ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Implementação da avaliação do crescimento e do desenvolvimento neuropsicomotor em crianças menores de 5 anos na USF Grajaú na cidade de Brumadinho - MG, pelo internato rural da UFMG
Implementation of the evaluation of growth and psychomotor development in children under 5 years in the Grajau family health unit of the city of Brumadinho - MG, by the UFMG internship in rural areas
Thiago Silva Araújo Martins1; Rodrigo Vasconcellos Vilela1; Fernanda Vilaça Pereira2; Nayara Zinato Cária3; Horácio Pereira Faria4
1. Acadêmico do Curso de Medicina, Internato Rural da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Acadêmica do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS). Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Acadêmica do Curso de Medicina do Centro Universitário de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Thiago Silva Araújo Martins
E-mail: thiagosamartins@gmail.com
Recebido em: 16/05/2012
Aprovado em: 12/11/2012
Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
O parâmetro mais sensível para a detecção precoce de enfermidades em crianças de zero a cinco anos é, sem dúvida, o crescimento adequado, paralelo às curvas estabelecidas pela OMS. O acompanhamento metódico e rigoroso do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) permite o diagnóstico e intervenções oportunas, poupando a criança de sequelas neurológicas e sociais. Ao primeiro contato com a puericultura do Programa de Saúde da Família (PSF) Grajaú do município de Brumadinho, atividade do Internato em Saúde Coletiva, deparou-se com deficiências em relação à padronização e uso de metodologia preconizada pelo Ministério da Saúde quanto à avaliação do crescimento e desenvolvimento neuropsico-motor das crianças de zero a cinco anos. As curvas dos gráficos não eram rotineiramente ou adequadamente preenchidas, gerando grande confusão, dificuldade e até mesmo impossibilidade de acompanhamento do crescimento do paciente. O exame do DNPM era muitas vezes incompleto, gerando lacunas no preenchimento do cartao da criança. Objetivou-se implementar na PSF Grajaú a avaliação do crescimento e do desenvolvimento neuropsico-motor em crianças menores de cinco anos de idade de acordo com os gráficos e tabelas preconizados atualmente pela OMS. Anexaram-se ao prontuário das crianças os novos gráficos implementados. Todas as maes foram informadas quanto ao novo projeto, à sua importância e à necessidade de seu seguimento. A ideia do projeto foi disseminada, de forma a ser adotado em todo o município. Pode-se concluir, por meio deste trabalho, a importância de simples instrumento de puericultura e as suas implicações para a promoção de saúde da população.
Palavras-chave: Desenvolvimento Infantil;Cuidado da Criança; Saúde da Criança; Internato e Residencia.
INTRODUÇÃO
O parâmetro mais sensível para a detecção precoce de enfermidades em crianças de zero a cinco anos é o crescimento somático. Concomitantemente, o acompanhamento metódico do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) permite o diagnóstico e intervenção oportunas em distúrbios neurológicos na infância, poupando a criança de sequelas.1,2
Foi observado nas ações de puericultura na Unidade de Saúde da Família (USF) Grajaú do município de Brumadinho, durante o Internato em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que não havia padronização nem metodologia adequada para avaliação do crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor das crianças de zero a cinco anos de idade, incluindo-se a falta da coleta de dados antropométricos e na pesquisa de marcos do desenvolvimento. A consequência constituiu-se em dificuldade e até mesmo impossibilidade de acompanhamento adequado da saúde da criança.
Essa situação revela deficiência na capacitação dos profissionais de saúde envolvidos e falta de conhecimento sobre a importância da avaliação do crescimento e desenvolvimento das crianças. Seu resultado natural é a alta morbimortalidade infantil, grande sofrimento individual e custo social, com aumento de mortes prematuras, internações hospitalares, intervenções terapêuticas tardias e déficits cognitivos e/ou motores permanentes. E ressalta como é importante para o sistema de saúde conhecer a situação de gerenciamento e implementação de medidas de avaliação clínica da população de acordo com as melhores recomendações para a prática médica.3
Este trabalho objetivou implementar na USF Grajaú do município de Brumadinho a avaliação do crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor em crianças menores de cinco anos de idade de acordo com a Escala de Denver Adaptada4 (Tabela 1) preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Além disso, teve o intuito de aferir o seu impacto sobre o controle periódico de saúde e de sensibilizar e capacitar a equipe de saúde para a padronização e utilização desse instrumento.
CASUISTICA E MÉTODOS
Foram revistos artigos científicos da base de dados LILACS referentes ao controle psicomotor de crianças. A seguir, foi realizada reuniao com os membros da unidade de saúde, com atenção especial dada a equipe de enfermagem responsável por algumas das consultas de puericultura. Nessa reuniao, foram expostos os princípios norteadores do trabalho e a importância de sua continuidade.
Os profissionais de saúde do posto foram capacitados por meio de varias estratégias, estando entre elas discussões com o médico e enfermeira responsável pela Unidade Básica de Saúde, em que se enfatizou a importância da continuação do projeto com argumentação baseada em revisão de literatura atual.
Após esse trabalho, definiu-se o instrumento que passou a ser utilizado no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das crianças de zero a cinco anos. Esse controle foi feito pelos alunos do Internato Rural da FM por intermédio de impressos usados nos ambulatórios de Pediatria do Hospital das Clínicas da UFMG, contendo os gráficos Z-escore de estatura/comprimento x idade, peso x idade e a escala de Denver adaptada.
Os novos gráficos a serem utilizados foram mostrados a todas as técnicas de enfermagem do posto e como deviam ser preenchidos, dando ênfase na necessidade de coleta adequada e regular de dados. As profissionais foram orientadas quanto à técnica de medição de estatura em crianças menores e maiores de dois anos de idade e como medir adequadamente o perímetro cefálico.
Anexaram-se ao prontuário das crianças os novos gráficos implementados. Todas as maes foram informadas quanto ao novo projeto, a sua importância e a necessidade de seu seguimento. Enfatizou-se que solicitassem sempre o seu preenchimento pelos profissionais da UBS durante todas as consultas de puericultura e também naquelas sob demanda. Durante o Internato em Saúde Coletiva no primeiro trimestre de 2012 foram acompanhados 30 pacientes.
A ideia do projeto foi disseminada, de forma a ser adotado em todo o município, por meio de reunioes com médicos e enfermeiros de outras UBS de Brumadinho.
RESULTADOS
A capacitação do médico e enfermeira responsável pela Unidade Básica de Saúde foi muito bem aceita, ambos demonstrando ciência quanto à precariedade dos métodos anteriormente usados na UBS para avaliação do crescimento e DNPM das crianças.
Constatou-se que a maioria das crianças adscritas apresentava crescimento e DNPM adequados, conforme as orientações da OMS.
Entre os principais problemas observados podem ser citados: a diversidade de cartoes da criança com falta de padronização; a sistematização e atualização da avaliação do crescimento de acordo com as normas estabelecidas pela OMS; a ausência de seguimento evolutivo a partir da linha de crescimento da criança; dados antropométricos registrados erroneamente nos cartoes e sem data de marcação; ausência de coleta de dados em várias consultas de puericultura; e perímetro cefálico subestimado, sendo medido e registrado apenas nos primeiros meses de vida das crianças. O DNPM raramente era avaliado, com seus respectivos campos no cartao da criança sem o devido preenchimento.
Dois pacientes foram diagnosticados com desenvolvimento não adequado, sendo um deles com sobrepeso e o outro com obesidade. As maes e os profissionais do posto foram alertados sobre esses dados e quanto à necessidade de mudanças higienodietéticas para retorno da linha de crescimento aos parâmetros da normalidade.
DISCUSSÃO
O crescimento é o resultado de modificações biológicas que levam ao aumento corpóreo da criança, especificamente do peso, da estatura e do perímetro cefálico, sendo, portanto, mensurável, ou seja, quantitativo. É determinado por fatores genéticos e ambientais - intrínsecos e extrínsecos. O crescimento da criança indiretamente revela seu potencial genético, seu estado geral de saúde e até mesmo o ambiente biopsicossocial em que vive. A ausência ou o baixo ganho de peso da criança ao longo do tempo é o parâmetro mais sensível, menos específico e mais precoce para o diagnóstico de doenças crônicas da infância. O crescimento em estatura, por sua vez, altera-se mais tardiamente, sendo mais específico. O perímetro cefálico avalia o crescimento neural, caracteristicamente acentuado no primeiro ano de vida, sendo sensível indicador de saúde do sistema nervoso central nesse período. Prejuízos no crescimento neural nessa faixa etária, facilmente diagnosticados com a medida do perímetro cefálico, cursam com graves sequelas neurológicas.
A antropometria consiste no método de escolha para avaliação do crescimento somático. A OMS recomenda, para todas as idades, as medidas de peso e estatura correlacionadas ao sexo e à idade. Preconiza-se a utilização de gráficos com curvas de crescimento de 2006 da OMS5, por seu caráter universalmente representativo. É necessária a criação de índices antropométricos a partir da combinação de duas ou mais variáveis como peso, estatura sexo e idade, para interpretação adequada do crescimento. A análise de uma variável isolada, como o peso, tem pouco significado.
Considerando-se o crescimento como processo, ou seja, um conjunto de modificações no decorrer do tempo, é essencial, para sua correta abordagem, o seguimento evolutivo dos dados antropométricos. Indices antropométricos pontuais não são suficientes para o diagnóstico de crescimento adequado. A definição de crescimento adequado consiste em crescimento paralelo às curvas, com peso e estatura proporcionais.
O seguimento evolutivo do crescimento, por meio da linha de crescimento, pode ser interpretado de acordo com percentis ou número de desvios-padrao em relação ao ponto central, ou seja, mediana de uma população-referência (Z-escore).
A OMS recomenda a utilização do Z-escore, por discriminar melhor os valores extremos. Em relação aos percentis, considerando-se uma mesma variação de dado antropométrico, as variações do Z-escore mais distantes do centro são bem mais significativas. No sistema de percentis, grandes variações de dados antropométricos, quando distantes da mediana, apresentam baixo impacto, dificultando a interpretação de situações clínicas mais graves.6
O DNPM, ao contrário do crescimento, é processo qualitativo, não mensurável, que consiste na aquisição de habilidades e de funções cada vez mais complexas7. O desenvolvimento está associado à maturação do sistema nervoso central e é dividido em quatro grandes campos: motor grosseiro, motor fino (adaptativo), social e linguístico.
Existe uma sequência fixa e invariável de crescimento, caracterizada por seu padrao crânio-caudal e próximo-distal. Cada indivíduo possui seu próprio ritmo de crescimento, nunca, no entanto, fugindo dessa sequência.
A medida que os reflexos primitivos mediados pelos núcleos da base são inibidos, em função do desenvolvimento cortical e mielinização da substância branca, a criança adquire novas habilidades dentro dos quatro campos citados e alcança marcos de desenvolvimento.
A avaliação do DNPM consiste na exploração desses marcos, com base na escala de Denver adaptada. O diagnóstico precoce de atraso do DNPM possibilita intervenções terapêuticas oportunas, reduzindo a incidência de complicações neurológicas muitas vezes permanentes.
Houve sensibilização no serviço de puericultura do PSF Grajaú do município de Brumadinho, atividade do Internato em Saúde Coletiva, quanto à negligência em relação ao acompanhamento do crescimento e do DNPM das crianças adscritas.
Eventos relacionados à educação continuada, com ênfase em puericultura, são de extrema importância para a capacitação dos profissionais de saúde, especialmente médicos e enfermeiros. A parceria do município com a FM-UFMG poderia oferecer cursos de atualização e reciclagem desses profissionais de modo a melhorar a qualidade do atendimento à população infantil e do próprio Internato em Medicina Coletiva. Paralelamente, é necessário que os auxiliares de enfermagem, responsáveis pela coleta dos dados antropométricos, devam ser periodicamente avaliados e aperfeiçoados pelo médico de família da unidade ou enfermeiro quanto à técnica correta de aferição das medidas. É essencial a interação harmônica e coordenação entre os diferentes profissionais da mesma UBS, de forma a otimizar o atendimento à saúde.
CONCLUSÃO
É de extrema importância a adoção de instrumento de puericultura e suas implicações, por mais simples que seja, para a melhora e promoção de saúde de uma população. Por meio de medidas antropométricas e um questionário pode-se antever prejuízos no paciente e atuar no sentido de preveni-los. A carência de acompanhamento qualificado pode levar a danos humanos e sociais, além do prejuízo financeiro do município relacionado às consequências da não atuação precoce em caso de atrasos no desenvolvimento que poderiam ter sido evitados. Esse prejuízo é muito maior do que o que se gastaria implementando o sistema descrito em todos os postos. É de suma importância a adoção dos gráficos preconizados pela OMS e do acompanhamento do DNPM no município de Brumadinho.
REFERENCIAS
1. Araújo CL, Albernaz E, Tomasi E, Victora CG. Implementation of the WHO Multicentre Growth Reference Study in Brazil. Food Nutr Bull. 2004;25:53-8.
2. Onyango AW,Onis M, Caroli M, et al. Field-testing the WHO child growth standards in four countries. J Nutr. 2007;137:149-52.
3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2002-2003. Antropometria e análise do estado nutricional de crianças e adolescentes no Brasil.Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2006.
4. Silva B, Santos E,Romanini M, et al.Organização do ambulatório de crescimento e desenvolvimento do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. An Fac Med UFMG. 1975/76;32/33:215-224.
5. World Health Organization-WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child Growth Standards: Length/height-for-age, Weight-forage, Weight-for-length, Weight-for-height and Body massindex-for-age: Methods and Development. Geneva: WHO; 2006.
6. Onis M, Onyango AW,Borghi E,Garza C,Yang H,WHO Multicentre Growth Reference Study Group. Comparison of the World Health Organization (WHO) child growth standards and the National Center for Health Statistics/WHO international growth reference: implications for child health programmes. Public Health Nutr. 2006;9:942-7.
7. Rodrigues OMPR. Escalas de desenvolvimento infantil e o uso com bebês. Educar Rev 2012;43:81-100.
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