a partir dos dados dos prontuários médicos, em que estão registradas as causas do óbito. Contato telefônico foi feito para avaliar a sobrevida dos pacientes que não voltaram à consulta do primeiro ano de seguimento.

Os dados foram armazenados no Programa Epi Info versão 2000. Foram submetidos à entrada dupla e conferência antes da análise estatística. A associação com variáveis de interesse foi investigada pelo teste de qui-quadrado, teste exato de Fisher e Mann-Whitney (p < 0,05), utilizando o programa Statistics/ Data Analysis (STATA 7.0TM).

 

RESULTADOS

No período estudado, foram operados 193 pacientes. A Tabela 1 resume suas características descritivas. A mediana da escolaridade foi de 11 anos (0-16 anos), 1,7% dos pacientes nunca freqüentou a escola, 51,3% estudaram por até 10 anos e 41,9% (n=87) por 11 a 16 anos. Quanto à ocupação, 9,3% estavam aposentados ou afastados das atividades por problemas de saúde. A maior parte dos pacientes (86%) exercia atividades domésticas e de prestação de serviços. A mediana do tempo de espera até o procedimento cirúrgico foi de 12,5 meses (3,3-53 meses); 19 pacientes (9,8%) aguardaram menos de seis meses até a cirurgia, 65 (33,7%) de seis a 12 meses, 77 (39,9%) de 12 a 24 meses e os demais aguardaram por mais de dois anos. Não houve correlação entre o IMC e o tempo de espera até a gastroplastia (χ2=1,47, p=0,22).

 

 

A glicemia em jejum variou de 54 mg/dl a 254 mg/dl (mediana 94 mg/dl, média 103 mg/dl). Os diabéticos (n=46) apresentaram a mediana da glicemia em jejum de 111mg/dl (média=144,7 mg/dl). A glico-hemoglobina A1c foi aferida em 39 pacientes diabéticos, com mediana igual a 7,4%. Destes 39 indivíduos, 64,1% apresentavam controle glicêmico insatisfatório (glico-hemoglobina superior a 7%).

Ao tentar explicar os fatores associados ao grau de obesidade não se verificou associação estatisticamente significante com nenhuma das seguintes variáveis: sexo, tempo de espera até a operação, uso de álcool ou tabaco, hipertensão arterial, diabetes mellitus ou hipercolesterolemia. A anemia não esteve associada ao sexo (p=0,25).

A idade superior a 40 anos foi associada à maior prevalência de hipertensão arterial e diabetes mellitus (p<0,01). Houve correlação significativa entre níveis baixos de colesterol HDL (inferior a 40 mg/dL para homens e 50 mg/dL para mulheres) e o uso de tabaco (χ2=4,13 p=0,04).

A mortalidade pós-operatória foi de oito casos (4,1%), sendo três por tromboembolismo pulmonar; dois por falência de múltiplos órgãos; um, por fístula digestiva; um por hemorragia no estômago excluído; um por fibrilação atrial aguda ocasionando trombose mesentérica extensa. Sete óbitos ocorreram durante a internação hospitalar para a realização da cirurgia bariátrica, em período de tempo inferior a 10 dias do procedimento operatório (1-8 dias; média-3,1 dias). Um óbito ocorreu no 14º. dia de pós-operatório, após reinternação e reoperação para tratamento de fístula digestiva e peritonite. Portanto, da coorte inicial, 185 pacientes completaram um ano de cirurgia até março de 2006. As médias de idade (40,9 versus 37,6 anos), IMC (57,3 versus 52,5 kg/m2) e excesso de peso (90,5 versus 73,5 kg) dos pacientes que faleceram foram superiores às dos que não faleceram, mas houve diferença significativa apenas quanto ao excesso de peso (p=0,04 Teste Mann Whitney). Não se observou relação estatisticamente significativa entre mortalidade e gênero, condição de superobesidade, hipertensão arterial, diabetes mellitus, utilização de álcool ou tabaco no pré-operatório. Por contato telefônico obtiveram-se informações sobre os 15 pacientes que não retornaram ao controle do primeiro ano de pósoperatório. Nenhum havia falecido nesse período.

 

DISCUSSÃO

O presente trabalho apresentou o perfil clínicolaboratorial e epidemiológico de uma coorte de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Nessa coorte de obesos classe III, a prevalência de superobesidade, co-morbidades e uso de medicamentos foi muito alta e a mortalidade hospitalar foi acima da esperada, com base em dados internacionais.5,6

O Brasil foi o quarto país em número de cirurgias bariátricas nos anos de 2002-2003, perfazendo 4.000 procedimentos ao ano.17 O SUS é responsável por pequena proporção de procedimentos realizados. Baseado nos dados da POF, mais de 20.000 indivíduos apresentam OM só em Minas Gerais. A presente coorte representa aproximadamente 1% dos obesos mórbidos que dependem do SUS no Estado, representando, portanto, uma parcela muito selecionada e de maior gravidade.

O elevado tempo entre a consulta médica inicial e a operação (mediana de 12,5 meses) reflete dificuldades, tais como: marcação dos exames propedêuticos, limitação de leitos hospitalares, disponibilidade de cuidado intensivo no pós-operatório, quando este se faz necessário. A dificuldade do acesso ao tratamento cirúrgico da obesidade pelo SUS foi observada por Zilberstein18, analisando a casuística do Hospital das Clínicas de São Paulo: o tempo médio de espera para a realização da cirurgia foi de 2,9 anos, com 0,6% de mortalidade durante esse período. Fica, portanto, evidente a necessidade de capacitar novos grupos multidisciplinares e ampliar os locais de atendimento à demanda do estado de Minas Gerais. Por outro lado, trata-se de um país em desenvolvimento, com importantes problemas de saúde pública a resolver. Os custos da cirurgia bariátrica são elevados. Os recursos econômicos, materiais e humanos destinados à saúde são limitados e necessitam ser alocados de forma apropriada.

O predomínio de mulheres nesta casuística pode demonstrar a maior ocorrência da obesidade entre elas ou as diferenças de procura por tratamento, como já foi observado em diversos locais e também no Brasil.5,6,8-11 Informações da POF mostram que, na população brasileira, a obesidade é mais prevalente entre as mulheres (61,5%)2 e 71,3% dos obesos classe III são do sexo feminino (dados não publicados). A procura tardia pelo tratamento cirúrgico se reflete na prevalência significativamente maior de superobesidade entre os homens no presente estudo, apesar dos dados da população urbana brasileira mostrarem que 55,8% dos indivíduos com IMC > 50 kg/m2 são mulheres.

A escolaridade dos pacientes mostrou-se elevada em relação à média brasileira (11 anos versus 6,7 anos) e superior à média de escolaridade na região Sudeste do Brasil (8,7 anos). A escolaridade foi semelhante à de casuística de pacientes submetidos à derivação jejuno-ileal no Rio Grande do Sul9 e superior à dos pacientes candidatos à cirurgia bariátrica no Hospital Universitário do Recife- Pernambuco.10 A escolaridade elevada dos pacientes talvez possa contribuir na persistência e busca por estratégias para conseguir alternativas terapêuticas.

A média do IMC nessa população foi elevada (52,7 kg/m2) superior à encontrada por Buchwald (46,8 kg/m2)5 e no Estudo Swedish Obese Subjects-SOS (41 kg/m2)6 e semelhante à de outros estudos brasileiros com pacientes atendidos pelo SUS10,11. A mediana do IMC (51,9 kg/m2), que reflete melhor a dispersão dos dados em uma série pequena, foi também elevada em relação à média do IMC dos trabalhos anteriormente citados. Há alta prevalência de superobesidade (60,6%), provavelmente porque os pacientes tentem múltiplos tratamentos clínicos para perda de peso antes de receberem a indicação para a cirurgia bariátrica. Numa coorte canadense em seguimento pós-operatório há aproximadamente 11 anos, a prevalência pré-operatória de superobesidade foi de 36,7%.19

A obesidade classe III pode afetar praticamente todos os sistemas orgânicos. Neste estudo foi encontrada alta prevalência de co-morbidades, como era esperado para obesos graves. Destaca-se que a hipertensão arterial (63,2%), a hipertrigliceridemia (45,2%) e o diabetes mellitus (23,8%) tiveram prevalência mais alta em relação às grandes séries da literatura e do Brasil.5,6,8 Um trabalho recente do Canadá descreve prevalência de hipertensão arterial ou diabetes mellitus em 10% e dislipidemia em menos de 1% dos pacientes no pré-operatório da cirurgia bariátrica, bem inferiores às encontradas em nossa casuística.20 Confrontados com os dados da presente série, percebe-se a maior gravidade dos pacientes do SUS operados no estado de Minas Gerais. Não se observou maior prevalência das comorbidades em relação ao grau do IMC, provavelmente porque se trata de um grupo homogêneo: todos são obesos de alto risco, conforme a definição da Organização Mundial de Saúde.

A hipertensão arterial é o principal fator de risco cardiovascular entre os portadores de OM.4 As diferenças na prevalência da hipertensão entre esta coorte e outras séries da literatura podem ser devidas, em parte, aos critérios diagnósticos adotados em diferentes épocas. Segundo o trabalho de Must21, a análise dos dados do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III) demonstrou prevalência de hipertensão arterial de 64,5% e 63,2%, respectivamente, para os homens e mulheres com OM. Os critérios diagnósticos utilizados nessa análise e a prevalência encontrada da hipertensão arterial foram semelhantes aos do presente estudo.

A obesidade grave está ligada ao aumento expressivo do risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2, independentemente do sexo.4 A prevalência de diabetes nesta coorte foi de 23,8%, superior à de populações jovens sem OM. Como já discutido em relação à hipertensão arterial, as diferenças entre a prevalência do diabetes nessa coorte e outras séries podem ser parcialmente explicadas pelos critérios diagnósticos adotados, uma vez que, a partir de 1997, utilizam-se valores de corte mais baixos para a glicemia em jejum.15 A obesidade está ligada a níveis séricos elevados de triglicérides, redução do HDL colesterol e alteração qualitativa do LDL colesterol - partículas pequenas e densas.4 A elevada prevalência de dislipidemia nessa população é semelhante às grandes séries da literatura.5,6 Destaca-se a elevada prevalência da síndrome metabólica nessa população em estudo (66,3%), fato já observado por outros autores.22

A despeito do elevado grau de obesidade, 5,2% dos pacientes estavam anêmicos e 3,6% com hipoalbuminemia no pré-operatório. A obesidade está ligada à abundância de alimentos, mas a qualidade das escolhas alimentares é muitas vezes inadequada. Alimentos ricos em carboidratos simples e gorduras são frequentemente consumidos em quantidade excessiva, em detrimento aos alimentos in natura como frutas e hortaliças.23

O consumo de antidepressivos e ansiolíticos foi elevado nessa coorte, quando comparado a outros estudos de populações brasileiras e de outros países.8,24 Por se tratar de estudo transversal, não há como aferir se os transtornos psíquicos precederam ou se são conseqüência do ganho de peso. Apesar de haver controvérsias, há indícios na literatura de que a prevalência de problemas psíquicos na OM seja significativa.25 As mulheres parecem mais sujeitas aos transtornos psíquicos, talvez por sofrerem maior pressão social sobre a imagem corporal.

A mortalidade nessa população operada foi elevada em relação às grandes séries da literatura, que reportam taxas inferiores a 1% até 2%.5,6 As causas relacionadas ao óbito foram as mais comuns após esse tipo de cirurgia, de acordo com essas mesmas séries. Pajecki11 apresentou uma série de 130 casos operados pelo Sistema Público do Brasil e encontrou 3,1% de mortalidade. Oliveira Jr.8 mostrou uma casuística de 200 pacientes submetidos à gastroplastia no Hospital das Clínicas de São Paulo e com seguimento médio por 30 meses. Não houve óbito nessa série. Nos Estados Unidos, a mortalidade relacionada às cirurgias bariátricas é consideravelmente maior para pacientes atendidos pelo "Medicare" do que previamente descrito, atingindo 2,0% em 30 dias e 4,6% em um ano.26 Essa mortalidade foi associada à idade superior a 65 anos, sexo masculino e ao efeito da curva de aprendizagem. O baixo número de pacientes nessa coorte provavelmente explique a falta de associação entre os fatores tradicionalmente associados à mortalidade operatória. Os pacientes foram operados com elevado IMC e alta prevalência de co-morbidades. A despeito do alto risco, seria exatamente a população com IMC superior a 50 kg/m2 e idade inferior a 55 anos que, possivelmente, mais se beneficiaria com o tratamento cirúrgico da obesidade.27

 

CONCLUSÕES

Na população do Sistema Público de Saúde, operada no Hospital das Clínicas da UFMG, a OM esteve associada a uma prevalência muito alta de co-morbidades e ao uso de medicamentos, justificando o tratamento cirúrgico. O número mais alto de mulheres na amostra pode refletir a influência do gênero na prevalência da doença e na procura pelos serviços médicos. A mortalidade cirúrgica foi mais elevada, em relação às revisões mundiais. Trata-se de uma série de pacientes graves, com elevado IMC no momento em que obtêm acesso à cirurgia bariátrica.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Renata Bertazzi Levy, do Núcleo de Pesquisas de Nutrição e Saúde da Universidade da São Paulo, que gentilmente enviou os dados de prevalência de obesidade da Pesquisa de Orçamentos Familiares, ainda não publicados. Os autores agradecem aos membros do Grupo Multidisciplinar para o Tratamento da Obesidade Mórbida - Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

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