ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Quadriplegia e afonia após punção epidural - relato de caso
Quadriplegia and aphonia after epidural puncture - a case report
Celso Homero Santos Oliveira1; Alysson Higino G. da Silva2; Filipe Maia Araujo3
1. Anestesiologista - Corresponsável CET Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. ME1 CET Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. ME1 CET Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG - Brasil
Dr. Celso Homero S. Oliveira
Alameda dos Manacás, 137 Condomínio Bosque da Ribeira
CEP: 34000-000 Nova Lima, MG - Brasil
E-mail: celsohomero@gmail.com
Instituiçao: Hospital Felício Rocho Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: complicações de anestesia epidural são pouco frequentes, principalmente aquelas que levam à perda de funções sensoriais com envolvimento de áreas cognitivas. Diversas hipóteses podem ser aventadas, entretanto, não se pode afirmar com exatidao o diagnóstico que levou ao transcurso clínico. Medidas simples e eficazes odem contornar a intercorrência com segurança.
RELATO DO CASO: paciente de 36 anos ASA I, submeteu-se à anestesia epidural para procedimento em membro inferior D, desenvolveu após 15 min quadriplegia e afonia, com agitação moderada.
Palavras-chave: Anestesia Epidural; Complicações Pós-operatórias; Quadriplegia; Afonia.
INTRODUÇÃO
As complicações neurológicas, desencadeadas pelos bloqueios do neuroeixo são raras. Estudos publicados na última década mostraram que elas variam de 0,003% a 0,1%, após técnica epidural.1-3 O diagnóstico e o tratamento precoces dos eventos adversos podem evitar lesões irreversíveis e mudar o prognóstico dos pacientes. Relata-se uma complicação incomum de afonia, bloqueio motor extenso e dispneia, que ocorreram após uma anestesia epidural.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 36 anos, estado físico ASA I, candidato a implante de expansor na face medial da perna esquerda após trauma automobilístico. O mesmo já havia se submetido a vários procedimentos anteriores, relacionados ao tratamento dessa lesão, como desbridamentos e enxerto de pele. Foram realizadas raquianestesias e epidural. Nesse dia, o paciente solicitou que, se possível, não fosse submetido à raquianestesia, visto que se sentia muito incomodado com a sensação de perda motora dos membros inferiores. Foi entao programada anestesia epidural com ropivacaína 100 mg acrescida com sufentanil 10 mcg.
Realizada monitorização com eletrocardiograma, oxímetro de pulso e esfigmomanômetro (PNI). Estabelecida venóclise com cateter de teflon 20G no membro superior esquerdo, sendo em seguida administrados 5 mg de midazolam IV como medicação pré-anestésica. Posicionado o paciente em posição assentada, à inspeção apresentava coluna retilínea e com projeção das apófises espinhosas, de fácil visualização e palpação. Foi realizada, após assepsia local, punção epidural única no interespaço L3-L4, com agulha de Tuohy 18G. A identificação do espaço epidural foi feita a partir do sinal da perda da resistência (sinal de Dogliotti), sendo o procedimento realizado sem qualquer dificuldade ou intercorrência. Foram administrados ropivacaína 0,5% (100 mg) e sufentanil (10 mcg), perfazendo volume total de 22 mL. Ao final da injeção queixou-se de peso na nuca, ao que retornou à posição de decúbito dorsal horizontal.
Após 15 minutos do correto posicionamento do paciente em leito cirúrgico, houve bloqueio motor progressivo em membros inferiores e superiores, afonia, dispneia e desconforto, com alguma agitação, não ocorrendo perda da consciência. Optou-se por realizar sedação contínua com propofol e intubação orotraqueal.
O procedimento cirúrgico estendeu-se por duas horas e não houve intercorrências nesse período ou instabilidade hemodinâmica, mantendo PA = 120/80 mmHg e pulso 80 bpm apenas com reposição volêmica adequada. Ao término, o paciente foi extubado e encaminhado à sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) com bom padrao respiratório e saturando 100% com oxigênio por cateter nasal, porém ainda apresentando bloqueio motor alto e afasia.
Após aproximadamente 30 minutos na SRPA, apresentou melhora completa da fala e, após três horas em observação, apresentou melhora do bloqueio motor com ampla movimentação dos membros superiores e inferiores, recebendo alta para o quarto sem sequelas. Durante seu período na SRPA apresentou hipotensão e bradicardia leve (PAM: 55 mmHg e pulso 53 bpm), com melhora após posicionamento em céfalo declive e administração de 10 mg de efedrina, sem outras intercorrências.
DISCUSSÃO
O paciente apresentado desenvolveu alterações neurológicas incomuns, fora da expectativa rotineira quanto à anestesia epidural. Há várias possíveis hipóteses para tal fato, mas nenhuma delas o explica como um todo. O nível exato da anestesia epidural não pôde ser determinado, mas muito possivelmente o anestésico tenha atingido níveis cervicais. Isso poderia explicar a dispneia pelo bloqueio do nervo frênico (C3 a C5) e a tetraplegia pelo bloqueio completo do plexo braquial, mas é improvável que tenha causado a afonia, já que toda a inervação motora da laringe é feita por ramos do n. vago (laríngeo recorrente e laríngeo interno).
Drexler et al.4, em relato de caso semelhante, propoe como possível explicação um episódio passageiro e curto de isquemia envolvendo a circulação vertebrobasilar após episódio transitório de hipotensão. Isquemia em área das artérias vertebrais antes de entrarem na artéria basilar pode explicar a tetraplegia e a paralisia das cordas vocais com preservação simultânea dos outros nervos cranianos (por exemplo, facial e hipoglosso). O paciente permanece acordado e alerta, capaz de ventilar adequadamente e mover os olhos, os lábios e a língua de forma intencional, excluindo assim a alteração na consciência, que seria associada a elevado nível da isquemia do tronco cerebral. No entanto, esse paciente não apresentou período de diminuição transitória na pressão arterial e, em vista de não sido alterado o nível de consciência ou de outros pares cranianos, a isquemia em outras regioes cerebrais torna-se improvável.
Outra possibilidade do caso é a punção inadvertida do espaço subaracnóideo. No entanto, tal fato desencadearia deterioração rápida do nível de consciência e hipotensão significativa. Essa observação da evolução clínica é comum nas anestesias eletivas com raque total, nos procedimentos indicados. A injeção subdural é outra possibilidade importante no diagnóstico diferencial, já que pode causar bloqueio extenso, dificuldade respiratória e perda de consciência, mas a afasia é descrita raramente nessa situação. Outra explicação que não pode ser excluída, levantada por Drexler, é uma reação de conversão ou histeria. Afonia e paralisia transitória não são manifestações incomuns de histeria.4
Acreditamos que esse caso seja uma anestesia subdural após punção epidural. O espaço subdural, situado entre a dura-máter e a aracnoide, é uma fenda estreita contendo pequena quantidade de líquido. O bisel pode ter lesado discretamente a dura-máter, produzindo nela uma solução de continuidade, sem, no entanto, acometer o espaço subaracnóideo. Dessa forma, uma parte do anestésico teria de ter sido injetado inicialmente no espaço epidural e se difundido pelo espaço subdural. O espaço subdural é trabecular, sendo que os níveis do bloqueio usualmente podem apresentar-se de forma irregular. Essa disposição anatômica poderia justificar o bloqueio motor em membros inferiores e superiores, além da dispneia e da afonia associadas.5
Anestesia subdural acidental é uma complicação extremamente rara. A hipótese diagnóstica de anestesia subdural acidental, nesse caso, limitou-se aos dados clínicos. As complicações desse tipo de bloqueio podem ser das mais variadas, mas na sua maioria são de fácil resolução, desde que sejam diagnosticadas e tratadas rapidamente.
Para tal, bastam acompanhamento próximo do anestesiologista, suporte ventilatório e cardiovascular quando se fizer necessário e SRPA funcionante para vigilância até a recuperação total das funções essenciais do paciente.
REFERENCIAS
1. Aromaa U, Lahdensuu M, Cozanitis DA. Severe complications associated with epidural and spinal anaesthesias in Finland 1987-1993. A study based on patient insurance claims. Acta Anaesthesiol Scand. 1997;41:445-52.
2. Auroy Y, Narchi P, Messiah A, et al. Serious complications related to regional anesthesia. Anesthesiology. 1997;87:479-86.
3. Dahegren N, Törnebrandt K. Neurological complications after anaesthesia. A follow-up of 18000 spinal and epidural anaesthetics performed over three years. Acta Anaesthesiol Scand. 1995;39:872-80.
4. Drexler H, Zaroura S, Shapira Y Transient aphonia and quadriplegia during epidural anesthesia. Anesth Analg. 1985;64:365-6.
5. Vásquez CE, Tomita T. Bedin A, Castro R. Anestesia epidural após punção epidural. Relato de dois casos. Rev Bras Anestesiol. 2003;53(2):209-13.
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