ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Avaliação cardiovascular perioperatória para cirurgia não cardíaca
Preoperative cardiovascular evaluation for noncardiac surgery
Fernando José Buitrago1; Jonas Alves Santana2; Leandro Ferreira Guimarães3; Maurício Delage Henriques3; Waldívio Marcos de Almeida Júnior3
1. TSA-SBA, médico anestesiologista do Hospital Nossa Senhora das Graças,Hospital Municipal Monsenhor Flávio D'Amato e do Hospital Unimed de Sete Lagoas. Sete Lagoas, MG - Brasil
2. Clínico, médico anestesiologista do Hospital Nossa Senhora das Graças e do Hospital Unimed de Sete Lagoas. Sete Lagoas, MG - Brasil
3. Médico anestesiologista do Hospital Nossa Senhora das Graças e do Hospital Unimed de Sete Lagoas. Sete Lagoas, MG - Brasil
Fernando José Buitrago
Rua Cândido Azeredo, Centro Médico, número 21, sala 304
CEP 35700-019 Sete Lagoas, MG - Brasil
E-mal: nandojb@uai.com.br
Instituição: Hospital Nossa Senhora das Graças Sete Lagoas, MG - Brasil
Resumo
A decisão de se recomendar exames, medidas cardioprotetoras ou terapêuticas para um paciente que irá ser submetido a uma cirurgia não cardíaca, em última análise, se torna um ato de equilíbrio entre as probabilidades estimadas de eficácia versus risco. Exemplo disso é a redução do número de exames pedidos no pré-operatório após a implementação das recomendações do American College of Cardiology (ACC) Foundation/American Heart Association (AHA). Nos pacientes candidatos à cirurgia de aorta, 88% eram submetidos a teste de estresse com imagem nuclear, 24% a cateterismo cardíaco e 24% à revascularização do miocárdio (CRVM) no pré-operatório. Com a implementação das recomendações, estes números caíram para 47, 11 e 2%, respectivamente. Os custos gerais da avaliação pré-operatória reduziram-se de U$ 1.087 para U$ 171. Ao mesmo tempo, o desfecho perioperatório foi melhor. O índice de morte/infarto do miocárdio caiu de 11 para 4%1. O objetivo deste artigo de atualização é discutir as principais recomendações da AHA/ACC e destacar a importância de sua aplicação no dia-a-dia do anestesiologista.
Palavras-chave: Período Pré-Operatório; Assistência Perioperatória; Exame Físico; Antagonistas Adrenérgicos beta; Anestesia; Anestesiologia.
INTRODUÇÃO
A maioria dos pacientes submetidos à cirurgia não cardíaca apresenta baixo risco cardíaco pré-operatório e não necessita de extensa avaliação com exames complementares. Porém, é de fundamental importância identificar quais são aqueles com risco elevado e direcionar-lhes condutas adequadas para a redução da morbimortalidade.
A decisão de recomendar exames, medidas cardioprotetoras ou terapêuticas para um paciente que irá ser submetido a uma cirurgia não cardíaca, em última análise, se torna um ato de equilíbrio entre as probabilidades estimadas de eficácia versus risco. Exemplo disso é a redução do número de exames pedidos no pré-operatório após a implementação das recomendações do American College of Cardiology (ACC) Foundation/American Heart Association (AHA). Nos pacientes candidatos à cirurgia de aorta, 88% eram submetidos a teste de estresse com imagem nuclear, 24% a cateterismo cardíaco e 24% à revascularização do miocárdio (CRVM) no pré-operatório. Com a implementação das recomendações da ACC/AHA, estes números caíram para 47, 11 e 2%, respectivamente. Os custos gerais da avaliação pré-operatória reduziram-se de U$ 1.087 para U$ 171. Ao mesmo tempo, o desfecho perioperatório foi melhor. O índice de morte/infarto do miocárdio caiu de 11 para 4%.1
HISTÓRICO
Durante a década de 1960, a Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) criou uma das primeiras classificações do risco perioperatório. Essa classificação, extremamente simples, previa a extratificação dos pacientes, de acordo com seu estado físico, em cinco categorias, sendo que em 1995 foi acrescentada a sexta.2 Na expectativa de estratificar melhor o risco cardiovascular, em 1977 Goldman et al.3 criaram o primeiro escore baseado em variáveis clínicas após a análise de regressão multivariável de 1.001 pacientes. Essa classificação de Goldman ainda é utilizada nos dias de hoje e fundamentou a criação de outros índices, como o de Detsky4.
Analisando retrospectivamente os pacientes submetidos à cirurgia vascular, em 1996 Eagle et al.5 identificaram cinco fatores fortemente ligados a complicações cardiovasculares subsequentes. São eles: idade avançada, diabetes mellitus (DM) com necessidade de tratamento farmacológico, histórico de angina, de infarto miocárdico ou presença de onda Q patogênica no eletrocardiograma (ECG) e histórico ou sinais de insuficiência cardíaca (IC) no exame clínico. Baseado nestes fatores clínicos e no teste de esforço, os autores propuseram nova estratificação de risco pré-operatório.
Alguns anos depois, no final da década de 90, Lee et al.6 analisaram pacientes submetidos à cirurgia não cardíaca e indicaram seis fatores clínicos associados a complicações cardiovasculares perioperatórias. Pela primeira vez foi constatada a insuficiência renal como fator de risco. Esse estudo foi pioneiro, também, em identificar o tipo de cirurgia como fator de risco. Os seis fatores detectados foram: cirurgia de alto risco, doença cardíaca isquêmica, histórico de IC, de doença cérebro-vascular, DM em tratamento com insulina e creatinina sérica pré-operatória > 2 mg/dL
Pode-se observar que os fatores de risco clássicos para doenças cardiovasculares como hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia, tabagismo e histórico familiar de doenças cardiovasculares não aparecem nos estudos citados. É fato que tais fatores estão associados à doença arterial coronariana (DAC), mas não necessariamente a complicações cardiovasculares perioperatórias. Isto leva a crer que o risco de complicações não está relacionado à DAC em si, mas à probabilidade de a placa ateromatosa se tornar instável durante o estresse cirúrgico.
Neste contexto, pode-se notar que os testes de esforço, que são bastante sensíveis para detectar doença aterosclerótica coronariana, têm valor preditivo negativo muito alto, ou seja, diante de teste de esforço negativo, a probabilidade de evento cardiovascular desfavorável é muito baixa. Porém, como os testes de esforço não são suficientes para informar quais placas são de fato instáveis, seu valor preditivo positivo para complicações cardiovasculares perioperatórias é baixo, em média, 12% para os testes de estresse com tálio e 20% para o ecocardiograma de estresse com dobutamina9. Portanto, diante de teste positivo, a probabilidade de evento cardiovascular adverso no perioperatório é reduzida.
Levando-se em conta todas essas evidências científicas, finalmente, em 2007, o American College of Cardiology e a American Heart Association (ACC/AHA) publicaram um importante guideline para avaliação cardíaca perioperatória para pacientes candidatos a cirurgias não cardíacas e orientações para uso de estratégias protetoras.7 Nesse mesmo ano, a Sociedade Brasileira de Cardiologia publicou sua I Diretriz de Avaliação Perioperatória.8 Em 2009, novamente a ACC/AHA publicaram atualização das recomendações do uso dos beta-bloqueadores no perioperatório incorporado ao guideline de 2007.1
A seguir, serão discutidas essas diretrizes, citando-se as classes de recomendação assim como o nível de evidência das recomendações (Tabela 1).
Avaliação passo a passo
Diante de uma emergência cirúrgica, a avaliação pré-operatória deve ser limitada a testes e exames que não posterguem o procedimento (classe I, nível de evidência C). A verificação dos sinais vitais, da condição volêmica, do hematócrito, eletrólitos, função renal e do ECG de superfície podem ser acessados rapidamente. Avaliação mais detalhada pode ser conduzida após a cirurgia.1,7
Tratando-se de procedimentos eletivos, descobrir qual paciente necessita de mais cuidados antes de se submeter a uma cirurgia é o grande objetivo e desafio para promover redução na morbimortalidade. Essa etapa muitas vezes deve ser discutida de forma multidisciplinar. Todas as estratégias devem resultar em baixo risco global.
Os estudos citados anteriormente mostram que a estratificação do risco cardiovascular de pacientes candidatos à cirurgia não cardíaca foi predominantemente baseada em fatores clínicos. Sendo assim, uma boa anamnese e exame físico são importantes preditores de complicações cardíacas. Na entrevista, é imprescindível pesquisar quais as condições clínicas capazes de colocar o paciente em risco durante o procedimento cirúrgico. Deve-se dar atenção, primeiramente, às condições cardíacas mais graves, como angina em repouso (instável) ou em "crescendo", arritmias graves, IC descompensada e doença valvar grave (Tabela 2). A determinação de qualquer uma delas contraindica cirurgia não cardíaca eletiva até que sejam avaliadas e tratadas adequadamente (classe I, nível de evidência B).1,7
Informações mais detalhadas sobre o procedimento a ser realizado também são necessárias. Diferentes cirurgias podem estar relacionadas a diferentes riscos cardíacos. Isto se deve a fatores cirúrgicos específicos como grau de deslocamento de fluidos, níveis de estresse, duração do procedimento, perda sanguínea ou fatores inerentes ao paciente.
Os procedimentos cirúrgicos foram classificados como de alto risco (> 5%), risco intermediário (1 a 5%) e baixo risco (<1%)1,7 (Tabela 3). Apesar de a doença coronariana ser o maior fator de risco para morbidade perioperatória, procedimentos com diferentes níveis de estresse estão associados a diferentes níveis de morbimortalidade. Procedimentos superficiais e oftalmológicos representam os de menos risco. Grandes procedimentos vasculares representam os de mais alto risco e são agora uma consideração à parte na decisão de se realizar uma avaliação adicional. Reparação de aneurisma aórtico endovascular e endarterectomia de carótida devem ser considerados na categoria de risco intermediário em razão de suas taxas de morbidade e mortalidade perioperatórios. Vale lembrar, porém, que em longo prazo a taxa de mortalidade entre os pacientes submetidos a estes procedimentos é alta e deve ser levada em conta durante a condução clínica do paciente.
Na categoria de risco intermediário, morbidade e mortalidade variam dependendo da localização cirúrgica e extensão do procedimento. Alguns procedimentos são curtos, com mínimo deslocamento de fluidos, entretanto, outros podem estar associados a expressivas trocas volêmicas, duração prolongada e alto potencial de isquemia miocárdica e depressão respiratória pós-operatória. Portanto, o médico-assistente deve exercer o julgamento da avaliação correta dos riscos cirúrgicos perioperatórios e da necessidade de estudo adicional.
O próximo passo é discriminar qual a capacidade funcional de acordo com as atividades diárias do paciente (Tabela 4). Capacidade funcional acima de 7 equivalentes metabólicos (METs) é considerada excelente, de 4 a 7 METs boa e abaixo de 4 METs ruim. Boa capacidade funcional (>4 METs) dispensa a necessidade de teste de estresse, desde que o paciente não tenha sintomas cardiológicos (classe I, nível de evidência B). Diante de capacidade funcional ruim, deve-se investigar outros fatores.1,7
Os fatores clínicos de risco para complicações cardiovasculares listados nas recentes recomendações da ACC/AHA são:
Insuficiência coronariana
Insuficiência cardíaca compensada ou prévia
Doença cérebro-vascular
Diabetes mellitus
Insuficiência renal (definida como creatinina sérica pré-operatória superior a 2 mg/dL).1
As indicações de teste de estresse não invasivo e do uso de beta-bloqueadores no perioperatório vão depender do tipo de cirurgia à qual o paciente será submetido e do número de fatores clínicos de risco. As indicações precisas dessas intervenções serão discutidas mais detalhadamente adiante nos tópicos "Exames complementares" e "Estratégias cardioprotetoras medicamentosas".
O resumo da avaliação pré-operatória passo a passo para pacientes candidatos à cirurgia não cardíaca pode ser visto no fluxograma a seguir (Figura 1).
EXAMES COMPLEMENTARES
ECG de 12 derivações em repouso
Nos pacientes com DAC conhecida, o ECG de repouso pode trazer importantes informações prognósticas de morbidade e mortalidade de longo prazo. A magnitude e a extensão das ondas Q podem estimar de forma rude a capacidade contrátil do ventrículo esquerdo (VE). Achados como o infradesnivelamento do segmento ST maior que 0,5 mm, hipertrofia do VE com padrão strain e bloqueio completo do ramo esquerdo estão relacionados a reduzida expectativa de vida.1,7
Já nos pacientes sem fatores de risco, o ECG de repouso geralmente não traz informações relevantes para o planejamento anestésico-cirúrgico. ECG anormal é encontrado em 62% dos pacientes com DAC conhecida, em 44% dos pacientes com fatores de risco e em apenas 7% dos com menos de 50 anos sem fatores de risco. A especificidade de uma anormalidade no ECG em relação a um evento cardíaco adverso pós-operatório é de apenas 26%. Além do mais, ECG normal não exclui doença cardíaca.10
Sendo assim, o ECG de 12 derivações de repouso pré-operatório é recomendado para pacientes com pelo menos um fator de risco clínico que serão submetidos a procedimentos vasculares (classe de recomendação I, nível de evidência: B). É recomendado também para os pacientes com histórico de DAC, doença arterial periférica ou cérebro-vascular que serão submetidos a procedimentos cirúrgicos de risco intermediário (classe de recomendação I, nível de evidência: C). Parece razoável o ECG pré-operatório em pessoas sem fatores de risco clínico que irão se submeter a procedimentos cirúrgicos de alto risco (classe de recomendação IIa, nível de evidência: B). Nos pacientes assintomáticos que serão submetidos a procedimentos de baixo risco, independentemente da idade, o ECG pré-operatório não está indicado (classe de recomendação III, nível de evidência B).1,7
Avaliação da função do VE
A função do VE em repouso pode ser avaliada por angiografia com radionuclídeos, ecocardiograma e ventriculografia com contraste. É de se salientar que a avaliação da função do VE, isoladamente, não é um preditor consistente de eventos isquêmicos.1,7
Porém, como dito anteriormente, a existência de qualquer grau de disfunção do VE é um fator de risco para complicações cardíacas perioperatórias. Rohde et al. puderam constatar isto em um estudo com 570 pacientes utilizando ecocardiograma transtorácico (ETT) antes de grandes cirurgias não cardíacas. A chance de infarto do miocárdio ou de edema pulmonar cardiogênico foi de duas vezes mais nos pacientes com algum grau de disfunção sistólica no ETT (OR 2,1, IC 1,0-4,5; p=0,05). A análise da sensibilidade, valor preditivo positivo, especifidade e valor preditivo negativo de qualquer grau de disfunção do VE como preditor de eventos cardíacos adversos foi de 43, 13, 76 e 94%, respectivamente.11
As recomendações para avaliação da função do VE da ACC/AHA estão listadas na Tabela 5.
Teste ergométrico e capacidade funcional
O objetivo do teste ergométrico é fornecer uma medida objetiva da capacidade funcional, identificar a presença de isquemia miocárdica importante ou arritmias cardíacas, estimar o risco cardíaco perioperatório e o prognóstico em longo prazo. Capacidade funcional ruim pode ser causada por vários fatores, entre eles, reserva cardíaca inadequada, idade avançada, disfunção miocárdica transitória, falta de condicionamento e reserva pulmonar ruim.
A sensibilidade do teste ergométrico em detectar isquemia depende da extensão e do grau de estenose da lesão. Cerca de 50% dos pacientes com doença coronariana univascular, que atingem nível de exercício adequado, têm teste negativo.12 A sensibilidade e especificiade médias do teste ergométrico são de 68 e 77%, respectivamente. Esses valores se elevam para 81 e 66% no caso de lesões multivasculares e 86 e 53% diante de lesões trivasculares ou do tronco da coronária esquerda.13
Como preditor de complicações cardiovasculares perioperatórias, o teste ergométrico não se mostrou tão eficaz. McPhail et al.14 realizaram estudo com 100 pacientes que seriam submetidos à cirurgia vascular periférica ou de correção de aneurisma de aorta abdominal. Desta série, 30 pacientes atingiram 85% da frequência cardíaca esperada para a idade e apenas dois tiveram complicações no perioperatório (6%). Em contraste, 70% da amostra não atingiram 85% da frequência cardíaca esperada para a idade ou tiveram alterações no ECG sugestivas de isquemia durante o exame; 17 pacientes tiveram complicações cardiovasculares nesse grupo (24%).14
Recomendações para teste de estresse não invasivo antes de cirurgia não cardíaca
Nos pacientes ambulatoriais que têm indicação de propedêutica complementar para investigação de DAC, o teste ergométrico é o exame de escolha.1,7 Ele permite estimar com precisão a capacidade funcional, além de detectar isquemia miocárdica a partir das alterações no ECG e da resposta hemodinâmica ao exercício.
Nos pacientes que têm indicação de investigação complementar para DAC e são incapazes de se exercitarem, os testes de estresse farmacológico com vasodilatadores (adenosina e dipiridamol) ou cronotrópicos (dobutamina ou marcapasso), em conjunto com imagens por radionuclídeos (tálio-201 e tecnécio-99m) ou ecocardiografia, têm sido as técnicas mais utilizadas. Eles permitem esta avaliação a partir do aumento da relação demanda/oferta de O2 do miocárdico. Recentemente, as indicações destes testes têm diminuído. Apesar de terem marcante sensibilidade para detecção de DAC, esses exames não apresentam a mesma eficácia em predizer eventos cardíacos perioperatórios adversos, não sendo, assim, indicados para pacientes sem fatores de risco.
Eficácia dos testes de estresse não invasivos
Os exames de perfusão miocárdica por radionuclídeo (ex: cintilografia miocárdica) permitem avaliar os defeitos reversíveis de perfusão do miocárdio e, portanto, a extensão do miocárdio sob risco. Em série de 23 estudos que avaliaram pacientes candidatos à cirurgia vascular15-37, a porcentagem de exames com evidência de miocárdio sob risco variou de 23 a 69%. Já o valor preditivo positivo desses exames para morte ou IM perioperatório variou de 2 a 20%. Pode-se ver que existe baixa taxa de pacientes com exames alterados que realmente cursam com complicações cardiovasculares no perioperatório. Entretanto, devido à sua alta sensibilidade para DAC, o valor preditivo negativo é de aproximadamente 99%. Ou seja, diante de exame normal, o risco de IM ou morte por causas cardiovasculares perioperatórios é praticamente nulo. A maioria dos estudos mostra que defeitos fixos de perfusão não têm valor preditivo positivo. Mesmo nos estudos que mostraram que esses defeitos fixos tinham risco aumentado em comparação com testes normais, esses riscos, ainda assim, foram mais baixos do que os riscos de um defeito reversível.
A ecocardiografia de estresse com dobutamina tem se tornado o principal método de estresse farmacológico com imagem por ultrassonografia. Com o aumento da frequência e da contratilidade cardíaca, lesões estenóticas importantes das coronárias podem ser diagnosticadas por anormalidades da contração das paredes irrigadas pelo vaso acometido.
De 1991 a 2009, 16 estudos na literatura de língua inglesa foram publicados, nos quais a população estudada foi predominantemente de pacientes candidatos à cirurgia vascular.38-53 Os protocolos utilizados foram bastante parecidos, mas não idênticos. A definição de teste positivo e negativo foi diferente em alguns estudos, devido à análise subjetiva da contratilidade segmentar do miocárdio. Por exemplo, a piora de uma anormalidade contrátil preexistente foi considerada achado positivo em alguns trabalhos e negativo em outros. Os desfechos analisados foram divididos em "leves" (arritmia, IC, isquemia) e "graves" (IM e morte por causa cardíaca). A porcentagem de testes positivos variou de 5 a 50%. O valor preditivo positivo para eventos graves variou de 0 a 33%. O valor preditivo negativo variou de 93 a 100%.
As recomendações para a realização de testes de estresse não invasivos estão na Tabela 6.
Já nos pacientes com isquemia miocárdica importante diagnosticada previamente que serão submetidos à cirurgia não cardíaca de alto risco, é geralmente apropriado realizar angiografia coronária ou tentar estabilizá-los com tratamento medicamentoso agressivo em vez de realizar teste de estresse. De forma geral, as indicações de angiografia coronária para os pacientes cirúrgicos são as mesmas das situações não cirúrgicas.
ESTRATÉGIAS CARDIOPROTETORAS MEDICAMENTOSAS
Terapia com beta-bloqueadores
O uso de beta-bloqueadores no perioperatório foi bastante analisado na última década e, apesar dos diversos estudos publicados, ainda divide a opinião dos especialistas.
Um dos maiores estudos sobre o assunto, o POISE54, avaliou a eficácia de metoprolol de liberação prolongada ou placebo iniciados 2 a 4 horas antes da cirurgia e continuado por 30 dias nos desfechos primários de morte por causas cardiovasculares, IM não fatal e parada cardíaca não fatal. Os critérios de inclusão foram idade maior ou igual a 45 anos, expectativa de internação superior a 24 horas ou presença de pelo menos um dos seguintes fatores clínicos: histórico de DAC, doença vascular periférica, hospitalização por IC nos últimos três anos, candidatos a grandes cirurgias vasculares. Foram incluídos também pacientes que tinham pelo menos três destes sete critérios: candidatos à cirurgia torácica ou intraperitoneal, histórico de IC, ataque isquêmico transitório, DM, creatinina sérica igual ou superior a 175 micromoles/L, idade maior que 70 anos ou indicação de cirurgia de urgência ou emergência. Os critérios de exclusão foram uso prévio de beta-bloqueadores e CRVM nos últimos cinco anos sem sintomas isquêmicos. A dose utilizada de metoprolol foi de 100 mg (comprimidos de liberação lenta) no pré-operatório e no pós-operatório imediato e 200 mg nos dias subsequentes até completar 30 dias. Nos casos de bradicardia com frequência cardíaca inferior a 45 bpm ou pressão sistólica inferior a 100 mmHg, a dose do metoprolol era suspensa até que as variávies hemodinâmicas citadas estivessem reestabelecidas. Foram avaliados 8.351 pacientes de 190 instituições em 23 países. O total de 8.331 pacientes completou o seguimento após 30 dias de acompanhamento. Os resultados mostraram discreta redução na incidência de IM não fatal no grupo metoprolol (176 [4,2%] versus 239 [5,7%]; HR 0,73, IC 95% - 0,60 a 0,89; p < 0,0017). Porém, houve mais mortes no grupo metoprolol do que no grupo placebo (HR 1,33, IC 95% - 1,03 a 1,74; p < 0,0317). A incidência de acidente vascular cerebral (AVC) foi também superior no grupo metoprolol (41 [1,0%] versus 19 [0,5%] pacientes; HR 2,17, IC 95% - 1,26 a 3,74; p < 0,0053).
No estudo DECREASE IV55, os desfechos foram diferentes. Foram aleatorizados 1.066 pacientes em quatro grupos de acordo com a terapia utilizada: 1) beta-bloqueador (bisoprolol); 2) estatina (fluvastatina); 3) combinação de beta-bloqueador e estatina (bisoprolol e fluvastatina); 4) grupo-controle (sem beta-bloqueador e estatina). Os critérios de inclusão foram pacientes candidatos à cirurgia não cardíaca com idade superior ou igual a 40 anos e risco de morte e IM perioperatórios entre 1 e 6%. Os critérios de exclusão foram uso prévio de beta-bloqueadores ou estatinas, contraindicação ao uso de beta-bloqueadores ou estatinas, cirurgia de urgência ou emergência, colesterol alto de acordo com o National Cholesterol Consensus, ter participado do mesmo estudo previamente, síndromes coronarianas agudas ou evidência de DAC trivascular ou do tronco da coronária esquerda. Diferentemente do POISE, nesse estudo o beta-bloqueador foi iniciado bem antes do dia da cirurgia (21 a 53 dias antes, mediana de 34 dias). A dose inicial de bisoprolol foi de 2,5 mg/dia e se a FC fosse superior a 50 bpm, eram feitos incrementos de 1,25 a 2,5 mg até o máximo de 10 mg/dia, objetivando manter a FC entre 50 e 70 bpm. Os desfechos avaliados foram mortes por causas cardíacas e IM não fatal nos 30 dias de acompanhamento após a cirurgia. No grupo bisoprolol (n=533), a incidência tanto de morte quanto de IM não fatal foram mais baixas (2,1% versus 6,0% eventos; HR 0,34, IC 95% 0,17 a 0,67; p < 0,002). Sete pacientes tiveram AVC, sendo quatro no grupo bisoprolol e três nos grupos que não receberam bisoprolol.
O estudo de Poldermans et al.56 também obteve resultados condizentes com o efeito cardioprotetor dos beta-bloqueadores. Foram analisados 770 pacientes de risco intermediário distribuídos em dois grupos: com teste de estresse e sem teste de estresse pré-operatório. Todos receberam beta-bloqueadores com o objetivo de manter a FC entre 60 e 65 bpm. Nos pacientes com isquemia no teste de estresse, a frequência cardíaca era controlada para manter-se abaixo do limiar de isquemia. Não houve diferença na incidência de eventos cardíacos adversos nos dois grupos. Nos pacientes com FC abaixo de 65 bpm, o risco de eventos adversos foi mais baixo (1,3% versus 5,2%; OR 0,24, IC 95% 0,09 a 0,66; p<0,003). Os autores concluíram que o teste de estresse pode ser desnecessário para pacientes de risco intermediário, desde que estejam medicados com beta-bloqueadores e com a FC muito bem-controlada.
Outros estudos também foram publicados nestes últimos anos, como Boersma et al.57, Mangano et al.58, Juul et al.59, Raby et al.60, Zaugg et al.61, McGory et al.62, Wiesbauer et al.63. Por fim, avaliando os riscos e benefícios, a AHA/ACC1 fizeram as seguintes recomendações em sua última diretriz de 2009:
Classe I:
Beta-bloqueadores devem ser continuados em pacientes candidatos à cirurgia não cardíaca e já fazem uso deles para tratamento de outras situações em que ele esteja indicado (nível de evidência C).
Classe IIa:
Beta-bloqueador para controle da FC e PA é provavelmente recomendado para pacientes candidatos à cirurgia vascular que são de alto risco cardíaco devido à insuficiência coronariana ou achado de DAC em teste peroperatório (nível de evidência B).
Classe IIa:
Beta-bloqueadores para controle da FC e PA são razoáveis para pacientes em quem a avaliação peroperatória para a cirurgia vascular identificou alto risco cardíaco, como definido pela presença de mais de um fator de risco clínico (nível de evidência C).
Classe IIa:
Beta-bloqueadores para controle FC e PA são razoáveis para pacientes em quem a avaliação peroperatória identificou insuficiência coronariana ou alto risco cardíaco, definido pela existência de mais de um fator de risco clínico, que serão submetidos à cirurgia de risco intermediário (nível de evidência B).
Classe IIb:
O uso de beta-bloqueadores é incerto para pacientes que são submetidos tanto a procedimentos de risco intermediário ou cirurgia vascular, em quem a avaliação peroperatória identificou um único fator de risco clínico na ausência de insuficiência coronariana (nível de evidência C).
Classe IIb:
O uso de beta-bloqueadores é incerto em pacientes que serão submetidos à cirurgia vascular com nenhum fator de risco clínico que não estejam tomando beta-bloqueadores previamente (nível de evidência B).
Classe III:
Beta-bloqueadores não devem ser dados a pacientes submetidos à cirurgia que tem contraindicações absolutas aos beta-bloqueadores (nível de evidência C).
Classe III:
Administração de rotina de altas doses de beta-bloqueadores na ausência de dose titulada não é útil e pode ser prejudicial a pacientes que não tomam correntemente beta-bloqueadores e que serão submetidos à cirurgia não cardíaca (nível de evidência B).
O resumo das recomendações para uso de beta-bloqueadores no perioperatório pode ser visto na Tabela 7:
Terapia com estatina perioperatória
As evidências acumuladas até o momento sugerem que a estatina apresenta efeito protetor contra complicações cardíacas durante cirurgia não cardíaca. Hindler et al.64 conduziram metanálise que avaliou o efeito geral da terapia com estatina na qual foi observada redução de 44% na mortalidade. Le Manach et al.65 demonstraram que a suspensão pós-operatória de estatina (mais de quatro dias) foi um preditor independente de mionecrose pós-operatória.
A maioria desses dados é observacional e baseada em pacientes nos quais o tempo de início e duração da terapia com estatina não está claro.
Alfa-2 agonistas
Wijeysundera et al.66 realizaram, em 2002, metanálise compreendendo 23 estudos e envolvendo 3.395 pacientes, sobre o uso perioperatório de agonistas alfa-2. Essa classe de medicamentos reduziu a mortalidade (risco relativo 0,76, IC 95% 0,63 a 0,91) e a incidência de infarto do miocárdio (risco relativo 0,66, IC 95% 0,46 a 0,94) durante cirurgia vascular.
Mais recentemente, Wallace et al.67 conduziram estudo prospectivo, duplo-cego, em pacientes com DAC ou sob risco de DAC. Eles determinaram que a administração de clonidina teve mínimos efeitos hemodinâmicos e reduziu a mortalidade pós-operatória após seguimento por dois anos.
Bloqueadores de canais de cálcio
Metanálise publicada em 2003 envolvendo 11 estudos e 1.007 pacientes68 determinou que a terapia com bloqueadores de canais de cálcio no período perioperatório reduziu significativamente os episódios de isquemia (risco relativo 0,49, 95% IC 0,3 a 0,.8, P=0,004) e taquicardia supraventricular (risco relativo 0,52, 95% IC 0,37 a 0,72, P<0,0001), sendo associada, também, a reduzida tendência de morte e infarto do miocárdio.
TERAPIA INTERVENCIONISTA
Cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM)
Até recentemente, todas as evidências a respeito da cirurgia de revascularização coronária foram derivadas de estudos de coorte em pacientes que se apresentaram para cirurgia não cardíaca após cirurgia cardíaca bem-sucedida. Existem agora vários estudos randomizados que avaliaram o benefício geral da CRVM profilática para diminuir o risco cardíaco perioperatório de cirurgias não cardíacas cujos resultados podem ser aplicados a subtipos específicos de pacientes.
O primeiro grande estudo randomizado (Coronary Artery Revascularization Prophylaxis) foi publicado por McFalls et al..69. Foram selecionados, aleatoriamente, 510 entre os 5.859 pacientes com estenose significante de artérias coronárias agendados para cirurgia vascular. Estes foram submetidos ou não à CRVM antes do procedimento proposto. Os autores concluíram que a revascularização coronária em pacientes com sintomas cardíacos estáveis, antes de cirurgia vascular eletiva, não alterou significativamente os riscos de morte e IM em longo e curto prazos.
O estudo DECREASE II70 foi desenhado com o objetivo de avaliar a utilidade de testes cardíacos em pacientes com fatores de risco intermediários e adequada terapia beta-bloqueadora submetidos à cirurgia vascular. Morte e IM não fatal foram pesquisados 30 dias após o procedimento. Esse estudo confirmou que isquemia cardíaca extensa é um fator de risco para eventos cardíacos perioperatórios, entretanto, isto foi pouco para avaliar o verdadeiro benefício da revascularização.
O DECREASE-V71 selecionou pacientes que seriam submetidos à cirurgia vascular randomizados em um grupo com terapia medicamentosa otimizada e submetidos à CRVM e outro somente com terapia medicamentosa otimizada sem CRVM. Não houve diferenças entre os grupos nos resultados combinados de morte ou IM em 30 dias ou um ano, embora tenha havido alta incidência de eventos cardíacos nos dois grupos. Essa pesquisa não foi dimensionada para responder definitivamente a questão do valor da revascularização pré-operatória em pacientes de alto risco; entretanto, os achados foram consistentes com a literatura publicada previamente, sugerindo que a CRVM não tem benefícios em prevenir morte ou IM. As indicações para a revascularização coronária pré-operatória, portanto, são idênticas àquelas recomendadas pelo ACC/AHA 2004 Guideline Update for Coronary Artery Bypass Graft Surgery.
Intervenção coronária percutânea (PCI) pré-operatória
Revisão da literatura sugere que PCI antes de cirurgia não cardíaca não possui valor na prevenção de eventos cardíacos, exceto naqueles pacientes nos quais ela está independentemente indicada devido a uma síndrome coronariana aguda. Entretanto, cirurgia não cardíaca não programada em pacientes submetidos previamente a uma PCI apresenta desafios especiais, particularmente em relação ao manejo de agentes antiplaquetários naqueles pacientes com stents coronarianos.
PCI sem stents: angioplastia coronária com balão
Várias avaliações têm relatado os desfechos dos pacientes submetidos à cirurgia não cardíaca após terem sido submetidos à angioplastia coronária com balão.72-78 Com base na literatura disponível, o adiamento de cirurgia não cardíaca por período superior a oito semanas após angioplastia com balão aumenta a chance de reestenose no local e de isquemia ou IM perioperatório. Entretanto, realizar o procedimento cirúrgico logo após a PCI também pode ser perigoso. O adiamento da cirurgia por pelo menos duas a quatro semanas após angioplastia permite a reendotelização dos vasos no local de tratamento com balão, o que é confirmado pelo estudo de Brilakis et al.79. Terapia com aspirina deve ser continuada no perioperatório. O risco de interrupção da aspirina deve ser pesado contra o beneficio da redução de complicações relacionadas ao sangramento do procedimento proposto.
PCI com stent coronariano metálico
Se um stent coronariano é utilizado no procedimento de revascularização, o adiamento da cirurgia não cardíaca pode ser benéfico. Trombose de stent metálico é mais comum nas primeiras duas semanas após a colocação do mesmo, porém é extremamente raro (menos que 0,1% dos casos) após quatro semanas.80,81 Dado que a trombose do stent irá resultar em IM ou morte na maioria dos paciente e que o risco de trombose do stent metálico diminui após endotelização do stent (que geralmente ocorre em quatro a seis semanas), parece razoável adiar cirurgia eletiva não cardíaca por quatro a seis semanas, a fim de permitir pelo menos uma endotelização parcial do stent, mas não por mais de 12 semanas, quando a reestenose pode começar a ocorrer.
Os tienopiridínicos (ticlopidina e clopidogrel) são geralmente administrados juntos com aspirina por quatro semanas após colocação de stent metálico. A associação deles com aspirina inibe a agregação plaquetária e reduz o risco de trombose do stent, porém aumenta o risco de sangramento. Rápida endotelização dos stents metálicos torna rara a ocorrência de trombose e os tienopiridínicos são raramente necessários por período superior a quatro semanas após a implantação dos stents metálicos. Por essa razão, o adiamento da cirurgia por quatro a seis semanas após colocação de um stent metálico permite o uso apropriado dos tienopiridínicos com o objetivo de reduzir o risco de trombose. Entretanto, uma vez que o seu uso é interrompido, seus efeitos não diminuem imediatamente. Sendo assim, é recomendado o adiamento da cirurgia por uma semana após a interrupção do uso dos tienopiridínicos. Em pacientes com stent metálico, a terapia antiplaquetária com aspirina diária deve ser continuada no período perioperatório. No cenário de cirurgia não cardíaca na qual os pacientes foram previamente submetidos à colocação de stent metálico, o risco da interrupção de agentes antiplaquetários precocemente (dentro de quatro semanas de implantação) é significante comparado ao risco de hemorragia grave nos procedimentos cirúrgicos mais realizados.
PCI com stent farmacológico
A trombose de stents farmacológicos pode ocorrer tardiamente e tem sido relatada até um ano e meio após a sua implantação, particularmente no contexto de descontinuação dos agentes antiplaquetários antes de cirurgia não cardíaca.82,83 Em janeiro de 2007, foram publicadas, pela Society for Cardiovascular Angiography and Interventions (AHA/ACC, SCAI), American College of Surgeons (ACS) e American Diabetes Association (ADA), evidências que concluíram que a interrupção prematura da terapia antiplaquetária dupla aumenta significativamente o risco de trombose, morte e IAM.84 A fim de eliminar a interrupção prematura da terapia tienopiridínicca, o grupo consultivo recomendou o seguinte:
- Procedimentos eletivos nos quais há significativo risco de hemorragia peri ou pós-operatória devem ser adiados até que os pacientes completem curso apropriado de terapia tienopiridínica (12 meses após implantação de stent farmacológico e no mínimo um mês após a implantação de stents metálicos).
- Para pacientes tratados com stent farmacológico que serão submetidos a procedimento no qual é mandatória a descontinuação da terapia tienopiridínica, aspirina deve ser continuada sempre que possível e os tienopiridínicos reiniciados assim que possível, devido ao risco de trombose tardia do stent.
Conforme esses relatos e recomendações, não é prudente o uso de stents farmacológicos para revascularização coronária antes de cirurgia não cardíaca iminente ou planejada, na qual é necessária a descontinuação dos agentes antiplaquetários.
Manejo perioperatório de pacientes com PCI prévia submetidos à cirurgia não cardíaca
Para pacientes que se submeteram à intervenção coronária com ou sem colocação de stents antes de cirurgia não cardíaca, planejada ou não, há incerteza sobre o tempo que se deveria esperar para a realização de procedimento. Dado o relato de trombose tardia de stent farmacológico e as recomendações discutidas, os clínicos devem se manter vigilantes por período superior a 365 dias após o implante de stent farmacológico. Os tempos de 14, 30 a 45 e 365 dias para angioplastia com balão, stent metálico e stent farmacológico, respectivamente, são um tanto arbitrário devido à falta de evidências de alta qualidade (Figura 2).
Deve ser considerada, no período de tempo no qual se exige, a continuação da terapia antiplaquetária dupla para qualquer paciente que necessite de cirurgia não cardíaca, particularmente naqueles tratados com stents farmacológicos. Além disso, deve ser considerado continuar a terapia antiplaquetária dupla perioperatória, além do tempo recomendado, em pacientes de alto risco para as consequências de trombose do stent; como em pacientes com trombose prévia de stent, após implante de stent em artéria principal esquerda, após implante de stents multiarteriais e após colocação de stent na única artéria coronária remanescente ou em enxerto vascular. Mesmo após a descontinuação dos tienopiridínicos, sérias considerações devem ser dadas à continuação da terapia antiplaquetária com aspirina, no período perioperatório, em pacientes com implantação prévia de stent farmacológico. Se os tienopiridínicos necessitarem ser interrompidos antes de cirurgia de grande porte, a aspirina deve ser continuada e os tienopiridínicos reiniciados o mais precocemente possível. Não há evidências que warfarin, antitrombóticos ou inibidores da glicoproteína IIb/IIIa reduzam o risco de trombose do stent após descontinuação de agentes antiplaquetários orais.84
Estratégia de PCI em pacientes que necessitam de cirurgia não cardíaca de emergência
Pacientes candidatos à revascularização coronária percutânea, nos quais a cirurgia não cardíaca de urgência seja necessária, requerem consideração especial.84,85 Revascularização coronária percutânea não deve ser realizada rotineiramente em pacientes que necessitem de cirurgia não cardíaca, a menos que estes possuam clara indicação para tal, seja devido à anatomia coronariana de alto risco, angina instável, IM ou DAC com ritmo ou hemodinâmica instáveis. Se PCI é necessária, então a urgência da cirurgia não cardíaca e o risco de sangramento associado devem ser considerados. Se o risco de sangramento é baixo ou se a cirurgia não cardíaca possa ser adiada por 12 meses ou mais, uma PCI com stents farmacológicos e terapia prolongada com aspirina e tienopiridínicos podem ser considerados caso o paciente cumpra os critérios descritos no AHA/ACC/SCAI/ACS/ADA Science Advisory Group.84 Se a cirurgia não cardíaca ocorrer dentro de um a 12 meses, deve ser considerada a estratégia de stent metálico e terapia por quatro a seis semanas com aspirina e tienopiridínicos, com suspensão do tienopiridínico após esse período e continuação da aspirina no período perioperatório. Apesar do risco de reestenose com essa estratégia ser mais alto que com stents farmacológicos, as lesões reestenóticas, nestes casos, geralmente não acarretam risco de morte, mesmo quando se apresentam como uma síndrome coronariana aguda86 e podem geralmente ser tratadas com nova PCI, se necessário. Caso cirurgia não cardíaca seja iminente (dentro de duas a seis semanas) e o risco de sangramento seja alto, devem ser considerados angioplastia com balão e implante de stent metálico provisório adicionado à monoterapia antiplaquetária com aspirina e, caso ocorra reestenose, tratamento com nova PCI. Diante de cirurgia não cardíaca urgente ou emergente, o risco cardíaco, o risco de hemorragias e o benefício de longo prazo da revascularização coronária devem ser ponderados. E se intervenção for absolutamente necessária, deve ser considerada a CRVM.
ABORDAGENS DE DOENÇAS ESPECÍFICAS
Hipertensão
No estágio 3 de hipertensão (pressão arterial sistólica maior ou igual 180 e pressão arterial diastólica maior ou igual 110), devem ser ponderados os benefícios de adiar uma cirurgia objetivando otimizar o efeito das medicações anti-hipertensivas e os risco da cirurgia com níveis pressóricos elevados. Com a utilização de agentes intravenosos de ação rápida, a pressão sanguínea pode ser adequadamente controlada. Ensaio clínico randomizado foi incapaz de demonstrar o benefício do adiamento de cirurgia em pacientes hipertensos tratados cronicamente, que se apresentaram para cirurgia não cardíaca com PAD entre 110 e 130 mmHg e que não apresentaram IM prévio, angina grave ou instável, falência renal, hipertensão induzida pela gravidez, hipertrofia do VE, CRVM prévia, estenose aórtica, arritmias pré-operatórias, defeitos de condução ou AVC.87
Vários autores têm sugerido suspender os IECAs e antagonistas do receptor da angiotensina na manhã da cirurgia.88-90 O reinício de IECA no período perioperatório deve acontecer somente após o paciente atingir a normovolemia, diminuindo, assim, o risco de disfunção renal perioperatória.
Valvopatia
Na estenose aórtica grave sintomática, cirurgia não cardíaca eletiva deverá ser adiada ou cancelada. Esses pacientes necessitam de substituição valvar previamente à cirurgia. Se a estenose aórtica é grave, mas assintomática, a cirurgia deve ser cancelada ou adiada caso a valva não tenha sido avaliada por exames de imagem no último ano. Por outro lado, em pacientes com estenose aórtica grave que se recusam à cirurgia cardíaca ou não são candidatos à troca valvar por outros motivos, a cirurgia não cardíaca pode ser realizada com risco de mortalidade de cerca de 10%.91,92 Se o paciente não é candidato a troca valvar, valvuloplastia aórtica percutânea com balão, pode ser uma opção em pacientes adultos hemodinamicamente instáveis e naqueles com estenose aórtica nos quais a troca valvar não pode ser realizada devido a várias comorbidades importantes.93,94
Estenose mitral importante aumenta o risco de falência cardíaca. Entretanto, correção cirúrgica pré-operatória não é indicada antes de cirurgia não cardíaca, a não ser que a condição valvar deva ser corrigida com fins de prolongar a sobrevivência e prevenir complicações não relacionadas à cirugia não cardíaca proposta. Quando a estenose é grave, o paciente pode se beneficiar de valvuloplastia mitral com balão ou reparação cirúrgica aberta antes de cirurgia de alto risco.95
Em pacientes com fibrilação atrial permanente ou persistente que estão sob alto risco de tromboembolismo, terapia pré-operatoria e pós-operatória com heparina intravenosa ou heparina de baixo peso molecular deve ser considerada para cobrir períodos de falha no caso de anticoagulação subterapêutica.
Pacientes com prótese valvar mecânica são uma preocupação devido à necessidade de profilaxia para endocardite96 nas cirurgias que podem resultar em bacteremia e também devido ao cuidadoso manejo da anticoagulação. O sétimo consenso da American College of Chest Physicians para terapia antitrombótica e trombolítica97 recomenda o seguinte: para pacientes que necessitam de procedimentos minimamente invasivos (odontológicos, biópsias superficiais), a recomendação é reduzir momentaneamente o RNI para faixa baixa ou subterapêutica e retomar a dose normal de anticoagulante oral imediatamente após o procedimento.
Terapia com heparina perioperatória é recomendada para pacientes nos quais o risco de sangramento com anticoagulante oral é alto e o risco de tromboembolismo na ausência de anticoagulação também é elevado (valva mecânica na posição mitral; valva Bjork-Shiley; trombose ou embolia recente - menos de um ano); ou três ou mais dos seguintes fatores de risco: fibrilação atrial, embolia prévia em qualquer tempo, condição de hipercoagulabilidade, prótese mecânica e fração de ejeção do VE inferior a 30%.98 Para pacientes entre esses dois extremos, os médicos devem avaliar o risco e benefício da redução da anticoagulação versus a terapia com heparina perioperatoriamente.
CONSIDERAÇÕES ANESTÉSICAS E MANEJO INTRAOPERATÓRIO
Há várias abordagens a respeito do cuidado anestésico no paciente cardíaco, incluindo o uso de agentes ou técnicas anestésicas específicas. Entretanto, nenhum estudo demonstrou claramente mudança no resultado com o uso rotineiro das seguintes técnicas: cateter de artéria pulmonar, monitorização do segmento ST, ecocardiografia transesofágica ou nitroglicerina intravenosa. Portanto, a escolha da técnica anestésica e monitorização intraoperatória é critério da equipe de anestesia. O manejo intraoperatório pode ser influenciado pela necessidade de monitorização, ventilação e analgesia pós-operatória e pelo uso perioperatório de anticoagulantes e agentes antiplaquetários. Portanto, esses cuidados devem ser planejados antes da cirurgia por equipe multidisciplinar.
Manejo da dor perioperatória
Do ponto de vista cardíaco, o manejo da dor consiste em um aspecto crucial no cuidado perioperatório. Apesar de nenhum estudo controlado e randomizado sobre regimes de analgesia ter demonstrado melhora dos resultados, técnicas de controle de dor são associadas à mais satisfação dos pacientes e escores mais baixos de dor. Regime de analgesia efetivo deve ser incluído no plano perioperatório.
VIGILÂNCIA PERIOPERATÓRIA
Uso do cateter de artéria pulmonar intraoperatório e pós-operatório
O uso de cateter de artéria pulmonar pode fornecer informação significativa no cuidado ao paciente cardíaco; entretanto, o risco potencial de complicações e o custo associado à inserção do cateter devem ser considerados. Protocolos práticos de cateterização de artéria pulmonar, assim como métodos de otimização de pacientes de alto risco cirúrgico, têm sido desenvolvidos e relatados.99,100 Evidências sobre os benefícios do uso de cateter de artéria pulmonar em estudos controlados podem ser equivocadas e a ASA Task force on Pulmonary Artery Catheterization99 chama a atenção, ainda, para os possíveis dos danos inerentes à sua utilização.
Vigilância perioperatória de infarto do miocárdio
Infarto do miocárdio perioperatório pode ser documentado a partir da avaliação de sintomas clínicos, ECG seriados, marcadores cardíacos específicos, estudos de ventriculografia comparativos antes e após a cirurgia, estudos específicos de necrose miocárdica por ressonância magnética ou radioisótopos e estudos de autópsia. Durante a última década, o diagnóstico de lesão miocárdica se tornou mais sensível com a utilização de biomarcadores cardíacos. Medidas de troponina T ou I facilitam o reconhecimento de pequenas lesões no miocárdio. Devido ao aumento de sensibilidade dos biomarcadores, o limiar de diagnóstico de injúria miocárdica diminuiu e a sua frequência aumentou. Com base nas evidências atuais, em pacientes sem DAC documentada, a vigilância deve ser restrita àqueles pacientes que desenvolveram sinais de disfunção cardiovascular perioperatória. O diagnóstico de IM perioperatório tem valor prognóstico em curto e longo prazos.1
Entretanto, pesquisas que avaliaram elevações isoladas de troponina não demonstraram associações consistentes com resultados cardiovasculares adversos e também não forneceram informações sobre o efeito do tratamento em pacientes com níveis elevados da enzima.101 Embora se saiba que as elevações de troponina são mais prováveis de ocorrer em pacientes com DAC extensa, o papel da revascularização em pacientes com níveis elevados de troponina, mas sem outras manifestações de IM, permanece obscuro. Até que cada uma dessas questões seja abordada, a dosagem rotineira de troponina não deve ser recomendada. Vigilância perioperatória para síndromes coronarianas agudas com ECG e marcadores bioquímicos de rotina são desnecessários em pacientes de baixo risco clínico submetidos a procedimentos de baixo risco cirúrgico.
MANEJO PÓS-OPERATÓRIO E A LONGO PRAZO
Avanços na avaliação do risco pré-operatório, técnicas anestésicas e cirúrgicas e a melhor implementação da terapia médica têm contribuído para diminuir a frequência de complicações cardiovasculares associadas à cirurgia não cardíaca. Apesar desses avanços, complicações cardiovasculares representam a mais comum e mais tratável consequência adversa de cirurgia não cardíaca. Os pacientes que desenvolvem infarto do miocárdio sintomático após a cirurgia têm marcante aumento do risco de morte, alcançando 40 a 70%.102 Devido à gravidade das consequências do infarto, o manejo dos pacientes deve continuar após avaliação de risco no período perioperatório.
Infarto do miocárdio: vigilância e tratamento
Em contraste com elevações clinicamente silenciosas de troponina, a ruptura de uma placa de artéria coronariana resulta em oclusão arterial trombótica e requer intervenção rápida. Apesar da terapia fibrinolítica ter sido administrada a pacientes com embolia pulmonar em risco de morte, logo após cirurgia não cardíaca a dose do fibrinolítico utilizado foi mais baixa e administrada em intervalo de tempo mais longo que o padrão para tratamento de IM agudo.103,104 Somente um único e pequeno estudo105 avaliou o papel da angiografia e angioplastia imediatas em 48 pacientes em uso de aspirina e heparina intravenosa. Ele demonstrou que essa estratégia é viável e pode ser benéfica. Os procedimentos de reperfusão não devem ser realizados rotineiramente em caráter de urgência no pós-operatório de pacientes nos quais o IM não está relacionado à oclusão coronária aguda. Além disso, devido aos requerimentos de anticoagulação durante o procedimento e ao uso de terapia antiplaquetária pós-revascularização, o benefício do mesmo deve ser pesado frente ao risco de hemorragia.
Terapia com aspirina, beta-bloqueador e IECA, particularmente em pacientes com baixa fração de ejeção ou infarto anterior, pode ser benéfica se os pacientes forem rapidamente levados à sala de hemodinâmica.106 Extensa revisão, baseada em evidências, sobre a terapia para IM agudo pode ser encontrada no ACC/AHA Guidelines for the Management of Pacients with Acute Myocardial Infarcton.106 Similarmente, o ACC/AHA Guidelines for Unstable Angina/Non-ST-Segment Elevation Myocardial Infarction.107
É importante reconhecer, na abordagem em longo prazo, que a ocorrência de IM peroperatório não fatal acarreta alto risco de eventos cardíacos futuros que frequentemente encerram-se em morte por causas cardiovasculares.108,109 Pacientes que apresentaram IM perioperatório deveriam ter sua função do VE avaliada antes da alta hospitalar. E terapêutica medicamentosa padrão pós-infarto deveria ser prescrita como definido pelo ACC/AHA Acute Myocardial Infarction Guidelines.105
Manejo em longo prazo
A cirurgia não cardíaca representa um período de aumento do risco cardiovascular. Os clínicos devem, portanto, aproveitar a oportunidade para assegurar terapia médica cardiovascular apropriada. Em recente estudo publicado no ACC/AHA 2005 Guidelines for the Manegement of Patients Whit Peripheral Arterial Disease110, o tratamento com estatinas objetivando lipoproteína de baixa-densidade (LDL) em níveis inferiores a 100 mg/dL, o controle de pressão sanguínea abaixo de 140/90 mmHg, a cessação do fumo e uso de terapia antiplaquetária receberam indicação classe I.
É importante que a equipe responsável pelo cuidado a longo prazo do paciente seja informada sobre quaisquer anormalidades cardiovasculares ou fatores de risco para DAC identificados durante o período perioperatório.
CONCLUSÃO
Avaliação perioperatória bem-sucedida e adequado manejo dos pacientes cardíacos de alto risco submetidos à cirurgia não cardíaca requerem equipe cuidadosa, além de boa comunicação entre cirurgiões, anestesistas e o clínico responsável pelo paciente. Em geral, as indicações para testes cardíacos adicionais e para tratamentos são as mesmas que no período não operatório, mas o momento de sua realização é dependente de vários fatores, incluindo a urgência da cirurgia não cardíaca, fatores de risco específicos do paciente e considerações específicas da cirurgia. O uso de testes pré-operatórios invasivos e não invasivos deve ser limitado àquelas circunstâncias nas quais os resultados de tais testes afetarão claramente o manejo do paciente. Finalmente, para vários pacientes, a cirurgia não cardíaca representa a primeira oportunidade de receber apropriada avaliação do risco cardíaco em curto e longo prazos. Assim, o médico prestará melhor assistência ao paciente destinando recomendações para a redução do risco cardíaco imediato perioperatório, avaliando a necessidade de estratificação de risco pós-operatória, bem como direcionando intervenções para modificação dos fatores de risco coronarianos. Estudos futuros devem ser dirigidos para a determinação do valor da terapia profilática de rotina versus testes diagnósticos e intervenções.
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