ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Ensino médico na graduação, faculdade futurista (pós-moderna; contemporânea)
Medical teaching in graduation, futuristic college (post- modern; contemporaneous)
Alcino Lázaro da Silva
Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Endereço para correspondênciaDepartamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG
Av. Alfredo Balena, 190
Recebido em: 03/05/2012
Aprovado em: 15/11/2012
Instituiçao: Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
As áreas básicas, as disciplinas optativas, as disciplinas formadoras integrando-se às áreas clínicas fundamentais por um tronco indispensável vao ao encontro do problem médico (o paciente), resultando uma relação médico-paciente sólida e indissociável.
Palavras-chave: Educação Médica; Educação de Graduação em Medicina; Escolas Médicas; Currículo; Formação de Recursos Humanos; Relações Médico-Paciente.
INTRODUÇÃO
A Faculdade de Medicina brasileira vive momento histórico de transformação importante. Deixou o clássico. Não o tradicionalizou. Reformou o seu currículo, sem preparo prévio do docente, fugindo de uma unidade ou um denominador comum nacional.
INFORMAÇÃO
O professor não pode ter dificuldade no exercício da docência a partir do momento em que entende a necessidade de desdobrar os seus conhecimentos e experiências. Na graduação, trabalhar com o geral e com princípios básicos; na residência e na pós-graduação, com o que tem de mais forte e profundo que são os seus conhecimentos especializados.
O mundo contemporâneo, ou pós-moderno, no entanto, gerou um sistema de informática (a ciência e a prática de organização e tratamento da informação) ágil, conciso e objetivo. Qualquer pessoa, tendo à sua disposição o meio, informa-se sobre o que pretende, com rapidez que espanta aos que vivem em descompasso com os novos recursos. Um jovem, hoje, fechado no seu quarto, isolado do seu ambiente e do mundo, domina-o facilmente, se no seu quarto instalar-se a Internet. Tudo o que quer saber, lá está. Basta acionar o comando.
Diante dessa realidade, a informação dada pelo professor é atávica, desatualizada, incompleta e insuficiente. Dê ao estudante o tema e a palavra-chave. A resposta virá com todas as informações e com todos os últimos conhecimentos sobre o tema.
Há, no entanto, um requisito vital a esse sistema de informação: a base sólida para colocar em prática e incorporar os dados coletados. Essa base se obtém, na graduação, com o professor e os livros que tratam da estrutura fundamental dos conhecimentos.
O que é fundamental?
o requisito (reciclagem de conceitos biológicos e relacionamento humano cultural, ambiental e etiqueta);
a forma (Biomorfologia, Histologia, Embriologia, Genética);
a função (Fisiologia, Fisicoquímica, Farmacologia);
a etiologia (Microbiologia, Parasitologia, Virologia, Imunologia).
São as raízes do conhecimento básico:
a identificação (semântica ou semiologia);
o raciocínio (fisiopatologia);
a comprovação (Patologia e Anatomia Patológica, Ontoética Humana, Medicina-Legal);
o paciente como um todo (problema médico).
São o tronco:
o diagnóstico (Clínica Médica, Pediatria, Saúde Mental, Saúde Coletiva ou ações de saúde);
o ato ou a terapêutica (Cirurgia Geral, Ginecologia, Obstetrícia, Urgência).
São os galhos:
o conhecimento clínico básico, mais sob forma de Internato.
As três partes compõem a árvore do ensino médico indispensável. São obrigatórias (Figura 1).
Entre os pilares da formação do médico ela se destaca, sem fragmentos, pois o corpo é indivisível como a pessoa examinada.
Esses dados à luz da Fisiopatologia, da Anatomia Patológica, da Medicina-Legal, requintados por ações ontoéticas humanas e de saúde coletiva, fazem vínculo perfeito entre o treinamento inicial na clínica e as cadeiras básicas.
COMO CARACTERIZAR A DISCIPLINA FISIOPATOLÓGICA
Estimulando o raciocínio e a reflexão. Estes vêm do entendimento e da discussão conjunta (grupos de discussão, painéis, sessões anatomoclínicas...) sobre os aspectos morfoetiológicos, semânticos, patogênicos, anatomopatológicos e clínicos.
Sobre o fundamental, reclamam-se várias áreas que suprem, acrescentam ou enriquecem os conhecimentos fundamentais. São as disciplinas optativas e livres, representadas pelas raízes adventícias, ou a quarta parte da árvore.
Raízes adventícias circundam o tronco e a copa para lhes dar sustentação. Nelas se incluem todas as disciplinas que vão completar o conhecimento individual (cada um terá a sua preferência particular). São disciplinas optativas, oferecidas a todos os alunos, em qualquer período ou ano, desde que não haja requisito indispensável. O elenco será variado e inumerável. Dependerá do objetivo do curso de graduação, da capacidade da escola, do número e qualidade de professores e da qualidade e preferência dos alunos. Carga horária e crédito são pontos de importância secundária. Podem ter, no entanto, a forma e a dinâmica que a matéria exige: curso, tópico, simpósio, exercício prático-oral, reflexões sobre filosofia, erudição, religião, educação... As optativas livres são disciplinas destinadas a aumentar a flexibilização do curso. O aluno, orientado, irá buscá-las fora da Faculdade ou da Universidade, no sentido de enriquecer sua ânsia de melhor se formar.
Pode-se criar, também, mais fonte de aprendizado. As raízes contrafortes ou a quinta parte da árvore. Se o aluno é bem aquinhoado, sedento de conhecimentos mais profundos e tem garra, poderá desenvolver mais estudos nessas raízes. Elas se aplicam mais às áreas fundamentais. Podem ser optativas livres (Figura 2).
Ao lado do currículo mínimo (nuclear) poderá haver duas possibilidades. Discussão com o orientador sobre a necessidade de cumprir rigorosamente o currículo proposto ou acrescentar ou modificar disciplinas que ele julgue necessário à formação do aluno. O Colegiado apreciará as propostas para adequar à exigência administrativa competente.
Com isso ficam informados: o aluno de porte intelectual mediano, o de nível superior e o extraordinário ou superdotado. Teríamos, então, todos os médicos aptos para o exercício clínico no sistema de saúde para atender ao prevalente, ao comum e ao simples. Daqueles, teríamos moços mais bem-informados para seguirem na residência, na pós-graduação senso estrito e nos voos mais altos do conhecimento médico.
E o paciente? Coloca-se nessa composição como o sujeito-alvo do esforço de todos. O que ele, realmente, nos pede? A resolução de seus problemas. Problemas sempre decorrentes de desordens físicas, mentais, espirituais e afetivas.
Não adianta somente informar. Resolver-se-ia pequena parte da demanda dos pacientes. Às outras necessidades só se atende com a formação do médico. O médico dotado de conhecimentos técnicos (currículo), morais, éticos, bioéticos, filosóficos, religiosos e humanísticos (Figura 3).
FORMAÇÃO
Não se entende a existência de um médico dotado de todas as qualidades técnicas e científicas, mas desprovido de sentido humanitário. Neste, ele caminha em busca mais de uma atitude de carinho, cuidado e toque físico do que da aplicação do mais requintado método propedêutico ou terapêutico.
Quando se trata de um ato médico, a técnica é cumprida a rigor e o resultado é excelente. A Internet resolve esse problema. Ocorre que o sujeito da ação, além de corpo, tem sensibilidade, afeição, mente e alma. Essas características do ser humano não se satisfazem com a máquina. Locupletam-se, isto sim, com o toque físico do médico, sua palavra, seu cavalheirismo, sua lhaneza, sua atenção, seu carinho, sua bondade, seu desprendimento, sua disponibilidade e até, se me permitem, com sua caridade e postura sacerdotal.
São qualidades adquiridas em três fontes: no berço paterno; no exemplo de superiores que são espelhos humanos; e na convivência. O berço já está estabelecido. Pode ser burilado. O exemplo se obtém na enfermaria, no ambulatório, no laboratório e nas salas de aula e operatória.
A convivência exige três ramos indispensáveis: entre colegas, entre alunos-professores e entre alunos-pacientes.
Onde os dois primeiros poderiam participar, usufruir e incorporar as qualidades para o exercício pleno da Medicina, ou seja, o técnico e o humanista?
Num centro de convivência (Figura 4).
O curso de Medicina, então, teria a seguinte estrutura:
cadeiras básicas;
um tronco obrigatório contendo, e muito! Semântica (Semiologia), Anatomia Patológica, Ontoética, Medicina-Legal, Fisiopatologia, problemas médicos e disciplinas formadoras;
os galhos com Clínica Médica, Pediatria, Saúde Mental, Cirurgia, Trauma, Ginecologia, Obstetrícia e Ações de Saúde;
galhos adventícios e raízes contrafortes, em escolha livre por parte dos alunos;
o resto, o longo tempo, será reservado, à convivência clínica, ética, moral, humanística, social... (Figura 4).
Qualquer escola, por mais simples que seja, pode dedicar parte de seus recursos e de sua área para um centro de convivência onde aluno e professor tenham tempo para aprender, discutir ou sentir o aspecto mais nobre do médico, que é a atitude no relacionamento humano. A técnica não propicia essa oportunidade. A língua portuguesa, a literatura, a poesia, a arte plástica, a arte cênica, a música, a história, a filosofia, a religião, a partilha, o esporte, outra língua... dão aos convivas o desafio para crescerem no holicismo. Essa visão global nos levaria para o transcendente, a imaginação, a criação e a heurística.
Há que se reservar horário para esse investimento intelectual e espiritual. Ele será retirado da corrida maluca em busca de créditos e de disciplinas que assoberbam os alunos e os fazem mais tecnocratas. As disciplinas, quanto mais desdobradas e mais profundas, mais insaciáveis se tornam. O aluno é o alvo porque tem campo fértil, está por conta, é crédulo, é receptivo e incorpora tudo com facilidade.
É preciso haver tempo de sobra, ocioso, sem disciplinas, sem créditos, sem avaliações, para que o aluno possa conviver, pensar, refletir, discutir e fazer lazer no ambiente da Faculdade
No centro de convivência não haveria ciência pura. Haveria ciência aplicada. O requinte seria o culto à oportunidade para conversar, ouvir, sobretudo, e raciocinar sobre os desafios do comportamento humano entre pacientes e médicos.
Esse tempo precioso, retirado das salas de aula, das demonstrações de experiências e de conhecimentos, às vezes numa autoafirmação sem conta, será transferido para o aluno e professor para que, juntos no ambulatório e na enfermaria, possam ouvir, examinar, observar e acompanhar o seu paciente. Sem horário. Sem correrias. Sem interrupções para cumprir escalas de aulas que nada acrescentam ao exercício da atitude, mas, repito, impõem ciência e conhecimento num só sentido. Do professor para o aluno. Nunca o contrário. Muito menos para o paciente.
Desse exercício nasce a convivência. A realizada a três, aluno-professor-paciente, ou a dois, aluno-paciente, nos intervalos em que o professor não pode ser definido e enquadrado. Não pode, no entanto, ser limitado ou contido quando se trata de formar uma consciência que maneja um ser humano. Exerce-se, antes da técnica, a humanização das atitudes. Antes do eficaz uso da máquina, o esquadrinhamento da Ontoética. A ética do ser. O ser humano, vive, sente, adoece, carece, solicita, espera o resultado no atendimento, que não foge à regra da atitude sempre superior ao ato. Este se exerce facilmente com consenso pleno, se aquela é bem-dirigida, bem-aplicada e bem-aceita pelo ser humano. É a ética do ser.
A avaliação é feita pelo professor que observa o desempenho e o progresso do aluno na formação e na atitude. A avaliação é feita, sobretudo, pelo paciente, que passa a reconhecer no aluno um aliado, um amigo, um prosélito. A avaliação inicia-se com um ponto positivo e sem retorno quando o paciente inicia o reconhecimento do aluno pelo seu nome. Está estabelecido o pacto ou o contrato feito.
Daí em diante, a ciência poderá ser imposta sem limites, até para obterem-se o diagnóstico e a terapêutica.
Copyright 2024 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License