RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. (4 Suppl.4)

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Artigos de Revisão

Abordagem anestésica ao TRM: otimizando resultados

Spinal Cord injury management: improving outcomes

Aline Viana Carvalho Amorim1; Daniel Câmara de Rezende2; Naiara Borges Santiago3; Victor Hugo Mariath Rangel4

1. Médica-residente em anestesiologia do CET Hospital Felício Rocho - BH/MG
2. TSA/SBA - Corresponsável CET Hospital Felício Rocho; Especialista em Clínica Médica; Especialista em Terapia Intensiva
3. Médica-residente em anestesiologia do CET Hospital Felício Rocho - BH/MG; Residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Sao José - BH/MG
4. Especialista em Anestesiologia

Endereço para correspondência

Dr. Daniel Câmara de Rezende
Hospital Felício Rocho Secretaria de Anestesiologia - 3°. andar
Av. do Contorno, 9.530 Bairro: Barro Preto
Belo Horizonte, MG - Brasil CEP 30110-934
E-mail: danielrezende5@hotmail.com

Instituiçao: Hospital Felício Rocho - Belo Horizonte, MG

Resumo

A assistência a vítimas de traumatismo raquimedular (TRM) permanece complexa e desafiadora. Trata-se de doença ainda muito frequente, que atinge principalmente a população jovem. Novos esforços, tecnologias e conhecimentos acerca do assunto têm contribuído para a redução da morbimortalidade. As alterações fisiopatológicas encontradas são consequências da lesão mecânica primária e dos eventos secundários subsequentes relacionados a alterações locais e sistêmicas. Inexistem mecanismos para melhorar o prognóstico desses pacientes no tocante às lesões primárias. Sendo assim, o foco da abordagem é a prevenção de lesões secundárias. Neste sentido, o anestesiologista torna-se de grande relevância na busca de melhores resultados neurológicos, uma vez que esses pacientes são submetidos a abordagens cirúrgicas em momentos críticos. Este artigo tem como objetivo revisar a literatura específica em busca das melhores evidências disponíveis no momento para conduzir os casos de vítimas de TRM minimizando o risco de lesão medular adicional e promovendo o melhor status funcional possível.

Palavras-chave: Traumatismos e Lesões; Medula Ossea/lesões; Tronco Encefálico/ lesões; Anestesiologia; Prognóstico.

 

INTRODUÇÃO

A assistência a pacientes vítimas de traumatismo raquimedular (TRM) agudo está entre as situações mais complexas e desafiadoras para os médicos que trabalham em unidades de emergência. O acometimento de indivíduos jovens em plena atividade e o potencial devastador das sequelas associados ao TRM somados a um tema médico ainda repleto de questoes com respostas incompletas e dados limitados completam o cenário.

Estima-se a ocorrência de 8.000 novos casos por ano de TRM no Brasil, 82% acometendo o sexo masculino. A violência urbana está altamente associada às lesões raquimedulares, com os acidentes automobilísticos representando sua principal etiologia (40-50%), seguidos pelas quedas de altura (20%) e lesões por arma de fogo e arma branca (14%).1 Em nosso meio, o mergulho em águas rasas ainda representa etiologia significativa de acidentes, contribuindo com 6,5% das ocorrências. Entre todos os casos, aproximadamente metade acomete a coluna cervical.2

Nas décadas de 70-80 a mortalidade no 1° ano de pacientes vítimas de TRM com déficit neurológico completo era extremamente alta. A melhor compreensão dos mecanismos intrínsecos envolvidos na fisiopatologia do trauma, melhor assistência respiratória, reabilitação funcional e cuidados nutricionais possibilitaram a redução dessa mortalidade no primeiro ano para 5-7%.3

Grande esforço tem sido despendido nas últimas décadas na tentativa de desenvolver técnicas e drogas capazes de promover a preservação e/ou recuperação da função motora e sensitiva em pacientes com lesão medular. De maneira didática, o dano ocasionado pelo trauma raquimedular pode ser dividido em injúria primária, ou seja, aquela decorrente da lesão mecânica direta no momento do trauma, e a injúria secundária, que ocorre horas a dias após injúria primária, sendo de etiologia complexa e multifatorial. Fatores como hipóxia, hipotensão e choque, alterações locais como edema, déficit no suprimento arterial e/ou na drenagem venosa, alterações mecânicas adicionais ocasionando tanto dano medular direto ou indireto e alterações em nível celular com ativação de vias pró-inflamatórias e do mecanismo de apoptose estao envolvidos na gênese da lesão secundária.4,5 As principais alternativas terapêuticas disponíveis no momento têm como alvo de atuação os mecanismos de injúria secundária, havendo pouca possibilidade de intervenção na lesão primária.

 

MANEJO DA VIA AÉREA NO TRM

Conforme citado anteriormente, metade dos casos de traumatismo raquimedular acomete a coluna cervical. Entre os casos de TRM cervical, a localização de principal ocorrência é no nível de C2 (24%), seguido dos acometimentos de C6 e C7 (40%).6 Essa distribuição topográfica traz claras consequências clínicas, uma vez que lesões acima de C4 comprometerao o nervo frênico (C3-C5) responsável pela inervação motora diafragmática, resultando em insuficiência respiratória aguda. Nos casos de lesão abaixo de C4 o comprometimento da função respiratória vai depender de fatores associados como reserva funcional, pneumopatias prévias, tabagismo e traumas associados. Esse comprometimento costuma apresentar-se de forma mais tardia em função da pneumopatia restritiva associada à perda da musculatura acessória intercostal, tosse ineficaz, retenção de secreções, formação de atelectasias e infecções pulmonares consequentes.

A instituição de um paradigma de assistência clínica em que a imobilização é o elemento central resultou indubitavelmente melhores resultados neurológicos em vítimas de TRM nas últimas três décadas. Por outro lado, como demonstrado por Poonnoose et al.7, a falha na identificação de pacientes com TRM à admissão está associada a alto índice de injúria secundária, com consequências catastróficas.

Sendo assim, alto grau de suspeição deve ser mantido em pacientes com dor cervical persistente, inconscientes, escore de Glasglow inferior a 12, alcoolizados ou sob efeito de entorpecentes, com déficit neurológico focal e com mecanismo de trauma envolvendo grande energia cinética. Esses pacientes devem ser submetidos à avaliação radiológica em três incidências (lateral, ântero-posterior e transoral) seguida por tomografia computadorizada cervical de alta resolução nos casos em que a série radiológica não possibilitar a visualização de toda a extensão da coluna cervical ou na presença de imagens suspeitas.8 Os pacientes com fatores preditivos de TRM presentes e sem propedêutica radiológica complementar devem ser considerados e manipulados como portadores de lesão raquimedular até que propedêutica adequada seja realizada.

Todas as intervenções em vias aéreas causam algum grau de movimento da coluna cervical. Estudos mostram que existe tanta subluxação em ventilação com máscara facial e elevação do mento, quanto na intubação. Em um modelo preparado em cadáver, com segmento C1-C2 instável, observou-se maior estreitamento do espaço medular durante as manobras peri-intubação que pelas técnicas de intubação propriamente ditas. Durante laringoscopia em pacientes tanto acordados quanto inconscientes, a maior movimentação ocorreu na junção crânio-cervical. Os segmentos cervicais subaxiais, incluindo C4 e os subjacentes, são minimamente deslocados.9,10 Os dados disponíveis e a experiência clínica atual não são capazes de excluir a possibilidade de lesões secundárias à manipulação da via aérea no TRM cervical. No entanto, esses estudos mostram que a ocorrência de deterioração neurológica é baixa, quando uma técnica de imobilização crânio-cervical é permanentemente empregada durante os procedimentos de via aérea.10

Entre as técnicas de imobilização cervical, o uso do colar cervical encontra-se entre as mais universalmente utilizadas. Conforme demonstrado por Podolsky et al.11, o uso de colares rígidos e semirrígidos foram superiores em limitar a movimentação cervical em relação aos colares macios, entretanto, o uso isolado de qualquer modelo de colar cervical não restringe de maneira absoluta a movimentação da coluna cervical. Os mesmos autores demonstraram que a maneira mais efetiva de imobilização foi o uso associado de bolsas de areia laterais, fita frontal e colar cervical rígido. Alternativa interessante de imobilização, principalmente durante as manobras de abordagem da via aérea, consiste na imobilização manual em linha provida por um auxiliar. Apesar de ter sido demonstrada menos restrição de movimentos quando comparada ao uso do colar cervical em modelos experimentais de coluna cervical instável, a imobilização manual em linha está associada a melhor visualização das estruturas da via aérea. De fato, o uso do colar cervical restringe de maneira muito importante a abertura oral, sendo que Heath et al.12 encontraram graduação três ou quatro de Comarck-Lehane em 64% dos casos quando da utilização do colar cervical, enquanto apenas 22% apresentaram essa graduação quando foi utilizada a imobilização manual em linha, estudando o mesmo grupo de pacientes.

Sendo assim, dados atuais da literatura reforçam a retirada da porção anterior do colar cervical com instituição da imobilização manual em linha durante as manobras de obtenção de via aérea definitiva, com reaplicação da imobilização mecânica assim que as intervenções na via aérea houverem sido concluídas. Observou-se, em modelos experimentais, mais movimentação da coluna cervical em intubações traqueais realizadas com a presença do colar cervical, em comparação com as realizadas sob imobilização manual em linha13,14. Quando mesmo assim ainda houver dificuldade de visualização à laringoscopia, manobras como a pressão cricoide e laríngea podem e devem ser adotadas para melhorar a visualização das estruturas da laringe.13

O paciente com trauma de coluna cervical tem aumentada incidência de intubação difícil, especialmente devido à necessidade de imobilização máxima da coluna cervical.10 Diversos autores têm relatado e comparado técnicas de manejo de via aérea em pacientes com trauma de coluna cervical. A técnica mais comumente relatada e comparada com outras é a laringoscopia direta. Esses estudos são limitados tanto pelo seu reduzido tamanho de amostragem, quanto por sua natureza experimental ou caráter retrospectivo. Entretanto, eles revelam que a deterioração neurológica em pacientes com lesão cervical é incomum, mesmo em pacientes de alto risco submetidos à intubação traqueal de urgência por laringoscopia direta.13 Não existe técnica de eleição para abordagem da via aérea em pacientes vítimas de TRM. As evidências disponíveis no momento comprovam segurança da utilização de uma série de dispositivos, desde que uma técnica de imobilização seja associada nas manobras de via aérea. O tipo de lâmina utilizada na laringoscopia direta parece resultar em mínima ou nenhuma diferença em movimentação cervical, sendo a escolha associada à prática e à experiência do profissional envolvido.15

Estudos apuraram segurança e eficácia na utilização de técnicas alternativas de obtenção de via aérea, como o uso do estilete luminoso, laringoscópio de fibra óptica rígida (tipo Bullard), introdutor traqueal tipo bougie, assim como instrumentos mais modernos como o Glidescope® (laringoscópio com câmera em HD digital acoplada à lâmina).13,16,17 Esses métodos estao associados à alta taxa de sucesso de intubação, tempo inferior a um minuto para obtenção de via aérea e movimentação cervical mínima.

Entre os dispositivos supraglóticos, merece destaque o uso da máscara laríngea, especialmente o modelo Fast-trackR direcionado para a intubação. Pela facilidade de inserção, rapidez na obtenção da via aérea, intimidade da maioria dos anestesiologistas com a técnica, alta taxa de sucesso mesmo em situações de imobilização e disponibilidade, em nosso meio constitui alternativa interessante para utilização em pacientes vítimas de TRM.

Inquéritos epidemiológicos desenvolvidos pela American Society of Anesthesiologists18 e a Eastern Association for the Surgery of Trauma19 revelam o grande entusiasmo, principalmente entre anestesiologistas, com o uso da fibrobroncoscopia flexível com fibra óptica em pacientes sob risco de lesão espinhal cervical. De fato, essa parece ser a técnica de eleição para a maioria dos anestesiologistas na abordagem da via aérea desses pacientes em situações de intubação eletiva.10 A necessidade de mínima movimentação cervical e possibilidade de manutenção do colar cervical, a possibilidade de intubação acordado com exame neurológico após intubação e durante posicionamento do paciente associadas à alta taxa de sucesso fazem do método alternativa de grande valor durante a assistência a esses pacientes. Entretanto, a literatura especializada carece de estudos que comprovem que esses benefícios teóricos são traduzidos em reais benefícios clínicos em pacientes vítimas de traumatismo raquimedular quando comparado a outras técnicas. Além disso, trata-se de aparato não disponível universalmente em nosso meio, que exige a necessidade de treinamento específico e não é isento de complicações como dessaturação, obstrução aguda da via aérea e mais tempo para definição de via aérea definitiva, situações igualmente indesejáveis em vítimas de trauma na fase aguda. Sangue ou secreções também limitam a utilização da fibrobroncoscopia flexível.13

Enfim, existe uma série de dispositivos considerados seguros para o manuseio da via aérea em pacientes vítimas de TRM e os dados existentes na literatura são conflitantes em relação à técnica ideal a ser utilizada.15 Muito provavelmente a fibrobroncoscopia flexível constitui a técnica de eleição em um cenário de intubação eletiva, em paciente consciente e cooperativo, apesar dos estudos disponíveis não serem capazes de comprovar melhores resultados com uso da técnica em comparação a outras. Já em situações emergenciais, o emprego de aparatos mais corriqueiros para o anestesiologista deve ser priorizado em função de mais rapidez na definição da via aérea. A própria laringoscopia direta deve ser fortemente considerada nessas situações, pela grande intimidade dos anestesiologistas com a técnica, além de ser a mais utilizada em vários centros especializados no atendimento ao paciente politraumatizado e considerada prática aceitável pelo American College of Surgeons no ATLS20, com descrição de baixo potencial para injúria secundária, desde que imobilização adequada seja permanentemente utilizada.

 

TRATAMENTO FARMACOLOGICO: METILPREDNISOLONA E OUTRAS DROGAS

Indubitavelmente as drogas mais estudadas no cenário do TRM nas últimas décadas foram os corticosteroides e, entre eles, a metilprednisolona (MP). Seu poderoso efeito antioxidante e anti-inflamatório motivou a realização de inúmeras pesquisas experimentais na década de 70, que resultaram em dados extremamente promissores, culminando na realização de três grandes ensaios clínicos nos EUA, que balizaram o uso da metilprednisolona no tratamento de vítimas de TRM até entao.

O primeiro deles, o National Spinal Cord Injury Study (NASCIS I), publicado em 1984, estudou 330 pacientes comparando dois regimes de MP: a) 100 mg em bolus seguidos de 100 mg diários por 10 dias; b) 1.000 mg em bolus e 1.000 mg diários por 10 dias.21 A crença no efeito benéfico do corticoide nessa época era tao absoluta que não foi incluído um grupo placebo no estudo. O resultado em um ano não revelou diferença na proteção neurológica conferida por um ou outro esquema.22 Sugeriu-se entao que a dose de MP deveria ser mais alta que a utilizada até o momento, sendo idealizados novos trabalhos.23, 24

O NASCIS II, publicado em 199023, randomizou 487 pacientes até 12 horas após o trauma em três grupos: a) MP (30 mg/kg bolus, seguido de 5,4 mg/kg por 23 horas); b) naloxona; c) placebo (PL). Inicialmente, o estudo não evidenciou diferença no resultado neurológico entre os grupos. Entretanto, a análise de subgrupos de pacientes tratados com MP até oito horas após o trauma mostrou melhora no escore motor em seis meses e um ano.25 Mesmo antes da publicação do NASCIS II, a divulgação de seus resultados promissores pelo National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS) estimulou a adoção de protocolos com uso da MP após TRM em diversos centros de trauma americanos.

No NASCIS III, publicado em 199726, 499 pacientes nas primeiras oito horas após o trauma receberam bolus de MP (30 mg/kg) e depois foram randomizados em: a) 24 horas de MP - 5,4 mg/kg/h; b) 48 horas de MP - 5,4 mg/kg/h; c) 48 horas de tirilazade. O estudo mostrou melhora no escore motor em seis semanas e seis meses no grupo 48 horas de MP, em subgrupo que teve a MP iniciada entre três e oito horas do trauma.27

Entretanto, a partir de 1997, observou-se crescente descrença em relação aos resultados e conclusões obtidos dos estudos NASCIS. Entre os sérios problemas na aceitação de seus resultados está o fato de que eles nunca foram reproduzidos.28 Uma série de pesquisas falhou em demonstrar qualquer benefício com o uso da MP em injúria medular aguda por trauma penetrante29,30 ou fechado. 31,32

Além disso, vários autores têm levantado várias questoes no que concerne à metodologia e análise estatística empregada nos estudos NASCIS, além da maneira como os resultados e conclusões foram apresentados.33-37 No estudo NASCIS II, por exemplo, não houve qualquer diferença estatística entre os resultados dos três grupos avaliados. Análise posterior dos pacientes que foram atendidos até oito horas do trauma (62 MP x 67 PL) não revelou diferença na função sensorial e os dados referentes à função motora não foram descritos. Esse subgrupo foi entao novamente dividido em três outros grupos: a) pacientes com perda motora e sensorial total; b) pacientes com perda sensorial parcial e motora total; c) pacientes com perda sensorial e motora parciais. A maior parte da diferença estatística apresentada ocorreu no último grupo que consistia de 12 pacientes no grupo MP e 16 pacientes no grupo PL. Ou seja, a conclusão do benefício apresentado com o uso da metilprednisolona verificou-se em uma análise de subgrupo referente a menos de 10% do n total. Muito se questiona, também, em relação aos reais benefícios clínicos e significância funcional promovidos pelas diferenças encontradas no escore motor e sensorial. O paciente normal tem escore motor de 140 (70 para cada lado) e diferenças até seis pontos podem não representar alguma alteração do status funcional do paciente, dependendo do dado avaliado. Ademais, ambos os estudos, NASCIS II e III, só apresentaram os resultados obtidos no dimídio D, sendo considerado o mesmo valor para o dimídio E e o valor encontrado duplicado. Outro achado paradoxal encontrado no estudo NASCIS II na avaliação de acompanhamento de um ano e não reportado na publicação original é que o grupo placebo tratado após 8hs de trauma teve evolução não só melhor que o grupo placebo tratado até 8hs de trauma como também apresentou melhores resultados que grupo MP antes ou após 8hs.

O estudo NASCIS III é cercado por tantos questionamentos quanto seu antecessor. A ausência de um grupo placebo é uma delas. A alocação de pacientes com déficits mínimos acarretará claramente melhora pouco significativa nos escores funcionais desses pacientes. O fato de que 24,7% dos pacientes no grupo MP 24 horas enquanto 13,9% no grupo MP 48 horas apresentavam essa classificação pode ter influído nos potenciais benefícios encontrados no grupo 48 horas. Além disso, não houve diferença estatística na análise dos grupos totais no acompanhamento de seis semanas e seis meses e o benefício demonstrado no subgrupo tratado com MP 48 horas em relação ao tratado com MP 24 horas quando tratamento foi iniciado entre três e oito horas foi essencialmente perdido no acompanhamento de um ano.

Por fim, o que mais chama a atenção dos questionadores sobre o uso da metilprednisolona em vítimas de TRM são os altos índices de complicações apresentados pelos grupos tratados, e estes sim foram reproduzidos em vários estudos.27,38-40 Os achados mais contundentes do estudo NASCIS II foram incidência três vezes mais alta de embolia pulmonar, duas vezes mais de infecção de parede e uma vez e meia mais de hemorragia gastrointestinal. No estudo NASCIS III pacientes tratados com MP por 48 horas apresentaram incidência duas vezes mais alta de sepse grave e quatro vezes mais de pneumonia grave.

A partir de tais dados, foi publicado no Guidelines for the Management of Acute Cervical Spine and Spinal Cord Injuries States, no periódico Clinical Neurosurgery de 200241, compêndio oficial do Congress of Neurosurgeons, que o uso da metilprednisolona por 24 ou 48 horas em pacientes vítimas de TRM representa apenas uma opção terapêutica. E que só deve ser implementada com o conhecimento de que as evidências de seus potenciais efeitos adversos são bem mais consistentes que qualquer sugestao de benefício clínico.

Diversas outras drogas foram testadas com os mesmos objetivos dos corticosteroides de atuação na cascata de injúria secundária. Entre elas está o tirilazade, um aminoesteroide que não apresenta os efeitos glicocorticoides da MP e tem potente ação inibitória da peroxidação lipídica. Foi testada no NASCIS II e seus resultados clínicos foram semelhantes aos observados com o uso da MP.

Os gangliosídeos são glicolipídeos derivados do ácido siálico que, in vitro, aumentam a formação de expansões protoplasmáticas dos axônios e induzem regeneração neuronal.42 Em 2001, estudo multicêntrico randomizado com 797 pacientes avaliou PL e baixas e altas doses de GM1 (monosialotetrahexosyl gangliosídeo), iniciados após MP (protocolo NASCIS II). Resultados indicaram que os pacientes tratados com GM1 atingiram o pico de recuperação neurológica mais rapidamente, porém sem aumento da melhora em relação ao PL.43 O estudo incluiu em sua maioria pacientes com lesões medulares completas.

A naloxona, um antagonista opioide, demonstrou em estudos animais após TRM melhora do fluxo sanguíneo medular. Em humanos, a naloxona foi testada no NASCIS II e a análise inicial não revelou efeitos benéficos. Reavaliação posterior dos dados, entretanto, apurou melhora neurológica em pacientes com lesão medular incompleta,44 mas novos estudos não foram realizados.

Alguns autores mostraram que, experimentalmente, os bloqueadores dos canais de cálcio podem aumentar a microcirculação medular.45,46 Resultados observados com o uso da nimodipina não recomendam seu uso clínico em pacientes com lesão medular traumática.47 Alguns especialistas acreditam que a combinação de nimodipina e um agente vasopressor pode promover melhora funcional no TRM agudo.

Procord consiste em macrófagos autólogos ativados, injetados diretamente na medula lesada. Foi desenvolvido porque pesquisas pré-clínicas ressaltaram que uma das razoes para piora na regeneração do sistema nervoso central está relacionada à quantidade insuficiente de macrófagos ativados no sítio da lesão. Estudo multicêntrico randomizado fase II foi iniciado em 200448 e posteriormente suspenso devido a problemas financeiros e na entrega da formulação do produto.

Em modelos animais de TRM, administração de hormônios neurotróficos foi associada à melhora no fluxo sanguíneo medular e efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios49,50, porém necessitam de estudos mais avançados para confirmação.

A RHO é uma proteína associada à apoptose em neurônios, astrócitos e oligodendrócitos. Pesquisas animais com inibidores da RHO (Cethrin) no TRM registraram atividades neuroprotetoras e regenerativas, o que estimulou investigação clínica. Análise inicial identificou que a aplicação de Cethrin na dura-máter é segura e promoveu recuperação funcional abaixo do nível da lesão. Estudos fase IIb/III estao em curso.51

Enfim, após anos testando a MP na abordagem a pacientes vítimas de TRM com resultados questionáveis e sem indícios consistentes de benefícios clínicos, uma série de relatos recentes reporta o uso de novas terapias auxiliares promissoras. Todas se encontram em fase de estudo experimental e/ou na transição para fase de estudos clínicos. Apesar do otimismo dos pesquisadores envolvidos, vários obstáculos ainda desafiam a recuperação da função neurológica após injúria medular aguda. A adoção de estratégias reparadoras baseadas no uso da célula-tronco parece ser o futuro do tratamento de pacientes vítimas de TRM, mas possivelmente só estará disponível para uso clínico em alguns anos.

 

CUIDADOS INTENSIVOS E MANEJO HEMODINAMICO NO TRM

O manejo anestésico de pacientes com TRM, seja de modo emergencial ou eletivo, deve ser centrado na manutenção da homeostasia, o que envolve pressão arterial normal, volemia adequada, otimização da oferta de oxigênio em nível tissular, normoglicemia e normotermia. Tal fato se torna, particularmente, verdade para aqueles que apresentam déficits motores e/ou sensitivos parciais nos quais qualquer episódio de hipotensão, anemia, hipóxia ou hipoglicemia pode piorar a lesão inicial.52 Em condições fisiológicas, a perfusão medular é mantida mesmo em ampla faixa de variação pressórica a partir do mecanismo de autorregulação semelhante ao cerebral. No TRM esse mecanismo é perdido, ficando a perfusão da medula espinhal diretamente dependente dos níveis pressóricos.53

Esses pacientes estao sujeitos à instabilidade hemodinâmica por uma série de fatores atuando isoladamente ou em conjunto. Entre eles destaca-se o quadro chamado de choque neurogênico, muito associado a lesões no nível torácico alto ou cervical, em que se observa bradicardia, baixa resistência vascular periférica e hipotensão refratária a reposição de fluidos.52 Esses achados são consequência da simpatectomia extensa que acontece abaixo do nível da lesão, com perda do tônus vascular e redução do retorno venoso, sendo sua gravidade diretamente proporcional ao nível da lesão.54 A perda do centro cardioacelerator (T1 a T4) combinada com a ausência de oposição ao tônus vagal resulta em bradiarritmias.53 Não se pode esquecer da possibilidade de lesões concomitantes como pneumotórax, tamponamento cardíaco, sangramentos internos ou exteriorizados estarem contribuindo para quadros de instabilidade hemodinâmica.55

Embora a associação entre suporte hemodinâmico agressivo e resultado neurológico não tenha sido demonstrada e tao pouco seja conhecida a duração ótima desse manejo intensivo, a maioria dos autores recomenda a manutenção da pressão arterial média normal a levemente elevada por sete dias após a lesão.52,53,56 Neste sentido, reposição volêmica da pré-carga, o uso de vasopressores para restaurar o tônus vasomotor e o uso de inotrópicos e/ou vagolíticos para otimizar a performance cardíaca para restaurar o débito cardíaco podem ser necessários para manter a pressão de perfusão adequada da medula lesada.55,57 Drogas como dopamina, norepinefrina, fenilefrina e dobutamina devem ser utilizadas de maneira individualizada de acordo com o quadro clínico do paciente.53,55,57 Os agentes de primeira linha para o tratamento agudo de bradicardia são os vagolíticos, como a atropina e glicopirrolato.53,55 Para bradiarritmias persistentes ou refratárias, o implante de marca-passo deve ser considerado. Reposição volêmica no TRM pode incluir o uso de coloides, cristaloides, sangue ou outros hemoderivados.53 O debate sobre a preferência do uso de soluções cristaloides ou coloides ainda é tema de muita discussão. Nenhum estudo controlado mostrou a vantagem de um tipo específico de solução em relação ao prognóstico dos pacientes.

Complicações respiratórias constituem importante causa de morbimortalidade após o TRM, sendo a pneumonia a principal causa de morte desses pacientes. Cerca de 40% dos casos necessitarao de assistência ventilatória na fase aguda e 5% dependerao de ventilação mecânica cronicamente.53 O grau de disfunção respiratória é dependente do nível da lesão. Trata-se de pacientes com tendência a um padrao restritivo pulmonar, tanto pela lesão em si quanto pela imobilização, geralmente instituída para evitar o agravamento do quadro neurológico. Esses pacientes apresentam redução da capacidade residual funcional, redução da capacidade pulmonar total, diminuição da complacência pulmonar, tosse ineficaz, comprometimento da higiene brônquica e a atelectasias. Existe controvérsia a respeito de qual modalidade de suporte ventilatório é melhor no cenário do TRM agudo. Uma técnica de ventilação protetora envolvendo baixas pressões em via aérea, hipercapnia permissiva e recrutamento pulmonar é estimulada, principalmente na associação de trauma torácico grave. Quando tais medidas não surtirem efeito, deve-se trabalhar com frações inspiradas mais altas para privilegiar a oferta de oxigênio em nível medular e prevenir injúria secundária, apesar de seus efeitos sabidamente deletérios. Os pacientes que apresentam capacidade vital de 40% da prevista são maiores candidatos a permanecerem em ventilação mecânica no pós-operatório imediato, pois pode haver piora da função respiratória nos primeiros sete a 10 dias.53

Monitorização adequada é necessária para evitar as complicações da terapia vasopressora57. A canulização arterial é útil tanto para medida direta da pressão arterial como para avaliação periódica dos gases sanguíneos. Cateter venoso central deve ser usado para transdução da pressão venosa central e como uma via adequada à infusão de substâncias vasoativas.53,55 Pacientes com hipertensão pulmonar, doenças cardiovasculares ou pulmonares graves podem se beneficiar com o uso de um cateter de artéria pulmonar.56 A ecocardiografia transesofágica tem sido utilizada por alguns centros para avaliação da volemia no intraoperatório, em substituição ao cateter de artéria pulmonar.53,57 No entanto, é tecnologia ainda não largamente disponível em nosso meio.

As anormalidades hemostáticas que acompanham o TRM agudo se devem a alterações no momento do trauma inicial, a resposta endócrino metabólica ao trauma, ao sangramento intraoperatório e à reposição volêmica instituída.53

Uma vez que o tecido neural é particularmente sensível à anemia aguda, hemoderivados devem ser usados em níveis hematimétricos superiores aos habituais.52,53 Esses níveis ainda não estao bem esclarecidos, no entanto, parece razoável manter o nível de hemoglobina superior a 8 g/dL.52 É importante lembrar que, embora hemoderivados possam ajudar a manter o fornecimento de oxigênio, eles carregam risco dose-dependente da lesão pulmonar associada à transfusão, risco de infecção e modulação imunológica, entre outras complicações associadas à hemoterapia. No peroperatório deve-se ater ao consumo e diluição dos fatores de coagulação e plaquetas, hiperfibrinólise e comprometimento da função plaquetária secundária ao uso de coloides, hipocalcemia, hipotermia e acidemia.53,57 Correção da coagulopatia deve ser guiada pela avaliação clínica realizada conjuntamente por anestesista e cirurgiao e por exames complementares. Prolongamento do PTT ou da AP deve ser corrigido pela transfusão de plasma fresco congelado (PFC) de modo a restaurar níveis de fatores da coagulação. Contagem plaquetária deve ser mantida acima de 100.000 e a transfusão de crioprecipitado para manter níveis de fibrinogênio superiores a 150 g/dL é recomendada.53 Agentes antifibrinolíticos têm sido empregados em diversos estudos para diminuir a perda sanguínea intraoperatória e perioperatória total com resultados controversos. Atualmente, o ácido aminocaproico e ácido tranexâmico são os agentes preferenciais.53

O controle glicêmico após lesão neurológica aguda melhora o prognóstico a longo prazo. Evitar hiperglicemia é claramente benéfico e a hipoglicemia prolongada é sabidamente prejudicial ao tecido nervoso. Infelizmente, a literatura atual não define precisamente qual a faixa glicêmica ideal para esses pacientes. Assim sendo, estratégias terapêuticas devem evitar hipoglicemia a todo custo, sem, no entanto, aceitar níveis glicêmicos muito elevados.52

Demais aspectos a serem considerados incluem sangramento do trato gastrointestinal, paresia gástrica e/ou bexiga distônica. A possibilidade de ocorrência dessas complicações deve ser antecipada e medidas preventivas devem sem implementadas. Prevenção do sangramento da mucosa gástrica deve ser feita rotineiramente com a administração de bloqueadores dos receptores tipo 2 de histamina ou inibidores da bomba de prótons.57 A distensão do estômago e da bexiga pode contribuir para o agravamento da disfunção autonômica e aumentar o risco de aspiração, indiscutivelmente uma condição com alta mortalidade.53

 

TEMPO PARA DESCOMPRESSÃO E FIXAÇÃO CIRURGICA X PROGNOSTICO

O período ideal para abordagem cirúrgica de pacientes vítimas de traumatismo raquimedular é tema de debate desde 1970. Vários trabalhos experimentais realizados nas décadas de 80 e 90 indicavam superioridade quanto ao status neurológico em modelos de trauma submetidos à estabilização precoce. Existe uma série de benefícios teóricos associados à estabilização precoce de fraturas espinhais, como permitir mobilização e reabilitação mais precoce, redução de injúria secundária em fraturas instáveis, redução de dor e melhor resultado neurológico. Poucos trabalhos clínicos utilizando metodologia adequada estao disponíveis sobre o tema, o que remete a conclusões baseadas em estudos retrospectivos e com pequena amostragem. Admite-se como abordagem cirúrgica precoce aquela que ocorre até 48 a 72 horas após o trauma, apesar dos diferentes estudos utilizarem conceitos diferentes para definir precocidade. A abordagem tardia é aquela que se verifica após 72 horas do trauma.

Rutges et al.58 realizaram metanálise a partir de rigorosa pesquisa na literatura sobre estudos comparando abordagem cirúrgica na fase inicial ou tardia, identificando 10 estudos com critérios metodológicos mínimos e envolvendo 1.427 pacientes. Apesar de algumas divergências entre os resultados encontrados nos diferentes trabalhos, os autores concluem que abordagem neurocirúrgica precoce é segura e é favorecida pela maioria dos estudos, em função de menos tempo de internação hospitalar, menos tempo de terapia intensiva, menos tempo de ventilação mecânica e menos incidência de complicações respiratórias. Em relação ao prognóstico neurológico, os dados obtidos são extremamente conflitantes, não parecendo haver diferença significativa quanto ao status funcional entre as duas abordagens.

As conclusões obtidas pelo grupo de Rutges são corroboradas por Schinkel et al.59 que, analisando o banco de dados nacional de trauma alemão, acompanharam 298 pacientes com estabilização cirúrgica em até 72 horas de trauma ou posterior. Eles também referiram fortes indícios de que a abordagem cirúrgica em até 72 horas é acompanhada de benefícios clínicos como redução dos períodos de internação hospitalar e de UTI, menos dependência de ventilação mecânica e complicações pulmonares. O efeito do tempo da abordagem cirúrgica em relação ao resultado neurológico final desses pacientes permanece controverso e indefinido. Também não existem dados suficientes para conclusão em relação a diferenças na taxa de mortalidade.

De acordo com as melhores evidências clínicas e científicas disponíveis no momento, a descompressão e estabilização cirúrgica, se necessárias, devem ser realizadas o mais rapidamente possível de acordo com as condições hemodinâmicas e das injúrias coexistentes em pacientes vítimas de TRM.60 Quanto mais alto o nível da lesão e mais grave, maior o benefício de uma abordagem precoce.

 

ANESTÉSICOS GERAIS E PROTEÇÃO NEUROLOGICA NO TRM

No que concerne aos possíveis efeitos neuroprotetores dos anestésicos de uso clínico, o que se vê é uma interessante mudança no conceito protetor nos últimos anos. Enquanto estudos iniciados há cerca de três décadas focavam a redução da atividade elétrica cerebral e, por consequência, a redução da taxa de consumo de oxigênio em nível cerebral, experimentos mais recentes indicam atuação mais específica dos anestésicos nos mecanismos intracelulares envolvidos na cascata bioquímica que culmina na morte neuronal programada ou apoptose. O bloqueio do influxo de cálcio, ativação dos receptores de adenosina A1, ativação de vias sinalizadoras intracelulares como MAP-kinase e Akt, inibição da liberação de radicais livres e, em última instância, modulação da expressão gênica, são os possíveis mecanismos de atuação dessas drogas.61

Atenção especial tem sido empenhada aos anestésicos halogenados, especialmente ao isoflurano, e ao xenom.61 Essas drogas parecem induzir uma resposta adaptativa em nível celular com ativação de vias de sinalização que convergem para a expressão de um fenótipo protetor, aumentando a tolerabilidade dos neurônios à injúria isquêmica. Entretanto, a despeito de décadas de estudos experimentais e resultados bastante promissores nesses modelos de pesquisa, existe carência da comprovação clínica desse condicionamento anestésico no nível do SNC. Também existe questionamento quanto à durabilidade desses efeitos a longo prazo. No momento, parece prematura a indicação de uma droga ou técnica em detrimento de outras na fase aguda do TRM, desde que permitam a obtenção dos objetivos hemodinâmicos discutidos anteriormente.

 

HIPOTERMIA

O interesse pelos efeitos citoprotetores da hipotermia, tanto local como sistêmica, datam do início da década de 60. Nesse momento a maioria dos experimentos envolvia aplicação de hipotermia profunda ou moderada em nível local. Com o advento de terapias teoricamente mais eficazes, como o uso da metilprednisolona a partir do início da década de 70, os ensaios envolvendo a aplicação de hipotermia terapêutica perderam seu espaço, retornando ao foco dos estudos experimentais e clínicos no final da década de 90 e início do século atual. Isso aconteceu em função de resultados promissores encontrados em situações de injúria isquêmica ao SNC tanto em nível experimental como clínico, mas agora com aplicação sistêmica de hipotermia moderada.62

A despeito desses resultados animadores em situações de injúrias diversas, no que se refere à fase aguda do TRM há grande carência científica quanto à segurança e à eficácia terapêutica da aplicação da hipotermia moderada sistêmica. Estudos com reduzido número de participantes, falta de randomização, ausência de grupo-controle e resultados conflitantes fizeram com que a American Association of Neurological Surgeons/ Neurological & Spinal Surgery Joint Sections of the Disorders of the Spine and Joint Section of Trauma publicasse uma orientação revelando a inexistência de dados suficientes para recomendar ou mesmo contraindicar o uso da hipotermia na fase aguda do TRM, sendo necessária a realização de estudos com qualidade adequada para essa definição.

 

CONCLUSÃO

A lesão raquimedular é consequência devastadora do trauma e suas repercussões fisiológicas representam um desafio na condução anestésica desses pacientes. O manejo peroperatório adequado depende do conhecimento e entendimento do processo patogênico, tendo o anestesiologista papel fundamental na prevenção da lesão secundária e melhora do prognóstico desses pacientes.

Ainda não existe uma técnica de eleição para a abordagem das vias aéreas em pacientes vítimas de TRM. Evidências disponíveis no momento indicam segurança na utilização de uma série de dispositivos, desde que uma técnica de imobilização da coluna seja associada.

No tocante ao tratamento farmacológico, foram publicados diversos trabalhos avaliando principalmente os corticosteroides, como os NASCIS. Todos possuem metodologias e resultados questionáveis, sem indícios consistentes de benefícios clínicos e efeitos colaterais bem-+estabelecidos. Outras drogas encontram-se em fase de estudo. A adoção de estratégias reparadoras baseadas no uso da célula-tronco parece ser o futuro do tratamento.

A abordagem anestésica deve ser centrada na manutenção da homeostasia, o que envolve pressão arterial normal, volemia adequada, otimização da oferta de oxigênio, normoglicemia e normotermia. É estimulada técnica de ventilação protetora com baixas pressões em vias aéreas, hipercapnia permissiva, recrutamento pulmonar e aumento da fração inspirada de O2. Hemoderivados devem ser usados em níveis hematimétricos superiores aos habituais.

O período ideal para abordagem cirúrgica de pacientes vítimas de traumatismo raquimedular é tema de debate. De acordo com as melhores evidências disponíveis, a descompressão e estabilização cirúrgica, quando indicadas, devem ser realizadas precocemente. E quanto mais alto o nível da lesão e mais grave, maior o benefício obtido.

No que concerne aos possíveis efeitos neuroprotetores dos anestésicos, atenção especial tem sido empenhada aos halogenados. Ainda existe carência de comprovação clínica, porém essas drogas parecem aumentar a tolerabilidade dos neurônios à injúria isquêmica. No momento, permanece prematura a indicação de uma droga ou técnica em detrimento de outras.

Tem-se observado, portanto, ganho expressivo nos conhecimentos acerca do assunto nas últimas décadas. Tal fato possibilita importante melhora nos cuidados aos pacientes com injúria medular, evitando agravamento da lesão inicial e permitindo certo grau de recuperação funcional. Muitas perguntas, no entanto, permanecem sem respostas, instigando ainda mais a busca pelo conhecimento.

 

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