RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 22. 4

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Educação Médica

Ensino médico na graduação, faculdade futurista (pós-moderna; contemporânea)

Medical teaching in graduation, futuristic college (post- modern; contemporaneous)

Alcino Lázaro da Silva

Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG
Av. Alfredo Balena, 190 Bairro: Santa Efigênia
CEP: 30130-100 Belo Horizonte, MG - Brasil

Recebido em: 03/05/2012
Aprovado em: 15/11/2012

Instituiçao: Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

As áreas básicas, as disciplinas optativas, as disciplinas formadoras integrando-se às áreas clínicas fundamentais por um tronco indispensável vao ao encontro do problem médico (o paciente), resultando uma relação médico-paciente sólida e indissociável.

Palavras-chave: Educação Médica; Educação de Graduação em Medicina; Escolas Médicas; Currículo; Formação de Recursos Humanos; Relações Médico-Paciente.

 

INTRODUÇÃO

A Faculdade de Medicina brasileira vive momento histórico de transformação importante. Deixou o clássico. Não o tradicionalizou. Reformou o seu currículo, sem preparo prévio do docente, fugindo de uma unidade ou um denominador comum nacional.

 

INFORMAÇÃO

O professor não pode ter dificuldade no exercício da docência a partir do momento em que entende a necessidade de desdobrar os seus conhecimentos e experiências. Na graduação, trabalhar com o geral e com princípios básicos; na residência e na pós-graduação, com o que tem de mais forte e profundo que são os seus conhecimentos especializados.

O mundo contemporâneo, ou pós-moderno, no entanto, gerou um sistema de informática (a ciência e a prática de organização e tratamento da informação) ágil, conciso e objetivo. Qualquer pessoa, tendo à sua disposição o meio, informa-se sobre o que pretende, com rapidez que espanta aos que vivem em descompasso com os novos recursos. Um jovem, hoje, fechado no seu quarto, isolado do seu ambiente e do mundo, domina-o facilmente, se no seu quarto instalar-se a Internet. Tudo o que quer saber, lá está. Basta acionar o comando.

Diante dessa realidade, a informação dada pelo professor é atávica, desatualizada, incompleta e insuficiente. Dê ao estudante o tema e a palavra-chave. A resposta virá com todas as informações e com todos os últimos conhecimentos sobre o tema.

Há, no entanto, um requisito vital a esse sistema de informação: a base sólida para colocar em prática e incorporar os dados coletados. Essa base se obtém, na graduação, com o professor e os livros que tratam da estrutura fundamental dos conhecimentos.

O que é fundamental?

o requisito (reciclagem de conceitos biológicos e relacionamento humano cultural, ambiental e etiqueta);

a forma (Biomorfologia, Histologia, Embriologia, Genética);

a função (Fisiologia, Fisicoquímica, Farmacologia);

a etiologia (Microbiologia, Parasitologia, Virologia, Imunologia).

São as raízes do conhecimento básico:

a identificação (semântica ou semiologia);

o raciocínio (fisiopatologia);

a comprovação (Patologia e Anatomia Patológica, Ontoética Humana, Medicina-Legal);

o paciente como um todo (problema médico).

São o tronco:

o diagnóstico (Clínica Médica, Pediatria, Saúde Mental, Saúde Coletiva ou ações de saúde);

o ato ou a terapêutica (Cirurgia Geral, Ginecologia, Obstetrícia, Urgência).

São os galhos:

o conhecimento clínico básico, mais sob forma de Internato.

As três partes compõem a árvore do ensino médico indispensável. São obrigatórias (Figura 1).

 


Figura 1 - Árvore estilizada do ensino médico.

 

Entre os pilares da formação do médico ela se destaca, sem fragmentos, pois o corpo é indivisível como a pessoa examinada.

Esses dados à luz da Fisiopatologia, da Anatomia Patológica, da Medicina-Legal, requintados por ações ontoéticas humanas e de saúde coletiva, fazem vínculo perfeito entre o treinamento inicial na clínica e as cadeiras básicas.

 

COMO CARACTERIZAR A DISCIPLINA FISIOPATOLÓGICA

Estimulando o raciocínio e a reflexão. Estes vêm do entendimento e da discussão conjunta (grupos de discussão, painéis, sessões anatomoclínicas...) sobre os aspectos morfoetiológicos, semânticos, patogênicos, anatomopatológicos e clínicos.

Sobre o fundamental, reclamam-se várias áreas que suprem, acrescentam ou enriquecem os conhecimentos fundamentais. São as disciplinas optativas e livres, representadas pelas raízes adventícias, ou a quarta parte da árvore.

Raízes adventícias circundam o tronco e a copa para lhes dar sustentação. Nelas se incluem todas as disciplinas que vão completar o conhecimento individual (cada um terá a sua preferência particular). São disciplinas optativas, oferecidas a todos os alunos, em qualquer período ou ano, desde que não haja requisito indispensável. O elenco será variado e inumerável. Dependerá do objetivo do curso de graduação, da capacidade da escola, do número e qualidade de professores e da qualidade e preferência dos alunos. Carga horária e crédito são pontos de importância secundária. Podem ter, no entanto, a forma e a dinâmica que a matéria exige: curso, tópico, simpósio, exercício prático-oral, reflexões sobre filosofia, erudição, religião, educação... As optativas livres são disciplinas destinadas a aumentar a flexibilização do curso. O aluno, orientado, irá buscá-las fora da Faculdade ou da Universidade, no sentido de enriquecer sua ânsia de melhor se formar.

Pode-se criar, também, mais fonte de aprendizado. As raízes contrafortes ou a quinta parte da árvore. Se o aluno é bem aquinhoado, sedento de conhecimentos mais profundos e tem garra, poderá desenvolver mais estudos nessas raízes. Elas se aplicam mais às áreas fundamentais. Podem ser optativas livres (Figura 2).

 


Figura 2 - Toda a ação durante o curso devera ter um só objetivo: fazer do problema médico (paciente) uma relação estreita de toques e cuidado.

 

Ao lado do currículo mínimo (nuclear) poderá haver duas possibilidades. Discussão com o orientador sobre a necessidade de cumprir rigorosamente o currículo proposto ou acrescentar ou modificar disciplinas que ele julgue necessário à formação do aluno. O Colegiado apreciará as propostas para adequar à exigência administrativa competente.

Com isso ficam informados: o aluno de porte intelectual mediano, o de nível superior e o extraordinário ou superdotado. Teríamos, então, todos os médicos aptos para o exercício clínico no sistema de saúde para atender ao prevalente, ao comum e ao simples. Daqueles, teríamos moços mais bem-informados para seguirem na residência, na pós-graduação senso estrito e nos voos mais altos do conhecimento médico.

E o paciente? Coloca-se nessa composição como o sujeito-alvo do esforço de todos. O que ele, realmente, nos pede? A resolução de seus problemas. Problemas sempre decorrentes de desordens físicas, mentais, espirituais e afetivas.

Não adianta somente informar. Resolver-se-ia pequena parte da demanda dos pacientes. Às outras necessidades só se atende com a formação do médico. O médico dotado de conhecimentos técnicos (currículo), morais, éticos, bioéticos, filosóficos, religiosos e humanísticos (Figura 3).

 


Figura 3 - A informação e a formação (referências) devem convergir para a transformação de um jovem em médico.

 

FORMAÇÃO

Não se entende a existência de um médico dotado de todas as qualidades técnicas e científicas, mas desprovido de sentido humanitário. Neste, ele caminha em busca mais de uma atitude de carinho, cuidado e toque físico do que da aplicação do mais requintado método propedêutico ou terapêutico.

Quando se trata de um ato médico, a técnica é cumprida a rigor e o resultado é excelente. A Internet resolve esse problema. Ocorre que o sujeito da ação, além de corpo, tem sensibilidade, afeição, mente e alma. Essas características do ser humano não se satisfazem com a máquina. Locupletam-se, isto sim, com o toque físico do médico, sua palavra, seu cavalheirismo, sua lhaneza, sua atenção, seu carinho, sua bondade, seu desprendimento, sua disponibilidade e até, se me permitem, com sua caridade e postura sacerdotal.

São qualidades adquiridas em três fontes: no berço paterno; no exemplo de superiores que são espelhos humanos; e na convivência. O berço já está estabelecido. Pode ser burilado. O exemplo se obtém na enfermaria, no ambulatório, no laboratório e nas salas de aula e operatória.

A convivência exige três ramos indispensáveis: entre colegas, entre alunos-professores e entre alunos-pacientes.

Onde os dois primeiros poderiam participar, usufruir e incorporar as qualidades para o exercício pleno da Medicina, ou seja, o técnico e o humanista?

Num centro de convivência (Figura 4).

 


Figura 4 - No centro de convivência as disciplinas de humanidades é que farão a transformação.

 

O curso de Medicina, então, teria a seguinte estrutura:

cadeiras básicas;

um tronco obrigatório contendo, e muito! Semântica (Semiologia), Anatomia Patológica, Ontoética, Medicina-Legal, Fisiopatologia, problemas médicos e disciplinas formadoras;

os galhos com Clínica Médica, Pediatria, Saúde Mental, Cirurgia, Trauma, Ginecologia, Obstetrícia e Ações de Saúde;

galhos adventícios e raízes contrafortes, em escolha livre por parte dos alunos;

o resto, o longo tempo, será reservado, à convivência clínica, ética, moral, humanística, social... (Figura 4).

Qualquer escola, por mais simples que seja, pode dedicar parte de seus recursos e de sua área para um centro de convivência onde aluno e professor tenham tempo para aprender, discutir ou sentir o aspecto mais nobre do médico, que é a atitude no relacionamento humano. A técnica não propicia essa oportunidade. A língua portuguesa, a literatura, a poesia, a arte plástica, a arte cênica, a música, a história, a filosofia, a religião, a partilha, o esporte, outra língua... dão aos convivas o desafio para crescerem no holicismo. Essa visão global nos levaria para o transcendente, a imaginação, a criação e a heurística.

Há que se reservar horário para esse investimento intelectual e espiritual. Ele será retirado da corrida maluca em busca de créditos e de disciplinas que assoberbam os alunos e os fazem mais tecnocratas. As disciplinas, quanto mais desdobradas e mais profundas, mais insaciáveis se tornam. O aluno é o alvo porque tem campo fértil, está por conta, é crédulo, é receptivo e incorpora tudo com facilidade.

É preciso haver tempo de sobra, ocioso, sem disciplinas, sem créditos, sem avaliações, para que o aluno possa conviver, pensar, refletir, discutir e fazer lazer no ambiente da Faculdade

No centro de convivência não haveria ciência pura. Haveria ciência aplicada. O requinte seria o culto à oportunidade para conversar, ouvir, sobretudo, e raciocinar sobre os desafios do comportamento humano entre pacientes e médicos.

Esse tempo precioso, retirado das salas de aula, das demonstrações de experiências e de conhecimentos, às vezes numa autoafirmação sem conta, será transferido para o aluno e professor para que, juntos no ambulatório e na enfermaria, possam ouvir, examinar, observar e acompanhar o seu paciente. Sem horário. Sem correrias. Sem interrupções para cumprir escalas de aulas que nada acrescentam ao exercício da atitude, mas, repito, impõem ciência e conhecimento num só sentido. Do professor para o aluno. Nunca o contrário. Muito menos para o paciente.

Desse exercício nasce a convivência. A realizada a três, aluno-professor-paciente, ou a dois, aluno-paciente, nos intervalos em que o professor não pode ser definido e enquadrado. Não pode, no entanto, ser limitado ou contido quando se trata de formar uma consciência que maneja um ser humano. Exerce-se, antes da técnica, a humanização das atitudes. Antes do eficaz uso da máquina, o esquadrinhamento da Ontoética. A ética do ser. O ser humano, vive, sente, adoece, carece, solicita, espera o resultado no atendimento, que não foge à regra da atitude sempre superior ao ato. Este se exerce facilmente com consenso pleno, se aquela é bem-dirigida, bem-aplicada e bem-aceita pelo ser humano. É a ética do ser.

A avaliação é feita pelo professor que observa o desempenho e o progresso do aluno na formação e na atitude. A avaliação é feita, sobretudo, pelo paciente, que passa a reconhecer no aluno um aliado, um amigo, um prosélito. A avaliação inicia-se com um ponto positivo e sem retorno quando o paciente inicia o reconhecimento do aluno pelo seu nome. Está estabelecido o pacto ou o contrato feito.

Daí em diante, a ciência poderá ser imposta sem limites, até para obterem-se o diagnóstico e a terapêutica.