ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Anticoagulantes e bloqueios do neuroeixo
Anticoagulants and neuraxial blockade
Estefânia Furtado Rocha1; Gabriela Ferreira Duarte1; Marcela Morais Afonso Cruz1; Gisela Magnus2
1. Médica especializanda em Anestesiologia do Hospital Luxemburgo. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médica Anestesiologista. Título Superior em Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Instrutora da residência médica em Anestesiologia do Hospital Luxemburgo. Belo Horizonte, MG - Brasil
Gisela Magnus
E-mail: gisela_magnus@gmail.com
Instituição: CET Hospital Luxemburgo Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
O número de pacientes em uso de fármacos anticoagulantes ou que alteram a hemostasia tem aumentado em virtude da maior expectativa de vida da população, do advento de medicamentos mais seguros e do aumento na prevalência de doenças cardiovasculares. A anestesia por bloqueio do neuroeixo quando realizada nesses pacientes traz o risco de sangramento e hematoma espinhal. Apesar da incidência estimada de complicações hemorrágicas associadas a bloqueios neuroaxiais ser baixa, além de imprecisa, a gravidade de suas consequências torna imperativo o desenvolvimento de estratégias que aumentem a segurança no procedimento anestésico desses pacientes. Entretanto, as recomendações baseadas em evidências são fracas, pois se baseiam principalmente em relatos de casos, pequenos estudos e farmacocinética das drogas. Neste artigo, revisamos a literatura sobre técnicas neuroaxiais realizadas em pacientes em uso de drogas anticoagulantes e/ou que alteram a hemostasia, com o objetivo de auxiliar o anestesiologista no manejo mais seguro e de qualidade para os pacientes.
Palavras-chave: Anestesia por Condução; Raqueanestesia; Anticoagulantes, Inibidores da Agregação de Plaquetas; Hematoma Epidural Espinal.
INTRODUÇÃO
O bloqueio neuroaxial é rotineiramente utilizado para anestesia cirúrgica e analgesia pós-operatória. Essa modalidade anestésica apresenta vantagens sobre outras técnicas, entre elas: analgesia eficaz; redução do sangramento perioperatório; redução da necessidade de transfusão sanguínea; e redução da incidência da oclusão de enxertos.1 As complicações hemorrágicas após bloqueios neuroaxiais são pouco frequentes, mas implicam consequências desastrosas. O hematoma espinhal (HEP), definido como sangramento no interior do neuroeixo, é um evento raro, porém catastrófico, que pode ocorrer como complicação hemorrágica mais grave associada à anestesia subaracnóidea ou peridural.1 O sangramento dentro do canal medular pode resultar em dano neurológico irreversível com paraplegia.2 A real incidência de disfunções neurológicas advindas de complicações hemorrágicas associadas a bloqueios do neuroeixo é desconhecida.1,3 Em revisão da literatura, TRYBA4 estimou a incidência 1:150.000 anestesias peridurais e 1:222.000 em anestesias subaracnóideas.3,4
O sangramento no canal medular origina rapidamente uma mielopatia compressiva. O desenvolvimento de coágulo e a reação inflamatória comprometem o fluxo sanguíneo da medula e raízes nervosas espinhais, com consequente isquemia e lesão nervosa. O HEP manifesta-se inicialmente por regressão incompleta ou ausente do bloqueio motor ou sensitivo; retorno de déficit sensitivo ou motor após regressão completa; dor na região do dorso e retenção urinária.2,5 O HEP é uma emergência neurocirúrgica que demanda intervenção imediata. A descompressão cirúrgica precoce (6-12 horas após o desenvolvimento dos primeiros sintomas) está diretamente relacionada ao prognóstico da lesão neurológica.6-8 Dessa forma, frente à suspeita de HEP, o paciente deve ser submetido à ressonância nuclear magnética, considerada o exame padrão-ouro para diagnóstico e acompanhamento ou, na indisponibilidade desta, realizar tomografia computadorizada.2
A causa mais comum de HEP é a espontânea, seguida de complicação hemorrágica de bloqueio neuroaxial e em terceiro lugar secundário às malformações vasculares.2 Os fatores de risco associados ao HEP estão relacionados à idade do paciente (mais frequente em idosos); sexo feminino; coagulopatias; trombocitopenias; alterações da anatomia espinhal; múltiplas tentativas de punção neuroaxial; sangue no cateter epidural durante sua inserção ou remoção; uso de drogas anticoagulantes, antiplaquetárias ou fibrinolíticas; e uso de terapia anticoagulante/antiplaquetária dupla.1-3,6,9-14 Em relação ao HEP associado a bloqueios neuroaxiais, a inserção de cateter peridural está em primeiro lugar, seguida da punção peridural simples e, por último, a punção subaracnóidea.2
Em decorrência do reduzido número de casos relatados referentes a hematoma espinhal após bloqueios neuroaxiais, as recomendações não se baseiam em estudos prospectivos randomizados, mas em opiniões de especialistas e relatos de casos.15 A recomendação adotada pela maioria das sociedades tem sido estabelecer um intervalo de tempo, entre a interrupção da medicação e o bloqueio do neuroeixo, de duas vezes a meia-vida de eliminação do fármaco.16
HEPARINA NÃO FRACIONADA
Usada para tratamento de trombose venosa profunda (TVP), para profilaxia antitrombótica, em circulação extracorpórea para cirurgia cardíaca e em cirurgia vascular.2 Em dose terapêutica, a anticoagulação é monitorada com tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa). Sua anticoagulação pode ser revertida com protamina; 1 mg de heparina (protamina) neutraliza 100 UI de heparina. Doses para profilaxia de TVP geralmente não alteram o TTPA.4
O uso de doses profiláticas (duas doses diárias de 5.000 UI) não contraindica a realização de bloqueio do neuroeixo.1,2 Em decorrência do risco de trombocitopenia induzida pela heparina em pacientes que usam HNF por mais de quatro dias, a contagem de plaquetas deve ser realizada nesses pacientes antes do bloqueio de neuroeixo e da remoção do cateter.1,15
O intervalo entre a administração de HNF e o bloqueio de neuroeixo ou remoção de cateter peridural deve ser de 4-6 horas.15 A próxima dose de HNF profilática deve ser realizada no mínimo uma hora após a anestesia ou a remoção do cateter.2
A heparinização intraoperatória não representa necessariamente uma contraindicação para bloqueio do neuroeixo15. No entanto, algumas recomendações são sugeridas. Deve-se aguardar intervalo de no mínimo uma hora entre a punção/colocação de cateter e a heparinização. O bloqueio não deve ser realizado se o paciente estiver em uso de anticoagulantes ou apresentar coagulopatias. É necessário aguardar intervalo de quatro horas entre a dose de heparina e a retirada do cateter. Após a remoção do cateter, aguardar uma hora para nova dose de HNF.1,15
Pacientes em uso de doses terapêuticas devem apresentar valores normais de TTPa ou TCP (tempo de coagulação ativado) antes da punção ou remoção do cateter. Esses pacientes devem ter a droga suspensa por no mínimo quatro horas antes do bloqueio neuroaxial ou remoção do cateter.2
HEPARINA DE BAIXO PESO MOLECULAR
Heparina de baixo peso molecular (HBPM) é usada para profilaxia e tratamento de trombose venosa profunda (TVP), bem como na terapêutica de substituição nos doentes cronicamente medicados com varfarina, tais como grávidas, doentes com próteses valvares ou com história de fibrilação atrial17. Sua vantagem em relação à heparina não fracionada é a maior biodisponibilidade após administração subcutânea, o que resulta em efeito anticoagulante superior, sem aumentar a tendência ao sangramento e sua longa meia-vida de 4-7 horas, que permite a administração da droga apenas uma vez ao dia. Seu efeito resulta da ativação da antitrombina III com efeito inibitório marcado do fator Xa em relação à trombina. O tempo de coagulação ativado e o tempo de tromboplastina parcial ativado podem permanecer inalterados com o uso da HBPM e sua ação anticoagulante é monitorada pela dosagem plasmática da atividade do fator Xa. Ao contrário da heparina não fracionada, sua atividade não pode ser revertida pela protamina.
A HBPM é excretada pela via renal e, por isso, é contraindicada em pacientes com clearance de creatinina <30 mL/min.18 Após administração subcutânea, seu pico de ação ocorre em aproximadamente 3-4 horas e a meia-vida de eliminação nos pacientes com função renal normal é de 4-6 horas. Naqueles com insuficiência renal grave a meia-vida de eliminação pode ser superior a 16 horas.4
Na Europa, a dose profilática de HBPM administrada é de 40 mg uma vez ao dia, sendo a primeira dose administrada 12 horas antes da cirurgia; e nos EUA a administração é feita duas vezes ao dia na dose de 30 mg. As diversas sociedades de anestesiologia são coerentes em relação ao intervalo de segurança recomendado entre a última dose de HBPM - dose profilática de uma vez ao dia - e o bloqueio do neuroeixo/remoção do cateter, com intervalos superiores a 10 a 12 horas.17 Em pacientes com esquema profilático de 12/12 horas, dever-se-á omitir uma dose, para possibilitar intervalo de 24 horas antes do BNE ou retirada do cateter. Naqueles com doses terapêuticas de HBPM, como enoxaparina 1 mg/kg a cada 12 horas ou 1,5 mg/kg/dia, é recomendado intervalo de pelo menos 24 horas entre a última dose e o bloqueio neuroaxial2. Para uso pós-operatório, a primeira dose deve ser administrada seis a oito horas após a cirurgia e a segunda não deve ser administrada antes de 24 horas da primeira. A retirada do cateter peridural deve ser feita somente após 10 a 12 horas da última dose; e a dose subsequente de HBPM, após a retirada do cateter, deve ser feita depois de duas horas.
ANTAGONISTAS DA VITAMINA K (ACENOCOUMAROL, FLUINDIONA, FENPROCOUMON, VARFARINA)
Anticoagulação terapêutica com cumarínicos representa contraindicação absoluta para bloqueio neuroaxial.15 O uso concomitante de medicamentos que afetam outros mecanismos de coagulação, como AINES, ticlopina e clopidogrel, aumenta o risco de complicações hemorrágicas nos pacientes em uso de anticoagulantes orais.1,2
Antes do bloqueio, a terapia anticoagulante deve ser interrompida por 4-5 dias e o retorno da coagulação normal deve ser verificado usando-se o índice normalizado internacional (RNI).1,2,15 RNI de 1,5 está relacionado à atividade do fator VII de 40%. Dessa forma, para pacientes que estão recebendo analgesia peridural e que foi iniciada a terapia profilática com varfarina no pós-operatório, é recomendado pela ASRA que a remoção do cateter seja feita apenas após valores inferiores a 1,5 de RNI.1,2 Esses pacientes devem ser avaliados por testes neurológicos de função sensorial e motora rotineiramente durante a analgesia peridural.1
AGENTES ANTIPLAQUETÁRIOS
Pertencem a esse grupo: AINEs, tienopiridínico (ticlopidina e clopidogrel) e inibidores de GP IIb/ IIIa (abciximab, eptifibatide, tirofibano). Tais drogas exercem diversos efeitos sobre a função plaquetária e apresentam diferenças farmacológicas, tornando impossíveis recomendações únicas em relação às técnicas anestésicas e ao uso dos fármacos. Não há qualquer exame, incluindo o tempo de sangramento, que oriente a terapia antiplaquetária. Dessa forma, deve ser realizada avaliação pré-operatória para identificar fatores de risco que contribuem para alterações hemorrágicas. Entre os fatores, são citados: história de fácil sangramento excessivo, sexo feminino e idade avançada.1
AAS e AINEs
Não representam risco adicional para o desenvolvimento de hematoma espinhal em pacientes submetidos a bloqueio de neuroeixo.1,2,19,20 Não existem preocupações em relação ao tempo entre a administração da droga e o bloqueio de neuroeixo ou remoção do cateter.1,2 Não é necessário aguardar intervalo entre o bloqueio ou remoção do cateter e a dose pós-operatória do fármaco.2
Ticlopidina
O efeito máximo de inibição da agregação é alcançado após 8-11 dias, durante uso de 500 mg por dia. A meia-vida de eliminação é de 24-32 horas e aumenta para mais de 90 horas com a administração a longo prazo. A disfunção plaquetária permanece por 10 a 14 dias após suspensão do fármaco.
O intervalo entre a última dose da droga e o bloqueio neuroaxial ou a retirada do cateter deve ser de 10 a 14 dias.1,2,15
Clopidogrel
O efeito máximo de inibição plaquetária após uso oral de 75 mg é observado depois de 3-7 dias ou depois de aproximadamente 12-24 horas após a administração de bolus inicial de 300-600 mg. A recuperação da função plaquetária ocorre apenas 6-7 dias após o fim da administração de clopidogrel.2,15,21,22 Dessa maneira, o bloqueio do neuroeixo e a remoção do cateter devem ser feitos após sete dias da última dose.1,2,15
Prasugrel
Seu início de ação é rápido, de 30 a 60 min. Após interrupção do fármaco, a função plaquetária é restaurada em 10 dias. A anestesia neuroaxial é fortemente desencorajada durante o tratamento com prasugrel. Deve ser aguardado intervalo de tempo de 7-10 dias entre a última dose do fármaco e o bloqueio ou remoção do cateter.1,2
Inibidores de glicoproteína IIb/IIIa (abciximab, eptifibatibe e tirofiban)
São as drogas mais efetivas para a inibição plaquetária. Os efeitos antiplaquetários são reversíveis e desaparecem em oito horas (para o eptifibatibe e o tirofiban) e 24-48 horas (para o abciximab), após descontinuação do uso. São fármacos comumente usados em síndromes coronarianas agudas, em combinação com anticoagulantes e aspirina. Nos procedimentos emergenciais realizados nesses pacientes, o bloqueio do neuroeixo está contraindicado.2,15
A remoção de cateter ou bloqueio de neuroeixo deve ser feita após interrupção de 8-10 horas para o tirofiban/epifibatibe e 48 horas para o abciximab. A contagem plaquetária também deve ser realizada anteriormente para excluir trombocitopenia.2,15,22
Ticagrelor
Rápido início de ação e curta duração (48-72 horas). É utilizado em duas doses orais diárias. Os efeitos na agregação plaquetária ocorrem cerca de 30 minutos após a dose de ataque. Cessando o tratamento, a função plaquetária normal é recuperada em 4,5 dias.2,15
Admite-se que o curto e reversível efeito antiplaquetário facilita o manejo perioperatório. No entanto, o intervalo entre a última dose da droga e a anestesia do neuroeixo deve ser de pelo menos cinco dias, visto que não existem dados conclusivos sobre o uso perioperatório da droga.2
Cilostazol
É utilizado por via oral na dose de 100 mg duas vezes ao dia. Após a ingestão oral, os níveis plasmáticos máximos são atingidos após 2,7-3,6 horas. A meia-vida de eliminação da droga e de seus metabólitos ativos é em torno de 21 horas.2,15
As técnicas de neuroeixo durante o uso do fármaco são desencorajadas. O bloqueio neuroaxial e a remoção do cateter só devem ser realizados após, no mínimo, 42 horas de interrupção do fármaco, o que corresponde a duas meias-vidas de eliminação da droga. O intervalo recomendado pelo fabricante, no entanto, é de pelo menos cinco dias. A dose subsequente à retirada do cateter peridural deve ser administrada após cinco horas.2,15
INIBIDORES DO FATOR XA
Fondaparinux
O risco real de hematoma espinhal com fondaparinux é desconhecido. Consensos são baseados no efeito antitrombótico sustentado e irreversível e relatos de casos clínicos são publicados15. Possui meia-vida plasmática de 21 horas.1 É administrado seis a 12 horas após a cirurgia.2,15,23 Quando utilizado em dose profilática (2,5 mg uma vez por dia) no pós-operatório, a anestesia do neuroeixo atraumática pode ser realizada. O intervalo entre a retirada do cateter peridural e a última dose do fármaco deve ser de 36 horas. A nova dose do fondaparinux após remoção do cateter deve respeitar o intervalo de 12 horas.2,15
Rivaroxaban
Utilizado para profilaxia de TVP após cirurgias ortopédicas (artroplastia total de joelho e coxofemoral). A primeira dose, que corresponde a 10 mg de rivaroxaban, é administrada 6-8 h após o procedimento cirúrgico. A meia-vida plasmática é de 5-9 horas e prolongada, de acordo com o fabricante, para 11 a 13 horas em idosos.
O intervalo entre a última dose e o bloqueio neuroaxial ou a retirada de cateter deve ser de 22 a 26 horas. Após a retirada do cateter e a dose subsequente de rivaroxaban, deve-se aguardar quatro a seis horas.2,15
Apixaban
Utilizado em duas doses diárias e não requer monitorização da anticoagulação. Níveis plasmáticos máximos são obtidos com três horas e a meia-vida é de 10 a 15 horas. O intervalo entre a última dose e o bloqueio neuroaxial ou retirada de cateter deve ser de 20 a 30 horas. Após a retirada de cateter, aguardar quatro a seis horas para nova dose de apixaban.2,15
INIBIDORES DE TROMBINA
Dabigatran
Utilizado como profilaxia contra trombose venosa periférica profunda (TVP) em pacientes que realizam cirurgias ortopédicas (artroplastia total de joelho e coxofemoral)2. É iniciado quatro horas após a cirurgia. A meia-vida é de 12 a 17 horas e os níveis plasmáticos máximos são obtidos em duas a quatro horas após sua administração.2,16
O intervalo entre a última dose da droga e o bloqueio neuroaxial deve ser de sete dias. O cateter não deve ser retirado antes de 36 horas (mínimo de duas meias-vidas) após a última dose do fármaco. A próxima dose do dabigatran deve ser 12 horas após a retirada do cateter.16
Argatroban
É administrado por via intravenosa na dose de 0,52,0 µg/kg/min e a dose é ajustada para manter o TTPA entre 1,5 e três vezes o normal. A meia-vida é curta, de 35 a 45 minutos. A normalização do TTPa ocorre após duas a quatro horas da interrupção da infusão.2,15
O intervalo mínimo de quatro horas deve ser respeitado entre a interrupção da droga e o bloqueio neuroaxial ou a inserção do cateter peridural.2
Após o bloqueio neuroaxial ou retirada do cateter, a nova dose da droga deve ser administrada no mínimo duas horas depois e após confirmação da inexistência de efeito anticoagulante residual por meio da dosagem do TTPa ou TCA.2
MANEJO ANESTÉSICO DO PACIENTE RECEBENDO TERAPIA FITOTERÁPICA
É descrito aumento do número de pacientes cirúrgicos que utilizam medicamentos fitoterápicos e muitas vezes a utilização de desses fármacos não é relatada. Ainda não existe algum exame laboratorial para avaliar hemostasia adequada nos pacientes que utilizam tais medicações. A morbimortalidade associada ao uso de ervas medicinais no perioperatório está mais associada à polifarmácia. O uso concomitante de ervas medicinais e fármacos como anticoagulantes orais ou heparina deve ser investigado, pois nesses casos há aumento do risco de complicações hemorrágicas.
Em resumo, tais medicamentos isoladamente não estão relacionados ao aumento no risco de desenvolvimento de hematoma espinhal secundário à anestesia espinhal ou peridural. A interrupção de sua utilização ou o cancelamento de cirurgias em função de uso de ervas medicinais não são mandatórios. Não existe consenso quanto à necessidade de aguardar intervalo de tempo entre a última dose do fármaco e a realização de bloqueio neuroaxial, remoção de cateter ou monitorização neurológica pós-operatória.1,2
Alho
É uma das plantas medicinais mais pesquisadas. Modifica o risco potencial de desenvolvimento de aterosclerose a partir da redução dos valores de pressão arterial, da formação de trombos e da redução nos níveis séricos de lípides e colesterol. Causa inibição plaquetária dose-dependente. A dose usualmente recomendada é de 4 gramas por dia do bulbo fresco (aproximadamente dois dentes) ou o equivalente em extrato. Tem o potencial de aumentar o sangramento peroperatório, principalmente quando utilizado com outras medicações que inibem a agregação plaquetária. O tempo para retorno da hemostasia normal após interrupção do seu uso é de sete dias. É relatado na literatura um caso de hematoma peridural espontâneo atribuído ao uso exagerado de alho.1
Ginko
É utilizado para tratamento de desordens cognitivas, doença vascular periférica, degeneração macular relacionada à idade, disfunção erétil, vertigem e zumbido. A dose utilizada usualmente é de 120-240 mg do extrato por dia divididos em duas ou três doses. É responsável pela inibição do fator ativador plaquetário. São descritos quatro casos de sangramento espontâneo intracraniano que foram atribuídos ao uso de ginko. O tempo para retorno da hemostasia normal após interrupção de seu uso é de 36 horas.1
Ginseng
A dose rotineiramente utilizada é de 200 mg do extrato por dia. Causa inibição da agregação plaquetária in vitro e prolonga tanto o tempo de trombina quanto o tempo de tromboplastina parcial ativada em ratos. O tempo necessário para retorno da hemostasia normal após descontinuação de seu uso é de 24 horas.1
REFERÊNCIAS
1. Horlocker TT, Wendel DJ, Benzon H, Brown DL, Enneking FK, Heit JA, et al. Regional anesthesia in the anticoagulated patient: Defining the risks (the second ASRA Consensus Conference on Neuraxial Anesthesia and Anticoagulation). Reg Anesthes and Pain Medic. 2003;28:172-97.
2. Fonseca MF, Pontes JPJ, Alves RR. Recomendações da SBA para segurança na anestesia regional em uso de anticoagulantes. Rev Bras Anestesiol. 2014;64(1):1-15.
3. Green L, Machin SJ. Managing anticoagulated patients during neuraxial anaesthesia. Br J Haematol. 2010;149:195-208.
4. Tryba, M. European practice guidelines: thromboembolism prophylaxis and regional anesthesia. Reg Anesthes and Pain Medic. 1998;23:178-82.
5. Vandermeulen E. Regional anaesthesia and anticoagulation. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2010;24:121-31.
6. Vandermeulen E, Singelyn F, Vercauteren M, Brichant JF, Ickx BE, Gautier P. Belgian guidelines concerning central neural blockade in patients with drug-induced alteration of coagulation: an update. Acta Anaesthes Belgica. 2005;56:139-46.
7. Cheney FW, Domino KB, Caplan RA, Posner KL. Nerve injury associated with anesthesia: a closed claims analysis. Anesthesiology. 1999;90:1062-9.
8. Meikle J, Bird S, Nightingale JJ, White N. Detection and management of epidural haematomas related to anaesthesia in the UK: a national survey of current practice. Br J Anaesthes. 2008;101:400-4.
9. Brem SS, Hafler DA, Van Uitert RL, Ruff RL, Reichert WH. Spinal subarachnoid hematoma: a hazard of lumbar puncture resulting in reversible paraplegia. N Eng J Med. 1981;304:1020-1.
10. Ruff RL, Dougherty Jr JH. Complications of lumbar puncture followed by anticoagulation. Stroke. 1981;12:879-81.
11. Owens EL, Kasten GW, Hessel EA. Spinal subarachnoid hematoma after lumbar puncture and heparinization: a case report, review of the literature, and discussion of anesthetic implications. Anesth Analg. 1986;65:1201-7.
12. Vandermeulen EP, Van AH, Vermylen J. Anticoagulants and spinal-epidural anesthesia. Anesth Analg. 1994;79:1165-77.
13. Wulf H Epidural anaesthesia and spinal haematoma. Can J Anaesth. 1996;43:1260-71.
14. Horlocker TT, Wedel DJ. Neuraxial block and low-molecular-weight heparin: balancing perioperative analgesia and thromboprophylaxis. Reg Anesth Pain Med. 1998;23:164-77.
15. Gogarten W, Vandermeulen E, Van Aken H, Kozek S, Liau JV, Samama CM. Regional anaesthesia and antithrombotic agents: recommendations of the European Society of Anaesthesiology. Eur J Anaesthesiol. 2010;27:999-1015.
16. Rosencher N, Bonnet MP, Sessler DI. Selected new antithrombotic agents and neuraxial anaesthesia for major orthopaedic surgery: management strategies. Anaesthes. 2007;62:1154-60.
17. Correia C, Fonseca C, Lages N. Guia prático de doentes medicados com fármacos que interferem na hemostase propostos para anestesia do neuroeixo ou de plexo/nervos periféricos. Rev SPA. 2007 jun; 16:21-38
18. Green L, Machin SJ. Managing anticoagulated patients during neuraxial anaesthesia. Br J Haematol. 2010;149:195-208.
19. Maclean, A. Antiplatelet therapy, regional anesthesia, and spinal hematomas. Anesthes Analges. 1995;81:1116.
20. Urmey WF, Rowlingson J. Do antiplatelet agents contribute to the development of perioperative spinal hematoma? Reg Anesthes and Pain Medic. 1998;23:146-51.
21. Denninger MH, Necciari J, Serre-Lacroix E, Sissmann J. Clopi- dogrel antiplatelet activity is independent of age and presence of atherosclerosis. Semin Thromb Hemost. 1999;25(S2):41-5.
22. Patrono C, Coller B, FitzGerald GA, Hirsh J, Roth G. Platelet-active drugs: the relationships among dose, effectiveness, and side effects: the Seventh ACCP Conference on Antithrombotic and Thrombolytic Therapy. Chest. 2004; 126:234S-64S.
23. Turpie AG, Eriksson BI, Bauer KA, Lassen MR. New pentasaccharides for the prophylaxis of venous thromboembolism: clinical studies. Chest. 2003;124:371S-8S.
24. Gogarten W, Van Aken H, Buttner J, Riess H, Wulf H, Buerkle H. Neuraxial blockade and thromboembolism prophylaxis/antithrombotic therapy: revised recommendations of the German Society of Anaesthesiology and Intensive Care Anasthesiol Intensivmed Notfallmed Schmerzther. 2003;44:218-30.
25. Cook TM, Counsell D, Wildsmith JA. Major complications of central neuraxial block: report on the Third National Audit Project of the Royal College of Anaesthetists. Br J Anaesthes. 2009;102:179-90.
26. Afzal A, Hawkins F, Rosenquist RW. Epidural hematoma in a patient receiving epidural analgesia and LMWH after total-knee arthroplasty. Reg Anesth Pain Med. 2006;31:480.
27. Tam NL, Pac-Soo C, Pretorius PM. Epidural haematoma after a combined spinal-epidural anaesthetic in a patient treated with clopidogrel and dalteparin. Br J Anaesthes. 2006;96:262-5.
28. Xu R, Bydon M, Gokaslan ZL, Wolinsky JP, Witham TF, Bydon A. Epidural steroid injection resulting in epidural hematoma in a patient despite strict adherence to anticoagulation guidelines. J Neurosur. 2009;11:358-64.
29. Ain RJ, Vance MB. Epidural hematoma after epidural steroid injection in a patient withholding enoxaparin per guidelines. Anesthesiology. 2005;102:701-3.
30. Cameron CM, Scott DA, McDonald WM, Davies M.J. A review of neuraxial epidural morbidity: experience of more than 8,000cases at a single teaching hospital. Anesthesiology. 2007;106:997-1002.
31. Ansell J, Hirsh J, Hylek E, Jacobson A, Crowther M, Palareti G. Pharmacology and management of the vitamin K antagonists: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines (8th Edition). Chest. 2008;133:160S-98S.
32. Baglin T, Barrowcliffe TW, Cohen A, Greaves M. Guidelines on the use and monitoring of heparin. Br J Haematol. 2006;133:19-34.
33. Davignon KR, Maslow A, Chaudrey A, Ng T, Shore-Lesserson L, Rosenblatt MA. CASE 5 - 2008: Epidural Hematoma: when is it safe to heparinize after the removal of an epidural cath-eter? J Cardioth Vasc Anesthes. 2008;22:774-8.
34. Kozek-Langenecker SA, Fries D, Gutl M, Hofmann N, Innerhofer P, Kneifl W, et al. Locoregional anesthesia and coagulation inhibitors. Recommendations of the Task Force on Perioperative Coagulation of the Austrian Society for Anesthesiology and Intensive Care Medicine. Der Anaesthes. 2005;4:476-84.
35. Lassen MR, Davidson BL, Gallus A, Pineo G, Ansell J, Deitchman D. The efficacy and safety of apixaban, an oral, direct factor Xa inhibitor, as thromboprophylaxis in patients following total knee replacement. J Thromb and Haemostas. 2007;5:2368-75.
36. Llau JV, Ferrandis R. New anticoagulants and regionalanesthesia. Curr Opin Anaesthesiol. 2009;22:661-6.
37. Llau PJV, De Andres IJ, Gomar SC, Gomez LA, Hidalgo MF, Torres MLM. Guidelines of hemostasis inhibiting drugs and neuraxial anaesthesia. Rev Espan de Anestes y Reanimac. 2009;52:413-20.
38. Parvizi J, Viscusi ER, Frank HG, Sharkey PF, Hozack WJ, Rothman RR. Can epidural anesthesia and warfarin be coadministered? Clin orthopaed and relat researc. 2007;456:133-7.
39. Hirsh J, Bauer KA, Donati MB, Gould M, Samama MM, Weitz JI. Parenteral anticoagulants: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2008;133:141S-59S.
Copyright 2024 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License