RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. (4 Suppl.4)

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Artigos de Revisão

Manejo pré-operatório de medicações hipoglicemiantes

Preoperative management of Hypoglycemic medications

Alexandre Almeida Guedes1; Philipp Mendes Lawall2; Alexandre Baptista da Silva3; Eduardo Nassif Martins4

1. Título Superior em Anestesiologia (TSA-SBA). Coordenador do serviço de anestesiologia do Hospital Ascomcer. Professor da disciplina de anestesiologia da Faculdade de Medicina de Barbacena. Anestesiologista do HU-CAS (UFJF), da Rede FHEMIG e do Centro de Restauraçao Plástica.
2. ME3 do CET-SBA do Hospital Universitário da UFJF.
3. Título de Especialista em Anestesiologia (TEA-SBA) e de Terapia Intensiva pela AMIB. Anestesiologista do Hospital Ascomcer, do HU-CAS (UFJF), da Rede FHEMIG e do INTO (Paraíba do Sul - RJ)
4. ME2 do CET-SBA do Hospital Universitário da UFJF

Endereço para correspondência

Philipp Mendes Lawall
Av. Independência, 3.500 Bairro: Cascatinha
Juiz de Fora, MG - Brasil CEP: 36 025-290
E-mail: philipplawall@terra.com.br

Instituiçao: Hospital Ascomcer Juiz de Fora, MG - Brasil

Resumo

O diabetes mellitus é um distúrbio metabólico crônico com consequências agudas e crônicas. Portanto, é importante que os anestesiologistas conheçam as principais complicações e saibam manusear as principais drogas utilizadas para o controle da doença. O controle rígido da glicemia pré-operatória é importante para evitar complicações no intra e no pós-operatório.

Palavras-chave: Diabetes Mellitus/cirurgia; Anestesia; Cuidados Pré-Operatórios; Cuidados Pós-Operatórios; Anestésicos/administração e dosagem; Hipoglicêmicos/administração & dosagem; Hiperglicemia.

 

INTRODUÇÃO

O diabetes mellitus (DM) é definido como um distúrbio do metabolismo intermediário (síntese e degradação de moléculas orgânicas) dos carboidratos, culminando com elevados níveis de glicemia e resultando em complicações agudas ou crônicas.1 A hiperglicemia está associada à morbimortalidade francamente mais elevada, especialmente em pacientes graves e/ou submetidos a cirurgias de grande porte.2,3

É cada vez mais alto o número de pacientes diabéticos que são submetidos a procedimentos cirúrgicos de todos os portes4. Portanto, é fundamental que o anestesiologista esteja bem familiarizado com o manejo dos pacientes e dos fármacos antidiabéticos, visto que a abordagem desses pacientes em medicina perioperatória é extremamente comum na atualidade.4

Segundo a Associação Americana de Diabetes (ADA), o mesmo pode ser assim classificado5:

Tipo I - Deve-se à destruição das células beta, usualmente com deficiência absoluta de insulina.

Tipo II - Deve-se à resistência à insulina e/ou deficiência desse hormônio

Tipo III - Outros tipos específicos: defeitos genéticos, doenças pancreáticas.

Tipo IV - Diabetes gestacional: manifesta-se durante a gravidez.

São critérios diagnósticos do DM qualquer um dos pontos a seguir, segundo orientação da ADA1:

Glicemia (colhida de forma aleatória) > ou igual a 200 mg/dL, associada a sinais e sintomas compatíveis com DM;

glicemia de jejum > 126 mg/dL, em mais de uma ocasiao;

glicemia 2 h pós-prandial ou pós 75 g de glicose via oral > 200 mg/dL, em mais de uma ocasiao.

 

INSULINA

A insulina é um hormônio peptídico anabólico secretado pelas células beta das ilhotas de Langerhans pancreáticas, tendo como principal estímulo para sua secreção o aumento do nível de glicemia.1

Quanto à sua origem, a insulina pode ser classificada em insulina animal (suína ou suína e bovina), humana e análagos da insulina.5

Apresentações de insulina disponíveis e características farmacocinéticas são vistas na Tabela 1: 6

 

 

HIPOGLICEMIANTES ORAIS

Os agentes hipoglicemiantes orais são utilizados no tratamento do diabetes mellitus, especialmente o do tipo II. Os fármacos mais utilizados e suas características farmacocinéticas são apresentados na Tabela 2.6

 

 

As sulfonilureias e a metformina (biguanida) representam as drogas mais utilizadas. Apresentam-se algumas considerações farmacodinâmicas6,7:

Sulfonilureias: agem estimulando a secreção pancreática de insulina por ligação em canais de potássio - ATP - sensíveis nas células beta e outros tecidos. O fechamento desses canais pode piorar a resposta cardiovascular à hipóxia e ao pré-condicionamento cardíaco. As principais representantes dessa classe são a clopropamida (Diabinese®), glibenclamida (Daonil®), gliclazida(Diamicron®), glimepirida(Amaryl®).

Biguanidas: é representada pela metformina (Glifage®) e exerce sua ação por inibição da gliconeogênese e sensibilização periférica à insulina. A acidose láctica é o principal efeito colateral da metformina, que felizmente é evento raro. São fatores de risco para tal complicação: a disfunção renal, a doença pulmonar obstrutiva crônica, a insuficiência cardíaca ICC e a fase aguda de doença miocárdica isquêmica. Aliás, elas não devem ser usadas se creatinina plasmática estiver acima de 1,5 mg/dL, devendo ser suspensas antes de exames com contrastes iodados.

Tiazolidinedionas: atuam nos receptores peroxisomeproliferatoractivated receptor (PPAR-y) regulando genes envolvidos na diferenciação de adipócito, captação e armazenamento de ácido graxo e captação de glicose, sendo um sensibilizador da insulina. Seus representantes são a rosiglitazona (Avandia®) e pioglitazona (Actos®).

Glinidas: representadas pela repaglinida (Prandin®) e nateglinida (Starlix®). São drogas que aumentam a secreção de insulina também por ação nos canais K-ATP nas células beta, porém possuem curta ação, sendo usadas para o controle de hiperglicemia pós-prandial. É necessário, portanto, que existam células beta funcionantes.

Inibidor da alfa-glicosidase: representada pela acarbose (Glucobay®). Sua ação ocorre por inibição desse complexo enzimático, retardando a absorção de carboidratos e reduzindo a glicemia pós-prandial.

 

CONSIDERAÇÕES PRÉ-OPERATORIAS

Conhecer o porte cirúrgico (pequeno, médio ou grande) e o tempo de permanência prevista para o paciente no hospital (ambulatorial ou internação) ajuda a tomar a melhor decisão acerca do manejo das medicações utilizadas pelo paciente. A necessidade de jejum interrompe o ritmo regular das refeições e, usualmente, o uso regular das medicações hipoglicemiantes.3,5

A ansiedade e o medo pré-operatórios causam elevação dos níveis de cortisol, glucagon, hormônio de crescimento e catecolaminas, determinando hiperglicemia induzida pela resposta endócrino-metabólica, e diminuem a ação da insulina. Portanto, esses pacientes beneficiam-se de adequada ansiólise pré-anestésica e adequado controle da dor pós-operatória.3,4,7

Evidências da literatura sugerem que o melhor controle da glicemia pode minimizar tanto a morbidade quanto a mortalidade (particularmente em pacientes críticos e nas grandes cirurgias).3

Entendendo que o período perioperatório é etapa única e tomando-se como base a literatura atual, pode-se inferir que:

Glicemias superiores a 200 mg/dL estao francamente associadas à evolução pós-operatória adversa e devem ser evitadas.4,8

Alvos de glicemia entre 140 e 180 mg/dL parecem ser razoáveis e prudentes.4

Os fármacos antidiabéticos devem ser otimizados no pré-operatório, para que tais metas sejam alcançadas e também para se evitar a hipoglicemia.3

Entretanto, diversos estudos têm mudado a concepção de que controles rigorosos da glicemia (alvos plasmáticos entre 80 e 100 mg/dL) poderiam, de fato, reduzir substancialmente tal morbimortalidade. Aliás, as evidências atuais não sugerem que isso realmente aconteça.4

Em geral, as cirurgias nesses pacientes devem ser agendadas para as primeiras horas da manha, no intuito de minimizar significativo desequilíbrio endócrino decorrente do jejum prolongado.9

Pacientes em uso de hipoglicemiantes orais

Não há consenso sobre o manejo pré-anestésico desses fármacos, porém sua farmacologia e a precocidade com que se planeja realimentar o paciente são importantes guias.10

O ideal, na maioria das vezes, é a suspensão da medicação, conforme a Tabela 3.11

 

 

Já a posição do American College of Endocrinology recomenda7,10:

Tiazolidinedionas podem ser tomandas na manha da cirurgia, sem o risco de hipoglicemia, além de ajudar o controle da hiperglicemia no intraoperatório.

A metformina, que tem sido associada ao desenvolvimento de acidose láctica, deve ser suspensa 24 horas antes do procedimento e reiniciada 48 a 72 horas pós-operatório e função renal normal.

Com as sulfonilureias, a melhor opção é sua suspensão por 48-72 horas antes da cirurgia, para evitar a hipoglicemia, que pode ser desastrosa.

Há também aqueles que recomendam suspender todos os hipoglicemiantes no dia da cirurgia, exceto a metformina, que deve ser suspensa por pelo menos 24 horas antes da cirurgia3, em decorrência do risco de acidose lática intensa durante episódios de hipotensão, hipoperfusão tecidual e hipóxia11. Há ainda autores que não mostraram aumento de morbimortalidade após cirurgia cardíaca em pacientes que não suspenderam a metformina no pré-operatório.12

Em qualquer dos casos, controle glicêmico a cada 2-4 horas e euvolemia são medidas ideais.5

Pacientes em uso de insulina

As recomendações para o uso de insulina são baseadas na tentativa de manter o controle da glicemia, tentando mimetizar a liberação fisiológica desse hormônio.3,13 E há diversos esquemas previstos.14

Na noite anterior à cirurgia, deve-se manter a dose habitual de insulina, incluindo a dose usual de insulinas de ação prolongada ou ultralenta, como a glargina. Na manha da cirurgia, administra-se metade da dose habitual da insulina de ação intermediária ou prolongada (assim que o paciente chegar à sala cirúrgica), porém se a insulina for de curta duração de ação, mantém-se a dose usual.1,3 O controle horário ou a cada duas horas da glicemia é essencial.14

A infusão venosa contínua de insulina regular é o método preferencial para o controle da hiperglicemia4 e vários esquemas estao descritos. Uma regra bastante prática é determinar-se o número de unidades de insulina regular, por hora de infusão venosa, dividindo-se o valor da glicemia por 150.6

Há quem acresça à infusão de insulina soluções glicosadas e também o potássio.1 Fato é que não há um esquema que seja superior a outro14.

Há, também, recomendações para que se corrija a hiperglicemia baseada em bolus de insulina, conforme a Tabela 4. Vale lembrar que 1 UI de insulina regular reduz a glicemia, 25-30 mg, num paciente adulto de peso médio.1,6

 

 

REFERENCIAS

1. Alves TCA. Avaliação pré-operatória nas doenças endócrinas e metabólicas. In: Cavalcanti IL. Medicina perioperatória. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia; 2005.p.175-92.

2. Akhtar S, Barash PG, Inzucchi SE. Scientific principles and clinical implications of perioperative glucose regulation and control. Anesth Analg. 2010;110:478-97.

3. Hata TM, Moyers JR. Preoperative patient assessment and management. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, editors. Clinical anesthesia. 6th Ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2009.p.570-95.

4. Guedes AA. A importância do controle glicêmico perioperatório. Rev Med Minas Gerais. 2010,20(4 supl 1):S3-S6.

5. Diedorf SF. Anesthesia for patients with diabetes mellitus. Curr Opin Anaesthesiol. 2002;15:351-7.

6. Abrao J. Diabetes-controle peroperatório. In: Yamashita AM, Abrao J, Cunha LBP, et al. Curso de Educação à Distância em Anestesiologia. Rio de Janeiro: SBA; 2003.p.15-23.

7. Buse JB, Polonsky KS, Burant CF. Type 2 diabetes mellitus. In: Kronember HM, Melmed S, Polonsky KS, Larsen PR, editors. Williams Textbook of Endocrinology. 11th ed. Philadelphia: Saunders Elservier; 2008.p.1329-90.

8. Kosiborod M, Inzucchi SE, Krumholz HM, et al. Glucometrics in patients hospitalized with acute myocardial infarction: defining the optimal outcomes-based measure of risk. Circulation. 2008;117:1018-27.

9. Hirsch IB, McGill JB. Role of insulin in management of surgical patients with diabetes mellitus. Diabetes Care. 1990;13(9):980-91.

10. American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes-2009. Diabetes Care. 2009;32:S13-61.

11. Schwartz JJ, Akhtar S, Rosenbaun SH. Endocrine Function. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, editors. Clinical anesthesia. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2009.p.1279-304.

12. Duncan AI, Koch CG, Xu M, Manlapaz M, Batdorf B, Pitas G, Starr N. Recent metformin ingestion does not increase in-hospital morbidity or mortality after cardiac surgery. Anesth Analg. 2007;104:42-50.

13. Kohl BA, Schwartz S. Surgery in the patient with endocrine dysfunction. Med Clin North Am. 2009 Sep;93(5):1031-47.

14. Joshi JP, Chung F, Vann MA, et al. Society for Ambulatory Anesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010(6):1378-87.