ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Obstrução e perfuração jejunal e ileal por cálculos advindos de fístula colecistoduodenal: relato de caso
Jejunal and ileal obstruction and perforation by calculus from cholecysto-duodenal fistula: case report
Leonardo Lucas de Oliveira1; Giuliano Silva dos Anjos2; Thiago Silva Ramos3; Milene Lopes Frota4; Clayton Vieira Marques Soares4
1. Cirurgiao Geral do Hospital Municipal Odilon Behrens. Belo Horizonte, MG -Brasil
2. Residente - R3 de Cirurgia do Trauma do Hospital Municipal Odilon Behrens. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Residente - R2 de Cirurgia Geral do Hospital Municipal Odilon Behrens. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Acadêmico do Curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana-FASEH. Vespasiano, MG - Brasil
Clayton Vieira Marques Soares
Rua Marquês de Maricá nº 106 / apto. 26 Bairro: Santo Antônio
CEP: 30350 - 070 Belo Horizonte, MG - Brasil
E-mail: cvmsoares@yahoo.com.br
Recebido em: 17/09/2012
Aprovado em: 25/10/2012
Instituiçao: Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Municipal Odilon Behrens Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: íleo biliar é complicação de colecistopatia calculosa devido à comunicação anormal entre a via biliar e o trato gastrintestinal, com migração de um ou mais cálculos de grandes dimensões para os segmentos intestinais. Esse cálculo segue o trajeto intestinal até encontrar um ponto a partir do qual não consegue mais progredir, provocando obstrução. É mais comum a colecistite aguda ser complicada com fístula colecistoduodenal com migração de cálculo maior que 2 cm para o delgado e sua impactação na válvula ileocecal e obstrução intestinal. É mais prevalente em idosos, acometendo quatro mulheres para cada homem e de mortalidade elevada especialmente pela faixa etária acometida e pelo diagnóstico difícil e tardio.
RELATO DE CASO: 57 anos, feminino, com abdome agudo decorrente de colecistite aguda complicada com fístula colecistoduodenal e impactação de dois cálculos biliares com cerca de 3 cm em jejuno e íleo, seguida de obstrução intestinal e perfuração de ambos os segmentos de delgado. Foi realizada enterectomia segmentar de jejuno, retirada dos cálculos por propulsão manual retrógrada, anastomose primária, desbridamento e rafia da perfuração ileal.
CONCLUSÃO: o diagnóstico precoce do íleo biliar é relevante, pois se associa a altas taxas de morbidade e mortalidade, sendo seu tratamento eminentemente cirúrgico.
Palavras-chave: Colecistite/complicações; Obstrução Intestinal; Ileo/cirurgia; Cálculos Biliares/complicações; Abdome Agudo.
INTRODUÇÃO
Ileo biliar é importante, apesar de rara causa de obstrução intestinal mecânica, afetando principalmente idosos que apresentam outras comorbidades significativas. A média de idade é de 70 anos, com preponderância feminina.1 É causado pela passagem de um cálculo através de uma fístula colecistoentérica proveniente de colecistite aguda com perfuração da vesícula biliar para uma víscera adjacente.2 Essa rara complicação ocorre em menos de 0,5% dos pacientes com co-lelitíase, sendo responsável por aproximadamente 1 a 4% de todos os casos de obstrução mecânica. Porém, nos maiores de 65 anos de idade pode ser responsável por até 25% das obstruções não estranguladas do intestino.3,4 As manifestações clínicas são de abdome agudo obstrutivo, com: dor, náuseas, vômitos e distensão abdominal. A sintomatologia inespecífica torna o diagnóstico de íleo biliar dificilmente realizado no pré-operatório, ocasionando atraso na sua abordagem.5 A radiografia simples de abdome pode sugerir íleo biliar, mas a tomografia computadorizada pode obter melhor visualização, evidenciando a tríade clássica de Rigler: alças intestinais distendidas, pneumobilia e cálculo biliar ectópico.6 A escolha do procedimento cirúrgico depende da gravidade da síndrome obstrutiva e comor-bidades associadas e da experiência do cirurgiao e do tipo de suporte oferecido no local.7 Este artigo descreve um caso de íleo biliar diagnosticado no pré-operatório por meio da tomografia computadorizada de abdome e cirurgicamente tratado com enterectomia para a retirada dos cálculos e abordagem das perfurações intestinais. Não foi realizada abordagem da fístula colecisto-duodenal e colecistectomia no primeiro momento, em função das condições clínicas da paciente.
RELATO DE CASO
Paciente feminino, 57 anos, procurou serviço de urgência com dor abdominal difusa, mais intensa em andar superior do abdome e à direita, com quatro dias de evolução, associada a vômitos e distensão abdominal. Episódios anteriores de dor em hipocôndrio direito desde 2009, quando foi diagnosticada colecistolitíase. A ultrassonografia (US) abdominal de 2009 evidenciou dois cálculos em vesícula biliar com 3,2 cm e 2,8 cm, respectivamente. Antecedente de hipertensão arterial sistêmica e câncer de mama à esquerda tratado em 2004. Nega cirurgias abdominais prévias.
A admissão apresentava-se desidratada, hipo-corada, taquicárdica, abdome distendido de forma moderada, dor difusa à palpação mais importante à direita e sinal de Murphy positivo.
A US abdominal interrogou colecistopatia calculosa e íleo secundário, com distensão de alças intestinais prejudicando o exame. A tomografia computadorizada de abdome e pelve evidenciou dilatação difusa de delgado, imagem sugestiva de ar na vesícula biliar (pneumobilia) e ponto de obstrução a cerca de 50 cm da válvula ileo-cecal, com distensão de delgado à montante (Figura 1).
Após reposição volêmica e exames iniciais, foi submetida à laparotomia exploradora médio-umbilical, sob anestesia geral. Administrada antibioticoterapia com amoxicilina e clavulanato. Foram observados durante o ato cirúrgico: fístula colecistoduodenal bloqueada, moderada quantidade de secreção purulenta na cavidade e dois cálculos no delgado com cerca de 3 cm de comprimento por 1,5 cm de diâmetro cada. Um dos cálculos foi localizado a cerca de 50 cm da válvula ileocecal, com distensão intestinal à montante, e outro a aproximadamente um metro do ângulo duodeno jejunal. Constataram-se também pequena perfuração de íleo na borda mesentérica e duas outras perfurações em segmento de jejuno (Figura 2).
Realizada enterectomia segmentar de jejuno envolvendo as perfurações, propulsão retrógrada dos cálculos e retirada dos mesmos (Figura 3). Procedeu-se à anastomose jejuno-jejunal término-terminal em plano único com pontos simples de seda 3.0, seguido de desbridamento de pequena perfuração de íleo e rafia com pontos simples de seda 3.0.
Evoluiu de maneira favorável, sem queixas álgicas e com melhora clínica progressiva. Apresentou íleo pós-operatório com vômitos e intolerância à dieta oral, com melhora com medicações de suporte. Recebeu alta hospitalar no 7º. dia de internação, com plena recuperação. Retornou após uma semana em bom estado geral, tolerando bem dieta e sem complicações. No segundo retorno, após 30 dias, mantinha boa evolução. Foi iniciado preparo pré-operatório para programação da colecistectomia.
DISCUSSÃO
Os locais mais comuns de obstrução intestinal pelo cálculo biliar são: íleo terminal (73%), íleo proximal ou jejuno (14%), duodeno (5%) e cólon (8%). Em 16% dos casos, mais de um cálculo está envolvido. O tipo de fístula mais frequentemente encontrada é a colecistoduodenal, seguido pela colecistocolônica e colecistoduodenocolônica.8 Esse relato evidenciou fístula colecistoduodenal com local de impactação em íleo terminal a cerca de 50 cm da válvula e impac-tação de dois cálculos biliares, situação rara, ainda mais com o envolvimento de jejuno.
Ao contrário do que ocorre na maioria dos casos vistos na literatura, em que somente 50% dos pacientes são diagnosticados com íleo biliar no pré-operatório, neste caso abordado houve diagnóstico anterior à cirurgia.5 Isso foi devido à presença de alguns sinais sugestivos encontrados na tomografia computadorizada, como: pneumobilia, dilatação de delgado e um ponto de obstrução próximo da válvula ileocecal. Esses sinais são descritos como a tríade clássica de Rigler, sendo considerados suficientes para estabelecer diagnóstico de íleo biliar quando são encontrados dois desses três sinais.9
O tamanho do cálculo se faz importante na apresentação da obstrução intestinal pelo íleo biliar. Na maioria das vezes possui tamanho maior que 2,5 cm, o que corrobora os achados deste estudo, em que foram encontrados dois cálculos de cerca de 3 cm cada.10
O tratamento do íleo biliar é controverso. Podem ser realizadas enterolitotomia, colecistecto-mia e reparação da fístula colecistoentérica em mesmo ato cirúrgico ou a enterolitotomia isolada num primeiro momento.3
Os procedimentos realizados em mesmo ato são preferíveis em pacientes com baixo risco operatório. Esse tipo de abordagem previne episódios de colecistite, colangite e carcinoma de vesícula biliar.9 A colecistectomia, entretanto, não protege todos os pacientes da recorrência de íleo biliar, uma vez que os cálculos do ducto biliar comum podem migrar distalmente e produzir obstrução intestinal. Além disso, os cálculos negligenciados, dentro do intestino, podem gerar obstruções repetidas.
A enterolitotomia isolada é preferível em pacientes de alto risco cirúrgico ou que apresentam importantes aderências ou processo inflamatório em vigência. Esse procedimento possui como vantagem a rápida correção da obstrução intestinal e reduzida taxa de mortalidade (11,7%) quando comparada com a abordagem feita em apenas um tempo. Entretanto, o paciente pode persistir com sintomatologia biliar e apresentar alto risco de recorrência de obstruções.4,9
Neste trabalho, optou-se pela enterectomia isolada com retirada dos cálculos num primeiro momento, a fim de promover a desobstrução intestinal, evitando tempo cirúrgico prolongado que pudesse agravar as condições clínicas da paciente.
CONCLUSÃO
O Ileo biliar deve ser sempre lembrado como diagnóstico diferencial da obstrução intestinal em pacientes com faixa etária avançada que apresentem comorbidades associadas. Embora os achados clínicos não sejam específicos, o diagnóstico pode ser identificado pela tríade de Rigler à tomografia computadorizada. O princípio do tratamento consiste na remoção do cálculo para reversão da obstrução intestinal. A co-lecistectomia e correção das fístulas podem ser realizadas em mesmo ato cirúrgico que a enterolitotomia ou em tempos diferentes. Entretanto, sabe-se que essa escolha é guiada pela experiência do cirurgiao e principalmente pela estratificação de risco do paciente.
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