RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. (4 Suppl.1)

Voltar ao Sumário

Artigos de Revisão

Profilaxia secundária endoscópica e medicamentosa em crianças e adolescentes com varizes esofágicas

Endoscopic and pharmacologic secondary prophylaxis in children and adolescents with esophageal varices

Juliana Magalhães Reis dos Santos1; Alexandre Rodrigues Ferreira2; Eleonora Druve Tavares Fagundes2; Amanda Pifano Soares Ferreira3; Letícia Sauma Ferreira3; Maria Carolina Ribeiro Magalhães3; Francisco José Penna4

1. Pediatra e especialista em Gastroentorologia pediátrica. Servidora da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) - Hospital Infantil João Paulo II. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas (UFMG), Pediatra do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Acadêmica do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Professor Titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Belo Horizonte, MG - Brasil. Chefe do Setor de Gastroenterologia Pediátrica da Faculdade de Medicina da UFMG, Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Rua República Argentina, 310/303 Bairro: Sion
Belo Horizonte, MG - Brasil CEP: 30315-490
Email: alexfer1403@gmail.com

Instituição: Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas (UFMG) Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

Hipertensão porta é uma síndrome clínica decorrente de doenças hepáticas e extra-hepáticas, tendo como principal complicação a hemorragia digestiva alta por sangramento de varizes esofagianas. O objetivo deste artigo é apresentar revisão atualizada sobre profilaxia secundária de varizes esofagianas em crianças e adolescentes, a partir de revisão da literatura dos últimos 30 anos. A profilaxia secundária está indicada a todos os pacientes com sangramento de varizes esofagianas. Em adultos, o método considerado de melhor eficácia é o uso combinado de beta-bloqueador e ligadura elástica. Na infância, não existe consenso sobre a melhor forma de profilaxia e a maioria dos estudos são relatos de séries de casos. A terapia endoscópica tem apresentado eficácia de 80 a 100% em erradicar as varizes esofágicas. O único estudo randomizado em pediatria que comparou os métodos endoscópicos foi mais favorável à ligadura elástica. Poucos estudos relatam o uso do propranolol na infância. Somente um estudo, não randomizado, comparou escleroterapia isolada ou associada ao propranolol e não foi observado benefício com a associação. Desta forma, não há consenso sobre a melhor forma de realizar profilaxia secundária na criança. A terapia endoscópica tem se mostrado eficaz em erradicar as varizes esofágicas, porém, o papel do propranolol em pediatria ainda precisa ser definido.

Palavras-chave: Hipertensão Portal; Criança; Profilaxia Secundária; Varizes Esofágicas.

 

INTRODUÇÃO

Hipertensão porta (HP) é uma síndrome clínica caracterizada por aumento de pressão sanguínea no sistema porta.1 A hemorragia digestiva alta (HDA) decorrente da ruptura de varizes esofagianas é a principal causa de morbimortalidade da doença.2 Na ausência de tratamento, o risco de recorrência do sangramento nas primeiras seis semanas é de até 70% em pacientes adultos3, não existindo dados conclusivos em pediatria1. Assim, é fundamental estabelecer medidas para evitar um novo episódio.

A recomendação atual, em adultos, é iniciar a profilaxia secundária no sexto dia após o sangramento.4 O tratamento combinado de beta-bloqueador e ligadura elástica é considerado o método de melhor eficácia.4 A literatura é escassa em relação à profilaxia secundária da HDA por sangramento de varizes esofagianas em crianças5-21 e, por isso, na prática clínica, muitas vezes são adotadas medidas estabelecidas para adultos22. Porém, devido às diferenças existentes entre as faixas etárias em relação à fisiologia, etiologia da HP e resposta ao sangramento e fármacos, torna-se necessário conhecer melhor a evolução e eficácia da profilaxia secundária nos pacientes pediátricos.2

O presente artigo tem como objetivo apresentar revisão atualizada dos últimos 30 anos sobre a profilaxia secundária endoscópica e medicamentosa da hemorragia digestiva alta em crianças e adolescentes com varizes esofagianas.

 

HIPERTENSÃO PORTA

O sistema venoso portal é um sistema de baixa pressão em pessoas saudáveis. Hipertensão porta (HP) é definida como aumento da pressão no sistema porta acima de 10 mmHg.1 As causas da HP podem ser divididas, de acordo com o local da lesão, em pré-hepática, intra-hepática (pré-sinusoidal, sinusoidal e pós-sinusoidal) e pós-hepática (Tabela 1).1

 

 

Na infância, a causa mais frequente de HP é a trombose de veia porta (TVP), sendo observada em até 40% das crianças com HDA por varizes esofagianas.5 A manifestação clínica inicial em quase a metade dos pacientes é a HDA.5 Aproximadamente 79% dos portadores de TVP irão apresentar pelo menos um episódio de HDA durante suas vidas, sendo esta a principal causa de morbimortalidade da doença.5,6

As outras causas mais comuns de HP na infância são a fibrose hepática congênita e a cirrose hepática. A cirrose hepática na infância é decorrente de várias doenças, como a atresia de vias biliares (AVB), hepatite autoimune, colangite esclerosante primária, cirrose idiopática, hepatites virais, deficiência de alfa-1-antitripsina, síndrome de Alagille, entre outras.1 Em torno de dois terços das crianças com cirrose apresentam varizes de esôfago e o risco de HDA nesses pacientes pode atingir 38% em cinco anos.23,24

Aproximadamente dois terços dos portadores de HP irão apresentar um episódio de HDA por ruptura de varizes esofagianas.2 O sangramento pode ser volumoso e ameaçador à vida, já que o fluxo sanguíneo nas varizes é expressivo e não existem mecanismos locais de tamponamento. Em relação à etiologia da HP, o risco de sangramento por ruptura de varizes esofagianas na trombose de veia porta é mais alto do que na cirrose (79% versus 38%).6,23,24 Entretanto, a gravidade do episódio de sangramento tende a ser maior nos cirróticos, provavelmente pelo acometimento da função hepática.25 A endoscopia digestiva alta (EDA) é o método de escolha para detectar varizes esofágicas, sendo avaliados o tamanho das varizes e os sinais de cor avermelhada, que indicam aumento do risco de sangramento.2

 

VARIZES ESOFAGIANAS

A literatura sobre história natural26,27 e tratamento de varizes esofágicas em crianças é escassa.5-21 Por isso, muitas condutas pediátricas baseiam-se na experiência em adultos.22 Em adultos, a prevalência de varizes esofagianas é muito elevada na ocasião do diagnóstico de cirrose, estando presente em 40% dos pacientes com cirrose compensada e 60% naqueles com ascite.2 Os fatores de risco para que ocorra HDA secundária à ruptura das varizes esofagianas são o tamanho das varizes, sinais de cor avermelhada e gravidade da disfunção hepática (classificação de Child-Pugh)2. A incidência de sangramento das varizes nos cirróticos é de 25% em dois anos. Após o primeiro sangramento, a incidência de ressangramento é de 30 a 40% nas primeiras seis semanas e de 63% em dois anos.2 A mortalidade após episódio de HDA pode chegar a 40%. Portanto, todos os adultos com HDA por ruptura de varizes esofagianas devem ser tratados para prevenir novos sangramentos.2

Os dados referentes à faixa etária pediátrica são menos conhecidos. Em crianças com TVP, a chance de ocorrer HDA por ruptura de varizes esofagianas pode chegar a 80%.5,6 Naquelas com cirrose por AVB, o risco de sangramento é em torno de 23 a 55% e a sobrevida após o sangramento é acima de 50% em cinco anos.27 A mortalidade geral em crianças após HDA é de até 8%.26

 

PROFILAXIA SECUNDARIA

A profilaxia secundária visa a impedir novos episódios de HDA e já está bem estabelecido que todos os pacientes, tanto adultos como crianças, devem ser tratados. São utilizados tratamentos endoscópicos e/ou medicamentosos.5-21 A profilaxia endoscópica, a partir da ligadura elástica ou escleroterapia, visa a reduzir ou eliminar as varizes, diminuindo a chance de sangramento. Porém, não há alteração da pressão do sistema porta, o que pode levar à formação de varizes em outros sítios (como gástrico, duodenal e retal) ou à gastropatia da HP.

A terapia medicamentosa tem como objetivo reduzir a pressão no sistema porta, tanto pela diminuição da resistência quanto do fluxo esplâncnico, levando, portanto, à diminuição do risco de sangramento. Em adultos, já foram estudados os agentes beta-bloqueadores não seletivos (propranolol, nadolol) e nitratos (mononitrato de isossorbida).4 No presente artigo, só será abordado o propranolol, já que este é o único agente com relato de uso na pediatria. Em relação aos adultos, a recomendação é iniciar a profilaxia secundária, a partir do sexto dia do sangramento.4 Atualmente, o método considerado de melhor eficácia é o uso combinado de beta-bloqueador e ligadura elástica.4

Não se podem extrapolar dados de estudos feitos com adultos para a faixa etária pediátrica por diversas razões2: em adultos, a principal causa de HP é cirrose hepática. Nas crianças, metade dos casos é devida à trombose de veia porta (TVP), cujo mecanismo de HP é diferente da cirrose e a função hepatocelular está preservada. Além disso, comorbidades são comuns em adultos, podendo aumentar a morbimortalidade nessa faixa etária. Outro fator que difere entre os grupos é a resposta hemodinâmica ao sangramento ou aos fármacos.

Não há consenso sobre a melhor forma de prevenção na criança.22 Existem poucos estudos sobre profilaxia secundária na criança, sendo a maioria relatos de séries de casos.5-21 De acordo com a opinião de experts pediátricos sobre o consenso de Baveno IV, a ligadura elástica parece ser efetiva em crianças com HP secundária à cirrose e, provavelmente, seja superior à escleroterapia.22 Em relação ao beta-bloqueador, seu uso isolado ou associado à terapia endoscópica requer mais investigação, sendo necessários ensaios clínicos randomizados. Para as crianças com TVP, a opinião dos experts é que a profilaxia secundária pode ser realizada com terapia endoscópica ou shunts cirúrgicos, como o meso-rex bypass e esplenorrenal distal. Não existem evidências suficientes sobre o uso de beta-bloqueador nesses pacientes.22

 

ESCLEROTERAPIA

A escleroterapia foi o primeiro método utilizado em crianças como profilaxia secundária. Ela é feita sob visualização endoscópica, por meio da injeção paravasal ou intravasal do agente esclerosante. Os agentes esclerosantes mais comumente utilizados são o ethamolin 3%, álcool absoluto, tetradecyl sulfato 3%, ethoxysclerol 1%, fenol 3%, entre outros. O procedimento é repetido em intervalos de duas a quatro semanas, até erradicação das varizes.7-12 Vários estudos têm demonstrado a eficácia da escleroterapia na prevenção de novos episódios de HDA em crianças e adolescentes com HP7-10 (Tabela 2).

 

 

A taxa de erradicação das varizes é em torno de 90%, mas recidivas ocorrem em até 40% dos casos.7-10 O risco de novos episódios de HDA é baixo (0 a 11,9%), sendo a maioria dos casos proveniente de varizes gástricas ou úlcera duodenal.7-10

A escleroterapia é um procedimento com baixo risco de complicações graves, embora reações leves tenham sido frequentemente relatadas. Em 1991, Hill e Bowie6 encontraram como complicações febre transitória (39%), desconforto retroesternal (30%), úlcera de esôfago (18%) e estenose esofágica (12%)6. Sokucu et al.11 relataram 25% de dor retroesternal, pneumonia de aspiração (5,2%), mediastinite (2,6%) e úlcera no local da injeção (7,9%). Em estudo realizado por Zargar et al.8, complicações foram registradas em 28,9% dos casos. Sangramento entre as sessões de escleroterapia e úlcera esofágica foram os efeitos adversos mais frequentes.8

Após a erradicação das varizes esofágicas com a escleroterapia, tem sido verificado aumento na frequência de varizes gástricas isoladas (VGI) e piora da gastropatia da hipertensão porta.7,12 Itha et al.7 acompanharam 163 crianças com TVP submetidas à profilaxia secundária com escleroterapia. Eles apuraram que, após a erradicação das varizes esofágicas, houve aumento das VGIs (de dois pacientes para 15, p=0,001). Em relação à gastropatia da HP, sua frequência aumentou de 12% para 41% após a escleroterapia (p=0,001). O aumento das VGIs, assim como da gastropatia da HP, decorre da redistribuição do fluxo sanguíneo que antes drenava para as varizes esofágicas esclerosadas. Os resultados encontrados por esse estudo são semelhantes aos descritos por Poddar et al.12, que acompanharam 274 crianças com TVP em profilaxia secundária com escleroterapia e referiram aumento na frequência das VGIs e gastropatia da HP.

 

LIGADURA ELASTICA

O primeiro relato de ligadura elástica de varizes esofágicas em criança foi feito por Hall et al.13 em 1988. O procedimento é realizado a partir da introdução do endoscópio até a junção esôfago-gástrica, sucção da variz pelo aparelho de ligadura e colocação de um anel elástico em sua base, provocando isquemia da mesma. Em 2002, Mckiernan et al.15 descreveram pela primeira vez o uso do multiband ligator em crianças. Tal técnica tem a vantagem de não precisar ser recarregada após cada ligadura, evitando múltiplas reintubações do esôfago pelo endoscópio.

Em adultos, é bem estabelecida a superioridade da ligadura elástica em relação à escleroterapia na profilaxia secundária de varizes esofagianas4. Porém, em crianças, existem poucos registros na literatura sobre seu uso14-18 (Tabela 3) e só há um estudo randomizado comparando os métodos19.

 

 

A ligadura elástica apresenta alta taxa de erradicação das varizes, de até 100%, necessitando, em média, de duas a quatro sessões endoscópicas.14-18 O ressangramento é reportado em até 27% dos pacientes.16 Quanto à recidiva, as taxas variam na literatura entre 9 e 75%.14-18 Provavelmente, essa ampla variação é devida ao baixo número de pacientes das amostras, além de diferentes critérios utilizados para definir recidiva de variz.

Quanto à segurança da técnica, poucos efeitos colaterais são ressaltados, como febre transitória, disfagia e odinofagia nas primeiras 48 horas, que respondem bem a analgésicos comuns, e úlcera esofágica relacionada ao procedimento.13-18 Raramente foram citados casos de sangramento entre as sessões endoscópicas.15-17 Price et al. 16 sugerem que o procedimento não seja realizado em menores de um ano, porque o pequeno diâmetro do esôfago dificulta a realização da ligadura, podendo aumentar as complicações.

O único estudo randomizado em pediatria que compara ligadura elástica e escleroterapia na profilaxia secundária de varizes esofágicas foi realizado por Zargar et al.19. Os autores estudaram 25 crianças submetidas à ligadura e 24 à escleroterapia. Não houve diferença estatística em relação às características dos pacientes dos dois grupos. A taxa de sucesso para erradicação foi semelhante entre os grupos (96% com ligadura x 91,7% com escleroterapia), porém a ligadura elástica necessitou de menos sessões endoscópicas (3,9±1,1 x 6,1±1,7 p<0,0001). Além disso, houve reduzida taxa de ressangramento precoce (4% x 25% p=0,049) e menos complicações maiores (úlcera esofágica, estenose e pneumonia) com a ligadura elástica (4% x 25% p=0,049). As complicações menores (dor retroesternal, febre transitória) foram semelhantes com os dois tratamentos. Não houve diferença estatística em relação à recorrência de varizes (17% x 10% p=0,67) e ressangramento após erradicação (4,5% x 5% p1,0). Os autores concluíram que a ligadura elástica apresenta vantagens significativas em relação à escleroterapia em termos de eficácia e segurança e tal técnica deve ser a primeira escolha para erradicação de varizes. Porém, são necessários mais estudos randomizados e com mais alto número de pacientes para confirmar esses achados.

 

USO ISOLADO DE BETA-BLOQUEADOR

O propranolol é um agente beta-bloqueador não seletivo, que atua nos receptores beta-cardíacos levando à diminuição da frequência cardíaca (FC) e da pós-carga. Seu uso em pacientes com HP leva à diminuição do fluxo sanguíneo portal e aumento da resistência arteriolar esplâncnica. Consequentemente, ocorre diminuição da pressão nas varizes, podendo diminuir o risco de sangramento.20 A dose para criança descrita na literatura é de 1 a 5 mg/kg/dia, fracionada em duas a três vezes ao dia, visando à redução de 25% da FC em repouso.11,20

Vários estudos em adultos com cirrose mostram a eficácia do uso isolado do propranolol na profilaxia secundária e sua eficácia já está bem estabelecida.3,4,28 Em 1995, D'Amico et al.3 realizaram metanálise com 11 estudos randomizados avaliando o uso do propranolol como profilaxia secundária. Houve redução do ressangramento em todos os estudos, sendo significante em quatro. A metanálise realizada por Bernard et al. confirmou que os agentes beta-bloqueadores não seletivos diminuem o risco de sangramento por varizes esofágicas em pacientes com cirrose e aumentam significantemente a taxa de sobrevida.28

Existem apenas poucas séries de casos avaliando o uso do propranolol em crianças com HP.5,6,11,20,21 Em 1999, Shashidhar et al.20 publicaram o primeiro estudo prospectivo avaliando o uso de propranolol em crianças com HP. Eles acompanharam quatro crianças após HDA usando propranolol, sem terapia endoscópica associada. Um paciente (25%) ressangrou em três anos de acompanhamento.

Ozsoylu et al.21 descreveram 15 pacientes pediátricos com HP secundária à cirrose usando propranolol como profilaxia secundária. Todos usaram o propranolol sem associação de terapia endoscópica. A taxa de ressangramento foi de 53,3%, sendo de 20% em pacientes com Child A e de 70% em pacientes com Child B e C. Eles concluíram que o propranolol só é efetivo na profilaxia secundária em pacientes com cirrose compensada (Child A).

Ao estudar a evolução de crianças com TVP, Gürakan et al. citaram o uso de propranolol como profilaxia secundária em seis pacientes.5 Eles observaram que foi preciso associar outro método em todos os casos para evitar ressangramento. Porém, esse estudo não informa taxa de ressangramento nem tempo de seguimento dessas crianças.

 

TERAPIA ENDOSCOPICA ASSOCIADA A BETA-BLOQUEADOR

O uso combinado de terapia endoscópica e medicamentosa visa a somar os diferentes mecanismos de ação dos métodos e é mais eficaz do que cada modalidade isolada em adultos com cirrose.4 Funakoshi et al. publicaram metanálise comparando terapia endoscópica isolada ou associada ao beta-bloqueador em pacientes adultos com cirrose.29 Foram analisados 17 ensaios clínicos randomizados. Eles concluíram que o uso combinado de beta-bloqueador e terapia endoscópica reduziu significantemente o ressangramento (odds ratio - OD) 2,2, intervalo confiança (IC) 95%: IC95%: 1,16-2,9 p=0,009). A mortalidade, em 24 meses, também foi significantemente menor no grupo com associação dos métodos (OR: 1.83, IC 95%: 1.16-2.90, p= 0.009). O consenso de Baveno V considera que o tratamento de primeira linha na profilaxia secundária de adultos com cirrose deve ser a associação de ligadura elástica e beta-bloqueador, com alto nível de evidência.4

Em pediatria, somente um estudo avaliou o uso combinado de terapia endoscópica e medicamentosa.11 Em 2003, Sokucu et al. 11 compararam retrospectivamente a evolução de 20 crianças submetidas à escleroterapia com 18 pacientes submetidos à escleroterapia associada ao propranolol. A erradicação das varizes ocorreu em 80% no grupo da escleroterapia e em 88% no grupo da terapia associada (valor de p não significante). Foi observada discreta redução do tempo necessário para erradicação no grupo com propranolol (4,1±1,4 x 3,2±0,9 meses p=0,03). Porém, não houve diferença estatística em relação a recidivas e ressangramento das varizes. Em relação aos efeitos colaterais, cinco pacientes (25%) usando o propranolol relataram fadiga, sem necessidade de suspender a medicação. Os autores concluíram que o uso da terapia combinada não foi superior à escleroterapia isolada. De acordo com a opinião de experts pediátricos sobre o consenso de Baveno IV, na infância, a terapia endoscópica associada ao beta-bloqueador requer investigação mais detalhada, devendo ser usada apenas em projetos de pesquisa.22

No serviço de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas de Minas Gerais, todas as crianças com sangramento de varizes esofágicas são encaminhadas para a profilaxia secundária endoscópica. O método preferencialmente utilizado preferencialmente é a ligadura elástica. Naquelas crianças em que não se consegue a realização da ligadura, geralmente os menores de dois anos, devido à dificuldade em passar o endoscópio com o kit da ligadura, é realizada a escleroterapia. As sessões são feitas a cada duas ou três semanas, até a erradicação de todas as varizes visíveis. Após a erradicação, a endoscopia digestiva alta (EDA) é realizada com intervalos trimestrais nos primeiros seis meses, depois semestrais e, caso o paciente permaneça sem varizes, são feitos controles anuais. A EDA é realizada a qualquer momento em caso de HDA. O propranolol não está sendo utilizado de maneira rotineira no serviço, apenas em caráter de projeto de pesquisa. A dose inicial é de 1 mg/kg/dia, sendo aumentada até o máximo de 5 mg/kg/dia, com o objetivo de reduzir em 25% a frequência cardíaca inicial. Caso o paciente tenha efeitos colaterais, o tratamento é suspenso. Em crianças que apresentam contraindicações ao uso de beta-bloqueador, como quadro de asma, o medicamento não é iniciado.

 

CONCLUSÃO

O sangramento de varizes esofágicas é a maior causa de morbimortalidade entre crianças e adolescentes com HP. Porém, é escassa a literatura sobre história natural e tratamento de varizes esofágicas na infância e adolescência. Por isso, muitas condutas pediátricas baseiam-se em experiência com adultos.

Já está bem estabelecido que todos os pacientes, tanto adultos como crianças, devem ser submetidos à profilaxia secundária, visando evitar novos episódios de HDA por ruptura de varizes esofagianas. Contudo, não há consenso sobre a melhor forma de prevenção na criança. Em relação aos adultos, o método considerado de melhor eficácia é o uso combinado de beta-bloqueador e ligadura elástica.

Nos estudos pediátricos, a terapia endoscópica tem se mostrado eficaz em erradicar as varizes, com poucas complicações relacionadas aos procedimentos. O único estudo randomizado realizado com crianças mostrou que a profilaxia com ligadura elástica utiliza menos sessões endoscópicas para erradicação e causa menos sangramentos entre as sessões do que a escleroterapia. Porém, são necessários mais estudos para confirmar esses achados.

Apesar da eficácia e segurança bem estabelecidas em adultos, ainda existem muitas dúvidas quanto ao real benefício do propranolol como profilaxia secundária na infância e faltam estudos randomizados e controlados na literatura. São necessárias pesquisas envolvendo a associação entre terapia endoscópica e medicamentosa, já que este é considerado o método de escolha em adultos. Portanto, mais investigações são necessárias para avaliar a melhor maneira de realizar a profilaxia secundária na infância e adolescência.

 

REFERENCIAS

1. Carvalho AST, Mendes CMC. Hipertensão porta: tratamento. In: Penna FJ, Mota JAC, Roquete MLV, Ottoni CMC. Doenças do fígado e das vias biliares. Rio de Janeiro: Medsi; 1999. p. 259-93.

2. Bosch J, Abraldes JG, Groszmann R. Current management of portal hypertension. J Hepatol. 2003;38:S54-S68.

3. D'Amico G, Pagliaro L, Bosh J. The treatment of portal hypertension:a meta-analytic review. Hepatology. 1995;22:332-54.

4. De Franchis R. Revising consensus in portal hypertension: Report of the Baveno V consensus workshop on methodology of diagnosis and therapy in portal hypertension. J Hepatol. 2010 Oct; 53(4):762-8. Epub 2010 Jun 27.

5. Gürakan F, Eren M, Koçak N, et al. Extrahepatic portal vein thrombosis in children: etiology and long-term follow-up. J Clin Gastroenterol. 2004;38:368-72.

6. Hill ID, Bowie MD. Endoscopic sclerotherapy for control of bleeding varices in children. Am J Gastroenterol. 1991; 86:472-6.

7. Itha S, Yachha SK. Endoscopic outcome beyond esophageal variceal eradication in children with extrahepatic portal venous obstruction. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2006;42:196-200.

8. Zargar SA, Yattoo GN, Javid G, et al. Fifteen-year follow up of endoscopic injection sclerotherapy in children with extrahepatic portal venous obstruction. J Gastroenterol Hepatol. 2004;19:139-45.

9. Poddar U, Thapa BR, Singh K. Endoscopic sclerotherapy in children: experience with257 cases of extrahepatic portal venous obstruction. Gastrointest Endosc. 2003;57:683-6.

10. Yachha SK, Sharma BC, Kumar M, Khanduri A. Endoscopic sclerotherapy for esophageal varices in children with extrahepatic portal venous obstruction: a follow-up study. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 1997;24:49-52.

11. Sökücü S, Süoglu OD, Elkabes B, Saner G. Long-term outcome after sclerotherapy with or without a betablocker for variceal bleeding in children. Pediatr Int. 2003;45:388-94.

12. Poddar U, Thapa BM, Singh K. Frequency of gastropathy and gastric varices in children with extrahepatic portal venous obstruction treated with sclerotherapy. J Gastroenterol Hepatol. 2004;19:1253-6.

13. Hall R, Lilly JR, Stiegmann GV. Endoscopic esophageal varix ligation: technique and preliminary results in children. J Pediatr Surg. 1988;23:1222-3.

14. Pokharna RK, Kumar S, Khatri PC, Chahar CK. Endoscopic variceal ligation using multiband ligator. Indian Pediatr. 2005;42:131-4.

15. McKiernan PJ, Beath SV, Davison SM. A prospective study of endoscopic esophageal variceal ligation using a multiband ligator. J Pediatr Gastroentrol Nutr. 2002;34:207-11.

16. Price MR, Sartorelli KH, Karrer FM, et al. Management of esophageal varices in children by endoscopic variceal ligation. J Pediatr Surg. 1996;31:1056-9.

17. Fox VL, Carr-Locke DL, Connors PJ, Leichtner AM. Endoscopic ligation of esophageal varices in children. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 1995;20:202-08.

18. Karrer FM, Holland RM, Michael JA, Lilly JR. Portal vein Thrombosis: treatment of variceal hemorrhage by endoscopic ligation. J Pediatr Surg. 1994;8:1149-51.

19. Zargar SA, Javid G, Khan BA, Yattoo GN, Shah AH, Gulzar GM, et al. Endoscopic ligation compared with sclerotherapy for bleeding esophageal varices in children with extrahepatic portal venous obstruction. Hepatology. 2002;36:666-72.

20. Shashidar H, Langhans N, Grand RJ. Propranolol in prevention of portal hypertensive hemorrhage in children: a pilot study. J Pediatr Gastroenterol Nutr 1999;29:12-7.

21. Özsoylu S, Koçak N, Demir H, Yüce A, Gürakan F, et al. Propranolol for primary and secondary propylaxis of varicela bleeding in children with cirrhosis. Turk J Pediatr 2000; 42.

22. Shneider B, Emre S, Groszmann R, et al. Expert pediatric opinion on the report of the Baveno IV Consensus Workshop on methodology of diagnosis and therapy in portal hypertension. Pediatr Transplant. 2006 Dec;10(8):893-907.

23. Sokal EM, VanHoorebeeck N, VanObbergh L, Otte JB, Buts JP. Upper gastrointestinal tract bleeding in cirrhotic children candidates for liver transplantation. Eur J Pediatr. 1992;151:326-8.

24. Stringer MD, Howard ER, Mowat AP. Endoscopic sclerotherapy in the management of esophageal varices in 61 children with biliary atresia. J Pediatr Surg. 1989;24:438-42.

25. McKiernan PJ. Treatment of variceal bleeding. Gastroenterol Endoc Clin North Am. 2001;11:789-812.

26. Lykavieris P, Gauthier F, Hadchouel P, Duche M, Bernard O. Risk of gastrointestinal bleeding during adolescence and early adulthood in children with portal vein obstruction. J Pediatr. 2000;136:805-8.

27. Miga D, Sokol RJ, MacKenzie T, Narkewicz MR, Smith D, Karrer FM. Survival after first esophageal variceal hemorrhage in patients with biliary atresia. J Pediatr. 2001;139:291-6.

28. Bernard B, Lebrec D, Mathurin P, Opolon P, Poynard T. Beta-Adrenergic Antagonists in the Prevention of Gastrointestinal Rebleeding in Patients With Cirrhosis: A Meta-Analysis. Hepatology. 1997;25:63-70.

29. Funakoshi N, Ségalas-Largey F, Duny Y, et al. Benefit of combination β-blocker and endoscopic treatment to prevent variceal rebleeding: A metaanalysis. World J Gastroenterol. 2010;16(47):5982-92