ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Anestesia para suprarrenalectomia em pacientes com feocromocitoma bilateral: relato de dois casos e considerações sobre o tema
Anesthesia for adrenalectomy in patients with bilateral pheochromocytoma: a two-case report and remarks on the topic
Eduardo de Castro Azevedo1; Núbia Campos Faria Isoni2; Vinícius Caldeira Quintao3; Carlos Alexandre de Freitas Trindade4; Natália Lima Duarte5
1. ME2 do Serviço de Anestesiologia do CET/SBA Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Instrutora do Serviço de Anestesiologia do CET/SBA Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Anestesiologista do Serviço de Anestesiologia do CET/SBA Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Anestesiologista do Serviço de Anestesiologia do CET/SBA Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
5. ME3 do Serviço de Anestesiologia do CET/SBA Santa Casa de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG - Brasil
Núbia Campos Faria Isoni
Rua Pedra Bonita, 576, apto 401 Bairro: Prado
CEP: 30411-216 Belo Horizonte, MG - Brasil
E-mail: nubiafaria@globo.com
Instituiçao: Hospital Júlia Kubitschek Fundaçao Hospitalar de Minas Gerais Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
O feocromocitoma é um tumor raro, sendo sua incidência estimada em um a dois casos por 100.000 adultos. Ocorrem em aproximadamente 0,1% da população hipertensa, sendo importante causa de hipertensão arterial grave corrigível. O tratamento cirúrgico, com retirada total de todos os focos de tecido tumoral, constitui-se no único tratamento definitivo do feocromocitoma e pode ser realizado por via aberta ou videolaparoscópica. O preparo pré-operatório é realizado com o objetivo de tratar a hipertensão arterial, evitar a ocorrência de paroxismos e de corrigir uma eventual hipovolemia. Se isso não for feito, os pacientes correm o risco de desenvolver hipotensão importante e mesmo choque hipovolêmico após a retirada do tumor e consequente desaparecimento da vasoconstrição. Durante o procedimento cirúrgico, seja ele aberto ou laparoscópico, a pressão arterial média, a pressão venosa central, o ritmo e a frequência cardíaca devem ser continuamente monitorizados. As reações hipertensivas que acontecem, inevitavelmente, durante o manuseio cirúrgico do tumor devem ser tratadas com a infusão endovenosa de drogas de ação imediata, como o alfa-bloqueador adrenérgico fentolamina ou o vasodilatador de ação direta, nitroprussiato de sódio. Taquicardia e arritmias devem ser tratadas com a administração endovenosa de beta-bloqueadores. A administração de volume, principalmente após a retirada do tumor, deve ser efetuada quando os níveis de pressão arterial média e de pressão venosa central, associados a parâmetros clínicos e laboratoriais, indicarem a existência de hipovolemia. A maioria dos pacientes com hipotensão no pós-operatório responde bem à administração de volume, sendo raramente necessárias drogas vasoativas. Outra ocorrência possível, mas menos provável, nas primeiras 24 a 48 horas do pós-operatório é a hipoglicemia, sendo recomendado controle de glicemia capilar nas primeiras 48 horas do pós-operatório. O objetivo deste artigo é apresentar dois casos de ressecção de feocromocitoma realizados em nosso serviço e com diferentes evoluções e discutir os cuidados perioperatórios para esse tipo de cirurgia.
Palavras-chave: Feocromocitoma/cirurgia; Feocromocitoma/complicações; Hipertensão/cirurgia; Hipertensão/complicações; Anestesia; Complicações Intra-operatórias.
INTRODUÇÃO
A primeira remoção cirúrgica bem-sucedida de um feocromocitoma foi realizada nos EUA, em 1926, por Mayo, muitos anos após o registro de Fränkel ter removido um tumor como esse durante uma necrópsia em 1886. Até 1951, apenas 125 cirurgias para remoção de feocromocitomas haviam sido relatadas, incluindo 33 óbitos resultantes de grave hipertensão arterial durante a operação ou hipotensão grave após a ressecção. Ainda que não se conhecesse muito sobre essa doença, ficava claro que as cirurgias só se tornariam mais seguras quando fosse possível controlar as grandes variações da tensão arterial, o que acabou sendo possível com o uso clínico de drogas como a fentolamina e a noradrenalina. A importância dessas drogas ficou comprovada cinco anos mais tarde, em 1956, quando Priestley apresentava 61 casos operados sem mortalidade.1-3 O objetivo deste relato é apresentar dois casos de ressecção de feocromocitoma realizados em nosso serviço com diferentes evoluções e discutir os cuidados perioperatórios para esse tipo de cirurgia.
DESCRIÇÃO DO CASO
Apresenta-se o relato de caso de dois pacientes encaminhados para realização de suprarrenalectomia, sendo um do sexo feminino, com 38 anos, e outro do sexo masculino, com 31 anos. A primeira paciente apresentava ressonância nuclear magnética, mostrando volumosas massas nas suprarrenais, sem diagnóstico confirmado de feocromocitoma. E o segundo paciente possuía diagnóstico definitivo de feocromocitoma evidenciado por aumento de catecolaminas urinárias, além de asma brônquica. Ambos receberam bloqueadores alfa-adrenérgicos (Prazosin 2 mg de 12/12 h) no pré-operatório e indução anestésica foi feita com propofol 2 mg/kg, fentanil 5 mcg/kg, lidocaína 2 mg/kg e cisatracúrio 0,15 mg/kg. A anestesia foi mantida com remifentanil e sevoflurano. A indução anestésica de ambos foi feita sem intercorrências.
No primeiro caso, a abordagem cirúrgica foi videolaparoscópica e o segundo foi por laparotomia. Durante a manipulação das massas, ambos os pacientes apresentaram picos hipertensivos e taquicardia importantes, apesar de altas doses altas de remifentanil e sevoflurano. O primeiro procedimento (videolaparoscópico) teve controle hemodinâmico difícil. A paciente estava em uso de remifentanil 2 mcg/kg/min, sevoflurano 1,3 CAM, esmolol 300 mcg/kg/min, clonidina 150 mcg e nitroprussiato de sódio com doses ao redor de 2 mcg/kg/min. Como o tempo cirúrgico foi prolongado, a paciente evoluiu com sinais de taquifilaxia ao nitroprussiato de sódio e sinais de intoxicação por cianeto manifestada por acidose metabólica moderada, hiperlactemia e aumento de saturação venosa central.
Já o segundo paciente recebeu nitroprussiato de sódio em doses menores que 2 mcg/kg/min e verapamil (bolus único de 5 mg) com bom controle pressórico. Após a ressecção dos tumores, a primeira paciente evoluiu com hipotensão, sendo iniciada noradrenalina 0,1 mcg/kg/min com boa resposta. O segundo paciente foi extubado na sala, encaminhado ao CTI e evoluiu bem. Em decorrência das alterações metabólicas apresentadas pela primeira paciente, a equipe decidiu encaminhá-la intubada ao CTI e a extubação ocorreu no segundo dia de pós-operatório, com boa evolução clínica.
DISCUSSÃO
O feocromocitoma é um tumor raro, sendo sua incidência estimada em um a dois casos por 100.000 adultos. Ocorre em cerca de 0,1% da população hipertensa, sendo importante causa de hipertensão arterial grave corrigível.1 Atinge mais a população adulta, mas estima-se que em torno de 1/5 dos casos acometa as crianças, implicando uma situação particularmente grave e de elevada mortalidade. Acomete os dois sexos de igual forma e o pico de exacerbação clínica situa-se entre a terceira e a quarta décadas de vida.1-3
São tumores que se originam na medula adrenal ou ao longo da cadeia simpática paravertebral. Cerca de 90% desses tumores têm localização na medula das adrenais, mas 10% podem ser extraglandulares e, nesses casos, são denominados paragangliomas. Ainda que os paragangliomas possam ser encontrados ao longo do eixo paravertebral, que se estende da base do crânio à pelve, aproximadamente 95% deles situam-se no abdome, entre a origem da artéria mesentérica inferior e a bifurcação aórtica.1,2 Os feocromocitomas são tumores neuroendócrinos e suas células apresentam várias características citoquímicas semelhantes às de outros tumores endócrinos, derivados da crista neural, que integram o sistema amine precursor uptake and decarboxylation.1-3
Em sua maioria, são esporádicos e únicos, mas podem ser múltiplos e fazerem parte de uma síndrome bem mais complexa que envolve outras glândulas simultaneamente. Nos distúrbios familiares, sobretudo nas neoplasias endócrinas múltiplas 2A e 2B, os tumores são mais frequentemente bilaterais.4,5 Nesses casos, a catecolamina predominantemente secretada é a epinefrina e os paroxismos hipertensivos são frequentes.1,2,5 A maioria dos feocromocitomas é benigna, mas as características histológicas e bioquímicas não os distinguem dos tumores malignos, cujo diagnóstico baseia-se na invasão local ou na existência de metástases, que podem ocorrer muitos anos após a sua remoção. Feocromocitomas malignos são mais comuns em localizações extra-adrenais. As metástases são observadas geralmente nos ossos, principalmente no esqueleto axial, nódulos linfáticos, fígado e pulmoes. 4-6
Seus sinais e sintomas são em grande maioria consequência da excessiva secreção e liberação de catecolaminas na circulação. Os sinais e sintomas como cefaleia, palpitações, dispneia, tremores, sudorese profusa, perda de peso, dores abdominais e principalmente as crises hipertensivas paroxísticas geram a hipótese clínica. A tríade clássica, composta de cefaleia, sudorese profusa e palpitações, apresenta sensibilidade de 89% e especificidade de 67% no diagnóstico de feocromocitomas. As manifestações clínicas dos feocromocitomas são variadas, sendo a hipertensão arterial o distúrbio principal, que está presente em mais de 90% dos casos.7-9
A hipertensão pode se apresentar de forma intermitente ou sustentada. Os clássicos paroxismos hipertensivos podem ser precipitados por exercícios, estresse, defecação, micção, indução anestésica, exames radiológicos contrastados, palpação do abdome, dilatação uterina durante a evolução da gravidez, entre outras situações.9,10 Em raros casos são assintomáticos, sendo descobertos a partir da identificação acidental de uma massa na suprarrenal ou outras localizações, à ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética ou durante exploração cirúrgica.10 Tais massas, fortuitamente descobertas em procedimentos realizados para outras finalidades, são chamadas de "incidentalomas" e requerem avaliação laboratorial de sua funcionalidade. A elevação das catecolaminas e seus metabólitos na urina e plasma associados ao estudo por imagem reforçam o diagnóstico, que é confirmado pelo exame histopatológico.8-10
Feocromocitomas não tratados determinam mortalidade precoce por complicações renais, cardíacas, cerebrais e vasculares provocadas pela grave hipertensão, podendo ocorrer, inclusive, morte súbita durante um paroxismo. Feocromocitomas não operados têm mortalidade, em cinco anos, de aproximadamente 44%.11,12 Nos casos em que o tratamento cirúrgico curativo não é possível, o tratamento clínico pode reduzir o número de paroxismos e as lesões de órgaos-alvo com relativa melhora da expectativa de vida. Nos feocromocitomas malignos com metástases irressecáveis, além do controle anti-hipertensivo, impoem-se medidas como quimioterapia, embolização de tumores, radioterapia e analgesia (em casos de dor). O preparo clínico é de fundamental importância para o sucesso do tratamento cirúrgico.11,12
O tratamento cirúrgico é a conduta terapêutica definitiva. A remoção cirúrgica total do tumor é o tratamento ideal. Entretanto, tanto a anestesia quanto a própria cirurgia têm elevado potencial de complicações, exigindo preparação pré-operatória, assim como cuidados intensivos pré e pós-cirúrgicos.11,12 A equipe de anestesia deve escolher cuidadosamente os medicamentos a serem empregados.
Várias condutas perianestésicas são descritas no manejo dos pacientes submetidos à cirurgia, não havendo protocolos rígidos, já que as respostas hemodinâmicas variam de modo particular na maioria dos casos. As alterações cardiovasculares no perioperatório, mesmo com preparo prévio utilizando drogas bloqueadoras adrenérgicas, são o grande desafio para os anestesiologistas, exigindo monitorização hemodinâmica contínua, assim como drogas específicas prontamente disponíveis. Os antagonistas competitivos alfa, prostaglandinas E1, beta-bloqueadores, bloqueadores de canais de cálcio, agonistas dopaminérgicos, metirosina, vasodilatadores, aminas vasoativas e o íon magnésio são os agentes farmacológicos modernamente utilizados.12-15
CONSIDERAÇÕES CIRURGICAS
Em 1926, Charles Mayo e César Roux foram os primeiros a relatar a ressecção cirúrgica bem-sucedida de um feocromocitoma, mas durante décadas essa cirurgia apresentou altas taxas de morbimortalidade. A instabilidade hemodinâmica associada à liberação tumoral intraoperatória de catecolaminas e as técnicas cirúrgicas que implicavam grandes incisões, medianas ou toracoabdominais, condicionavam significativo número de complicações.
A incisão transperitoneal de Chevon tem sido classicamente utilizada para a abordagem dos feocromocitomas adrenais. Contudo, já há alguns anos tem aumentado a experiência da cirurgia laparoscópica.16-19 A introdução da técnica laparoscópica para o tratamento cirúrgico do feocromocitoma introduziu um método cirúrgico seguro e menos invasivo para o tratamento desse tumor. Assim, a aplicação da via laparoscópica era inicialmente vista com preocupação, pelas possíveis complicações cardiovasculares e instabilidade hemodinâmica perioperatórias relacionadas ao pneumoperitônio, que é induzido, e com as características da manipulação e dissecção do tumor por essa via. Atualmente, a cirurgia do feocromocitoma por via aberta, pelas claras desvantagens em relação à abordagem laparoscópica, cinge-se às raras situações em que a segunda está contraindicada. Assim, opta-se pela via aberta, sobretudo quando há suspeita de malignidade e em casos de tumores bilaterais ou paragangliomas, estes últimos pela sua elevada tendência à malignidade. Isso porque, nessas situações, podem existir múltiplos locais ou nódulos com invasão metastática e pode haver necessidade de exploração de todo o abdome ou de ressecção de estruturas adjacentes.19,20
A necessidade de realizar manobras cirúrgicas específicas, difíceis por via laparoscópica, ou sempre que surjam dificuldades técnicas que representem risco para a estabilidade do paciente, ainda conduz, em alguns casos, à conversão cirúrgica da via laparoscópica para a via aberta, terminando o procedimento com garantia de completa remoção da glândula e estabilidade intraoperatória.21 A crescente experiência dos cirurgioes no uso de técnicas laparoscópicas avançadas tem sido responsável pela diminuição das taxas de conversão cirúrgica, que passaram de 22% para 0 a 4%.
O tamanho do tumor produtor de catecolaminas, que pode ser ressecado por via laparoscópica com segurança, ainda se mantém uma área de controvérsia. Há estudos que defendem que, com o ganho de prática da equipe cirúrgica, tumores com mais de 6-10 cm e sem sinais de invasão local podem ser ressecados com segurança por via laparoscópica, sem alto número de complicações.20,21 No entanto, cada caso deve ser avaliado individualmente, tendo em consideração que, quanto maior for o tumor, maiores serao as dificuldades técnicas e o risco cirúrgico de fratura da cápsula tumoral e contaminação peritoneal.20,21
Em estudos recentes, o relato de complicações cirúrgicas varia entre 7 e 22% dos casos. Atualmente, os avanços do tratamento médico e cirúrgico condicionam a mortalidade perioperatória por feocromocitoma inferior a 5%. A abordagem laparoscópica em conjunto com o adequado manejo preoperatório reduz a mortalidade perioperatória para 2,4%. Esses valores, bastante inferiores aos que se registrava há algumas décadas, devem-se à preocupação em assegurar sempre adequada preparação médica pré-operatória, bom controle anestésico e cuidados cirúrgicos com a manipulação direta mínima da glândula e laqueação precoce dos pedículos vasculares.
Os pacientes submetidos à remoção total e precoce da neoplasia apresentam, em geral, remissão total dos sintomas e controle da hipertensão arterial. Muitos pacientes, entretanto, podem manter-se hipertensos em consequência da hipertrofia vascular remanescente ou alterações funcionais renais, necessitando de controle clínico. A hipertensão pode também ser causada pela presença de restos tumorais não removidos ou metástases.19-21
PREPARO PRÉ-OPERATORIO
O manejo pré-operatório deve ser multidisciplinar, sendo ideal que o paciente seja avaliado previamente ao procedimento por um cirurgiao, endocrinologista, cardiologista e anestesiologista.
O preparo pré-operatório dos pacientes com feocromocitoma é realizado com os objetivos de tratar a hipertensão arterial, evitar a ocorrência de paroxismos e corrigir eventual hipovolemia. Se isso não for feito, os pacientes correm o risco de desenvolver hipotensão importante e mesmo choque hipovolêmico após a retirada do tumor e consequente desaparecimento da vasoconstrição.21-23 Antes da otimização terapêutica pré-operatória esses pacientes estao hipertensos e com depleção de volume devido à vasocontrição sistêmica crônica. Os pacientes podem estar taquicárdicos, propensos a arritmias, hiperglicêmicos ou até mesmo terem desenvolvido cardiomiopatia induzida pela exposição crônica a catecolaminas.22-24
A avaliação pré-operatória deve incluir ECG, ecocardiograma para avaliação da função ventricular esquerda, hemograma completo para avaliar o hematócrito e a sua resposta à expansão do volume, além de glicemia, ureia, creatinina e eletrólitos como parte da investigação de lesão de órgaos secundária à hipertensão. A radiografia de tórax pode mostrar cardiomegalia ou edema pulmonar. 22-24
Objetivando otimização pré-operatória, os pacientes necessitam de controle anti-hipertensivo pelo menos 10-14 dias antes da cirurgia para reduzir a pressão arterial e permitir a expansão do volume de sangue. O alvo pressórico é a pressão arterial inferior a 130/80 mmHg, devendo a mesma ser avaliada também na posição sentada para descartar episódios de hipotensão postural secundárias à depleção de volume. A frequência cardíaca-alvo é de cerca de 60-70 bpm, devendo também ser avaliada em ortostatismo.23-25
Alguns autores recomendam a administração profilática de líquido parenteral (cristaloides) no pré-operatório, embora isso não seja praticado por todos. Acredita-se que a vasodilatação provocada pelo tratamento clínico, durante período mínimo de 10-15 dias antes da cirurgia, seja suficiente para corrigir a volemia de forma mais fisiológica. A administração rotineira e indiscriminada de cristaloides pode levar à sobrecarga hídrica, com consequências potencialmente letais para o paciente. Entretanto, a reposição volêmica com cristaloides deve ser dada para os pacientes que permanecerem com hipotensão postural e mantiverem hematócrito elevado a despeito do tratamento clínico. Todos os pacientes devem receber dieta rica em sal no período pré-operatório, com o objetivo de auxiliar na correção da volemia.24,25
Grande variedade de agentes anti-hipertensivos tem sido relatada como eficaz, mas ainda faltam estudos grandes, prospectivos e randomizados para definir qual seria a melhor medicação. A preparação farmacológica pré-operatória com antagonistas alfa-adrenérgicos tem sido citada como uma das principais razoes para a redução da mortalidade operatória na ressecção de feocromocitomas. Os bloqueadores alfa-adrenérgicos continuam sendo a classe inicialmente preferida, sendo o agente mais comumente usado a fenoxibenzamina. Esse agente é não competitivo, não seletivo e de longa ação (em torno de 24 horas), usado na dose de 10 mg duas vezes ao dia e titulada até atingir o efeito desejado, sendo que a maioria dos pacientes necessita geralmente de 20 mg três vezes por dia. Mais recentemente, têm sido utilizados o prazosin ou o doxazosin, que são bloqueadores alfa-1 específicos, competitivos e com tempo de ação mais breve.
Devido a essas características, em relação à fenoxibenzamina o prazosin produz menos taquicardia reflexa, permite ajuste mais rápido da dose e é associado a menos frequência de hipotensão no pós-operatório imediato. Apresenta, ainda, como vantagens, ausência de antagonismo alfa-2, sendo menor a necessidade de associação a beta-bloqueadores para prevenir taquiarritmias, mais disponibilidade e baixo custo. Para reduzir o problema de hipotensão arterial após a retirada do tumor devido ao efeito residual da droga, a fenoxibenzamina deve ser suspensa 48 horas antes do ato cirúrgico e o prazosin, oito horas antes.22-27
O beta-bloqueio pode ser iniciado para controlar episódios de taquicardia ou arritmias. É fundamental não seja iniciado até que um bloqueio alfa-adrenérgico seja realizado de forma eficaz. A utilização pré-operatória de bloqueio adrenérgico beta, particularmente na ausência de arritmias, tem sido controversa. Existem, porém, defensores do início do beta-bloqueio (sempre após o alfa-bloqueio) em torno de três dias antes do procedimento, pelo relato de baixa incidência de episódios de taquiarritmias graves com essa conduta. Mesmo beta-bloqueadores cardiosseletivos devem ser usados com cautela e em doses muito baixas inicialmente (pelo risco de precipitar depressão miocárdiaca em pacientes que desenvolveram cardiomiopatia secundária à exposição crônica às catecolaminas secretadas pelo tumor). O beta-bloqueio, portanto, não deve ser realizado em pacientes com cardiomegalia ou evidência de cardiomiopatia.25-27
Um tópico bastante debatido na literatura é se outras drogas, além dos bloqueadores alfa-adrenérgicos, podem ser utilizadas no manuseio clínico e no preparo pré-operatório dos pacientes com feocromocitoma. Outros anti-hipertensivos, incluindo os bloqueadores dos canais de cálcio, inibidores da enzima conversora da angiotensina e análogos de tirosina (que inibem a síntese de catecolaminas), são menos utilizados, mas têm sido descritos como sendo eficazes. Atualmente, essa não é uma questao, já que drogas como os bloqueadores de canais de cálcio e os inibidores da enzima de conversão têm se mostrado igualmente eficazes nesse controle e podem ser utilizadas junto ou substituindo os bloqueadores alfa-adrenérgicos.
Os bloqueadores de canais de cálcio têm a vantagem de não produzir hipotensão grave e hipotensão postural e, portanto, podem ser usados com segurança nos pacientes com paroxismos adrenérgicos e pressão arterial normal nos períodos entre as crises. Em alguns centros europeus foi documentada a eficácia dos bloqueadores de canais de cálcio como primeira escolha na preparação pré-operatória, incluindo o uso exclusivo de nicardipina na preparação perioperatória e controle da hipertensão intra-operatória. No entanto, altas doses pré-operatórias de nicardipina foram necessárias para controlar a pressão arterial (variando de 10,5-31 mg/h). A medida mais razoável em relação a essas outras classes de anti-hipertensivos seria adicionar, quando o controle tensional com o uso de antagonistas adrenérgicos se tornar insuficiente, fármacos anti-hipertensivos de outras classes.22,23,25
MANEJO INTRAOPERATORIO
Até 1980 a mortalidade associada a esse tipo de cirugia era de aproximadamente 15%, mas o relato da experiência da Mayo Clinic com 77 pacientes portadores de feocromocitoma operados no período de 1980 a 1986 já revelava mortalidade intraoperatória de 1,3%. Essa importante redução do risco cirúrgico está ligada ao reconhecimento de que o uso adequado de drogas hipotensoras, tanto no pré como no intra-operatório, e o controle hemodinâmico rigoroso do paciente são fundamentais para um bom prognóstico cirúrgico.22-24
As principais complicações anestésico-cirúrgicas são a hipertensão arterial grave, arritmias, hipotensão pré e pós-operatória e hipoglicemia (muitas vezes grave, exigindo observação dos níveis glicêmicos).22-24,27
O desafio para a equipe de anestesia durante a cirurgia para ressecção de um feocromocitoma é proporcionar estabilidade cardiovascular durante um procedimento com vários momentos de liberação de catecolaminas. Os momentos mais comuns de liberação de catecolaminas são a laringoscopia, posicionamento, incisão peritoneal (ou a insuflação peritoneal se a ressecção é realizada por via laparoscópica), estimulação cirúrgica e manuseio do tumor. Os anestesistas também precisam estar atentos para os períodos de hipotensão, como durante a ligadura da veia adrenal, devido à abrupta redução da liberação de catecolaminas na circulação sistêmica.23,25
A monitorização desses pacientes deve incluir eletrocardiograma com derivação V5, temperatura central, oximetria de pulso, monitorização intra-arterial da pressão arterial, monitorização da pressão venosa central e sonda vesical de demora. A puncao de dois acessos periféricos calibrosos e a punção arterial devem anteceder o início da indução anestésica para diagnosticar possíveis picos hipertensivos durante esse período. A punção do cateter venoso central poderá ser realizada pré ou pós-indução anestésica. Pode ser necessário um cateter de artéria pulmonar ou ecocardiografia transesofágica caso o paciente seja portador de disfunção ventricular esquerda.19-21
Tanto a anestesia geral quanto a anestesia regional ou a associação das duas técnicas são consideradas aceitáveis e em todas elas é importante evitar grandes oscilações da pressão arterial. A anestesia regional é utilizada se a cirurgia for aberta. Ela pode impedir os picos de liberação de catecolaminas devido ao estímulo cirúrgico, não sendo capaz, porém, de evitar os efeitos da manipulação do tumor, pondendo complicar um quadro hemodinâmico já com tendência à flutuação.24-26
Na anestesia geral, a indução com tiopental é usada com mais frequência, mas recentemente a indução com propofol tem sido considerada uma técnica segura. O propofol é um agente de indução útil devido às suas propriedades vasodilatadoras. A resposta à intubação pode ser diminuída mediante administração intravenosa de 1,5 mg/kg de lidocaína dois minutos antes da laringoscopia. Para manutenção, os novos agentes inalatórios (isoflurano, sevoflurano e desflurano) são superiores, pois não causam sensibilização do miocárdio aos efeitos arritmogênicos da adrenalina.25-27 Recentemente foi demonstrada a segurança do desflurano. Ele foi eficaz no controle dos picos hipertensivos em pacientes bem preparados, embora se saiba que provoca estimulação simpática. O óxido nitroso não é contraindicado e a anestesia venosa total também pode ser usada para manutenção da anestesia. Bolus de fentanil ou alfentanil são adequados para analgesia, embora a ajustabilidade rápida do remifentanil seja particularmente vantajosa. Para relaxamento muscular, vecurônio, rocurônio e cisatracúrio são preferíveis devido à sua relativa ausência de liberação de histamina.27,28
O controle pressórico pode ser inicialmente realizado por um alfa-bloqueador de ação curta como a fentolamina. O nitroprussiato de sódio, um potente vasodilatador arterial e venoso, pode também ser utilizado para controle pressórico intraoperatório. Alguns serviços, como descrito, têm feito uso da nicardipina para controle dos surtos pressóricos. O sulfato de magnésio é outro agente usado frequentemente como vasodilatador auxiliar.22-24
A taquicardia intraoperatória é mais bem controlada com beta-bloqueadores de curta duração, como, por exemplo, o esmolol. Caso ocorra hipotensão, deve-se prontamente suspender a infusão de anti-hipertensivos e iniciar uma reposição volêmica, embora uma infusão de noradrenalina possa ser necessária. Deve-se manter uma atenção meticulosa às perdas de sangue, pois devido ao preparo pré operatório com alfa e beta bloqueadores, o paciente poderá não ser capaz de expressar qualquer resposta simpática à hipovolemia.19-21
Existem muitos agentes disponíveis, portanto, os de uso controverso devem ser evitados, como, por exemplo, droperidol, halotano e metoclopramida, pois esses podem causar a inibição da recaptação de catecolaminas e, consequentemente, exacerbar episódios de descarga adrenérgica. Os agentes que causam aumento indireto dos níveis de catecolaminas (como pancurônio, cetamina e efedrina) também não devem ser usados, assim como a atropina, que exacerba os efeitos crônicos da epinefrina mediante inibição vagal. Todos os fármacos que liberam histamina (como morfina e atracúrio) devem ser evitados, pois se sabe que a histamina estimula a resposta dos feocromocitomas.24-26
Outros cuidados, não menos importantes que o controle pressórico, devem ser realizados, como a reposição de esteroides, quando o paciente será submetido à adrenalectomia bilateral ou à remoção de sua glândula adrenal única remanescente. Essa reposição será necessária no pré, intra e pós-operatório. Outro cuidado que não deve ser negligenciado é o controle glicêmico intraoperatório, devendo, portanto, a glicemia ser monitarada com intervalos frequentes.27-29
POS-OPERATORIO
Após a cirurgia, os pacientes são mais bem monitorados em um ambiente de terapia intensiva, pela facilidade de manejar as alterações cardiovasculares e metabólicas decorrentes da retirada do tumor.
A evidência bioquímica de cura de um feocromocitoma não é obtida de imediato e o nível de catecolaminas permanece elevado, embora decrescendo, durante a primeira semana após a ressecção cirúrgica. Essa situação corresponde à depleção do pool extratumoral de catecolaminas, sendo que a normalização plasmática e urinária dos níveis de metanefrinas deve ser verificada cerca de 10 dias após a cirurgia.28,30
Os pacientes podem apresentar sonolência acentuada nas primeiras 48 horas após a cirurgia. lsso possivelmente se deve à súbita retirada das catecolaminas, que são estimulantes. Não raro ocorre a diminuição da necessidade de narcóticos.30
A hipotensão pós-operatória é frequente após a excisão do tumor. Ela pode ser causada por hipovolemia e/ou fadiga persistente do mecanismo vasoconstritor. Quando o excesso de catecolaminas diminui após a retirada do tumor, a resposta do leito vascular para manter a pressão pode ser lenta. A ocorrência de hipotensão é menos comum se houve expansão de volume adequado no pré-operatório, mas mesmo com ressuscitação volêmica adequada, ela pode ocorrer secundariamente ao bloqueio simpático residual. Caso ocorra, deve ser tratada com reposição volêmica e, se necessário, norepinefrina. Porém, na vigência de hipotensão grave e/ou persistente, deve-se sempre ter em mente a possibilidade da existência de sangramento intra-abdominal. A maioria dos pacientes com hipotensão no pós-operatório responde bem à administração de volume, sendo raramente necessárias drogas vasoativas.27-29
Outra ocorrência possível nas primeiras 24 a 48 horas do pós-operatório é a hipoglicemia. Esta resulta do fim da inibição das células beta-pancreáticas após a retirada do tumor, pelo efeito das catecolaminas sobre o pâncreas. A gliconeogênese e glicogenólise, que mantinham altos os níveis sanguíneos de glicose, não ocorrem mais. Por isso, deve-se considerar a administração intravenosa de um líquido contendo glicose após a retirada do tumor e é recomendado controle de glicemia capilar nas primeiras 48 horas do pós-operatório. O bloqueio residual simpático pode mascarar os sinais e sintomas de hipoglicemia e o paciente pode apenas se apresentar confuso. Outro cuidado importante é a reposição de esteroides no pós-operatório em pacientes submetidos à adrenalectomia bilateral ou à remoção de sua glândula adrenal única remanescente, como já citado.22,30
A maioria dos doentes operados por via laparoscópica tem alta 24 a 48 horas após a intervenção, sem restrições às atividades diárias.
CONCLUSÃO
O feocromocitoma é um tumor raro, sendo importante causa de hipertensão arterial grave corrigível. O tratamento cirúrgico é a conduta terapêutica definitiva e pode ser realizada por via aberta ou videolaparoscópica. A anestesia e o procedimento cirúrgico têm grande potencial de complicações, exigindo preparação pré-operatória e cuidados intensivos perioperatórios. A equipe de anestesia deve escolher cuidadosamente os medicamentos a serem empregados, sabendo que o desafio durante a cirurgia é proporcionar estabilidade cardiovascular durante um procedimento no qual ocorrem picos de liberação de catecolaminas. Importante redução do risco cirúrgico está ligada ao uso perioperatório adequado de drogas hipotensoras, controle hemodinâmico rigoroso do paciente e cuidados intensivos pós-operatórios. Desse modo, a equipe de anestesisologia deve ter bom conhecimento do manejo desse grupo de pacientes para assegurar a redução da morbimortalidade perioperatória.
REFERENCIAS
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