RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 16. 4

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Educação Médica

Desafios ao estudante de mestrado em saúde

Chalenging to the students in health mastership

Maria Elizabeth Siqueira Lemos1; Regina Helena Caldas de Amorim2

1. Psicóloga, Cursos de Especialização em Metodologia do Ensino Superior - CEPEMG, em Psicomotricidade - FUMEC, em Atendimento Sistêmico à Família - PUC.MG. Professora do UNICENTRO Izabela Hendrix, Psicóloga da Clínica-escola de Fonoaudiologia do UNICENTRO Izabela Hendrix . Mestre em Ciências da Saúde, Área de Concentração - Saúde da Criança e do Adolescente. Faculdade de Medicina, UFMG. 2005. Doutoranda em Ciências da Saúde, Área de Concentração - Saúde da Criança e do Adolescente. Faculdade de Medicina, UFMG. 2006
2. Professora do Departamento de Pediatria - FM - UFMG

Endereço para correspondência

Maria Elizabeth Siqueira Lemos
Rua Leopoldina 790. ap. 701 Bairro Santo Antonio
Belo Horizonte - MG CEP: 30.330-230
e-mail: siqlemos@terra.com.br

Resumo

Este estudo, levanta questionamentos e dúvidas que perpassam o cotidiano dos estudantes do Mestrado em Saúde. Aborda seus conflitos e desafios para ultrapassar o modelo tradicional em pesquisa para novos paradigmas. Amplia s reflexões do indivíduo pesquisador para o contexto que envolve a Ciência Médica.

Palavras-chave: Educação de Pós-Graduação em Medicina; Pesquisa Biomédica/tendências.

 

QUEM É, O QUE FAZ, O QUE PENSA O ESTUDANTE DE MESTRADO NA ÁREA DE SAÚDE?

Várias indagações, dúvidas e reflexões povoam sua mente ao longo do Curso de Mestrado. Professores como Césara, Délciob, Itamarc, Janeteb provocam inquietações, inspiram reflexões dialéticas sobre o caminhar no curso, dificuldades e desafios por todos vivenciados.

Muitas vezes, nas discussões sobre teorias e pesquisas, os estudantes se deparam com a dialética: o acerto contém o erro. Ao mesmo tempo, perseguem a resposta definitiva para suas dúvidas e ânsia de conhecer. Que pesquisa escolher, que metodologia poderá facilitar a participação ao tão cobiçado curso de Mestrado, necessidade premente de todo acadêmico atual? A pesquisa quantitativa revela melhor a realidade? A pesquisa qualitativa, em processo de se fazer reconhecida na área da saúde, ainda é um dificultador para o candidato a este curso. Poucos são os professores que aceitam orientá-lo, embora muito já tenha sido feito para sustentar seu reconhecimento.

Haverá uma resposta correta ou, ao contrário, deve-se propor respostas provisórias e parciais? Pode-se pensar uma pesquisa que encontre para cada sim também possibilidades de um não?

Uma das autoras desse trabalho participou da primeira turma de abertura médica em Pediatria para outros profissionais de saúde. O projeto apresentado refere-se à pesquisa de Educação em Saúde, numa proposta de trabalho preventivo com famílias de clínica-escola. Muitas vezes ao longo de disciplinas mais empíricas e quantitativas, como Epidemiologia, Estatística, perguntava-se: "o que eu estou fazendo aqui?" Mas outras disciplinas que resolveram encarar a questão da pesquisa qualitativa deram a certeza de estar no lugar certo. Afinal, propunha-se a estudar a saúde. Mas, estudar que saúde? Evidentemente, a dos familiares participantes do projeto proposto. Porém, como não olhar também a saúde do grupo no qual se inclui, com o qual está convivendo ao longo de todo o curso? A saúde do contexto social no qual todos são cuidadores de saúde?

Aristóteles dizia que o homem tem paixão pelo conhecimento. Estar em uma sala de aula possibilita, muitas vezes, confirmar essa afirmação. Muitas reflexões, estudos, discussões teóricas empolgantes ocorrem. Mas, também, muitas dores. As angústias, medos, inseguranças no exercício da profissão médica, a sobrecarga em "seus ombros" foram aos poucos se revelando ao longo de frutíferas conversações. A impossibilidade de neutralidade científica, gradualmente percebida, a impossibilidade de acerto constante, o homem sujeito que se guarda atrás do profissional puderam aos poucos se mostrar. Muito se conhece e fala de doença, pouco se reflete sobre a saúde e o adoecimento do próprio profissional de saúde. Esse espaço foi gradualmente sendo criado em várias disciplinas, possibilitando o encontro com a dimensão humana de cada pesquisador, revelando-se a premência de considerá-lo no exercício de sua pesquisa, de reconhecer sua participação ativa na escolha de temas, metodologias, coleta de dados, análise de resultados. A realidade não pode mais ser considerada estática e disponível aguardando ser reconhecida pelo pesquisador. Ela estará sendo construída em sua interação dinâmica ao longo de todo o processo; seja em pesquisa qualitativa ou quantitativa. A ciência não é independente do corpo do cientista, não é independente de convenções preestabelecidas.1 Todas as informações que o pesquisador levanta são retiradas pelos sentidos, no contato com a realidade. Pessoas diferentes, por mais que tenham respaldo em teorias para fundamentar suas construções, terão sempre percepção distinta dos fatos e farão elaborações diferentes, gerando aspectos de conhecimentos próprios, em determinado momento histórico.

A objetividade implica o observador. Como, então, considerar o mundo sem considerar o observador?

Reconhecer, ainda, a ação do global no particular, do contexto nas escolhas e elaborações mentais do pesquisador é permitir-lhe humanizar-se. Por outro lado, é também humanizante verificar a ação do particular no todo, ou seja, que se age no contexto no qual se propõe pesquisar. O meio onde o pesquisador atua, as relações que estabelece, as teorias que traz embutidas em seus conceitos e idéias e, principalmente, a linguagem que o constitui promovem essa recursividade; tais idéias têm sido amplamente apresentadas por Maturana2. Não se permitir ver todo esse contexto que o envolve é adoecedor. Quem é o pesquisador que se debruça horas, dias, meses, anos, sobre suas anotações e observações? Que, muitas vezes, confrontado com as contradições de suas construções se vê perdido, sem referencial, buscando em debates e livros teorias que o ajudem a compreender os fenômenos observados? Quem é o sujeito humano que vive atrás desse pesquisador? Qual a contribuição que ele traz para o avanço da ciência? Como introduzir o novo, respeitando a historia?

Muitas dessas indagações estão por ser respondidas. Estudos e conversações sobre autores como Chalmers3 e Kuhn4 colaboram para a elaboração de algumas respostas que começam a se esboçar no universo mental dos pesquisadores.

Cabe aos pesquisadores confirmar com humildade conhecimentos tais como "a realidade é contraditória", "a percepção dos fenômenos sempre será fragmentada, pelos próprios sentidos e concepções", "a sociedade é composta de indivíduos, mas o indivíduo contém a sociedade". Mesmo inseridos na realidade, jamais terão acesso a ela como um todo. Deveriam se propor a serem menos quem quer provar e permitir-se ser, mais quem quer conhecer, experienciar, ver outros ângulos da realidade, abrir os olhos para o mundo à sua volta e a história que ele contém. E, ainda, aceitar que os conhecimentos são interpretados de acordo com as emoções.

Todas essas reflexões possibilitam ampliar um pouco mais o foco e buscar compreender além do estudante de Curso de Mestrado, a Ciência Médica e seu exercício.

Não estaria a Medicina como contexto mais amplo sofrendo essas mesmas dores que os pesquisadores? A situação particular analisada reflete o contexto global?

Considerando a Ciência Médica, há que se pensar em ciência como um conceito construído pelo homem, numa realidade cultural, envolvendo um conjunto de convenções que a referenciam. Ciência não é sinônimo de verdade, portanto, envolve flexibilidade e possibilidade de novas respostas para antigos pressupostos.

Ao ser exigido que a Medicina tenha todas as respostas corretas e que seja perfeita em sua atuação, dela é cobrada uma tarefa hercúlea a que há muito ela deixou de ser capaz de corresponder. Profissionais de saúde compõem um corpo complexo de conhecimentos em áreas afins, no qual todos são indispensáveis.

O critério de verdade é uma convenção em suspenso, para a qual ela não tem todas as respostas. Os especialistas pouco conhecem do trabalho que colegas médicos desenvolvem em suas respectivas clínicas e pesquisas. O que dizer sobre o conhecimento do trabalho de profissionais de outras áreas de saúde? É fundamental uma visão global, mas é imprescindível reconhecer que não é mais possível dominar todo o conhecimento disponível em saúde.

Outra reflexão fortemente presente e crescente ao longo do curso refere-se às questões éticas, tanto no exercício profissional quanto nas pesquisas, questões estas cujas conduções inadequadas têm se mantido ao longo do tempo e que mais recentemente têm sido mais combatidas pelo COEP a partir da Resolução 196. Infelizmente, os seres humanos ainda precisam de controle externo para suas ações, pois, muitas vezes, arrogantes e imbuídos da convicção de estar fazendo o bem, realizam grandes estragos. Ainda não se percebe, não se elabora o olhar do outro. Mas torna-se urgente e fundamental reconhecer que, ao ser atendido em consultórios ou aceitar participar de pesquisas, o sujeito seja identificado como pessoa, seus direitos resguardados, informações e esclarecimentos amplamente oferecidos. Muitas questões aguardam respostas, sem definições precisas de quais seriam as atitudes éticas corretas, novamente a humildade anteriormente citada faz-se necessária e o debate amplo do tema é recomendável e essencial à formação do profissional humanizado. Qual o nosso papel? Qual a nossa contribuição?

A necessidade de buscar mais compreensão para essas questões foi amplamente percebida, pelas reflexões éticas propostas por professores como Machadoe e Joaquim Antoniof. Como a idéia do outro tem sido construída nos vários espaços humanos e de saúde, qual é o poder do profissional em suas decisões e escolhas, quem acolhe esse peso, qual a ação do sistema que ora colabora, ora impede uma postura adequada; quando incluir ou excluir o outro como sujeito que se constrói a partir de um contexto relacional, que lhe permite o reconhecimento de sua auteridade.

Cabe aos alunos de mestrado uma postura reflexiva quanto às construções teóricas, biológicas, humanas e éticas que está realizando. Não basta ser um Mestre, há que ser humanizado em sua ação profissional.

 

REFERÊNCIAS

1. Popper KR. A lógica da pesquisa científica. 8a ed. São Paulo: Cultrix/EDUSP; 1998.

2. Maturana H. Tudo é dito por um observador. In: Magro HM, Graciano C, Vaz N. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: UFMG; 1987.

3. Chalmers AF. O que é ciência afinal? São Paulo: Brasiliense; 1993.

4. Kuhn TS. Lógica da descoberta ou psicologia da pesquisa? In: Lakatos M, Musgrave A. Organizadores. A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo: Cultrix/EDUSP; 1979.

 

aDoutor César Coelho Xavier, Professor Departamento de.Pediatria - FM- UFMG
bDoutor Délcio da Fonseca Sobrinho, Professor Departamento de Medicina Preventiva e Social - FM-UFMG
cDoutor Itamar Tatuly Sardinha Pinto, Professor Departamento de Medicina Preventiva e Social - FM - UFMG
dDoutora Janete Ricas, Professora Departamento de Pediatria - FM - UFMG
eCarlos Dalton Machado, Professor Departamento de .Pediatria - FM- UFMG
fDoutor Joaquim Antonio César Mota, Professor do Departamento de Pediatria - FM - UFMG