ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Coocorrência de síndrome de Treacher-Collins e de síndrome de Down: relato de caso e conduta
Co-occurrence of Treacher-Collins syndrome and Down syndrome: case report and conduct
Letícia Maria Coelho1; Luciene Chaves Fernandes2; Vanessa Waisberg1
1. Residente em Oftalmologia. Hospital Sao Geraldo. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médica Oftalmologista. Doutora em Oftalmologia. Coordenadora do Serviço de Visao Subnormal do Hospital Sao Geraldo do Hospital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Letícia Maria Coelho
E-mail: leticiamariacoelho@yahoo.com.br
Recebido em: 30/09/2011
Aprovado em: 20/01/2014
Instituição: Hospital São Geraldo. Hospital das Clínicas da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
A síndrome de Treacher-Collins é uma malformação hereditária rara do primeiro e segundo arcos branquiais, enquanto a síndrome de Down ou trissomia do cromossomo 21 é a mais frequente alteração cromossômica humana. Este estudo descreve a coocorrência dessas síndromes, constituindo-se no segundo relato até agora descrito na literatura. Evidencia também que o seu diagnóstico precoce e o tratamento adequado das malformações craniofaciais são fundamentais para prevenir a ambliopia e melhorar a qualidade de vida.
Palavras-chave: Disostose Mandibulofacial; Síndrome de Down; Ambliopia; Baixa Visão.
INTRODUÇÃO
A síndrome de Treacher-Collins é uma malformação hereditária autossômica dominante de alta penetrância do primeiro e do segundo arcos branquiais1,2 com grande variação fenotípica.3 Resulta em hipoplasia malar e mandibular, malformações auriculares, surdez, coloboma de pálpebras, macrostomia, fenda palatina e alterações ósseas.1 A estrutura ocular é, geralmente, preservada e pode haver distopia cantal, lipodermoide, atresia do ducto lacrimal, distiquíase e estrabismo.2 A síndrome de Down, caracterizada pela trissomia do cromossomo 21, é a alteração cromossômica humana mais frequente.4-7 Além do retardo mental e das alterações cardíacas, está frequentemente associada a fendas palpebrais oblíquas, epicanto, ametropias, manchas na íris, catarata, ceratocone, estrabismo e nistagmo.3-5 Essas síndromes, embora compartilhem algumas características como fenda palatina, baixa implantação de orelhas, malformações cardíacas e hipertelorismo,8 são de apresentação clínica distinta e coocorrência muito rara, constituindo-se a segunda descrição na literatura até o momento.
DESCRIÇÃO DO CASO
Paciente masculino, nascido em 11/01/03, acompanhado no Serviço de Baixa Visão Infantil do Hospital São Geraldo (HSG) desde 12/04/04, quando foi encaminhado pelos setores de Córnea e de Plástica Ocular devido às sequelas das síndromes de Down e de Treacher-Collins. Desde entao, foi acompanhado em programa de intervenção precoce e estimulação visual. Seus antecedentes pessoais são de parto normal, a termo, sem intercorrências, com o diagnóstico genético de síndrome de Down por translocação robertsoniana entre os cromossomos 14 e 21 e de síndrome de Treacher-Collins, apresentando hipotireoidismo, hipotonia, dificuldade alimentar e retardo de crescimento e de desenvolvimento, convulsões, fenda palatina, hipoplasia malar e mandibular e malformação de orelhas com microtia e agenesia de conduto e cadeias ossiculares bilateralmente. Registrou-se tratamento clínico de úlcera de córnea expositiva infectada em olho esquerdo (OE) em 18/03/03 e de ceratopatia expositiva em olho direito (OD). Apresentou coloboma de três quartos laterais de pálpebras inferiores com reconstrução de pálpebra inferior esquerda em 05/05/03 e de pálpebra inferior direita em 06/06/03. É filho único de pais jovens, não consanguíneos, cariótipos 46, XX e 46, XY, respectivamente. Mae G1P1A0, afetada pela síndrome de Treacher-Collins, assim como dois de seus irmãos, seu pai, seus três tios paternos e seu avô paterno (Figura 1).
O exame oftalmológico (2004) mostrou acuidade visual 0,64 cy/cm (20/960) em ambos os olhos (AO), com fixação e acompanhamento da luz, da franja iluminada e de objetos de alto contraste; retinoscopia inviável em AO; biomicroscopia: OD calmo com opacidade inferior, e OE calmo com leucoma central; fundoscopia: OD com disco óptico corado de contorno nítido e escavação fisiológica, mácula com reflexo preservado e aparente rotação, leve coroidose, vasos retinianos normais, vítreo transparente e o OE inviável. A ecografia ocular sugeriu malformação orbitária congênita, sem alteração ocular evidente em AO. Foram mantidos estimulação visual e acompanhamento com equipe multiprofissional. A avaliação realizada no serviço de Visão Subnormal em 16/11/10, apresentava AV 4,8 cy/cm (20/130) em OD (com depressão do mento) e 0,23 cy/cm (<20/1900) em OE e retinoscopia e fundoscopia inviáveis pelas opacidades corneanas (Figura 2). Aguarda avaliação de transplante de córnea em AO. Apesar das limitações impostas pelo quadro clínico, apresenta bom desenvolvimento nas atividades diárias.
DISCUSSÃO
Aproximadamente 60% dos pacientes com síndrome de Down possuem algum tipo de anormalidade oftalmológica, sendo o maior grupo de risco para esse tipo de anormalidade na população pediátrica.4 Diferentes estudos mostram alta prevalência de erros refrativos, catarata, estrabismo, nistagmo, infecções, entre outras.4-7
A síndrome de Treacher-Collins traz alterações oftalmológicas em 100% dos casos, sendo as mais frequentes as alterações palpebrais, o estrabismo e as ametropias.1,2 Como a estrutura ocular geralmente é normal, os erros refrativos, a anisometropia, o estrabismo e a ptose, em diferentes graus de associação, são os principais responsáveis pela ambliopia, que pode, portanto, ser prevenida.1,2
A semelhança do único relato descrito até hoje de coocorrência dessas síndromes, essa criança apresentava características craniofaciais mais indicativas da síndrome de Treacher-Collins. Neste trabalho, ao contrário da única descrição existente, a síndrome de Down era caracterizada por translocação não herdada, que é responsável pela sua expressão em apenas 2% dos casos,4 e síndrome de Treacher-Collins, por provável herança autossômica dominante de alta penetrância e não por mutação nova. Como nos demais pacientes com síndrome de Treacher-Collins, a baixa visão aqui parece associar-se às alterações palpebrais e suas consequências (não é possível determinar com certeza o papel das ametropias e do estrabismo, ocasionando ambliopia).
Apesar da complexidade das malformações genéticas, cabem ao médico a suspeita diagnóstica e a referência para investigação e acompanhamento apropriados. Considerando a importância dos três primeiros anos de vida no desenvolvimento visual, o acompanhamento oftalmológico deve ser precocemente instituído, para melhor utilização da visão residual e desenvolvimento global, buscando melhor qualidade de vida e adequada inclusão socioeconômica e cultural desses pacientes.
REFERENCIAS
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