ISSN (on-line): 2238-3182
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CAPES/Qualis: B2
Suplementação de ácidos graxos ômega-3, estado nutricional e qualidade de vida de pacientes com câncer gastrintestinal: estudo duplo-cego, randomizado e placebo controlado
Omega-3 fatty acid supplementation, nutritional status and quality of life in patients with gastrointestinal cancer: double-blind, placebo-controlled, randomized study
Débora Caldas Marques1; Maria Luiza Ferreira Stringhini2; Nélida Antónia Schmid de Fornes3
1. Professora Auxiliar da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia, GO - Brasil
2. Professora Adjunta da Universidade Federal de Goiás. Goiânia, GO - Brasil
3. Professora do Programa de Pós graduação em Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Goiás. Goiânia, GO - Brasil
Débora Caldas Marques
E-mail: deboramarquesnut@yahoo.com.br
Recebido em: 23/01/2012
Aprovado em: 16/07/2012
Apoio: Vital Âtman Ltda, CNPJ. 00.662.798/0001-37. Caixa Postal 26, Uchôa - SP - Brasil. CEP: 15890-000. Email: omegas@vitalatman.com.br
Instituição: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás Goiânia, GO - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: a caquexia do câncer é caracterizada pela perda ponderal, imunossupressão e está associada a pior prognóstico e qualidade de vida.
OBJETIVOS: avaliar o efeito da suplementação de ω-3 sobre o estado nutricional, capacidade funcional e qualidade de vida de pacientes com câncer gastrintestinal.
MÉTODOS: o grupo placebo (P) (n=10) recebeu sete cápsulas de 1.000 mg de óleo de soja e o grupo suplemento (S) (n=11) sete cápsulas de 1.000 mg de óleo de peixe e linhaça contendo 214,3 mg de ácido eicosapentaenoico e 113,5 mg de docosahexaenoico, diariamente, por 14 dias. Foram avaliados peso, composição corporal, marcadores inflamatórios e imunológicos, capacidade funcional e qualidade de vida.
RESULTADOS: a média de variação de peso do grupo P antes e depois do tratamento foi de -0,44 ± 2,7 kg e do grupo S foi de 0,07 ± 1,4 kg, sem diferença estatística. A média de IMC da amostra foi de 20,5 ± 3,4 kg/m2. Houve significativa redução dos níveis séricos de proteínas totais (p=0,005) e albumina (p=0,011) para o grupo P; aumento dos níveis de proteína C reativa (PCR) (p=0,005) e redução da contagem total de linfócitos (p=0,037). Verificou-se aumento dos níveis séricos da transferrina do grupo S (p=0,010), bem como redução dos níveis de PCR (p=0,033) e da cortisolemia (p=0,020). Encontrou-se aumento para a Escala de Performance de Karnofsky (p=0,020) no grupo S. Não foram encontradas diferenças para status funcional, sintomas e saúde global.
CONCLUSÕES: o presente estudo encontrou resultados que dao suporte à suplementação de ω-3 em Oncologia. No entanto, são necessárias mais investigações associando os ω-3 a outras estratégias terapêuticas.
Palavras-chave: Neoplasias Gastrointestinais; Caquexia; Suplementação Alimentar; Estado Nutricional; Qualidade de Vida; Acido Eicosapentaenoico; Acidos Docosa-Hexaenoicos.
INTRODUÇÃO
A caquexia do câncer é uma síndrome multifatorial, caracterizada pela perda de peso induzida por tumor, redução progressiva de massa magra e tecido adiposo, anorexia, imunossupressão e diminuição da capacidade funcional e está fortemente relacionada a pior prognóstico e diminuição da sobrevida nos pacientes. Pode acometer indivíduos com doença localizada ou metastática e parece não estar relacionada ao tamanho ou extensão, mas sim à biologia do tumor.1-3
A síndrome possui caráter inflamatório, mediada principalmente pela indução da secreção de citocinas pró-inflamatórias como as interleucinas (IL-1, IL-2, IL-6), interferon-g, fator de necrose tumoral (TNF-α) e fator de indução de proteólise (PIF). A ação dessas citocinas resulta em diminuição da síntese proteica muscular, além de estimular a secreção de cortisol e catecolaminas. O quadro inflamatório gerado leva à depleção de tecido muscular e adiposo, incremento na gliconeogênese e no estado de hipercatabolismo.1,4,5
A hipersecreção de citocinas como a IL-1, IL-6 e TNF-α estimula respostas metabólicas de fase aguda, que modifica o padrao de síntese proteica. Há aumento de proteínas de fase aguda positivas, como a proteína C reativa (PCR), fibrinogênio, ceruloplasmina, glicoproteína e redução de proteínas de fase aguda negativas, como a albumina, pré-albumina e transferrina, alterando o padrao de metabolismo dos nutrientes.6
Pacientes com cânceres do trato gastrintestinal alto, especialmente de estômago, esôfago e do pâncreas, são os que apresentam perda de peso com mais frequência e gravidade, acometendo de 30 a 80% dos indivíduos. A caquexia é a causa de morte imediata de 30 a 40% dos pacientes com câncer e pode ser responsável por importante redução na qualidade de vida, resposta diminuída à quimioterapia e toxicidade grave.3-8
Considerando a magnitude da caquexia neoplásica e a baixa eficácia das terapias medicamentosas e nutricionais sobre o desenvolvimento da mesma, substâncias para o controle do processo de inflamação vêm sendo testadas com o intuito de melhorar o estado nutricional e qualidade de vida dos pacientes. Devido ao reconhecido potencial anti-inflamatório dos ácidos graxos ω-3, estes têm sido avaliados em ensaios com modelos animais e humanos na redução da perda de peso e modulação da resposta imunológica e inflamatória na caquexia.9-11
A produção de citocinas pode ser regulada por meio dos ácidos graxos ω-3, em especial os ácidos eicosapentaenoico e docosahexaenoico. Eles são mobilizados da membrana celular e, subsequentemente, metabolizados em prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos da série ímpar (PGE3, TXA3, LTB5), com potencial anti-inflamatório.6,11,12
Foram conduzidos alguns estudos experimentais in vitro em cobaias e humanos, com o objetivo de avaliar os potenciais efeitos dos ácidos graxos ω-3 na caquexia gerada por diferentes tipos de câncer, na modulação do catabolismo e no desenvolvimento tumoral.9-17 Esses estudos diferem quanto à metodologia utilizada, amostragem, dose e tempo de suplementação, associação do ω-3 com agentes farmacológicos e nutricionais, sendo os resultados entre os estudos pouco concordantes, dificultando conclusões científicas de forte evidência.2,18
Este estudo teve por objetivo avaliar o efeito da suplementação de ácidos graxos ω-3 sobre o estado nutricional, qualidade de vida e capacidade funcional de pacientes com câncer do trato gastrintestinal.
MATERIAIS E MÉTODOS
Desenho e sujeitos do estudo
Trata-se de estudo experimental, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, caracterizado pela avaliação dos efeitos dos ácidos graxos ω-3 sobre parâmetros antropométricos e bioquímicos do estado nutricional, indicadores de qualidade de vida e capacidade funcional de pacientes com câncer gastrintestinal. Esse ensaio clínico foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás.
Os indivíduos participantes do estudo foram adultos (>18 anos) e idosos (>60 anos) com diagnóstico de câncer de esôfago, estômago, pâncreas ou vias biliares. Foram incluídos no estudo todos os pacientes internados ou atendidos no Ambulatório de Oncologia Cirúrgica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG, Goiás, Brasil) no período de julho de 2010 a abril de 2011, que consentiram sua participação na pesquisa, totalizando a amostra de 21 indivíduos.
Critérios de inclusão e exclusão
Os critérios de inclusão dos pacientes foram: diagnóstico confirmado de câncer de esôfago, estômago, pâncreas ou vias biliares confirmado por exame radiológico e histológico ou citológico; perda de peso grave (> 10% do peso usual ou > 5% nos últimos três meses), expectativa de vida superior a dois meses, escala de desempenho de Karnofsky (KPS) igual ou superior a 30 (19). Os critérios de exclusão foram: idade <18 anos, IMC > 25,0 kg/m2 sem perda de peso grave, incapacidade de discernimento, doenças/transtornos mentais, uso de marca-passo ou peças/próteses metálicas no corpo, pacientes em uso de terapia antineoplásica (químio e/ou radioterapia) ou que receberam essa terapia nas últimas quatro semanas, pacientes em uso de nutrição parenteral exclusiva, disfunções absortivas graves, obstrução do acesso digestivo, edema ou distúrbios hidroeletrolíticos, pacientes em uso de medicamentos anti-inflamatórios não esteroides (AINES) e pacientes em uso de suplementação de ácidos graxos ω-3 nas duas semanas anteriores ao estudo.
Protocolo de suplementação
A amostra foi dividida em dois grupos experimentais: grupo suplemento (S) - recebeu a suplementação diária de ácidos graxos ω-3 em cápsulas industrializadas de óleo de peixe e linhaça; grupo placebo (P) - recebeu, diariamente, cápsulas industrializadas contendo óleo de soja. Cada cápsula administrada ao grupo suplemento (S) possuía 1.000 mg de óleo de peixe e linhaça contendo 710 mg de ácidos graxos ômega-3, sendo 267 mg na forma ácido linolênico, 214,3 mg na forma ácido eicosapentanoico (EPA) e 113,5 mg na forma ácido docosahexanoico (DHA), conforme laudo técnico de análise do lote realizado por cromatografia gasosa pela Faculdade de Engenharia de Alimentos da UNICAMP. Cada cápsula de placebo possuía 1.000 mg de óleo de soja, colorido artificialmente com o corante artificial amarelo crepúsculo para mais semelhança física com as cápsulas de suplemento, apresentando teores não significativos de EPA e DHA.20
A suplementação teve duração de duas semanas. Para ambos os grupos, as cápsulas foram entregues ao cuidador e os mesmos foram orientados a fornecê-las aos pacientes duas vezes ao dia, sendo quatro cápsulas pela manha e três cápsulas à tarde, no intervalo entre as refeições, ingeridas com água (no caso de via oral), ou misturadas à dieta enteral (no caso de dieta enteral exclusiva). A cada cuidador foi entregue um mapa de monitoramento diário do consumo de cápsulas, que foi devolvido à pesquisadora responsável ao final do esquema de suplementação para verificação da adesão do paciente ao estudo.
Variáveis socioeconômicas, clínicas, antropométricas e bioquímicas
Foram coletados os seguintes dados pessoais, socioeconómicos e do histórico médico dos indivíduos: idade, escolaridade em anos de estudo, renda per capita em dólares e tempo de diagnóstico do câncer (em dias). A avaliação antropométrica foi realizada no início e ao final do protocolo de suplementação. Foram realizadas as seguintes medidas antropométricas: peso (balança Tanita HD314 solar, 150 kg de capacidade e 100 g de precisão) e estatura (estadiómetro portátil Sanny ES-2060, 200 cm de capacidade e 0,5 cm de precisão), de acordo com as técnicas preconizadas pela World Health Organization21; cálculo e classificação do IMC para adultos segundo World Health Organization22; e idosos, segundo Lipschitz et al.23 Para aferição da composição corporal foi realizada a bioimpedância tetrapolar (BodyStat 1500), com os pacientes de bexiga vazia, sem edema ou distúrbio hidroeletrolítico.
A avaliação bioquímica foi realizada no início e ao final do protocolo de suplementação. Foram avaliados hemograma (série branca), contagem total de linfócitos (CTL), proteínas totais, albumina, transferrina, proteína C reativa e cortisolemia. As amostras de sangue venoso foram coletadas após jejum de 12 horas e analisadas pelo laboratório de análises clínicas do HC/UFG.
Capacidade funcional e qualidade de vida
A capacidade funcional dos indivíduos foi avaliada por meio da escala de desempenho de Karnofsky (KPS)19. A qualidade de vida dos pacientes foi medida pelo questionário The European Organisation for Research and Treatment of Câncer (EORTC) QLQ-C30 versão 3.0, que foi preenchido no tempo zero e ao final do protocolo de suplementação pela pesquisadora responsável e conforme relato do paciente. Após o preenchimento, os escores da capacidade funcional, sintomas e saúde global foram calculados de acordo com as recomendações do manual da EORTC24.
Análise estatística
O banco de dados foi elaborado no software Microsoft Excel (Versão 2007) e transcrito para o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, Chicago, IL versão 17.0). Na análise foi empregada estatística descritiva, com variáveis expressas em média e desvio-padrao, frequências absolutas e relativas.
Adotou-se o teste de Shapiro-Wilk para avaliar a normalidade das variáveis numéricas. Para a comparação entre grupos (P e S) foi usado o teste de Mann-Whitney (amostras independentes) e para as comparações do tipo antes e depois, o teste de Wilcoxon. O nível de significância foi de 5% (p<0,05).
RESULTADOS
Dos 30 pacientes que consentiram sua participação no estudo, 21 completaram as duas semanas do protocolo de suplementação. Entre os nove excluídos do ensaio clínico, dois foram a óbito, quatro não aderiram ao consumo das cápsulas e três não retornaram para reavaliação.
A amostra final (n = 21) foi composta de cinco mulheres e 16 homens, dos quais 10 tinham neoplasia de estômago, três de esôfago, cinco de vias biliares e três de pâncreas. A distribuição dos pacientes por tipo de neoplasia, grupo de tratamento e gênero encontra-se na Tabela 1.
As características sociodemográficas e o tempo de diagnóstico dos participantes do estudo estao descritos na Tabela 2. Durante o estudo não foram relatadas reações adversas ou sintomatologia relacionada ao uso das cápsulas de placebo ou suplemento pelos pacientes.
Em relação à normalidade das variáveis, não apresentaram comportamento normal para o grupo placebo os parâmetros KPS (antes e depois do tratamento) e escala de capacidade funcional e sintomas (antes do tratamento). Para o grupo suplemento, não exibiram normalidade as variáveis % GC (após tratamento), peso gordo (antes do tratamento) e CTL (antes e depois do tratamento).
A amostra total (n=21) relatou média de peso anterior ao diagnóstico de 65 ± 14,8 kg que, quando comparada ao peso apresentado no início do estudo, teve perda ponderal média de 17 ± 5,9%, considerada grave. A média de IMC da amostra foi de 20,5 ± 3,4 kg/m2, sendo que, segundo a classificação do IMC por faixa etária (adultos e idosos), 57,1% da amostra apresentaram baixo peso, 33,3% eutrofia e 9,6% sobrepeso.
A média de perda de peso do grupo P após 14 dias de suplementação foi de -0,4 ± 2,7 kg, com amplitude de -4,1 a +3,2 kg, e a média de ganho de peso do grupo S foi de 0,07 ± 1,4 kg, com amplitude de -3,4 a +1,2 kg, sem significância estatística. Porém, no grupo P, 70% dos pacientes perderam peso, 10% mantiveram e 20% ganharam, enquanto no grupo S 72% dos indivíduos ganharam e 27% perderam massa corporal. Ao comparar os grupos experimentais (grupo P, n=10) e (grupo S, n=11) não se verificaram diferenças estatisticamente significantes para as demais variáveis antropométricas e da composição corporal, conforme mostra a Tabela 3.
Além da perda ponderal grave, a amostra total (n=21) apresentou leve depleção proteica e imunológica, com média de níveis séricos de proteínas totais ao início do estudo de 5,9 ± 1,1 g/dL, níveis séricos de albumina de 3,4 ± 0,6 g/dL e média da CTL de 1.717,2 ± 889,8 cel/mm3. Em todos os pacientes da amostra constatou-se resposta inflamatória de fase aguda, com média dos níveis séricos de transferrina diminuídos (170,8 ± 77,6 mg/dL) e média dos níveis séricos de proteína C reativa aumentados (21,7 ± 14,9 mg/dL), quando comparados aos valores de referência.
Comparando-se os grupos P e S entre si, os níveis de PCR do grupo S ao final do estudo foram significantemente menores (p=0,006) em comparação ao grupo P, indicando possível atenuação da atividade inflamatória naquele grupo (Tabela 3).
A análise dos dados intragrupos, após os 14 dias de suplementação, mostra que houve significativa redução dos níveis séricos de proteínas totais (p=0,005) e albumina (p=0,011) para o grupo P, o que se traduz por déficit proteico e aumento dos níveis de PCR (p=0,005), bem como redução da CTL (p=0,037). Para o grupo S, os níveis séricos de transferrina do grupo S aumentaram significativamente (p=0,010), bem como houve redução dos níveis de PCR (p=0,033) e cortisol (p=0,020), dados que sugerem atenuação da resposta inflamatória de fase aguda e estresse metabólico entre os pacientes.
Em relação à capacidade funcional, considerando-se os 21 pacientes incluídos na amostra, os mesmos apresentaram escore médio na escala de desempenho de Karnofsky de 54,2 ± 14,6, o que indica que eles requeriam ajuda frequente para realização de suas atividades diárias e tratamento médico especializado. Quanto à qualidade de vida, a amostra apresentou escores ao início do estudo de 66,3 ± 15,9 para as questoes relacionadas ao status funcional; escore de 23,5 ± 10,6 para as questoes envolvendo sintomas; e 58,8 ± 22,4 para as questoes envolvendo a saúde global.
Não houve diferença estatisticamente significante na capacidade funcional segundo a escala de Karnofsky comparando-se os grupos de tratamento (análise intergrupos); porém, considerando-se a análise após a suplementação, houve significativo aumento (p=0,020) para essa escala no grupo S, indicando melhora da capacidade funcional. Este achado sugere melhora da capacidade de realização das atividades diárias, menos dependência de terceiros e menos necessidade de cuidados médicos frequentes. Quanto à qualidade de vida, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes para os escores analisados (status funcional, sintomas e saúde global) (Tabela 4).
DISCUSSÃO
Este estudo avaliou como desfecho principal o efeito dos ácidos graxos ω-3 sobre o peso, composição corporal e status bioquímico de pacientes com câncer gastrintestinal e como desfecho secundário o efeito sobre a capacidade funcional e qualidade de vida dos mesmos. Uma visão geral do trabalho demonstra que, com o consumo do óleo de peixe e linhaça, rico em ω-3, foram notados alguns benefícios relevantes para os pacientes oncológicos com caquexia, em especial em parâmetros bioquímicos que são modificados em curto prazo de tempo.
Houve redução dos níveis de transferrina, proteína C reativa e cortisol, resultados que sugerem que os ácidos graxos ω-3 foram capazes de atenuar a resposta inflamatória e o catabolismo dos pacientes oncológicos. Também foi encontrada melhora da capacidade funcional aferida pela escala de desempenho de Karnofsky, indicando menos dependência de terceiros na realização de atividades diárias e menos necessidade de cuidados médicos intensivos pelos pacientes.
A média da perda de peso anterior à doença da amostra avaliada foi semelhante à de outros estudos, como o de Barber et al.25, que encontraram média de perda ponderal de 11,8% para o grupo não tratado e 17,9% para o grupo que recebeu óleo de peixe; e como o de Gogos et al.26, que obtiveram 13,3% para o grupo suplemento e 14,6% para o grupo placebo. Esses achados acusam que o paciente oncológico exibe perda de peso grave, comumente associada à alteração da composição corporal, perda de massa magra, com consequente redução da capacidade funcional e qualidade de vida.
No tocante à média do IMC inicial dos 21 pacientes, esse dado é semelhante ao da maioria dos estudos encontrados na literatura: Fearon et al.15 (IMC=21,9 ± 0,4 kg/m2), Fearon et al.16 (IMC= 20,9 kg/m2), Person et al.27(IMC=21,3 ± 4,4 kg/m2), Nakamura et al.28 (IMC=19,0 ± 8,0 kg/m2), Moses et al.29 (IMC=20,0 kg/m2) e Burns et al.14 (IMC= 21,0 kg/m2).
Apesar de não encontradas diferenças estatísticas significantes para o peso, constatou-se que neste estudo o consumo do suplemento foi capaz de estabilizar a perda ponderal, enquanto o grupo que recebeu placebo continuou com a redução progressiva da massa corporal. A estabilização da perda de peso dos pacientes verificada neste trabalho também foi observada por Burns et al.14 em indivíduos com tumores sólidos generalizados, consumindo 7,7 g de EPA + 2,8 g de DHA em cápsulas por um a dois meses e por Fearon et al.15 utilizando suplemento enriquecido com EPA e antioxidantes por oito semanas em pacientes com neoplasia pancreática. Entretanto, Barber et al.25,30 apuraram significante ganho de peso em três a sete semanas de suplementação, utilizando dosagens de 2 g de EPA/dia. Ressalta-se que apenas o último estudo teve grupo-controle e que a dosagem e o tempo de suplementação foram superiores aos do presente estudo. Em outro trabalho randomizado e duplo-cego de Fearon et al.16, em que se forneciam 2 g de EPA/dia para pacientes com tumores generalizados, não foram encontradas diferenças significantes no peso e massa magra, resultado que pode ser atribuído ao perfil heterogêneo de tipo e estágio de neoplasia dos pacientes.
Sugere-se que o ω-3 foi capaz de atenuar a resposta de fase aguda e estresse metabólico dos pacientes, o que se traduz pela redução nos níveis de transferrina, PCR e cortisol no grupo que recebeu o óleo de peixe. Corroborando esses achados, Barber et al.25,30 registraram aumento da produção de proteínas de fases agudas negativas (albumina, pré-albumina e transferrina) e redução da cortisolemia. Fearon et al.16 não detectaram diferenças nos níveis séricos de albumina entre os grupos placebo, 2 g/dia EPA e 4 g/dia EPA.
Houve significativa redução da reserva imunológica celular do grupo P, avaliada pela CTL, bem como tendência a aumento (p=0,062) do mesmo parâmetro para o grupo S. Esse achado pode indicar um possível efeito do suplemento sobre o status imunológico do paciente oncológico, inibindo a imunossupressão característica da caquexia. Gogos et al.26 constataram efeitos positivos da suplementação de 18 g/dia de ω-3 + 200 mg de vitamina E sobre a imunidade celular de pacientes com neoplasias generalizadas. Salienta-se a elevada dosagem utilizada nesse estudo, bem como a diversidade de quadros clínicos dos pacientes incluídos na amostra. Nakamura et al.28, fornecendo 1.000 mL/dia de suplemento enriquecido com ω-3 por cinco dias para pacientes oncológicos pré-cirúrgicos, observaram melhora da resposta imunológica pré e pós-operatória no grupo suplementado, bem como diminuição de complicações pós cirúrgicas.
E relação à escala de desempenho de Karnosfky (KPS), neste estudo foi verificado significativo aumento da mesma, indicando mais capacidade funcional para o grupo que recebeu óleo de peixe e linhaça. Resultados semelhantes foram acusados por Barber et al.25 e Gogos et al.26, que referiram média de KPS de 51,0 ± 3,0 para o grupo placebo e 54,0 ± 2,0 para o grupo suplemento. Tais resultados discordaram dos obtidos por Bruera et al.13, que não encontraram diferenças significativas no KPS.
Barber et al.25,30, Burns et al.14, Fearon et al.15, Fearon et al.16 e Persson et al. 27 encontraram diferenças significantes nos escores de aferição da qualidade de vida de pacientes suplementados com ω-3, com incremento principalmente no apetite e na redução de sintomas. Os melhores escores são encontrados em indivíduos que sofreram ganho de peso e aumento de massa magra. Em discordância com os dados da literatura, este estudo não encontrou diferenças significativas nos escores de avaliação de sintomas, como cansaço, fraqueza, queixas álgicas, bem como diferenças na saúde global dos pacientes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A caquexia é uma síndrome de grande relevância clínica e importante preditor de mortalidade, contribuindo também para a redução da qualidade de vida nos estágios avançados do câncer. Tendo em vista que o tratamento nutricional e medicamentoso convencional apresenta baixa efetividade no manejo da caquexia, a suplementação de ácidos graxos ω-3 parece atuar como coadjuvante no tratamento dessa síndrome, de maneira efetiva.
Os estudos encontrados ainda são controversos e somente dao suporte ao uso da suplementação para pacientes com câncer do trato digestivo alto, com doença avançada. A presente pesquisa obteve resultados que reforçam o uso da suplementação de ácidos graxos ω-3 em Oncologia. No entanto, são necessárias mais investigações associando os ω-3 a outras estratégias terapêuticas, nutricionais ou medicamentosas, avaliando a eficácia dos mesmos em diferentes tipos e estágios do câncer, em diferentes dosagens, por tempo mínimo de suplementação de quatro semanas, para que se obtenha efetivo benefício sobre o peso e composição corporal, parâmetros que se modificam em mais longo prazo. Também devem ser avaliadas a tolerância e a aceitação dos pacientes à suplementação dos ácidos graxos ômega-3 via cápsulas por longos períodos.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à equipe de cirurgia oncológica, na pessoa da Drª. Fátima Mrué, pelo incentivo e colaboração no estudo; à Nut. Ms. Ana Paula Rodrigues, pela colaboração nas análises estatísticas; à Prof. Drª. Juliana da Cunha, pelas sugestoes; e à Vital Atman Ltda., nas pessoas do Sr. Flávio Vera e Larissa Marin, pelo apoio à pesquisa e patrocínio.
Declaramos não haver conflitos éticos e de interesse relacionados a esta pesquisa.
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