RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 22. (Suppl.7)

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Artigos de Revisão

Por que prestar assistência ao prematuro?

Why premature neonatal intensive care?

Luíz Antônio Tavares Neves1; Jaqueline da Silva Fronio2; Josana Lucas Araújo3; Paulo Rubens Montes Lupatini4

1. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora-UFJF. Chefe da UTI Neonatal e Pediátrica do Hospital Albert Sabin. Juiz de Fora, MG - Brasil
2. Professora Adjunta da Faculdade de Fisioterapia da UFJF. Coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos do Desenvolvimento Infantil (NIEDI). Juiz de Fora, MG - Brasil
3. Acadêmica do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da UFJF. Bolsista do Projeto de Extensao "Follow up de Recém-nascidos de risco" do HU-UFJF. Juiz de Fora, MG - Brasil
4. Médico Pediatria. Especialista em Neonatologia pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Juiz de Fora, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Luíz Antônio Tavares Neves
E-mail: latneves@terra.com.br

Instituiçao: Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento Materno Infantil, Serviço de Pediatria Juiz de Fora, MG - Brasil

Resumo

Os avanços nos cuidados perinatais nos últimos anos têm contribuído para a sobrevivência de lactentes nascidos entre 22 e 25 semanas de vida intrauterina. E a despeito da melhoria na morbidade perinatal, o nascimento pré-termo apresenta-se como um grande problema neonatal e obstétrico em nível mundial. Com as melhores práticas em perinatologia, que começa com a melhora de qualidade na atenção perinatal, é possível vislumbrar diminuição da morbidade cerebral e pulmonar no recém-nascido de extremo baixo peso. A intervenção em todos os níveis de atenção à saúde é necessária para reduzir a morbidade e mortalidade desses recém-nascidos. As sequelas mais comuns no desenvolvimento neuropsicomotor nos primeiros anos de vida são: paralisia cerebral, retardo mental, prejuízos neurossensoriais (déficit visual e auditivo), além de disfunção neuromotora e de coordenação. Com base na revisão da literatura, o objetivo deste artigo é fazer uma atualização da assistência à prematuridade, ressaltando seus principais pontos de atuação a fim de minimizar danos ao recém-nascido pré-termo.

Palavras-chave: Nascimento Prematuro; Recém-Nascido de Baixo Peso; Leucomalácia Periventricular.

 

INTRODUÇÃO

O grande avanço nos cuidados perinatais que ocorreu no início dos anos 1970 até os dias de hoje tem contribuído para a sobrevivência de lactentes que nasceram entre 22 e 25 semanas de vida intrauterina.1 As taxas de nascimento de pré-termos está aumentando mundialmente e estudos oriundos dos EUA e América Latina sugerem que o aumento do trabalho pré-termo espontâneo é um fator importante. Outro estudo com base em dados populacionais de 5 milhoes de pessoas na Escócia foi imprescindível para determinar as tendências temporais e antecedentes obstétricos de nascimentos de pré-termos simples e sua associação com a morbidade e mortalidade neonatal nesse período. Os autores concluíram nesse estudo que o aumento dos nascimentos pré-termos espontâneos e medicamente induzidos tem igual contribuição no aumento da taxa de nascimentos pré-termos. A despeito da melhoria na morbidade perinatal relatada, o nascimento pré-termo permanece o maior problema neonatal e obstétrico em nível mundial e sua frequência está aumentando.2

Segundo os guidelines da Academia Americana de Pediatria, não se deve reanimar recém-nascidos com menos de 23 semanas de vida intrauterina ou aqueles que nasceram com peso inferior a 400 g. No entanto, esse ainda não é um problema resolvido, uma vez que muitos pais insistem com os médicos para ressuscitar recém-nascidos com 22 semanas ou menos.3 Essa situação está se tornando mais comum como resultado do aumento de nascimentos prematuros, devido a: idade materna elevada, aumento do uso de prática de reprodução assistida e publicidade a respeito de bebês milagrosos, fartamente noticiado na mídia.

O Epicury Study realizado no Reino Unido em 1995 foi um importante estudo de follow-up realizado a longo termo. Foi o maior estudo de lactentes nascidos entre 22 e 25 semanas de gestação já realizado com follow-up até a idade escolar e acompanhou 78% dos recém-nascidos sobreviventes. Avaliou as crianças desde o seu nascimento até os seis anos de idade e muitos esforços foram feitos para coletar dados prospectivamente sobre todos os lactentes. Esse estudo contribuiu não apenas para melhora da habilidade para generalizar os dados, mas também em relação aos números, por tratar-se de um trabalho extenso de avaliação dos imaturos sobreviventes.4

Entre esses lactentes pré-termos extremos do Epicury Study, a sobrevivência neonatal foi baixa: 1% entre os nascidos com 22 semanas de gestação, 11% entre os nascidos com 23 semanas de gestação, 26% com 24 semanas de gestação e 44% entre os nascidos com 25 semanas de gestação. As taxas de sobrevivência sem qualquer incapacidade aos seis anos de idade foram desapontadoras: somente 8% das crianças nascidas com 25 semanas apresentavam completa normalidade. Esses dados são avaliáveis para as práticas obstétricas e neonatais correntes, considerando-se que mais de 60% desses prematuros extremos receberam um curso de corticoide e 84% receberam surfactante. Esse estudo é muito claro e mostrou as limitações não somente no salvamento dessas crianças, bem como em manter o estado neurológico e desenvolvimento cognitivo daqueles nascidos na borda inferior da viabilidade. Muitas crianças que não apresentaram atraso em algum setor do desenvolvimento aos 30 meses tiveram o aparecimento de incapacidade quando atingiram seis anos de vida. A taxa de atraso cognitivo nesse grupo de prematuros extremos alcançou 41%.4

Lactentes nascidos entre 23 e 26 semanas de gestação são fracos e vulneráveis, com sistemas orgânicos imaturos. Sua pele é gelatinosa e respiram através dos bronquíolos terminais, pois ainda estao na transição da fase canalicular para sacular da gênese pulmonar, tornando-os altamente propensos a desenvolver displasia broncopulmonar. Estao também em alto risco de injúria cerebral devido a: hipóxia, isquemia, subnutrição e sepse, os quais iniciam a cascata inflamatória.5

A imaturidade cerebral nessa faixa etária torna esses lactentes pré-termos particularmente vulneráveis e estudos recentes de ressonância magnética têm mostrado reduzido volume cerebral em crianças prematuras que atingem oito anos de idade.6,7

A paralisia cerebral está fortemente associada ao nascimento de um bebê prematuro, sendo que o risco de lactentes antes de 28 semanas de gestação é de 100\1.000 sobreviventes, enquanto que em lactentes a termo é de 1\1.000 nascidos vivos. O primeiro pesquisador a relacionar paralisia cerebral a parto prematuro foi um médico inglês de nome William Little, em 1843.8 Mais recentemente, tem se associado uma relação causal entre prematuros de extremo baixo peso a hipertensão arterial e autismo.

 

METODOLOGIA

Realizou-se, de forma não sistematizada, pesquisa no Pubmed, adquirindo-se artigos de periódicos primários como New England Journal of Medicine, Journal of Perinatology, entre vários outros, e busca de revisões sistemáticas na Cochrane Library, além de consulta a guidelines. Apesar de ser uma pesquisa não sistematizada, a variabilidade dos locais de pesquisa e as diferentes épocas em que foram escritos os artigos que serviram de base para o artigo em questao permitiram o levantamento de questoes a serem discutidas a fim de que se consiga assistência progressivamente mais capacitada e abrangente aos recém-nascidos prematuros.

 

VARIOS ESTUDOS RECENTES TEM LIGADO A HEMORRAGIA INTRAVENTRICULAR A GRAVE MORBIDADE CEREBRAL

Estudo comparou os resultados cognitivos, linguagem comportamental e educacional de lactentes pré-termos com os controles a termo até os 12 anos de idade com o objetivo de investigar o impacto da agressão cerebral neonatal e fatores de riscos ambientais sobre a função intelectual. Para isso, foi avaliado o total de 375 crianças nascidas entre 1989 e 1992 com peso ao nascimento entre 600 e 1.250 g, arroladas no estudo de prevenção de hemorragia intraventricular com indometacina, e 111 controles. Os autores chegaram à conclusão que crianças nascidas no início de 1990, especialmente aquelas com agressão cerebral grave, demonstraram déficits sérios nos perfis neuropsicológicos. A maioria dos sobreviventes pré-termos com hemorragia periventricular manifestou paralisia cerebral, com prejuízo funcional na idade escolar. A inteligência e a memória verbal em particular foram afetadas e o resultado funcional na idade escolar do lactente pré-termo com infarto hemorrágico periventricular é deficitária. Entre as explicações potenciais para esse achado está a possibilidade de que episódios bradicárdicos e hipóxicos recorrentes múltiplos possam causar lesão cerebral.9

Resultados funcionais e do desenvolvimento neuropsicomotor em lactentes de extremo baixo peso ao nascimento foram relatados pelo National Institute of Child Health and Human Development (NICHD) nos Estados Unidos. Foram analisados 1.151 sobreviventes com peso extremamente baixo (401 a 1.000 g) atendidos nos 12 centros participantes do NICHD a fim de identificar fatores ambientais, sociais e médicos associados a esses resultados. Fatores significantemente associados a aumento da morbidade do desenvolvimento psicomotor incluíram doença pulmonar crônica e hemorragia intraventricular grau 3 e 4, leucomalácia periventricular e sexo masculino. Fatores significantemente associados à diminuição da morbidade incluíram aumento do peso ao nascimento, sexo feminino, educação materna alta e raça branca.10

 

MELHORES PRATICAS PARA O RECÉM-NASCIDO PREMATURO

Mortalidade neonatal e perinatal mais baixa tem sido alcançada em países desenvolvidos, seguindo-se avanços de cuidados perinatais, introdução de alta tecnologia e melhor conhecimento de fisiopatologia de neonatos recém-nascidos. Outros fatores contribuintes são: organização nos cuidados da sala de parto com técnicas de ressuscitação com pessoas treinadas, bem como identificação do risco e transporte eficiente do lactente doente, incluindo a transferência in utero do feto. Não se pode afirmar que resultados similares possam ser obtidos em países em desenvolvimento, onde os recursos financeiros e humanos são graves problemas.

Com recursos limitados é preciso priorizar os cuidados neonatais nos países em desenvolvimento. Deve ser feita coleta de dados perinatais mínimos para definir os problemas de cada país individualmente. Isso é crucial para monitorizar, auditar, avaliar e planejar o cuidado de saúde perinatal do país. A definição e terminologia em perinatologia deve também ser uniforme e estandardizadas para estudos comparativos. Os pediatras devem ser bem treinados em ressuscitação e estabilização de recém-nascidos lactentes, principalmente prematuros. A ressuscitação deve ser iniciada na sala de parto, sendo esse o melhor caminho para diminuir as complicações de morbidade de nascimentos com asfixia. Infecção nosocomial tem sido a principal causa de morte neonatal, sendo de importância capital a prevenção nos berçários. O profissional responsável pelo berçário deve prestar atenção especial no uso de equipamentos esterilizados, isolamento de bebês infectados e procedimentos assépticos. Os pediatras devem evitar o uso indiscriminado de antibióticos. A lavagem de mãos é o procedimento mais importante antes de examinar o bebê, sendo obrigatório e deveria ser obedecido sem restrições. Outras medidas simples incluem o aquecimento dos aparelhos para a manutenção da temperatura corpórea de bebês prematuros, monitorização da glicose sanguínea e esteroides antenatais para partos prematuros. Em países onde a icterícia neonatal é permanente, o manejo efetivo para prevenir kernicterus é essencial. Aparelhos de ventilação assistidos simples como CPAP é extremamente útil.11 A nutrição parenteral total precoce realizada nas primeiras duas horas de vida extrauterina tem sido aconselhada no recém-nascido de muito baixo peso. Estudo recente mostrou que a ingesta agressiva de aminoácidos pode ser tolerada normalmente após o nascimento, propiciando um balanço nitrogenado positivo e ingesta calórica mais adequada. Estudos em humanos e em animais verificaram que períodos de subnutrição podem resultar em déficit irreversível no crescimento cerebral.12

O uso precoce de cafeína pode ajudar a diminuir o dano cerebral provocado por episódios de bradicardia e queda da saturação ao aumentar a atividade cortical cerebral, estimulando a neurogênese no cérebro do lactente prematuro e diminuindo o dano neurológico.13

 

PROFILAXIA PRIMARIA E INTERVENÇÃO PRIMARIA, SECUNDARIA E TERCIARIA PARA REDUZIR A MORBIDADE E MORTALIDADE DO NASCIMENTO PRÉ-TERMO

Prevenção primária preconcepcional

Existe uma percepção equivocada de que a melhoria no cuidado neonatal tenha resolvido todos os problemas de lactentes prematuros, entretanto, é muito importante informar ao público os fatores de risco potencialmente evitáveis. Um dos exemplos mais marcantes é o aumento da evidência de que a manipulação uterina repetida (curetagem uterina ou biopsia endometrial) está associada a risco aumentado de nascimento pré-termo.14 As políticas adotadas pelo governo ou pelos médicos podem exercer efeito imediato na redução da prematuridade. Nos Estados Unidos, políticas dirigidas para a redução da gravidez múltipla limitando a inserção de embrioes transferidos alcançou notável êxito nos Estados Unidos, com queda em torno de 50% da gravidez múltipla entre 1966 e 2003.

Os países europeus têm adotado medidas públicas de forte impacto na redução da prematuridade. Exemplos de políticas que protegem as mulheres grávidas são: tempo livre para visitas pré-natais, troca de trabalhos noturnos por diurnos e proteção contra locais de trabalho perigosos que coloquem em risco a saúde da gestante. Os resultados dessa política foram apresentados no EUROPOP (programa europeu de riscos ocupacionais e resultado de gravidez), tendo sido detectado que as mulheres que ultrapassavam 42 horas semanais de trabalho tinham mais risco de parto prematuro.15

Um outro resultado de grande significado nesse estudo foi a constatação de que as grávidas que trabalhavam mais de seis horas na posição em pé em relação à posição sentada tinham mais chance de terem parto prematuro.

Prevenção primária durante a gravidez

As estratégias de prevenção primária são dirigidas a todas as mulheres grávidas e incluem screening para selecionar tratamentos apropriados a fim de se evitar nascimentos prematuros.

A administração de cálcio não diminui as taxas de pré-eclâmpsia e a suplementação de calorias e proteínas durante a gravidez não foi benéfica quando investigada em estudos controlados.16

Revisão da Cochrane relatou que os programas antitabagismo na gravidez reduziram sucessivamente a incidência de partos prematuros.17,18

A melhor assistência no pré-natal tem sido postulada como uma das ações para reduzir o nascimento prematuro. O acesso precoce ao cuidado pré-natal não influenciou a taxa de nascimento pré-termo em mulheres arroladas em um estudo de técnicas de diagnóstico precoce no primeiro trimestre de gestação. Pesquisas europeias têm enfatizado que o cuidado pré-natal na prevenção de riscos durante a gravidez com suporte financeiro e social, como tem ocorrido na França, é essencial para reduzir o parto prematuro. O cuidado periodontal tem sido visto como uma intervenção para reduzir as taxas de nascimento prematuro, embora os estudos randomizados não tenham confirmado, em mulheres tratadas, redução da prematuridade nesse universo.19

O screening para mulheres com baixo risco visa ao diagnóstico e tratamento da bacteriúria assintomática e da infecção urinária, que são fatores de risco reconhecidamente relacionados ao parto prematuro. A maioria dos fatores de risco clássicos, incluindo nascimento pré-termo prévio, tem baixa sensibilidade. Goldenberg et al. relataram que a idade gestacional dos nascimentos pré-termos prévios foram os fatores mais fortemente ligados ao risco de nascimento pré-termo espontâneo em gestações simples.20

Outro fator de grande discussão atualmente é o papel da colonização e da infecção genital na gênese do parto prematuro. Sabe-se que os antibióticos não reduzem o risco de parto pré-termo. O tratamento de Ureaplasma urealyticum, estreptococo do grupo B e trichomonas vaginalis não reduzem o parto prematuro e podem aumentar o risco no caso de tratamento de trichomonas.

O screening rotineiro e o tratamento de mulheres com vaginose bacteriana têm sido exaustivamente estudados e, embora o tratamento com antibióticos erradiquem a bactéria, as metanálises e revisões mostraram que não houve redução do parto prematuro em mulheres de baixo risco.21

Intervenções secundárias e terciárias para mulheres com risco imediato para nascimento prematuro

É muito importante a transferência da gestante para um hospital equipado para atendimento a recém-nascido de alto risco em um sistema regionalizado que permita o treinamento da equipe médica que atenderá o prematuro. Essa prática está associada à melhoria de resultado no atendimento aos pré-termos.

É recomendado tratamento antibiótico a todas as mulheres grávidas com parto prematuro, para prevenir infecção neonatal por estreptococo do grupo B. A incidência de infecção por estreptococo B tem declinado desde que essa estratégia foi adotada nos Estados Unidos.22

Administração antenatal de corticosteroide para a mae reduz a morbidade e a mortalidade de doença respiratória aguda, hemorragia intraventricular, enterocolite necrosante e ducto arterial patente.23

Mortalidade e sequelas do nascimento pré-termo da infância à fase adulta

A incidência de lactentes pré-termos que nascem entre 32 e 36 semanas é cinco vezes mais alta que os nascimentos pré-termo de 34 semanas. São chamados atualmente de prematuros tardios. Desde 1981 tem havido aumento de 31% na taxa de prematuridade nos Estados Unidos, sendo que 2/3 são prematuros tardios. Quando comparados com recém-nascidos a termo, esses prematuros tardios apresentam alta taxa de doença respiratória, instabilidade de temperatura, apneia, hipoglicemia, convulsões, icterícia, kernicterus, dificuldades de alimentação, leucomalácia periventricular e re-hospitalizações.24

Lactentes com muito baixo peso

Com o aumento do uso precoce de corticoide antenatal, ventilação assistida e surfactante, além da melhoria da prática nas UTIs, assistiu-se a significativo aumento na sobrevivência dos prematuros de extremo baixo peso a partir da metade da década de 90. Estudo sueco comparando duas populações, sendo uma com manejo proativo e outra com manejo expectante, mostrou nítida vantagem na sobrevivência, sem aumento na morbidade neonatal.24

Vários autores têm mostrado benefícios da regionalização de cuidados intensivos sobre a mortalidade e morbidade de lactentes pré-termo. A regionalização compreende: o transporte de lactentes doentes de hospitais da comunidade para centros de atendimento terciário e transferência de maes com alto risco de parto prematuro para hospitais com atendimento terciário neonatal.23

As sequelas mais comuns no desenvolvimento neuropsicomotor nos primeiros anos de vida são: paralisia cerebral, retardo mental e prejuízos neurossensoriais (déficit visual e de audição). Lactentes pré-termos têm também alta prevalência de disfunção neuromotora e coordenação precária. Mesmo lactentes com inteligência normal podem apresentar dificuldades motoras finas e grosseiras. A paralisia cerebral não tem alterado sua prevalência ao longo dos tempos. Saigal et al.23 enfatizaram que 72% dos adolescentes com peso ao nascimento abaixo de 750 g, 53% com peso entre 750 e 1.000 g e 13% de controles com peso normal mostraram dificuldades escolares. Os sobreviventes de extremo baixo peso possuem altas taxas de disfunção em outras áreas cognitivas, déficit de atenção, hiperatividade, progresso acadêmico e função executiva, que se reflete na sua interação social. Déficits similares na função executiva e em Matemática têm sido relatados em lactentes que nasceram com peso abaixo de 750 g. A despeito das altas taxas de desabilidades e problemas comportamentais e educacionais encontrados durante o crescimento desses lactentes com extremo baixo peso, a maioria dos adultos jovens exibiu melhor recuperação na adaptação social e emocional do que havia sido predito para eles.24

A combinação de algumas práticas utilizadas nas UTIs pode levar a efeitos adversos nos recém-nascidos de muito baixo peso, podendo ser um dos múltiplos fatores associados a resultados anormais no desenvolvimento neuropsicomotor, particularmente se existirem condições predisponentes durante a vida intrauterina.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os avanços médicos e técnicos nas unidades neonatais contribuíram para o aumento da sobrevida de crianças prematuras e com baixo peso, mas também aumentou a sua morbidade. Melhores práticas de assistência à gestante durante pré-natal e parto associadas a medidas educacionais em saúde para prevenção de parto prematuro são fatores primordiais e determinantes na incidência e morbimortalidade desses recém-nascidos.

São necessárias, na prevenção de partos prematuros, medidas profiláticas como a orientação ao desencorajamento do fumo na gestação, políticas públicas direcionadas à capacitação dos profissionais da atenção básica e a implementação de sistema regionalizado na abordagem das gestações com risco de prematuridade.

A assistência ao prematuro deve ser realizada de forma adequada e sistematizada, a fim de minimizar os danos em seu desenvolvimento neuropsicomotor.

Portanto, com as melhores práticas em perinatologia, que começa com a melhora de qualidade no atendimento perinatal, é possível vislumbrar diminuição da morbidade desses recém-nascidos.

 

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