ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Acompanhamento longitudinal da função endotelial em gestações de mulheres saudáveis analisada pela dilatação fluxo-mediada da artéria braquial
Longitudinal follow-up of endothelial function in pregnancies of health women analyzed by the flow-mediated dilation of the brachial artery
Augusto Henriques Fulgêncio Brandao1; Ludmila Maria Guimaraes2; Ana Paula Brum Miranda Lopes3; Henrique Vítor Leite4; Antônio Carlos Vieira Cabral4
1. Doutorando no Programa Saúde da Mulher da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Mestranda no Programa Saúde da Mulher da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Médica do Hospital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Augusto Henriques Fulgêncio Brandao
Av. Professor Alfredo Balena, 110 - 4° andar, Bairro: Santa Efigênia
CEP: 30130-100
Belo Horizonte, MG - Brasil
E-mail: augustohfbrandao@hotmail.com
Recebido em: 28/01/2012
Aprovado em: 19/07/2012
Instituiçao: Maternidade Otto Cirne do Hospital das Clínicas da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: diferentes alterações cardiovasculares são observadas durante a gravidez, incluindo a redução da resistência vascular sistêmica. A função endotelial preservada é essencial para a regulação do tônus arterial, a partir da produção e liberação de óxido nítrico (NO), potente vasodilatador endógeno. Lesão do endotélio vascular é observada na pré-eclâmpsia, o que compromete a capacidade de vasodilatação. A dilatação fluxomediada (FMD) da artéria braquial é o método mais comumente usado na avaliação da função endotelial vascular em seres humanos. Essa técnica é atraente porque é não invasiva e permite medições repetidas.
OBJETIVOS: este estudo pretende avaliar, por meio do FMD, a função endotelial durante diferentes momentos da gestação.
MATERIAL E MÉTODOS: trata-se de estudo longitudinal, em que 16 mulheres saudáveis, primigestas, com gestação espontânea foram selecionadas no ambulatório de pré-natal do Hospital das Clínicas da UFMG. Foram realizadas três diferentes medições do FMD, correspondentes a 15± 3; 28 e 36 semanas de gestação. Para examinar a resposta do FMD, foi utilizado um manguito de rápida inflação/deflação para fornecer o estímulo isquêmico durante cinco minutos. O teste de t de Hotelling foi usado para comparar os resultados do FMD. As diferenças entre os resultados de quaisquer duas medidas foram analisadas por comparação pareada, com ajuste de Bonferroni.
RESULTADOS: a dilatação fluxomediada da artéria braquial, medida em três momentos, apresentou variação ao longo da gestação (p=0,023). Entretanto, as análises pareadas só evidenciaram diferença estatisticamente significativa entre a 1ª (9,93 ± 1,44%) e a 2ª medidas (9,93 ± 1,44%; 14,31 ± 1,26%; p=0,025). Não houve diferença significante se comparadas a 1ª ou a 2ª medida com a 3ª (12,0 ± 0,86%) (p=0,58; p=0,16, respectivamente).
CONCLUSÕES: os resultados do FMD são variáveis de acordo com o período de gestação, o que mostra a variação da função endotelial durante a gravidez. É preciso estabelecer um momento-padrao na gestação para realizar o teste, permitindo a comparação de resultados.
Palavras-chave: Endotélio; Resistência Vascular; Pré-Eclâmpsia.
INTRODUÇÃO
A gestação determina várias adaptações fisiológicas no organismo materno. As modificações são intensas e começam logo após a fertilização do óvulo, prosseguem por toda a gravidez e continuam além do parto. Tais adaptações são devidas ao concepto em crescimento, à produção hormonal placentária, à ação mecânica promovida pelo volume do útero e ao preparo do corpo materno para o parto e a lactação. Entre as adaptações fisiológicas do organismo materno à gravidez, as alterações cardiovasculares assumem especial importância pela sua magnitude e envolvimento em alguns processos patogênicos. As alterações mais expressivas ocorrem no débito cardíaco, resistência periférica e no direcionamento do fluxo sanguíneo preferencial a determinadas regioes para atendimento da demanda aumentada pelo oxigênio.1,2
A diminuição na resistência vascular periférica, clinicamente observada pela redução da pressão arterial a partir do segundo trimestre da gestação, decorre do efeito vasodilatador da progesterona e de outros mecanismos ainda a serem determinados.2
No endotélio vascular, interagem as prostaglandinas e um fator dilatador mediado pelo óxido nítrico (NO). Grande parte das modificações no organismo materno depende da função endotelial satisfatória, com boa produção e armazenamento de NO, ações dependentes da correta regulação de várias substâncias endógenas, com papel de destaque para o sistema renina-angiotensina (SRA).3-6
O endotélio, quando lesado por qualquer razao, perde a capacidade de produzir e armazenar o NO e, por consequência, de regular o tônus arterial. Essa alteração fisiopatológica é descrita como um dos eventos mais precoces na formação das placas ateroscleróticas, da lesão hipertensiva renal e da pré-eclâmpsia.7
Um dos métodos mais utilizados na avaliação endotelial foi descrito pela primeira vez por Anderson e Mark, em 1989, denominado de dilatação fluxo-mediada da artéria braquial.8 O exame baseia-se na promoção de isquemia transitória provocada por garroteamento aplicado no membro superior, desencadeando a liberação de NO pelo endotélio vascular que, quando íntegro, promove vasodilatação compensatória. Dessa forma, o método é capaz de avaliar a integridade da função endotelial a partir da dilatação arterial endotélio-dependente.9 Esse achado identificado em membro superior espelha a situação de todo o endotélio vascular, podendo inferir pela integridade ou pela lesão endotelial de artérias de outras localizações (coronariana, uterina, renais entre outras).10
OBJETIVOS
Avaliar pelo método de dilatação fluxo-mediada da artéria braquial o comportamento da função endotelial ao longo dos trimestres gestacionais em mulheres saudáveis. Também foi verificada a existência de relação entre comportamento pressórico arterial e a intensidade da resposta endotelial do teste utilizado.
PACIENTES E MÉTODOS
Pacientes
O estudo do tipo longitudinal foi realizado em 16 mulheres atendidas no pré-natal de risco habitual do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais no período de setembro de 2009 a junho de 2010. O cálculo amostral levou em consideração a existência de mudanças pressóricas em mais de 80% de mulheres grávidas sadias ao longo da gravidez. As gestantes não apresentavam doença prévia, gravidez única e espontânea e evoluíram até o parto sem qualquer intercorrência clinica e obstétrica. Todas aceitaram participar do estudo, assinando Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP-UFMG).
Metodologia
As 16 gestantes foram submetidas à medida do FMD em três ocasioes. A primeira dessas medidas foi realizada com 15±3 semanas de gestação. A partir dessa primeira medida foram agendados mais dois exames para cada paciente no momento em que completassem 28 semanas (2º trimestre gestacional) e 36 semanas (3º trimestre gestacional). Todas as gestações evoluíram para parto a termo com neonato sem intercorrências.
A técnica de avaliação da dilatação fluxo-mediada da artéria braquial (FMD) foi realizada utilizando-se aparelho de ultrassonografia com doppler colorido SONOACE 8800® - Medson Com, Ltda., com sonda linear de 4 a 8 mHz. As pacientes foram colocadas em repouso por 15 minutos em decúbito dorsal. Realizou-se a medida da pressão arterial de todas elas e a artéria braquial foi identificada medialmente na fossa antecubital do membro superior dominante. Uma imagem do vaso foi obtida a aproximadamente 5 cm do cotovelo do membro superior, realizado um corte longitudinal (modo B) durante o momento de menor distensão do vaso, que corresponde à diástole cardíaca, sendo conseguida a partir do resgate de imagens pelo "cine loop" do equipamento. A imagem foi congelada para atingir a média de três medidas do calibre do vaso (D1). Após essa primeira aferição, o manguito do esfigomanômetro posicionado proximalmente ao local da medida da artéria braquial foi insuflado por cinco minutos até pressão superior a 250 mmHg e posteriormente desinsuflado vagarosamente. A média de três novas medidas do calibre do vaso foi obtida com a mesma técnica descrita anteriormente, após um minuto da desinsuflação do manguito (D2). O valor do FMD foi descoberto com base no cálculo da seguinte fórmula: FMD (%) = [(D2 -D1)/D1] × 100, onde D1 = diâmetro basal e D2 = diâmetro pós-oclusão.
Análise estatística
Os dados são apresentados em média e seus respectivos desvios-padrao. A variação da resposta vascular obtida pelo FMD foi comparada por meio da análise de variáveis múltiplas para testes repetidos com o Hotelling's T Test. Foi uma análise univariada para comparar quaisquer dois resultados de médias do FMD, sendo empregada comparação pareada. Para correção de comparação pós-teste de todos os pares de médias, utilizou-se o ajuste de Bonferroni. Foram consideradas estatisticamente significativas quaisquer análises com p<0,05.
RESULTADOS
A Tabela 1 resume as principais características das pacientes que participaram do estudo. A Tabela 2 resume os resultados da pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica e pressão arterial média (PAM) nos três momentos em que foi realizado o FMD. Não houve variação estatisticamente significativa em qualquer dessas variáveis entre esses três momentos (p=0,63; p=0,36; p=0,37).
O diâmetro basal da artéria braquial (D1) não apresentou variação estatisticamente significativa nas três medidas (p=0,82), sendo a média das medidas nos três momentos: 0,316 ± 0,11 cm; 0,32 ± 0,11 cm; 32,4 ± 0,12 cm.
A dilatação fluxo-mediada da artéria braquial, medida em três momentos, apresentou variação ao longo da gestação (p=0,023). Entretanto, as análises pareadas só evidenciaram diferença estatisticamente significativa entre a 1ª medida (9,93 ± 1,44%) e a 2ª (14,31 ± 1,26%; p=0,025). Não houve diferença significante se se comparar a 1ª ou a 2ª medida com a 3ª (12,0 ± 0,86%) (p=0,58; p=0,16, respectivamente). A Figura 1 ilustra esses resultados.
DISCUSSÃO
Idealmente, as três medidas do FMD deveriam ser feitas uma em cada trimestre da gestação, entretanto, há grande dificuldade na sua realização em relação à idade gestacional tardia, momento em que as pacientes chegam ao pré-natal, o que fez com que a primeira medida fosse realizada, em média, na 15ª. semana gestacional.
Desde os trabalhos realizados por Celermajer et al.11 vários estudos têm sido realizados com objetivo de entender a fisiopatologia, a análise, a interpretação e a padronização dessa técnica do exame. Em 2005, Bots et al.12 realizaram metanálise com 250 artigos utilizando a FMD e demonstraram que aspectos técnicos da realização das medidas, como a duração e o local da oclusão, podem explicar as diferenças da FMD observadas entre os estudos. Essas variações técnicas também foram discutidas por Stout13, além de outros autores.
Apesar de possuir técnica de realização relativamente simples, é consenso na literatura atual que alguns cuidados devem ser observados para o sucesso da realização da FMD, como qualidade do aparelho de ultrassom, frequência e ângulo de insonação arterial, fase do ciclo cardíaco, preparo adequado do paciente como jejum, abstinência de medicamentos, tabagismo, vitaminas e repouso.9,12
O presente estudo demonstra a variação da função endotelial ao longo da gestação, avaliada pelo hiperemia reativa da artéria braquial. O segundo trimestre é reconhecidamente o momento de maior queda da pressão arterial, gerando sintomas e adaptações gestacionais (elevação da frequência cardíaca, lipotimia).1 Os dados aqui revelados mostram que medidas pressóricas no segundo trimestre devem ser interpretadas com o cuidado de considerá-las em patamar inferior ao basal da paciente. Por outro lado, esse é o melhor momento de avaliar-se o endotélio em relação à sua integridade. A avaliação endotelial pode ser usada para definir fator de risco para desenvolvimento da pré-eclâmpsia no terceiro trimestre da gravidez diante de risco da doença.3
CONCLUSÕES
A dilatação fluxo-mediada da artéria braquial apresenta diferenças de resultados ao longo da gestação, o que pode sugerir variação fisiológica da função endotelial ao longo da gestação. Os dados aqui apresentados também indicam a necessidade de se padronizar um momento na gestação para realização do exame, permitindo a comparação dos resultados.
REFERENCIAS
1. Gant NF, Whalley PJ, Everett RB, Worley RJ, MacDonald PC. Control of vascular reactivity in pregnacy. Am J Kidney Dis. 1987;9(4):303-7.
2. Lyall F, Greer IA.The vascular endothelium in normal pregnancy and pre-eclampsia. Rev Reprod.1996;1(2):107-16.
3. Savvidou MD, Hingorani AD,Tsikas D, et al. Endothelial dysfunction and raised plasma concentrations of asymetric dimethylarginine in pregnant wimen who subsequently develop preeclampsia. Lancet. 2003;361:1511-7
4. Buhimschi IA, Saade GR, Chwalisz K, Garfield E. The nitric oxide pathway in preeclampsia.: Pathophysiological implications. Hum Reprod Update. 1998;4:79-99
5. Kuklinska AM, Mroczko B, Musial WJ, Usowicz-Szarynska M, Sawicki R, Borowska H, Knapp M, Szmitkowski M. Diagnostic biomarkers of essential arterial hypertension: the value of prostacyclin, nitric oxide, oxidized-LDL, and peroxide measurements. Int Heart J. 2009 May; 50(3):341-51.
6. Pechánová O, Simko F.The role of nitric oxide in the maintenance of vasoactive balance. Physiol Res. 2007;56(Suppl 2):S7-S16.
7. Dekker G. Kupferminc M. Pre-eclampsia. Lancet. 2005;365(9461):785-99.
8. Anderson EA and Mark AL. Flow-mediated and reflex changes in large peripheral artery tone in humans. Circulation. 1989;79:93-100
9. Sierra-Laguado RG, Garcia P, Lopez-Jaramillo. Flow-mediated dilatation of the brachial artery in pregnancy. Int J Gynecol Obstet. 2006;93:60-1.
10. Ryan A. Harris, Steven K. Nishiyama, D.Walter Wray and Russell S. Richardson. Ultrasound Assessment of Flow-Mediated Dilation. Hypertension 2010;55;1075-85.
11. Celermajer DS, Sorensen KE, Gooch VM, et al. Non-invasive detection of endothelial dysfunction in children and adults at risk of atherosclerosis. Lancet. 1992;340:1111-5.
12. Bots ML, Westerink J, Rabelink TJ, de Koning EJ. Assessment of flow-mediated vasodilatation (FMD) of the brachial artery: effects of technical aspects of the FMD measurement on the FMD response. Eur Heart J. 2005 Feb;26(4):363-8.
13. Stout M. Flow-Mediated Dilatation: A Review of Techniques and Applications. Echocardiography 2009;26(7):832-41.
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