ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Dor em idosos hospitalizados com comprometimento osteomuscular
Pain in hospitalized elders with musculoskeletical dysfunction
Célia Maria de Oliveira1; Daclé Vilma de Carvalho2; Selme Silqueira de Matos2; Sônia Maria Soares3; José Augusto Malheiros4; Aluizio Augusto Arantes Jr5
1. Enfermeira. Doutoranda da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais - EEUFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Enfermeira. Professora Adjunta da EEUFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Enfermeira. Professora Associada da EEUFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Médico. Doutorando da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
5. Médico. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
José Augusto Malheiros
E-mail: zeugusto@globo.com
Recebido em: 07/03/2012
Aprovado em: 10/07/2012
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte, MG - Brasil.
Resumo
O processo de envelhecimento está comumente relacionado à alta incidência de alterações osteomusculares, que levam a alto nível de dependência e são acompanhados por dor.
OBJETIVO: analisar e descrever aspectos relacionados à dor em idosos internados em hospital de grande porte com alterações osteomusculares.
MÉTODO: estudo descritivo, quantitativo, realizado com 108 pacientes com alterações osteomusculares, internados em unidade de clínica médica de hospital geral de grande porte de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
RESULTADOS: as fraturas foram as principais causas de dor, seguidas pelas metástases ósseas e doenças degenerativas. Evidenciou-se alta prevalência de dor aguda, classificada como forte a pior dor imaginável, no grupo das fraturas e metástases ósseas. A combinação de medidas farmacológicas, como administração de analgésicos e não farmacológicas, como a aplicação de compressas e trocas de curativos, foi a que mais aliviou a dor dos idosos. A assistência médica e a assistência de enfermagem foram descritas como agravantes da dor pela manipulação indevida e não planejada.
CONCLUSÃO: a atenção médica e os cuidados de enfermagem devem ser individualizados e planejados de modo a obter conforto e alívio da dor aguda nos pacientes hospitalizados.
Palavras-chave: Dor; Dor Aguda; Idoso; Saúde do Idoso; Pacientes Internados.
INTRODUÇÃO
Um dos fenômenos de mais impacto na humanidade é o envelhecimento da população mundial e o aumento de esperança de vida.1 Até o final deste século, a expectativa de vida da população terá aumentado 20 anos. A longevidade, juntamente com a queda da natalidade, ocasiona progressivo e significativo envelhecimento da população mundial.2
A expectativa média de vida, no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3, elevou-se em 3,3 anos entre 1980 e 2003. Em 1998 era de 69,66 anos e em 2008 passou para 72,86 anos. Com o avançar da idade, aumenta a taxa de prevalência de doenças crônicas4. Em 20093, 9,3% dos indivíduos com idade até 14 anos apresentavam doenças crônicas, enquanto 69,3 e 80,2% dos homens e mulheres idosos, respectivamente, possuíam doenças crônicas. Estima-se que em 2020 essas doenças serao a quarta causa de incapacidade entre idosos.6
O aumento na incidência de doenças incapacitantes resulta em dependência e estas são agravadas pelas queixas de dor.7
A dor pode ser manifestação de doença grave e ter repercussões funcionais e psicossociais significativas, como anormalidades do sono e do apetite, redução da movimentação, imobilismo, restrições das atividades de vida diária, alterações do estado de humor, da libido e depressão.8
A alta prevalência de dor em idosos associa-se a desordens crônicas e degenerativas, particularmente as doenças musculoesqueléticas, como artrites e osteoporose. Além disso, o aumento da prevalência de câncer, a história de intervenções cirúrgicas, úlceras de pressão e as doenças cardiovasculares contribuem para o aumento das queixas de dor nesse grupo etário.9
A queixa de dor é duas vezes mais comum entre pessoas com mais de 60 anos de idade do que nas com menos.10 A dor em idosos é problema de saúde pública, necessita ser avaliada e devidamente tratada pelos profissionais de saúde no intuito de minimizar a morbidade e melhorar a qualidade de vida, notadamente em ambiente hospitalar.11
OBJETIVO
Analisar e descrever aspectos relacionados à dor em idosos hospitalizados com alterações osteomusculares.
MÉTODO
Trata-se de estudo descritivo, exploratório, desenvolvido no setor de Clínica Médica, de hospital geral, de grande porte, de Belo Horizonte, Minas Gerais - Brasil.
Nos setores de clínica médica do hospital havia 586 pessoas internadas. Dessas, 189 (32,3%) tinham 60 anos ou mais, consideradas idosas segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) para países em desenvolvimento.
Participaram do estudo pacientes de ambos os sexos, internados pelo serviço de ortopedia devido a alterações osteomusculares, com relato de dor e sem comprometimento cognitivo. Com base no Miniexame do Estado Mental (MEEM) proposto por Folstein et al2 foram considerados sem déficit cognitivo os indivíduos que apresentavam escores entre 24 e 30. Diante desses critérios, a amostra do estudo foi constituída por 108 (57,0%) pacientes.
O estudo foi realizado após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição campo do estudo, protocolo n0 253/08, e a assinatura pelo paciente no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os dados foram coletados por uma enfermeira e duas acadêmicas de enfermagem. Foi respeitada a Resolução 196/96 do CSN que regulamenta as pesquisas com seres humanos.
A coleta dos dados foi realizada em prontuários para caracterizar a população quanto ao sexo, à idade e aos acometimentos osteomusculares. Foi realizada entrevista com o paciente para avaliar características da dor. Para avaliação da intensidade da dor foi aplicada verbalmente a Escala Numérica13,14 com os seguintes intervalos: 0 - ausência de dor; 1 a 3 dor leve; 4 a 6 dor moderada; 7 a 9 dor forte; e 10, a pior dor imaginável.
Os dados foram tratados com base em estatística descritiva.
RESULTADOS
A população idosa internada no hospital, campo do estudo, representou 32,3% do total de pessoas internadas em unidade de clínica médico-cirúrgica. Suas características estao apresentadas na Tabela 1.
Em 52,8% dos idosos do sexo feminino a idade variou de 60 a 89 anos, sendo que 47% estavam na faixa etária de 60 a 70 anos.
As causas de comprometimentos osteomusculares em idosos estao discriminadas na Figura 1.
Entre os comprometimentos osteomusculares, as fraturas representaram mais ocorrência (21,3%) e o segundo comprometimento mais frequente foi a metástase óssea (12,1%). A osteoartrose foi diagnosticada em 7,5% dos pacientes.
A classificação da dor quanto ao tipo, intensidade e características está apresentada na Figura 2.
Neste estudo, a dor crônica foi definida como evolução por mais de três meses7,8 e foi observada em 36,1% da população estudada. A dor foi classificada por 67,6% dos pacientes como forte ou pior dor imaginável, sendo que 62,0% a descreveram como em pontada e 23,1% em choque. Para os demais pacientes (14,8%) a dor apresentou forma diversificada como queimação, ardência, comprimindo, tipo câimbra. Na Tabela 2 estao discriminadas as maneiras utilizadas pelos pacientes para expressar a dor de acordo com o sexo.
Os fatores relacionados pelos pacientes à piora da dor estao apresentados na Tabela 3.
Entre os pacientes do estudo, 21,3% mencionaram o transporte como fator de piora da dor. A movimentação no leito ou para locomoção foi o fator que mais agravou a dor (57,4%) dos pacientes idosos com problemas osteomusculares.
Os fatores que promovem a melhora da dor, de acordo com a opiniao dos pacientes, estao apresentados na Tabela 4.
O fator de melhora da dor, citado pelo mais alto número de pacientes, foi administração de medicamentos analgésicos. Os demais fatores referem-se a ações ou procedimentos de enfermagem como execução de curativos e aplicações quentes.
DISCUSSÃO
No Brasil, os idosos tendem a consumir mais serviços de saúde, apresentando taxas de internação hospitalar mais elevadas do que as observadas em outros grupos etários.16
O percentual da população idosa estudada internada (32,3%) foi semelhante ao encontrado por Brito6 em hospitais públicos de São Paulo (31,8%) e por Motta17 (31,8%) no Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 2001. Embora se verifique, em diferentes momentos e contextos, que o percentual de internação de pessoas idosas praticamente não variou.
A maioria dos idosos era do sexo feminino (52,8%), com idade entre 60 e 89 anos, sendo que 47% estavam na faixa etária de 60 a 70 anos. Os homens internam com mais frequência em relação às mulheres, por utilizarem menos os serviços de atenção primária e secundária à saúde. Por esse motivo, na faixa etária acima de 80 anos, observa-se predomínio feminino em decorrência da maior expectativa de vida das mulheres.17,18 Neste estudo, houve predomínio de internação de mulheres na faixa etária abaixo e acima dos 80 anos de idade.
As causas de comprometimentos osteomusculares em idosos são diversas10,14,19, sendo que as fraturas representaram mais ocorrência, o que pode estar relacionada ao envelhecimento dos órgaos e sistemas, deterioração funcional, diminuição do metabolismo ósseo e da massa muscular.1 O equilíbrio e a marcha dependem de complexa interação entre as funções nervosas, osteomusculares, cardiovasculares e sensoriais, além da capacidade de adaptação rápida às mudanças ambientais e posturais. Com o envelhecimento, o controle do equilíbrio se altera causando instabilidade na marcha, o que, associado à interação de vários fatores ambientais e do próprio indivíduo, pode resultar em quedas,20,4 fraturas e perda da capacidade funcional.
Pacientes com câncer avançado manifestam múltiplas dores, sendo 67% causados pela doença e 25% resultantes do seu tratamento.21 O risco de desenvolver câncer aumenta drasticamente com a idade e cerca de 80,0% dos doentes idosos com câncer têm dor substancial, causada principalmente por metástases ósseas.10,21 A segunda causa de dor apurada neste estudo foi a provocada por metástase óssea seguida pela osteoartrose. As doenças articulares degenerativas, como osteoartrose ou osteoartrite, são formas comuns da doença articular. De modo geral, após os 30 e 35 anos, 50% das pessoas apresentarao alterações articulares degenerativas que predispoem à osteoartrose e, após a quinta década de vida, elas estarao presentes em quase toda a população.22 As artropatias produzem dores em repouso à palpação ou à mobilização e podem associar-se a sinais inflamatórios como edema, calor, rubor e derrame. A evolução crônica de tais sinais inflamatórios resulta em rigidez, perda da mobilidade, deformidade, amiotrofia e dor.23
Embora não haja cura para a osteoartrose, a definição de um protocolo terapêutico para cada paciente pode prevenir ou corrigir problemas da morfologia, aliviar os sintomas, melhorar a capacidade funcional e, fundamentalmente, a qualidade de vida.20
A dor crônica definida neste estudo, como duração de mais de três meses de evolução7,8 foi registrada em 36,1% da população estudada. A mais alta frequência da dor aguda (63,9%) pode estar relacionada às fraturas e metástases ósseas. A dor em idosos é, na maioria das vezes, caracterizada como constante, de intensidade moderada a intensa.24 Neste estudo, ela foi classificada em 67,6% das vezes como forte ou pior dor imaginável. A dor foi descrita pela maioria dos pacientes como em pontada e a seguir como em choque, em queimação, ardência, comprimindo, tipo câimbra, que são manifestações de dor nociceptiva e dor neuropática. O reconhecimento da natureza multidimensional da dor levou ao acentuado interesse na compreensão das diferenças individuais que podem influenciar o processamento da informação dolorosa, permitindo que se considerasse o sexo como potencial variável envolvida.11 Segundo Andrade11, os homens e as mulheres lidam de modo diferente com o estresse e a dor pode, certamente, ser definida como agente estressor. Os homens mostram-se inclinados25 a usar estratégias ativas de enfrentamento da dor11, à diferença das mulheres que tendem a usar estratégias centralizadas na emoção e a buscar suporte emocional e a culpar-se por elas. Os resultados deste estudo confirmam esses dados, pois a agressividade (66,0%) e inquietação (59,3%) foram mais expressivas entre homens e o choro (82,6%) entre as mulheres. A subjetividade da experiência dolorosa implica que as crenças do indivíduo, bem como as suas estratégias de enfrentamento, podem contribuir para a manutenção, exacerbação ou atenuação da percepção da dor ou do comportamento expresso em resposta à dor. Contudo, as diferenças de enfrentamento entre homens e mulheres devem ser analisadas com cautela.11
Durante a internação, os pacientes estao sujeitos a várias situações e fatores que podem influenciar na piora ou melhora da dor. É comum que idosos com comprometimentos osteomusculares submetam-se a procedimentos que exigem movimentação e provocam ou agravam sua dor. A movimentação no leito, cuidado fundamental para a prevenção de úlceras por pressão, problemas circulatórios, entre outros, foi citada por elevado número de pacientes (36,1%) como fator de piora da dor. Alguns cuidados como banho de aspersão, realização de exames ou tratamentos em outros setores exige locomoção do paciente que mesmo sendo realizada em cadeira de rodas ou maca provoca ou intensifica a dor. Neste estudo a movimentação no leito ou para locomoção foi o fator que mais agravou a dor (57,4%). A realização de procedimentos médicos e os cuidados de enfermagem podem exacerbar a dor, já que exigem movimentação passiva ou ativa do paciente, o que potencializa os estímulos dolorosos. Por isto, é importante que os profissionais envolvidos na realização desses procedimentos estejam atentos para a utilização de recursos terapêuticos que podem minimizar a dor física, tais como a massagem local, técnicas de relaxamento e até mesmo o toque terapêutico. Essas tecnologias leves de cuidado têm uso reduzido na atenção hospitalar, apesar dos avanços nessa área de conhecimento. A organização, planejamento do cuidado e disponibilização de recursos tecnológicos de diferentes modalidades são essenciais para minimizar a dor durante a assistência.
O fator responsável pela melhora da dor, citado por representativo número de pacientes, foi a administração de medicamentos analgésicos. É importante destacar que no ambiente hospitalar as intervenções para promover o conforto e a segurança do paciente, ou seja, modalidades de cuidado não farmacológicas, que deveriam estar registradas como iniciativas primordiais para diminuição dos estímulos de dor, ainda são pouco referenciadas pela equipe. É possível que a primeira intervenção de cuidado aos idosos com dor seja a administração de analgésicos em vez de outros recursos terapêuticos não farmacológicos.
Esses achados reforçam a necessidade de combinar modalidades de tratamento (farmacológico e não farmacológico) para obtenção de efeito sinérgico. Entretanto, outros estudos são necessários para determinar as ações ou cuidados mais eficazes no manejo da dor persistente em adultos idosos.
CONCLUSÕES
A análise dos aspectos relacionados à dor em idosos com alterações osteomusculares acrescentou dados para o manejo da dor em ambiente intra-hospitalar. A combinação de medidas farmacológicas, como administração de analgésicos e não farmacológicas, a aplicação de compressas e trocas de curativos, foi a que mais aliviou a dor dos pacientes idosos. Por outro lado, a assistência médica e de enfermagem podem exacerbar a dor e devem ser planejadas e individualizadas.
Torna-se essencial que a avaliação de dor em pessoas idosas seja ampla e aprofundada, no intuito de compreender a sua origem e magnitude e implementar medidas de tratamento voltadas para as necessidades dessa população.
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