ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Anestesia em paciente portadora de espondilite anquilosante avançada submetida a procedimento cirúrgico de cesariana - relato de caso
Anesthesia for cesarean delivery by a female patient with advanced ankylosing spondylitis: a case report
Alison Rodrigo Lucas1; Celsa Maria Fagundes de Maria2; Lucas Borges Barros1; Tiago Marconi de Souza Maia1
1. ME3 de Anestesiologia do CET/SBA/MEC do HJK/FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. TSA, responsável pelo CET/SBA/MEC do HJK/FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Alison Rodrigo Lucas
Rua Doze, 150 Bairro: Milanez
CEP: 32143-130 Contagem, MG - Brasil
E-mail: alison0001@oi.com.br
Instituiçao: Hospital Júlia Kubitschek Fundaçao Hospitalar de Minas Gerais Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: a espondilite anquilosante é uma espondiloartropatia soronegativa que se caracteriza pelo comprometimento progressivo das articulações sacroilíacas e vertebrais, de forma ascendente e com eventual ossificação dessas articulações, em um processo denominado anquilose óssea. Por acometer a bacia óssea, é uma condição extremamente desfavorável no contexto obstétrico, apesar de ser uma das poucas condições reumatológicas que predominam em homens e sua incidência maior acontece no final da adolescência. Suas implicações no manejo anestesiológico levam em conta uma série de variáveis que podem comprometer o ato anestésico-cirúrgico e, portanto, é de suma importância que o anestesiologista esteja preparado para eventuais dificuldades. O escopo deste trabalho é apresentar a conduta anestésica em relação ao paciente com espondilite anquilosante que, no caso relatado, foi submetida a uma cesariana eletiva.
RELATO DO CASO: paciente do sexo feminino, 40 anos, 73 kg, com idade gestacional de 38 semanas, portadora de hipertensão arterial crônica e espondilopatia anquilosante em fase avançada, encaminhada à maternidade para a realização de procedimento cirúrgico de cesariana eletiva. Após várias tentativas de bloqueio subaracnóideo sem sucesso, optou-se por anestesia geral balanceada na qual a intubação orotraqueal não foi possível, sendo entao introduzida máscara laríngea e realizada ventilação mecânica com sucesso.
CONCLUSÕES: no caso apresentado, em que existe espondilite anquilosante avançada, a anestesia geral deveria ser primeira opção, pois se pode perder muito tempo tentando realizar bloqueios do neuroeixo ou estes podem ser até impossíveis de serem realizados. Por outro lado, deve-se levar em conta a posssibilidade de dificuldade de intubação orotraqueal e ter todos os dispositivos adequados para uma intubação difícil.
Palavras-chave: Espondilite Anquilosante; Cesárea; Espondiloartropatias; Anestesia Geral.
INTRODUÇÃO
A espondilite anquilosante (EA) compreende uma doença inflamatória crônica e progressiva da sinóvia, com ossificação dos ligamentos em sua inserção óssea, podendo ocasionar graves deformidades articulares e da coluna vertebral.
Suas implicações anestésicas incluem dificuldade de manuseio das vias aéreas;1-3 grande dificuldade técnica para realização de bloqueios do neuroeixo e de posicionamento cirúrgico;1,3 e comprometimento ventilatório, devido à rigidez da caixa torácica1. Tendo em vista as grandes dificuldades técnicas na abordagem anestesiológica de pacientes com espondilite anquilosante grave, este trabalho tem por objetivo demonstrar o manejo anestésico de uma paciente portadora dessa doença, submetida a uma cesariana.
RELATO DO CASO
Trata-se de relato de caso de MAD, 40 anos, 73 kg, G5Pn3A1, idade gestacional (IG) de 38 semanas, calculada pela data da última menstruação e confirmada com ultrassom precoce. Residente em uma cidade do interior de Minas Gerais, foi encaminhada a uma maternidade de Belo Horizonte para a realização de cesariana eletiva. Portadora de hipertensão arterial crônica, além de espondilopatia anquilosante, já em fase avançada, com importante deformidade na coluna, artroplastia em coxo-femoral esquerda, além de anquilose pélvica. Todos esses achados estavam compatíveis com radiografias realizadas anteriormente pela paciente. Na avaliação obstétrica, apresentou pelvimetria interna com medidas inadequadas e feto pélvico, sem inícios de sofrimento. Foi encaminhada ao bloco obstétrico e monitorizada com oximetria de pulso, eletrocardioscopia e medida da pressão arterial não invasiva (PANI). A seguir, foram feitas tentativas repetidas de bloqueio subaracnóideo, sem sucesso. Entao, optou-se por anestesia geral balanceada, com indução venosa utilizando-se propofol 200 mg, rocurônio 80 mg e fentanil 200 mcg, seguida de manobra de Selick e tentativas de intubação orotraqueal (IOT) mal-sucedidas devido à extensão limitada do pescoço, ao posicionamento difícil na mesa cirúrgica em virtude das deformidades na coluna da paciente e ao escore de Cormack-Lehane IV. Dada a rápida dessaturação de oxigênio da paciente, foi iniciada ventilação com máscara facial e solicitada máscara laríngea (ML). A ventilação sob máscara facial foi pouco efetiva, sendo introduzida rapidamente uma ML número 4 e, após confirmação do posicionamento e ausência de vazamentos, iniciada ventilação mecânica. Feita manutenção inalatória com sevoflurano a 1%, oxigênio (O2) e óxido nitroso (N20) a 50%. O procedimento cirúrgico de cesariana foi demorado devido à dificuldade técnica pela anquilose da pelve e difícil posicionamento da paciente na mesa cirúrgica. O recém-nascido (RN) nasceu levemente hipotônico e com esforço respiratório moderado, sendo assistido pelo pediatra responsável pela sala de parto e encaminhado ao berçário. Ao término do procedimento cirúrgico foram suspensos os anestésicos e, após o despertar da paciente, retirada a ML, sem novas intercorrências. A paciente foi entao encaminhada ao alojamento conjunto sem queixas.
DISCUSSÃO
A EA é uma doença inflamatória crônica do grupo das espondiloartropatias soronegativas, que acomete, sobretudo, a coluna vertebral, podendo evoluir com rigidez e limitação funcional progressiva do esqueleto axial. Também pode acometer articulações do esqueleto apendicular, principalmente a coxofemoral e a glenoumeral. Em geral, tem início no adulto jovem, da 2ª à 4ª década da vida, principalmente no sexo masculino (na proporção de 5:1)1,3-5
O HLA-B27 está presente em 90% dos pacientes.4 Os ligamentos interespinhosos se ossificam e formam pontes ósseas entre as vértebras lombares, levando ao aspecto radiológico de coluna em "bambu" (Figura 1). As sacroilíacas são sempre afetadas (Figura 2). O envolvimento da coluna se faz de forma progressiva e ascendente. O comprometimento cervical varia de pequena limitação do pescoço até a anquilose completa (Figura 3).1-3,6 Os pacientes com a doença avançada têm alto risco de sofrer fraturas vertebrais. A cifose torácica e as lesões das articulações costovertebrais, costoesternais e manúbrio esternal justificam a redução da expansibilidade torácica (Figura 1).
Vale a pena lembrar que a doença também pode se apresentar por meio de manifestações extra-articulares, algumas vezes graves, tais como: uveíte anterior aguda, insuficiência aórtica e distúrbios de condução (BAVT), amiloidose e nefropatia por IgA, além de síndrome da cauda equina.7-10
O diagnóstico baseia-se nos Critérios de NY modificados5:
dor lombar que perdura por mais de três meses (piora com o repouso e melhora com o esforço);
limitação funcional da coluna lombar;
redução da capacidade de expansão do tórax;
sacroileíte (critério radiográfico).
O tratamento consiste em medidas diversas e tem como pedra fundamental o uso de AINEs, fisioterapia e exercícios respiratórios. Glicocorticoides sistêmicos não devem ser prescritos, havendo alguma dúvida sobre a eficácia terapêutica das infiltrações articulares. Inibidores do TNF-alfa pode ser usado em casos refratários às outras medidas. Cirurgia está indicada nos pacientes com artropatia destrutiva do quadril.
Em relação ao manejo anestesiológico, o anestesiologista deve orientar a sua conduta de acordo com o grau de comprometimento do paciente, previamente avaliado, e deve estar centrado em quatro aspectos principais: grau de comprometimento das vias aéreas superiores; padrao restritivo pulmonar; grau de comprometimento cardíaco; e acesso ao neuroeixo.3 O comprometimento cervical, com movimentos limitados e em flexão, dificulta as manobras de IOT. É preciso evitar os movimentos forçados do pescoço, mesmo com bloqueio neuromuscular, por causa do risco elevado de fraturas e da possibilidade de insuficiência vertebrobasilar.2,3,6 Os bloqueios no neuroeixo são tecnicamente difíceis e muitas vezes impossíveis, devido à mobilidade articular limitada e à obliteração dos espaços interespinhosos.1,3
CONCLUSÕES
Nos casos de EA já com deformidade grave, como no caso descrito, principalmente se houver sofrimento fetal, não se deve perder tempo com tentativa de bloqueio do neuroeixo. A anestesia geral deve ser a primeira opção, a menos que haja deformidade da coluna cervical e da articulação têmporo-mandibular que possam tornar a IOT tao ou mais demorada e arriscada que um bloqueio neuroaxial.1-3 Nesses casos, a IOT guiada por fibroscopia torna-se a técnica de escolha.
REFERENCIAS
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