ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
O papel da residência médica
Residency Role
Cícero de Lima Rena
Médico. Coordenador da COREME da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora. Juiz de Fora, MG - Brasil
Endereço para correspondênciaCícero de Lima Rena
E-mail: cicero.rena@superig.com.br
Recebido em: 03/09/2012
Aprovado em: 15/11/2012
Instituiçao: Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora Juiz de Fora, MG - Brasil
Resumo
A residência médica "é a melhor maneira de se formar um médico após a conclusão da graduação. Constitui-se em forma de especialização, e não substituto para a escola médica . A graduação não prepara o jovem para a residência e esta não supre as deficiências da graduação, porque é insuficiente em sua organização atual. Organização. É necessário repensar os métodos aplicados a essa modalidade de pós-graduação, menos ideológicos, menos políticos, menos burocráticos, mais eficientes, mais humanizados e mais nobres. Acreditar é preciso.
Palavras-chave: Educação Médica; Educação de Pós-Graduação em Medicina; Internato e Residência; Formação de Recursos Humanos.
INTRODUÇÃO
Há 120 anos, William Halsted criou o primeiro programa de residência médica (1889), no departamento de Cirurgia da Universidade de John's Hopkins. Experiência exitosa da qual os professores de Medicina do Brasil muito se beneficiaram. Adaptaram para a realidade brasileira, ensinam e prestam um grande serviço ao país.
Conceitualmente, a residência médica constitui modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu destinada a médicos, sob a forma de curso de especialização, caracterizada por treinamento, funcionando em instituições de saúde, privadas ou públicas, sob orientação de médicos de elevada qualificação ética e profissional, especialmente os preceptores. É esse o papel da residência médica.
HISTORICO
A residência médica, inspirada em modelos americanos, teve seu início no Brasil nos anos 40 do século passado, no Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo e, logo a seguir, no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. A excelência dos serviços nessas instituições foi o atrativo para que os recém-formados procurassem pela especialização em determinado ramo da Medicina.
No Brasil, foi criada, oficialmente, pelo Decreto 80.281/771 e completará 35 anos de atividade, firmando-se como o melhor caminho para a formação de médicos especialistas no país. Tem seu papel relevante por ofertar profissionais especialistas para a prestação de assistência médica à população.
A REALIDADE DO MODELO RESIDENCIA MÉDICA
Observa-se, com a experiência até o momento acumulada, que há necessidade de se criarem mecanismos de fortalecimento dos programas de residências já existentes, bem como nas regioes brasileiras mais carentes de profissionais especializados, e estimular a abertura de novos programas com incentivos para que os jovens profissionais em Medicina permaneçam nessas regioes.
Com a instituição da residência médica, foi necessária a criação de um mecanismo de regulação e controle representado pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) que, por meio de resoluções, criou as Comissões Estaduais (CEREMs) e, no âmbito institucional, as Comissões de Residência Médica (COREMEs). Como se pode depreender, a CNRM tinha autonomia para gerenciar o ensino da residência médica no país. A partir da edição do Decreto nº 7.562, de 15 de setembro de 20112, a CNRM perdeu seu poder decisório terminal, pois foi criada a chamada CAMARA RECURSAL, que é composta de três membros, sendo um representante do Ministério da Educação, um representante do Ministério da Saúde e um representante das entidades médicas. Observa-se que os membros integrantes da Câmara Recursal são indicados pelos órgaos ou entidades representadas, designados pelo Ministro de Estado da Educação. É vedada a participação dos conselheiros da Plenária na Câmara Recursal. Concluiu-se, entao, que a residência médica, cuja lei foi criada, democraticamente, no período da ditadura, com representação civil majoritária, foi alterada, sutilmente, de forma propositada ou não, mas, lamentavelmente, sob condao autoritário.
A implantação oficial da residência trazia, como uma das condições ao candidato, a dedicação exclusiva do residente ao programa. A disponibilidade ao aprendizado era inconteste. Com a criação da Lei 6.932/20063, a dedicação exclusiva foi abolida. O médico residente, cumprida sua carga horária, está livre para exercer a função de médico como queira. Tem-se verificado que elevado número de residentes usa essa possibilidade para assumir plantoes noturnos em outras instituições ou até mesmo nas próprias, em seus horários livres. É um direito indiscutível, mas ao encerrar um plantao extrarresidência, não tendo direito ao repouso compensatório, o aproveitamento, sem dúvida, será prejudicado.
Outro ponto que merece reflexão é o programa dito requisito para outras especialidades. A Cirurgia Geral e Clínica Médica são exemplos dessa situação. A título de análise, tome-se a Cirurgia. O residente deverá passar por oito estágios em dois anos. Descontam-se, desse tempo, dois meses de férias. Após um plantao noturno por semana, terá o repouso de seis horas, ou seja, um dia por mês ou 11 dias ao ano. É de seu direito. Passados os dois anos, em 82 dias, não participou das atividades da residência. A considerar os estágios obrigatórios e demais recomendados pela CNRM, ao final dos dois anos o residente terá passado, aproximadamente, dois meses e meio em cada estágio. Será tempo suficiente para realizar todos os procedimentos cirúrgicos propostos pela CNRM? Não se pode ignorar que os residentes candidatos a outros programas de residência, a partir do segundo semestre do segundo ano, elegem, como prioridade, o preparo para o próximo vestibular de residência. Os felizardos aprovados para a futura residência terao, certamente, outro comportamento no aprendizado. Quanto àqueles que não lograram êxito, terao que honrar e provar, no mercado de trabalho, que a lei lhes confere títulos de especialistas em Cirurgia Geral.
No dizer do Prof. Antônio Carlos Lopes:
A experiência brasileira mostra que a residência é a melhor maneira de se formar um médico após a conclusão da graduação. Mas é uma forma de especialização e não um substituto para a escola médica. O principal problema do país, hoje, é que as escolas médicas estao muito ruins. Há um número muito grande de escolas e, em muitas delas, os professores deveriam estar aprendendo, e não ensinando.
E os preceptores? Nos hospitais públicos, são professores da graduação e, por vezes, da pós-graduação. Espera-se deles o desempenho digno de quem ensina. Nos hospitais privados, os preceptores são, via de regra, abnegados que abraçam essa missão por idealismo sacerdotal.
O preceptor deve ser considerado figura de um pai científico. Nem sempre consegue seu intento, o que lhe traz frustrações e desencantos, mas nem por isso promove o desânimo e a desesperança, pois novos desafios certamente virao e tudo se reinicia. O preceptor é um ator incansável, visionário, esperançoso e embalador de sonhos. Um grande ser humano sempre será produto de seus sonhos. Eis, aí, o preceptor, esse ser homenageado e querido que declina de todas as manifestações honrosas, por ter conhecimento de que a grandeza de um homem não consiste em receber honrarias, mas em merecê-las.
Vivenciamos, por 32 anos, a experiência de conduzir programas de residência médica. No contexto atual, pode-se dizer: é, infelizmente, uma exigência do mercado de trabalho, entretanto, não é uma certeza de que o profissional egresso dela é o que a enfermidade do paciente necessita e merece.
Pela evolução político-administrativa da RM no Brasil, depreende-se que há negativa repercussão sobre a graduação, que impede a interação didático-pedagógica entre ambas. A graduação não prepara o jovem para a residência e esta não supre as deficiências da graduação, porque é insuficiente na organização que possui nos dias atuais.
CONCLUSÃO
É necessário repensar os métodos aplicados à formação médica na residência, menos ideológico, menos político, menos burocrático, mais eficiente, mais humanizado e mais nobre. Acreditar é preciso.
REFERENCIA
1. Brasil. Presidencia da Republica. Decreto Nº 80.281 de 5 de setembro de 1977. Regulamenta a Residência Médica, cria a Comissão Nacional de Residência Médica e dá outras providências. Brasilia, 1977. [Citado em 2012 set 20]. Disponivel em: http://wwwsimesc.org.br/admin/uploads/Decreto_n%C2%BA_80.2811977%20RESlDENTE.pd
2. Brasil. Presidencia da Republica. Decreto nº 7.562, de 15 de setembro de 2011. Dispoe sobre a Comissão Nacional de Residência Médica e o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições que ofertam residência médica e de programas de residência médica.Brasilia,2011. [Citado em 2012 set 20]. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7562.htm.
3. Brasil. Presidencia da Republica. Lei nº 6.932 de 7 de julho de 1981. Dispoe sobre as atividades do médico residente e dá outras providências. [Citado em 2012 set 20].Disponivel em: http://www.normaslegais.com.br/legislacao/trabalhista/l6932.htm
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