RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 22. 4

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Educação Médica

Influência da tecnologia médica

Medical technology influence

Renato Assunçao Rodrigues da Silva Maciel

Patologista do Laboratório Hugo Silviano Brandao. Professor Titular de Patologia do Curso de Medicina da Faculdade de Saúde e Ecologia Humana-FASEH

Endereço para correspondência

Renato Assunçao R Silva Maciel
Rua Pernambuco, 514/701 Bairro: Funcionários
CEP: 30130 -150 Belo Horizonte, MG - Brasil
E-mail: renatoarsm@gmail.com

Recebido em: 03/09/2012
Aprovado em: 15/11/2012

Resumo

A tecnologia é sempre bem-vinda, pois constitui instrumento indispensável para contornar as limitações frente ao adoecer. Contudo, seu benefício será concreto se utilizada de forma racional, criteriosa, em prol do paciente e de forma ética e moral. Para tanto, as escolas médicas devem contribuir formando profissionais competentes, éticos, humanos e compromissados com as bases que norteiam o melhor exercício profissional.

Palavras-chave: Gestao de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde; Tecnologia Biomédica; Informática Médica; Ciência, Tecnologia e Sociedade.

 

INTRODUÇÃO

No último século, e especialmente nos últimos 30 anos, houve uma explosão na área tecnológica com impacto direto na Medicina e no exercício profissional do médico. Nas áreas preventiva, diagnóstica e terapêutica surgiram inúmeras tecnologias eficientes que aumentaram muito a capacidade resolutiva da ciência médica, com óbvio impacto nos indicadores de morbidade e mortalidade, tornando rotineiras condutas que há pouco tempo podiam ser consideradas peças de ficção.

Relacionar aqui todos esses avanços seria fastidioso, porém, correndo o risco de óbvias omissões, podem-se citar: os grandes progressos na indústria farmacêutica, a tecnologia do desenvolvimento de vacinas e a revolução na cirurgia, tais como procedimentos via vídeo, endoscópicos e por cateteres. Novas técnicas de diagnóstico por imagem permitem a detecção de lesões incipientes em órgaos antes indevassáveis. A biologia molecular permite agora diagnósticos etiológicos e classificações há pouco tempo impensáveis. A lembrar ainda, as técnicas genéticas, os transplantes, a inserção de próteses, a robótica, a telemedicina, entre outros.

Essa explosão de conhecimentos, a miríade de novos procedimentos colocados à disposição do médico, o tempo relativamente curto em que ocorreram tais mudanças e a democratização do acesso à informação a partir da revolução virtual trouxeram óbvios reflexos, com forte impacto na práxis médica.

 

IMPACTO DO DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO SOBRE A PRATICA MÉDICA

Várias são as repercussões que o desenvolvimento tecnológico trouxe sobre a prática médica. Incitou a substituição do antigo generalista, pela profusão de especialistas e subespecialistas, fato inevitável ditado pela impossibilidade óbvia de um indivíduo dominar todo esse universo de conhecimentos e habilidades. Esse fenômeno, se de um lado propiciou a otimização do emprego da tecnologia em favor da saúde, por outro fragmentou o médico, que muitas vezes se tornou mero técnico, alheio a postulados básicos para o correto exercício profissional.

Outro reflexo decisivo do desenvolvimento tecnológico tem a ver com o financiamento da saúde. A tecnologia custa caro e sempre surgem novos insumos e procedimentos a pressionar, em escala de mercado, seu uso na rotina diagnóstica e terapêutica. Por exemplo, o lançamento de novos e onerosos medicamentos, muitos de caráter experimental, impostos pelo Poder Judiciário a fornecimento compulsório pelo serviço público de saúde. E quanto às técnicas sofisticadas e de última geração na área da propedêutica, acessíveis a uma ínfima parcela da população? Como democratizar seu uso por planos de saúde e pelo SUS? Quem pagará a fatura? Os custos nessa área crescem em "bola de neve" e, talvez, no futuro próximo, atinjam a inviabilidade econômica caso não se desenvolva política apropriada para o uso da tecnologia de forma racional e adequada, o que só assim permitirá a compatibilização da técnica e da ética.

Não há como tais fatos não gerarem outro impacto colossal, desta vez na seara ética. O Conselho Regional de Medicina (CRM) assegura aos pacientes os benefícios da tecnologia, ao proibir ao médico: deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente (art. 32); deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função de direção, as condições adequadas ao desempenho ético-profissional da Medicina (art. 19); permitir que interesses pecuniários do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento (art. 20)1; e autorizar, vetar, bem como modificar, quando na função de auditor ou de perito, procedimentos propedêuticos ou terapêuticos instituídos (art. 97).1

Em contrapartida, também proíbe: o exercício mercantilista da Medicina (art. 50); praticar ou indicar atos médicos desnecessários (art. 14); exceder-se no número de procedimentos (art. 35); aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-paciente para obter vantagem financeira (art. 40); e obter vantagem pela comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou implantes de qualquer natureza (art. 69).1

A fria letra do Código coloca os médicos, muitas vezes, frente a dilemas éticos e técnicos. A princípio, deve o profissional "usar de todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente". Porém, há inúmeras disposições administrativas que cerceiam esse seu direito e dever, centradas, obviamente, no imperativo econômico.

Pior: inúmeros profissionais se utilizam da prerrogativa tecnológica para auferir ganhos ilícitos, seja sob a forma de realização de procedimentos desnecessários, seja agindo em conluio com a indústria farmacêutica e de suprimentos. Haja vista o que ocorre atualmente na área de medicamentos de última geração e na de órteses e próteses, em que impera verdadeiro mercantilismo. Com o avanço tecnológico expôs-se de forma nua, crua e contundente a precária formação ética e moral de muitos médicos (extensão óbvia de nossa sociedade), reduzindo os dispositivos éticos à letra morta.

Esses desdobramentos deixam em xeque não apenas quem atua na área propedêutica e terapêutica, mas também os administradores de instituições médicas, os gestores de saúde pública e privada e os auditores e peritos.

 

IMPACTO DO DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO SOBRE O ENSINO MÉDICO

Diante dessas considerações, é necessário entender como a tecnologia influencia o ensino médico.

Mais que nunca se impoe às escolas médicas reflexoes críticas e estratégias pedagógicas, visando lidar com essa grande mudança. É delas e das Residências Médicas a principal responsabilidade de formar o profissional que estará no epicentro da questao tecnológica. Essa formação não pode prescindir-se de caráter holístico e responsável, que deve contemplar vários pré-requisitos.

Sem parecer pretensioso ou simplista ao extremo, pode-se elencar alguns pilares fundamentais nesse sentido:

valorizar o estudo das disciplinas básicas, pois somente sólida formação científica capacitará o futuro médico a lidar com as constantes novidades, realizar contínua atualização e ter visão crítica no uso da tecnologia;

rigor no ensino profissionalizante, reforçando no aluno o conhecimento das técnicas básicas de diagnóstico e tratamento e desenvolvendo espírito crítico frente às vantagens, limitações e contraindicações das novas tecnologias;

valorizar o ensino da Ética centrado no exemplo diuturno, em todos os níveis;

reforçar a ação humanística que deve balizar o exercício profissional, sempre dentro dos conceitos bioéticos da beneficência e da não maleficência;

reforçar o papel do médico como cidadao, agente transformador da sociedade, gerador e transmissor de cultura;

reabilitar as avaliações de mérito, indispensáveis na promoção do aluno e com papel de feed-back fundamental no processo ensino-aprendizagem, avaliações ignoradas e menosprezadas pela maioria das instituições de ensino, em que se tornaram verdadeiras peças de "faz-de-conta";

priorizar o desenvolvimento da relação médico-paciente, base de todo sucesso (ou falha) do exercício profissional médico, pilar no qual se reúnem elementos de natureza técnica, ética e humanística para a decisão do que e como fazer.

 

CONCLUSÃO

A tecnologia é sempre bem-vinda, pois constitui instrumento indispensável para contornar as limitações frente ao adoecer. Contudo, seu benefício somente será concreto se utilizada de forma racional, criteriosa, sempre em prol do paciente e de forma ética e moral. Para tanto, as escolas médicas devem contribuir formando profissionais competentes, éticos, humanos e compromissados com as bases que norteiam o melhor exercício profissional.

 

REFERENCIA

1. Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Brasília, DF: CFM; 2009. [Citado em 2012 jun 10]. Disponível em: www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2009/1931_2009.htm