ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Abordagem respiratória dos pacientes com doenças neuromusculares
Respiratory menagement of patients with neuromuscular diseases
Maria T M Fonseca1; Laura M B Lasmar1; Claudia R Andrade3; Paulo A M Camargos4; Marina Belizário Carvalhais2; Priscila Barreto de Paula2; Maria J F Fontes1; Cássio Ibiapina1; Cristina Alvim1; Juliana Gurgel1
1. Prof. Adjunto Doutor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG
2. Fisioterapeuta
3. Mestre, Doutoranda em Pediatria
4. Prof. Titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG
Maria Teresa Mohallem Fonseca
Av Alfredo Balena, 190 / sala 267
Belo Horizonte - MG CEP 30130-100
Instituiçao Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina UFMG Unidade de Pneumologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG
Resumo
OBJETIVO: fazer uma revisão sobre a fisiopatologia do comprometimento respiratório, os métodos utilizados para avaliação desse comprometimento e a abordagem das principais doenças neuromusculares que levam ao comprometimento respiratório na infância e adolescência.
FONTES DE DADOS: revisão não-sistemática da literatura médica a partir de busca no Medline, usando-se os seguintes termos: neuromuscular disease, respiratory, ventilation, non invasive ventilation, ethics. Foram também utilizados livros-texto publicados nos últimos cinco anos e dados fornecidos por associações de pacientes com doenças neuromusculares. Os artigos foram selecionados de acordo com a sua relevância para o objetivo do trabalho.
SINTESE DOS DADOS: a principal causa do comprometimento respiratório é a fraqueza muscular. Em decorrência dessa fraqueza, ocorrem deformidades da coluna e da caixa torácica, que, se não abordadas preventivamente, vao contribuir para o agravamento dos sintomas. Estes costumam ser insidiosos, podendo passar despercebidos. As infecções respiratórias são a principal causa de insuficiência respiratória aguda, pela incapacidade de o paciente fazer inspirações profundas e tossir adequadamente, retendo secreções e desenvolvendo atelectasias. Medidas de função pulmonar incluindo a medida do pico do fluxo da tosse são fundamentais no acompanhamento ao paciente. Em caso de insuficiência ventilatória crônica, a ventilação não-invasiva promove descanso da musculatura, com melhora dos sintomas.
CONCLUSÕES: as doenças neuromusculares são relativamente freqüentes na infância. Embora ainda não exista tratamento específico que proporcione a cura da doença, a abordagem precoce e adequada das crianças permite, na grande maioria das vezes, melhor qualidade de vida e aumento expressivo da sobrevida.
Palavras-chave: Transtornos Respiratórios; Músculos Respiratórios; Doenças Neuromusculares; Ventilação Pulmonar; Criança; Adolescente; Ética
INTRODUÇÃO
As doenças neuromusculares (DNM) não são raras na infância1 e a fraqueza da musculatura respiratória é responsável, em grande parte, pela sua morbidade e mortalidade2. Contudo, existe grande dificuldade entre os pediatras e mesmo entre os pneumologistas pediátricos na abordagem a essas crianças. Alguns fatores, agindo de forma sinérgica, podem ser identificados para explicar essa dificuldade no manejo das DNMs.
Existe menos investimento dos profissionais de saúde nas possibilidades terapêuticas existentes, pelo fato de ainda não existir tratamento etiológico para as DNM. Não existir este tratamento gera um ciclo vicioso que resulta em pouca vivência clínica com esse paciente. Concorre também para a existência de poucos centros especializados habilitados no tratamento das DNM. O menor conhecimento da fisiopatologia do comprometimento respiratório gera dificuldades no manejo terapêutico de um paciente que não tem doença pulmonar e sim um problema na mecânica da ventilação. Todos esses fatores são permeados por questoes éticas delicadas que envolvem decisões fundamentais: até onde intervir?3,4
Muitas vezes, as crianças deixam de receber tratamentos que modificariam substancialmente sua qualidade de vida ou recebem tratamentos inadequados, tanto em ambulatórios quanto, sobretudo, em serviços de urgência, que podem agravar ainda mais o seu quadro. Embora ainda não seja possível tratar a causa dessas doenças, o tratamento dos sintomas (retrações e deformidades musculares, insuficiência respiratória, cardíaca, distúrbios digestivos) tem contribuído para melhoria da qualidade de vida desses pacientes. Uma abordagem precoce, regular e individualizada contribui para diminuir as repercussões funcionais das doenças neuromusculares, melhorando a qualidade e aumentando a sobrevida dos pacientes.5
Este artigo tem como objetivo fazer uma revisão das principais DNM que levam ao comprometimento da musculatura respiratória na infância, sua fisiopatologia e a abordagem terapêutica desses pacientes, visando a contribuir com a assistência integral às crianças e adolescentes com DNM.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
O termo doença neuromuscular (DNM) se refere ao acometimento, primário ou secundário, da unidade motora (neurônio motor medular, raiz nervosa, nervo periférico, junção neuromuscular e fibras musculares inervadas por um único neurônio motor), levando ao comprometimento da função muscular.6 Os distúrbios da função muscular decorrentes de doenças cerebrais, como a espasticidade, não são incluídos.1 A maior parte das doenças com acometimento primário é de origem genética. Elas se instalam de forma aguda ou progressiva, podendo manifestar-se desde o nascimento ou mais tardiamente. Embora a musculatura respiratória seja acometida de maneira variável, tanto na localização como na intensidade, a insuficiência respiratória representa uma complicação importante na maioria dos casos.7
PRINCIPAIS DOENÇAS NEUROMUSCULARES NA INFANCIA
As DNMs podem ser classificadas em cinco grupos principais:
1- Distrofias musculares
2- Miopatias congênitas e metabólicas
3- Desordens da junção neuromuscular
4- Neuropatias periféricas
5- Atrofias muscular espinhais
As doenças neuromusculares que mais freqüententemente levam ao comprometimento da musculatura respiratória na infância são a amiotrofia espinhal e a distrofia muscular de Duchenne (DMD).
Amiotrofia espinhal infantil é uma doença autossômica recessiva que acomete as células do corno anterior da medula, com incidência aproximada de 1 para cada 10.000 nascimentos. O acometimento muscular é variável, desde a paralisia, já ao nascimento, até uma fraqueza muscular moderada que se apresenta na vida adulta. É classificada em três tipos de gravidade decrescente, sendo que quando mais precoce a apresentação, maior a gravidade.8
Amiotrofia tipo 1 (Werdnig-Hoffman)
O início dos sintomas ocorre antes dos três meses de idade. A doença cursa com hipotonia acentuada e fraqueza dos quatro membros, paralisia da musculatura abdominal e intercostal e, secundariamente, do diafragma, levando à insuficiência respiratória precoce. A maior parte dos pacientes falece antes dos dois anos5, caso não recebam tratamento.
Amiotrofia tipo II
A criança consegue sentar, mas não consegue andar. Os sintomas se iniciam entre seis e 18 meses. No tipo II ocorre fraqueza simétrica dos músculos proximais e do tronco, mais intensa nos membros inferiores. O acometimento da musculatura intercostal é variável, podendo levar à insuficiência respiratória na vigência de infecções.
Amiotrofia tipo III
Inicia-se após os dois anos, podendo surgir até o fim da adolescência. Ocorre fraqueza simétrica dos músculos proximais, sobretudo dos membros inferiores. A evolução é variável, lenta ou rapidamente progressiva.
Distrofia muscular de Duchenne (DMD)
É atualmente a miopatia mais freqüentemente responsável por insuficiência respiratória na adolescência9. Inicialmente, ocorre maior comprometimento da musculatura dos membros inferiores; a fraqueza dos membros superiores surge mais tardiamente. A criança perde a capacidade de deambular em torno de sete a 12 anos de idade, ocasiao em que deformidades esqueléticas começam a ocorrer. Essas deformidades são relacionadas ao acometimento assimétrico dos músculos. A escoliose pode se agravar rapidamente após a perda da deambulação, prejudicando ainda mais a dificuldade ventilatória decorrente da fraqueza dos músculos intercostais, acessórios e diafragma.10 Episódios de hipoxemia noturna começam a ocorrer na adolescência, evoluindo para insuficiência ventilatória na metade da segunda década de vida.11 A evolução é sempre progressiva, até a insuficiência respiratória. Se não for instituída assistência ventilatória, a sobrevida após os 25 anos é excepcional.8 Contudo, diversos estudos sugerem que o uso prolongado de corticóides é capaz de alterar a história natural da doença, graças à preservação, mesmo que parcial, da força muscular. Além de retardar o uso cadeira de rodas, pode evitar a necessidade da cirurgia de escoliose. A função pulmonar se deteriora mais lentamente, postergando a necessidade de suporte ventilatório.11,12
O Quadro 1 mostra as principais doenças, respectivas prevalências e época em que cursam com insuficiência respiratória.
FISIOPATOLOGIA DO ACOMETIMENTO RESPIRATORIO NAS DNMS
A musculatura respiratória é responsável por mobilizar a caixa torácica e gerar um gradiente de pressão, promovendo a entrada e a saída de ar e possibilitando a ventilação alveolar13. Embora os músculos respiratórios sejam estriados esqueléticos com características semelhantes às dos outros músculos periféricos, essa função específica lhes impoe trabalho contínuo, cíclico, que perdura por toda a vida.14
O comprometimento da função respiratória pode ser decorrente tanto de doença das vias aéreas e dos pulmoes como de fraqueza da musculatura respiratória ou de depressão central da respiração. Quando há doença do aparelho respiratório, ocorre aumento do gradiente alvéolo-capilar e a hipercapnia surge no estágio final da doença, quando se verifica insuficiência respiratória. Já quando o comprometimento é muscular ou decorrente de depressão do sistema nervoso central, a hipercapnia é um evento relativamente precoce e passível de tratamento. Nestes casos, o que acontece é, portanto, uma insuficiência ventilatória.15
Como o crescimento e o desenvolvimento pulmonares são processos contínuos, que ocorrem desde a vida intra-uterina até a idade adulta, o comprometimento da musculatura respiratória na infância vai prejudicar também o desenvolvimento pulmonar, podendo levar à hipoplasia pulmonar, menos complacência e menor tamanho da caixa torácica, o que agrava ainda mais o processo restritivo decorrente da doença muscular.8
Com o progredir da doença, verifica-se disfunção respiratória, inicialmente noturna, que se manifesta por sono agitado, pesadelos, cefaléia matinal, náuseas, hiporexia, ansiedade e depressão. Por fim, costata-se disfunção diurna, com hipercapnia, até a franca insuficiência respiratória.16
O Quadro 2 mostra as manifestações clínicas que sugerem hipoventilação. Como elas são inespecíficas e de instalação lenta, devem ser sempre investigadas na anamnese.
As infecções respiratórias podem acometer pacientes com DNM, como em qualquer criança, em uma freqüência de cinco a seis episódios por ano. Entretanto, se mesmo nas crianças sem DNM as infecções respiratórias têm grande impacto, nas crianças com DNM elas podem levar à insuficiência respiratória aguda, pelo acúmulo de secreções e desenvolvimento de atelectasias, decorrentes da tosse ineficaz e da fraqueza da musculatura respiratória.17
FUNÇÃO PULMONAR
As pessoas hígidas fazem periodicamente inspirações profundas (suspiros), que são importantes para distender as estruturas respiratórias. Como os pacientes com DNM não conseguem fazer a expansão completa dos pulmoes, ocorre diminuição da complacência pulmonar, aumentando a tendência de colapso alveolar, que pode resultar em restrição pulmonar permanente.18
As primeiras alterações gasométricas acontecem no sono REM, como curtos períodos de hipoxemia, e mais tarde se inicia a hipercapnia.19 Geralmente, a hipercapnia e a hipoxemia se estendem por períodos maiores do sono, antes de se manifestarem durante o dia.20 A hipercapnia diurna começa quando a capacidade vital (CV) cai a menos de 40% do previsto.21
Nas pessoas sadias, qualquer elevação da PCO2 e/ou queda do pH sanguíneo causam aumento da ventilação, o que não ocorre nos pacientes com DNM. Em pacientes com hipercapnia crônica, a administração de O2 exacerba a hipoventilação e seus sintomas. Pode dificultar o funcionamento dos músculos respiratórios, levar à narcose pelo CO2 e parada respiratória. Neste caso, a medida terapêutica correta é instituir assistência ventilatória eficaz e promover a tosse para a remoção adequada das secreções. Só entao faz-se a administração de O2, cautelosamente, caso ela ainda seja necessária, porque existe alto risco de ser necessária a entubação do paciente.22
É muito importante lembrar que, como os músculos estao comprometidos, em caso de descompensação respiratória aguda podem não ser observados os sinais clássicos de esforço respiratório.
AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RESPIRATORIA NAS DNM
A medida da força dos músculos respiratórios é um componente importante na avaliação clínica dos pacientes. Estudos dos valores normais das pressões estáticas máximas (Pimax e Pemax) em crianças mostraram que, após o primeiro ano de vida, elas têm valores bastante semelhantes aos de adultos, entre 80-120 cmH2023. Porém, como essas medidas são esforço-dependentes, elas são pouco reprodutíveis, com grande coeficiente de variação.9
Nas DNMs, a tosse pode ser ineficaz tanto pelo pequeno volume de ar que o paciente consegue mobilizar, como pela incapacidade de fazer o fechamento adequado da glote (necessário para aumentar a pressão intrapulmonar) e pela fraqueza da musculatura expiratória.
A tosse pode ser avaliada a partir da medida do pico do fluxo da tosse (PFT). Ela é obtida com a utilização de medidor de pico de fluxo expiratório (PFE), o mesmo utilizado na avaliação de asmáticos. O paciente é orientado a fazer uma inspiração máxima e em seguida tossir no aparelho. Deve-se fazer um mínimo de três e um máximo de cinco tentativas, registrando-se o maior valor obtido. Em geral, as crianças conseguem realizar as manobras a partir de seis anos de idade. Em adultos, o valor é considerado normal quando maior que 300 L/minuto e, geralmente, é maior que PFE nas pessoas sadias. PFT de 160 L/min é o mínimo requerido, em pacientes adultos, para conseguir-se a tosse efetiva. Em crianças, também esse valor não é conhecido, sendo possível que valores menores sejam suficientes.24
A oximetria de pulso também é útil no acompanhamento aos pacientes, no ambulatório e no domicilio. É fundamental tanto para a indicação do suporte ventilatório quanto para o acompanhamento, ajuste dos parâmetros da ventilação e monitorização periódica, sobretudo durante as infecções.
MANEJO DAS CRIANÇAS COM DOENÇA NEUROMUSCULAR
Na abordagem das crianças com DNM é necessário o acompanhamento rigoroso por uma equipe multidisciplinar composta de pediatras, pneumopediatras, neuropediatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, ortopedistas, cardiologistas, nutricionistas, psicólogos e enfermagem durante toda a vida do paciente. Os objetivos da assistência contínua e compartilhada são estimular o crescimento e o desenvolvimento a partir das potencialidades existentes, e ajudar à criança à maximização em todas as áreas possíveis, evitando ou diminuindo as conseqüências comportamentais e sociais.
Como as infecções respiratórias agudas constituem a causa mais freqüente de admissão de crianças com DNM em UTI, é extremamente importante manter a vacinação em dia, incluindo antiinfluenza e antipneumocócica.
Nas doenças congênitas e naquelas com início precoce, a abordagem deve ser preventiva, a fim de permitir o crescimento da caixa torácica e dos pulmoes o mais próximo possível da normalidade.7 Para isto, são utilizados, além dos cuidados tradicionais, técnicas especiais de fisioterapia respiratória e suporte ventilatório (ventilação mecânica) quando necessário.
FISIOTERAPIA RESPIRATORIA
A fisioterapia respiratória tem como objetivos principais :
Promover o crescimento adequado e manter a elasticidade dos pulmoes e da caixa torácica
Em decorrência da fraqueza muscular, a distribuição da ventilação é anormal. Quando o comprometimento principal é da musculatura intercostal, ocorre hipoventilação dos ápices pulmonares; se for do diafragma, as bases são menos ventiladas, propiciando o desenvolvimento de atelectasias e shunts.7
O air stacking e/ou a ventilação não-invasiva (VNI) são manobras importantes para promover a melhor expansão pulmonar, prevenir contraturas da parede torácica e restrição pulmonar. Durante o air stacking, são insuflados, consecutivamente, volumes de ar, por meio de unidade ventilatória manual (ambu) ou ventilador, que são retidos pelo paciente por meio do fechamento da glote.
O air stacking deve ser iniciado quando a CV decresce para valores em torno de 70% do previsto. Quando não é possível essa avaliação, deve-se iniciá-lo na presença de respiração paradoxal, deformidade torácica ou quando a tosse é fraca e ineficaz. Nas intercrises são feitas duas a três sessões ao dia, 10 a 15 vezes em cada uma, com o auxílio de um cuidador. Na presença de infecções ou quando houver retenção de secreções, fazem-se quantas sessões foram necessárias, juntamente com assistência à tosse. Habitualmente, crianças a partir de um a dois anos já conseguem realizar as manobras.
A respiração glosso-faríngea (RGF) consiste em o paciente utilizar a glote para impulsionar bólus de ar para os pulmoes, com o seu fechamento a cada gulp. Uma respiração consiste de seis a nove gulps de 40 a 200 mL cada. Ela possibilita aumentar a complacência pulmonar e a eficácia da tosse e incrementar a voz, facilitando a solicitação de socorro. Permite também que pacientes com fraqueza importante da musculatura inspiratória consigam respirar quando a ventilação não-invasiva (VNI) não está sendo utilizada ou no caso de sua interrupção súbita. Sua realização não é possível no paciente traqueostomizado.25
Facilitar o clearance das vias aéreas
a- Mobilização do muco
Drenagem postural e vibração, mais eficazes quando o muco é mais fluido.
Percussão torácica consiste na aplicação manual de pequenas pancadas no tórax. Deve ser utilizada somente quando o paciente está com acúmulo de secreções. A percussão facilita a migração proximal das secreções, mas, por outro lado, aumenta a taxa metabólica, o consumo de O2 (de 40 a 50%), a FC, a PA, PIC e predispoe ao RGE.
A vibração é feita com o auxílio de aparelhos. Oscilações com alta freqüência atuam como mucolítico físico, diminuem a viscosidade e aumentam o clearance das vias aéreas.
As manobras para mobilização do muco não devem ser usadas nas crianças sem secreção porque causam aumento do consumo de O2. O uso dessas técnicas também está contra-indicado se houver comprometimento da tosse, mesmo durante as infecções respiratórias ou nas aspirações crônicas de saliva.
b- Auxílio na tosse com assistência aos músculos expiratórios
Crianças com fraqueza muscular moderada a grave apresentam risco aumentado de pneumonia ou atelectasia devido à sua dificuldade em eliminar as secreções das vias aéreas. Pode-se ajudar a tosse, tornando-a mais eficaz, a partir de assistência manual ou com a utilização de equipamentos.26
Tosse assistida manualmente
Consiste na execução de pressão abdominal ou tóraco-abdominal no momento que o paciente for iniciar a tosse e ocorrer abertura da glote. O PFT pode ser duplicado se o paciente receber insuflação máxima antes de se fazer a compressão.35 A insuflação máxima, isoladamente, é capaz de aumentar significativamente o PFT, da mesma forma que as compressões. O uso das duas manobras associadas é a forma mais eficaz de aumentar a tosse.27
Pode-se fazer uma compressão na regiao epigástrica com uma mão, enquanto a outra comprime o tórax, para se evitar a expansão paradoxal. A tosse assistida manualmente necessita de cooperação do paciente e de boa sincronização entre o paciente e o cuidador. Geralmente ela não é efetiva na presença de escoliose grave.
Em lactentes, a tosse assistida pode ser realizada colocando-se a criança apoiada no ombro e comprimindo gentilmente a sua barriga no momento da tosse. Essa posição tem a vantagem de diminuir o refluxo gastroesofágico.
As compressões abdominais não devem ser feitas no período entre uma e uma e meia hora após as refeições. Se houver necessidade, devem ser feitas compressões torácicas.
Tosse mecanicamente assistida
Existem aparelhos capazes de produzir inspirações profundas, seguidas imediatamente por exsuflações, sendo as pressões ins e expiratórias e os tempos ajustáveis independentes. A aspiração das vias aéreas, seja através das vias aéreas superiores ou através de tubos, em 90% dos casos não consegue chegar ao brônquio principal esquerdo. Já esses aparelhos promovem o mesmo fluxo expiratório em ambos os lados, sem o desconforto da aspiração, sendo o método preferido pelos pacientes 26.
As sessões devem ser repetidas até o paciente parar de eliminar secreção e ocorrer melhora da saturação. O número de vezes que devem ser realizadas depende da condição clínica do paciente. É interessante habituar a criança com o aparelho na fase mais estável, para facilitar a tolerância quando houver infecção.
Nas crianças muito pequenas, devido ao pequeno calibre dos tubos, o aparelho pode não ser capaz de administrar a pressão necessária, embora haja relato na literatura do seu uso em crianças de quatro meses. 26
A tosse mecanicamente assistida está indicada em crianças quando a tosse manualmente assistida estiver limitada, se o Pemax estiver abaixo de 60 cm de H2O, na vigência de infecção respiratória aguda ou atelectasia, sem melhora com o tratamento habitual.
Manter a ventilação alveolar adequada
Quando a força da musculatura inspiratória encontra-se muito diminuída, insuficiente para a manutenção das trocas gasosas, está indicado o uso de ventilação não-invasiva (VNI), que consiste em uma ventilação com pressão positiva que não necessita de intubação endotraqueal.8
Inicialmente, a VNI pode ser utilizada apenas à noite, com o objetivo de reduzir o esforço respiratório, descansando a musculatura e, conseqüntemente, melhorando a respiração diurna.
Com a VNI noturna, a PaO2 diurna aumenta e a PaCO2 diminui, melhorando a resposta ventilatória ao CO2.28 Isto é muito importante porque o bicarbonato elevado diminui a sensibilidade do centro respiratório ao CO2. A melhora da PaCO2 diurna, com o uso da VNI noturna, parece ser proporcional ao período de tempo em que esta é utilizada.
Como os lactentes não são capazes de colaborar com o air stacking ou receber insuflações máximas, todos os lactentes com DNM e respiração paradoxal devem receber suporte ventilatório noturno, preferencialmente VNI, ajudando a prevenir o pectus excavatum e promovendo o crescimento do pulmão
A VNI pode ser utilizada sob demanda, preferencialmente à noite, reduzindo assim a morbidade, o desconforto e as dificuldades da ventilação invasiva. Ela pode ser administrada através de peças bucais, interfaces nasais ou nasais-orais. A adaptação do paciente à VNI nem sempre é fácil e necessita do auxílio de profissionais capacitados. Essa adaptação pode ser realizada em regime ambulatorial ou domiciliar.
A ventilação nasal é preferida por mais de 2/3 dos pacientes que usam a VNI só para dormir. Existem numerosas máscaras no mercado, nem sempre de fácil acesso no Brasil, e cada uma deve ser adaptada ao paciente. O uso de diferentes interfaces permite variar o local de pressão na pele, minimizando o desconforto em caso de lesões locais. Os pacientes preferem a peça bucal para o uso diurno.
Sempre que possível, deve-se evitar a ventilação invasiva (VI), traqueostomia, nesses pacientes. Ela causa aumento na produção de secreção e compromete o mecanismo de clearance das vias aéreas.Em sua maioria absoluta, os pacientes preferem a VNI, pela segurança, conveniência, aparência, conforto, facilidade para conversar, dormir e deglutir, quando comparada à traqueostomia.29
CRITÉRIOS PARA INDICAR A VNI
As indicações para a instituição da VNI são: prevenção de descompensação respiratória na vigência de infecções respiratórias e durante per-operatório, prevenção de deformidades torácicas, descanso da musculatura respiratória, controle da hipoventilação noturna, tratamento da insuficiência ventilatória e alívio dos sintomas em fase terminal.29
O melhor momento para se indicar a VNI não é bem determinado, mas crianças com hipercapnia diurna, distúrbios do sono ou pneumonias de repetição provavelmente se beneficiam.29 Insuficiência respiratória, na vigência de infecção respiratória, é uma indicação, porém o ideal é que a VNI seja instituída fora de exacerbação aguda.8
A hipercania diurna (PaCO2 maior que 45 mmHg) é o critério mais comumente utilizado para se iniciar a VNI. Sintomas clínicos como perturbações do sono, sonolência diurna, fadiga excessiva, cefaléias matinais em paciente que ainda não apresenta hipercapnia diurna justificam a realização de polissonografia, quando disponível, para avaliar a ocorrência de hipoventilação alveolar noturna. Saturação noturna inferior a 88% durante mais de cinco minutos consecutivos é indicação de VNI.30
Critérios para indicação de VNI 41
Nos pacientes portadores de Duchenne, o uso profilático da VNI não retarda a perda da capacidade pulmonar, portanto, ela só deve ser indicada quando já existe hipercapnia diurna ou noturna sintomática.
São contra-indicações relativas ao uso da VNI: distúrbios da deglutição e dificuldades da família no manejo do aparelho e na assistência à criança. Contra-indicações absolutas são: obstrução grave e irreversível das vias aéreas superiores, secreção brônquica persistente, cooperação impossível, impossibilidade de produzir débito expiratório suficiente para tossir, não-tolerância à interface e comprometimento bulbar. Quando o paciente apresentar obstrução nasal, deve-se trocar a máscara nasal pela facial.8
Nas crianças com amiotrofia tipo 1, por questoes éticas, não há consenso na literatura na indicação de suporte ventilatorio não-invasivo. Traqueostomia e ventilação mecânica são menos freqüentemente sugeridas.3,4
O paciente em uso de VNI pode apresentar algumas complicações, sendo as mais comuns aquelas relacionadas à mascara, ao fluxo e à pressão. As lesões cutâneas variam desde eritema transitório até a necrose cutânea. Deformidade facial é diretamente relacionada ao tempo de uso. Podem ser observadas distensão abdominal, deformidades ortodônticas, alergia ao plástico da máscara ou ao silicone, boca seca, irritação no olho, congestao nasal, sinusite, epistaxe, desconforto intestinal, aerofagia. No entanto, se a adaptação for adequada e o paciente bem orientado e atendido, esses efeitos não são tao comuns e a maioria deles é contornável.8
Geralmente as indicações para a traqueostomia são PFT assistida menor que 160 L/min (ou 2,7 l/seg) e SaO2 basal menor que 95% devido à aspiração crônica de saliva.31
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tratamento dos pacientes com DNM é um desafio permanente para todos os profissionais, a família e o Sistema Unico de Saúde (SUS). Entretanto esses desafios estao longe de representar barreiras intransponíveis, na realidade constituem motivos para o crescente aprimoramento.
Desde o início dos anos 2000, o Grupo de Pneumologia Pediátrica da Faculdade de Medicina vem prestando assistência às crianças com doenças neuromusculares. Este trabalho foi um desafio, inicialmente pela pouca experiência com esses pacientes. Hoje ele é um desafio ainda maior, quando nos aproximamos das famílias e dos pacientes e percebemos como ainda é precário o suporte que o serviço público oferece. A família inteira se mobiliza em torno da criança, enfrentando pesadas dificuldades emocionais e financeiras. Dificilmente a mae tem condições de exercer trabalho remunerado e existe dispêndio de tempo e dinheiro com o complicado deslocamento da criança para as inúmeras consultas médicas e tratamentos fisioterápicos. Nem sempre são disponíveis cadeiras de rodas adequadas e poucas as escolas que estao preparadas para receber essas crianças.
Em 2001, um grande avanço foi obtido da Portaria 1.531 do Ministério da Saúde, quando foi instituído, no âmbito do Sistema Unico de Saúde, o Programa de Assistência Ventilatória Não-Invasiva a Pacientes Portadores de Distrofia Muscular Progressiva, que é necessário que seja estendido a todos os pacientes com DNM.
Em Minas Gerais já dispomos de um programa que presta assistência domiciliar a crianças em ventilação mecânica, na maioria dos casos não-invasiva, que é o Vent-lar, da Fhemig, e que tem dado significativo suporte aos pacientes com DNM e seus familiares.
AGRADECIMENTOS
Os nossos agradecimentos à Rita de Cássia de Azevedo Guedes Barbosa, fisioterapeuta respiratória, que iniciou o atendimento a essas crianças e que muito nos ensinou e incentivou.
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