RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 20. (4 Suppl.3)

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Artigos de Revisão

Trinta anos de gastrostomia endoscópica percutânea: uma revisão da literatura

Thirty years of percutaneous endoscopic gastrostomy: a review of literature

José Andrade Franco Neto1; Alexandre Rodrigues Ferreira2; Paulo Fernando Soutto Bittencourt3; Simone Diniz Carvalho4; Paulo Pimenta Figueiredo Filho5; Paula Cardoso Diniz6

1. Residente de gastroenterologia e hepatologia pediátrica do Hospital das Clínicas de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
2. Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG e Membro do Setor de Endoscopia Pediátrica do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG
3. Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG e Membro do Setor de Endoscopia Pediátrica do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG
4. Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG e Membro do Setor de Endoscopia Pediátrica do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG
5. Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG e Membro do Setor de Endoscopia Pediátrica do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG
6. Acadêmica de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

Endereço para correspondência

José Andrade Franco Neto
Rua: André Cavalcanti 136, apto.201 Bairro: Gutierrez
Belo Horizonte - MG, Brasil. CEP 30430-110
Email: Franconeto2@yahoo.com.br

Instituição: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG, Brasil.

Resumo

Há trinta anos, Gauderer, cirurgião-pediatra, e Ponsky, endoscopista-pediatra, desenvolveram a gastrostomia endoscópica percutânea (GEP). A GEP apresenta como princípio a aproximação do estômago à parede abdominal, sem necessidade de sutura ou laparotomia, com a criação de uma abertura artificial no estômago. Ela tem se demonstrado método simples, seguro e efetivo de nutrição enteral por acesso gástrico e apresenta vantagens como baixo custo, menos tempo de hospitalização e menos morbidade quando comparada à gastrostomia tradicional. Tem sido amplamente utilizada na infância, principalmente em crianças com comprometimento neurológico e com impedimento à alimentação por via oral e como via de suplementação alimentar em doenças crônicas e debilitantes. As principais contraindicações incluem hipoalbuminemia e distúrbios de coagulação. A antibioticoprofilaxia com cefazolina uma hora antes do procedimento é obrigatória. A mais utilizada é a técnica pull (Gauderer e Ponsky) devido à sua simplicidade e segurança. As complicações da GEP são divididas em maiores e menores, sendo as últimas as mais comuns. É essencial que pacientes e familiares sejam bem-orientados sobre o procedimento.

Palavras-chave: Gastrostomia; Endoscopia Gastrointestinal; Gastrostomia/contra-indicações; Endoscopia Gastrointestinal/contra-indicações.

 

INTRODUÇÃO

Gastrostomia endoscópica percutânea (GEP) foi descrita inicialmente por Gauderer e Ponsky em 1980. A gastrostomia cirúrgica ou a sonda nasoentérica (SNE) foi incorporada às rotinas pediátricas como método alternativo e seguro, para a nutrição enteral prolongada, em pacientes com dificuldade ou impossibilidade de nutrição por via oral.1 Trata-se de método eficaz, com baixa morbimortalidade, baixo custo e tempo de hospitalização reduzido. Até os anos 80, as técnicas para colocação de uma sonda de gastrostomia usavam cirurgia convencional ou minilaparotomia, métodos mais invasivos e acompanhados de altas taxas de complicações.2

A GEP constitui-se em uma fístula controlada, temporária ou permanente, da luz gástrica com a pele, apresentando como princípio a aproximação do estômago à parede abdominal, sem necessidade de sutura ou laparotomia, com a criação de uma abertura artificial no estômago, ou seja, a gastrostomia.1 É método simples, seguro, rápido, com baixas taxas de complicações e de fácil manuseio.2

A comparação de sua efetividade e riscos com de outras formas comuns de administração de dieta enteral (cirúrgica ou por SNE) ou parenteral é alvo de ensaios prospectivos e revisões.3 A tendência geral ressalta vantagem desse método, inclusive quanto a estética, autonomia, facilidade de manejo pelos pacientes e familiares, menos interferência no processo de reabilitação, com melhores resultados nutricionais em comparação com as outras formas de administração de dieta.4

Estudos demonstraram taxas de sucesso de mais de 95% para a GEP, tempo de procedimento de 15-30 minutos, excelente tolerância pelos pacientes, baixa morbidade (6-16%) e mortalidade muito baixa relacionada ao procedimento (0-1%).

 

INDICAÇÕES

A principal indicação da GEP é a impossibilidade de alimentação oral por período superior a três meses. Também está indicada para crianças cujo tempo de uma refeição excede 30 a 40 minutos devido à disfagia e para quadros frequentes de aspiração pulmonar de alimentos.5

A substituição da SNE pela GEP é frequente, pois o uso prolongado de SNE propicia irritação laríngea, necrose nasal, sinusite, além do aumento do refluxo de secreção gástrica. Outras desvantagens da SNE são a facilidade de obstrução, a alta chance de remoção acidental e o efeito estético e social.3

Entre as condições neurológicas, a paralisia cerebral é a indicação isolada mais comum para implantação da GEP.6 As indicações mais frequentes estão sintetizadas na Tabela 1.

 

 

Nos pacientes com doença cardíaca congênita, a desnutrição é um problema. Vários fatores contribuem para os distúrbios de crescimento e redução do estado nutricional nessas crianças. O gasto energético está aumentado devido ao incremento do trabalho cardíaco e pulmonar. Adicionalmente, a falência cardíaca direita pode resultar em congestão intestinal, em diminuição da absorção enteral e na enteropatia perdedora de proteína. Além disso, failure to thrive resulta em ingestão calórica insuficiente. A GEP foi destacada como método seguro e confiável para suporte nutricional enteral de longo prazo em crianças com doença cardíaca congênita.7

A desnutrição é um problema comum em pacientes com fibrose cística, sendo sua etiologia multifatorial, levando à deficiência de enzimas pancreáticas e ao aumento do gasto calórico associado à doença pulmonar crônica.9 A melhora nutricional nesses pacientes é fundamental para aumento da sobrevida e melhora da função pulmonar. Os mecanismos para melhorar o estado nutricional incluem educação dietética, otimização do tratamento com reposição de enzimas pancreáticas e tratamento de infecções pulmonares. Entretanto, em um grupo de pacientes, particularmente aqueles com doença pulmonar avançada, esses mecanismos descritos são insuficientes para manter o peso adequado. Nesses casos, devem-se incluir terapias adicionais mais intervencionistas, incluindo o uso de nutrição parenteral total, SNE e GEP. Desde a implantação da GEP ela tem sido o método de escolha para a nutrição adequada de pacientes com fibrose cística e dificuldade de ganho de peso.9 Logo, há evidências de que a restauração precoce do estado nutricional melhora a resposta ao tratamento de exacerbações respiratórias, evita a piora progressiva da função pulmonar, aumenta a sobrevida e melhora a qualidade de vida.9

 

CONTRAINDICAÇÕES

As contraindicações podem ser divididas em absolutas e relativas, algumas delas ilustradas na Tabela 2.

 

 

A implantação de uma sonda da GEP em crianças com shunt de derivação ventrículo-peritoneal (DVP) não é uma contraindicação absoluta, embora existam estudos que demonstrem aumento da incidência de infecção e necessidade de remoção da DVP em até 30% dos casos. O uso de antibiótico profilático antes da realização da GEP tem evidenciado diminuição no risco de infecção da DVP.8-10

A GEP tem sido contraindicada nos pacientes com insuficiência renal em diálise peritoneal devido a mais morbidade e mortalidade.11 Estudo multicêntrico envolvendo 23 unidades de diálise pediátrica avaliou 27 crianças submetidas à GEP. Registrou-se peritonite nos primeiros sete dias após o procedimento em 36% dos pacientes (10/27). A infecção fúngica foi a principal etiologia da peritonite em 26%. Em quatro crianças foi necessário interromper a diálise peritoneal e substituí-la pela hemodiálise, verificando-se dois casos de óbito. No entanto, em 67% dos pacientes a diálise peritoneal foi reintroduzida com sucesso após a realização da GEP. Os autores concluíram que a GEP em pacientes em diálise peritoneal apresenta alto risco de peritonite fúngica e de potencial falha da diálise peritoneal, devendo os riscos da realização da GEP em relação à gastrostomia cirúrgica serem avaliados cuidadosamente. O uso de profilaxia antifúngica e antibacteriana antes da realização do procedimento e a interrupção da diálise por dois a três dias podem diminuir os riscos de complicações.11

Atenção especial deve ser dada aos pacientes com doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) devido à controvérsia do papel da GEP no desenvolvimento ou exacerbação dessa doença. Muitos fatores podem estar envolvidos, como a alteração do ângulo de His, aumento do volume alimentar com consequente distensão gástrica, dismotilidade esofagiana com diminuição da pressão no esfíncter esofágico inferior e esvaziamento gástrico lento.12 Isch et al.13 demonstraram que a incidência pós-operatória de DRGE após implantação da GEP é relativamente baixa, especialmente quando não há DRGE clínico no pré-operatório. Nos casos em que o DRGE, clínico e radiológico, estava ausente no pré-operatório, 72% dos deles não tiveram evidência de DRGE após implantação da GEP. Entre as crianças que possuíam DRGE antes de se submeterem à gastrostomia, 25% não apresentaram RGE após a GEP e apenas dois necessitaram da fundoplicatura de Nissen ou sonda de gastrojejunostomia. A resolução da DRGE clínico pode ter sido causada pela melhora na função da regurgitação ou do estado nutricional.12

Estudo prospectivo com 68 crianças demonstrou diferença entre o aparecimento ou não de RGE patológico após colocação da GEP. O estudo concluiu que 60,3% dos pacientes com pHmetria negativa para DRGE mantiveram-se inalterados antes e após a colocação de GEP e 5% daqueles com comprovação da DRGE também mantiveram-se inalterados; 12 pacientes (17,6%) desenvolveram a DRGE com a GEP e em 10 (14,7%) houve melhora da doença, comprovado por pHmetria. Nesse mesmo estudo foi constatada piora significativa do índice de refluxo em nove pacientes nos quais a GEP foi implantada no antro. Concluindo, esse estudo sugere fortemente que não há aumento no risco de desenvolver RGE após implantação da GEP.12

Existem controvérsias na literatura se essas crianças devem ser submetidas rotineiramente à gastrostomia associada a procedimento antirrefluxo (fundoplicatura) ou à gastrostomia apenas. Van der Zee et al.14 salientaram que a implantação da GEP não tem efeito adverso na realização de cirurgia antirrefluxo.

 

CUIDADOS PRÉ-OPERATÓRIOS

A orientação aos familiares quanto ao procedimento, seus riscos e complicações é a primeira medida a ser adotada. O preparo pré-operatório começa com investigação para avaliar possíveis contraindicações.

Os pacientes ficam de jejum de acordo com a faixa etária e dieta utilizada. Os exames laboratoriais necessários para a internação são hemograma, plaquetas, coagulograma e albumina. As coagulopatias são contraindicações ao procedimento. A antibioticoprofilaxia com cefazolina 50 mg/Kg (máximo 1 g) em dose única uma hora antes do procedimento é obrigatória (grau de evidência A).2,5,15-17

A sonda a ser utilizada deve ser escolhida conforme a idade do paciente, em menores de um ano, 14 a 20 Fr. e em maiores de um ano, de 20 a 24 Fr. Os cateteres de poliuretano parecem ser mais resistentes à deteriorização do que os cateteres de silicone e estão associados a menos complicações durante as primeiras quatro semanas de uso.15

 

TÉCNICAS OPERATÓRIAS

Após cuidados pré-operatórios adequados, o paciente é posicionado em decúbito dorsal e a anestesia geral ou sedação é realizada de acordo com os critérios do anestesiologista. Realiza-se a antissepsia do abdome. O endoscopista posiciona o endoscópio no estômago e, então, é realizada a transiluminação da parede abdominal, com o objetivo de observar se não há vísceras ou órgão sólido interposto entre o estômago e a parede abdominal. A insuflação deve ser ideal para evitar a interposição de cólon, principalmente em crianças pequenas. O assistente realiza a digitopressão na parede abdominal, escolhendo o ponto da gastrostomia, que deve ser preferencialmente na parede anterior da junção corpo-antro, correspondente ao quadrante superior esquerdo do abdome. Realiza-se, então, a infiltração anestésica com lidocaína a 2% no ponto escolhido para a GEP, sob visualização endoscópica2. O próximo passo é a escolha da técnica a ser utilizada.2

São três as técnicas mais utilizadas para a realização de uma gastrostomia endoscópica: técnica pull (Gauderer-Ponsky), push (Sachs-Vine) e punção (Russel). As técnicas podem ser associadas ou não à técnica de sutura (Hashiba), que consiste na fixação da parede gástrica à parede abdominal utilizando dois a quatro pontos em U.2

A técnica pull inicia-se com a técnica safe tract, no qual a agulha usada para a anestesia é inserida na parede abdominal em direção à luz gástrica com o êmbolo tracionado até que entrem bolhas de ar na seringa - o que deve ocorrer ao mesmo tempo em que a agulha é visualizada entrando no estômago. É feita uma incisão na pele (1 cm) com o bisturi e dissecção dos planos até a aponeurose. É inserida agulha calibrosa (jelco 14), sob visão endoscópica, até a luz do estômago. Passa-se um fio guia longo pela agulha, que é apreendido pelo endoscopista com a alça de polipectomia. O fio é, então, retirado com o endoscópio pela cavidade oral, sendo fixado à sonda de gastrostomia, que percorre o esôfago e o estômago até ser exteriorizada pela parede abdominal. O endoscópio é reintroduzido para verificar o correto posicionamento da sonda, sendo que a aproximação das paredes gástrica e abdominal é mantida por tração entre o anteparo interno o externo.2

A principal desvantagem da técnica pull é o alto risco de contaminação ou implantação de tecido neoplásico na parede abdominal, visto que a sonda de gastrostomia percorre o trato gastrointestinal alto antes de se exteriorizar. A vantagem da técnica é sua simplicidade e segurança, sendo atualmente a mais utilizada pelos endoscopistas.2

 

CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS

Após as primeiras 24 horas, a sonda de gastrostomia deve ser observada para avaliar se o anteparo externo não está muito justo devido ao edema pós-operatório da parede abdominal. Caso seja detectada tal situação, o anteparo externo deve ser ligeiramente afrouxado. Os demais controles são feitos com sete dias, um, três e seis meses após a GEP, período de mais complicações.2,5 A dieta pode ser reintroduzida quatro a seis horas após o procedimento e não há manipulação de alça intestinal reduzindo o risco de íleo paralítico.16

A sonda de gastrostomia deve ser mantida aberta até a primeira dieta e deve-se injetar 30 mL de SGI 5% para verificar a permeabilidade da sonda. A sonda deve ser mobilizada (sentido horário e anti-horário) e lavada com 40 mL de água filtrada após cada dieta. Deve ser realizada limpeza da parede abdominal ao redor da sonda com SF 0,9%.2

Após oito a 12 semanas do procedimento inicial, quando existe aderência adequada entre o estômago e a parede abdominal, as sondas de GEP podem ser substituídas por dispositivo rente à pele ou botons.5

Quando o cateter não é mais necessário, ele pode ser removido por tração, mantendo-se o orifício do estoma com curativo oclusivo, obtendo-se o fechamento espontâneo em um a dois meses.5

 

COMPLICAÇÕES

As complicações podem dividir-se em maiores e menores (Tabela 3). Complicações maiores ocorrem, no total, em 1 a 2% dos casos e complicações menores em 7 a 14%.5,18

 

 

Complicações menores

As complicações menores são as mais comuns, relacionadas à colocação da sonda de gastrostomia.2,5 Estão diretamente relacionadas a estado nutricional do paciente, medicações em uso e cuidados com a sonda.2,5

A mortalidade associada ao procedimento é inferior a 1%.2

A infecção no sítio pode variar de 5,4 a 30%, sendo a complicação mais comum.2,17 O principal tratamento é a prevenção com antibioticoterapia2,17, mas, uma vez instalada a infecção, o tratamento se dá com medidas locais mais antibióticos. Estudos mostram que baixas taxas de infecções da parede abdominal após a técnica push versus a técnica pull sugerem que a contaminação pela orofaringe de fato contribui para essa complicação. Outras medidas que diminuem o risco de infecção incluem técnica adequada, tamanho adequado da incisão na pele e evitar tração excessiva do cateter ou compressão entre o anteparo interno e externo.18

O vazamento através do orifício da sonda varia de 1-2%2,18. Está relacionado ao uso de agentes corrosivos (ácido ascórbico para cicatrização, aumento da secreção ácida, lavagem da sonda com peróxido de hidrogênio2,18, inflamação cutânea, desenvolvimento de tecido de granulação exofítica ao redor do estoma, Buried bumper syndrome18, torção da sonda com ulceração de um dos lados do trajeto e ausência de anteparo externo.

A saída inadvertida da sonda ocorre em 1,6 a 4,4% dos casos2, metade antes da maturação do trajeto fistuloso (sete a 10 dias), nos pacientes em uso crônico de corticoesteroides, desnutridos ou com ascite. Esse processo pode demorar três a quatro semanas.19 Com o trajeto imaturo, a parede do estômago afasta-se da parede abdominal anterior, formando-se uma perfuração livre para a cavidade peritoneal. Se essa complicação é identificada imediatamente, pode-se colocar uma segunda sonda de gastrostomia usando-se o mesmo sítio de punção na parede abdominal.19 Se houver demora na identificação, na ausência de sinais de peritonite, deve-se se descomprimir o estômago com sonda nasogástrica, iniciar antibioticoterapia de amplo espectro e refazer a gastrostomia em sete a 10 dias. No caso de remoção tardia da sonda, é aceitável a colocação de um cateter com balão tipo Foley, certificando-se da posição intragástrica da sonda.19

Burried bumper syndrome (BBS) é caracterizada por complicação da migração do anteparo interno para a parede gástrica ou parede abdominal.18 O principal fator precipitante é a tensão excessiva entre o anteparo externo e interno. Fatores adicionais incluem anteparo interno muito rígido, desnutrição e cicatrização ineficaz e ganho de peso significante em resposta à nutrição enteral. É uma complicação incomum, porém séria do GEP, ocorrendo na frequência de 0,3 a 2,4%.18 Em pacientes pediátricos, essa taxa é mais alta, 6,7%. Clinicamente, a síndrome manifesta-se com dificuldade de infusão da dieta pela sonda, vazamento ao redor da sonda, dor abdominal ou infecção local.18

Obstrução da sonda externa é encontrada em mais de 45% dos pacientes. A administração de alimentos e medicamentos espessos deve ser evitada. O tratamento é a limpeza com 30 a 60 mL de água injetados em uma seringa a cada quatro horas. A água morna é a melhor substância para desobstrução da sonda. Todo medicamento deve ser completamente dissolvido em água para ser injetado.18

Complicações maiores

A localização do intestino delgado anterior à parede gástrica pode formar uma fístula gastrocolocutânea se a alça estiver interposta entre o estômago e a parede gástrica.1,2 Na maioria das vezes, os pacientes são assintomáticos, mas pode haver febre transitória ou íleo paralítico. O problema só é descoberto quando há retirada da sonda ou quando a sonda passa para dentro do cólon. Nesse caso há diarreia quando da administração da dieta. O diagnóstico é feito injetando-se contraste pela sonda de gastrostomia. A conduta é a retirada da sonda, aguardando-se o fechamento espontâneo.1,2

Gastroparesia e íleo terminal podem ocorrer ocasionalmente em 1-2%19, como referido antes. Como não há manipulação de alça intestinal, existem poucas chances de que se verifique íleo paralítico. A suspeita se dá frente à persistência de distensão abdominal e à ausência de ruído hidroaéreo. Alguns pacientes beneficiam-se com metoclopramida e/ou eritromicina.18

Volvo gástrico é complicação rara2,18, vista principalmente em pacientes pediátricos. Já foi demonstrado estômago, cólon transverso e intestino delgado ao redor da sonda de GEP. O tratamento é cirúrgico, incluindo o reposicionamento intestinal e da sonda com ou sem gastropexia.18

O risco de aspiração relacionado à implantação da GEP é baixo (0,3 a 1%).18,19 Fatores de risco de aspiração incluem posição supina, sedação, comprometimento neurológico e idade avançada. Para prevenir aspiração, deve-se evitar sedação excessiva, otimizar a insuflação gástrica com ar e aspirar o conteúdo gástrico antes e após o procedimento.1,2,18

A fasciíte necrotizante é rara, mas potencialmente fatal. A mortalidade varia entre 30 e 70%2. Manifesta-se com edema, eritema e equimoses localizados na parede abdominal, que progridem para a formação de bolhas e, eventualmente, choque séptico. O tratamento consiste em antibioticoterapia sistêmica e debridamento cirúrgico.

 

CONCLUSÃO

O papel da gastrostomia endoscópica percutânea está bem estabelecido, desde a sua criação, e vem sendo amplamente utilizada em pacientes pediátricos e adultos, possibilitando suporte nutricional seguro e efetivo com baixas taxas de mortalidade e morbidade. As complicações podem ser evitadas com técnica meticulosa, antibioticoprofilaxia e cuidados na manipulação da sonda pós-implantação. Trata-se de técnica operatória simples e com vantagens significativas sobre a gastrostomia cirúrgica e a sonda nasoentérica, devendo ser amplamente difundida entre pediatras e especialistas da área.

 

REFERÊNCIAS

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