RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 14. 3

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Artigos de Revisão

Fisiopatologia da nefropatia diabética

Physiopathology of diabetic nephropathy

Patrícia Paz Cabral de Almeida Salgado1; Augusto César Soares dos Santos Júnior2; Munira Martins de Oliveira2; Mariana Guimarães Penido2; Nereida Faria Santana2; Ana Cristina Simões e Silva3

1. Residente de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas - UFMG
2. Acadêmicos de Medicina da Faculdade de Medicina - UFMG
3. Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina - UFMG. Membro da Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital das Clínicas - UFMG

Endereço para correspondência

Rua Ouro Fino, nº 177/701, Bairro Cruzeiro
CEP 30310-110 Belo Horizonte, MG
E-mail: ppcasalgado@ig.com.br

Data de Submissão: 08/04/03
Data de Aprovação: 21/10/03

Instituição: Hospital das Clínicas da UFMG

Resumo

A nefropatia diabética é uma complicação comum em pacientes com diabetes mellitus tipo 1. O diabetes mellitus do tipo 1, normalmente, inicia-se na infância e, após cinco a quinze anos de doença, podem ocorrer as complicações, sobretudo a nefropatia diabética. Muitos fatores relacionam-se ao desenvolvimento do dano renal, tais como controle glicêmico, mediadores humorais, perfil genético e fatores de crescimento. Sua evolução para insuficiência renal crônica implica aumento na mortalidade, aumento dos gastos com o tratamento e queda na qualidade de vida dos pacientes. Esses aspectos justificam a busca de um melhor entendimento dos fatores associados ao aparecimento e à evolução dessa complicação. Este artigo consiste de uma revisão sobre a fisiopatologia da nefropatia diabética.

Palavras-chave: Diabetes Mellitus Tipo I / Complicações; Nefropatias Diabéticas / Fisiopatologia; Hiperglicemia; Sistema Renina-Angiotensina

 

INTRODUÇÃO

A hipótese de que a albuminúria poderia provocar uma doença renal nos pacientes diabéticos foi postulada por Bright em 18361. Cem anos mais tarde, os efeitos renais tardios do diabetes mellitus (DM) foram descritos por Kimmelstiel e Wilson2. Esses autores descreveram lesões intercapilares glomerulares em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 de longa duração. Desde então, tem havido considerável empenho para a melhor compreensão dessa entidade clínica.

O estudo do acometimento renal no diabetes tem grande interesse prático por sua freqüência e gravidade. Por esse motivo, é surpreendente a escassez de dados estatísticos que indiquem a prevalência da nefropatia diabética em nosso país. Entre os habitantes da América do Norte, o diabetes tipo 1 (DM tipo 1) e o diabetes tipo 2 (DM tipo 2) afetam, respectivamente, 0,5% e 4% da população. A nefropatia diabética está presente em, aproximadamente, 30% a 40% dos casos de DM tipo 1 e em 20% dos casos de DM tipo 2. A doença renal é a principal causa de mortalidade nos pacientes com DM tipo 13.

A nefropatia diabética raramente se desenvolve antes de 10 anos de duração do DM tipo 1. O pico de incidência da nefropatia diabética é usualmente encontrado entre 10 a 20 anos de diabetes4,5. O risco de desenvolvimento dessa complicação em um paciente normoalbuminúrico com duração da doença superior a 30 anos é baixo, o que indica que a magnitude de exposição ao diabetes não é suficiente para explicar o desenvolvimento da nefropatia e sugere que as complicações renais ocorrem em indivíduos susceptíveis, muito provavelmente por influência de fatores genéticos.

Acredita-se que a glomerulopatia diabética seja responsável pelo óbito de 20% a 30% dos pacientes, entre o terceiro e quarto decênio de vida2,4,5. Nas sociedades ocidentais, a nefropatia diabética é a principal causa do quadro conhecido como "rim em estágio terminal" (End Stage Renal Disease - ESRD). Nos Estados Unidos, a nefropatia diabética é a causa isolada mais comum de insuficiência renal crônica (IRC), determinando gastos da ordem de 1 bilhão de dólares por ano em programas de diálise e transplante3.

A nefropatia diabética está associada a uma alta freqüência de morte por causa cardiovascular. Pacientes com diabetes mellitus e proteinúria apresentam um risco relativo de morte prematura até 100 vezes superior à da população não-diabética. No entanto, pacientes diabéticos sem nefropatia apresentam taxa de mortalidade apenas duas vezes superior àquela observada em indivíduos não-diabéticos6.

Este artigo de revisão tem por objetivo abordar, de forma sucinta, aspectos referentes ao conceito, classificação e fisiopatologia da nefropatia diabética em pacientes pediátricos com diabetes mellitus tipo 1. A importância da abordagem dos pacientes na faixa etária pediátrica refere-se à possibilidade de prevenção ou controle precoce das complicações da doença, sobretudo da nefropatia.

 

CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

A história natural da doença compreende as fases de normoalbuminúria com hiperfiltração até a doença renal terminal, passando por estágios intermediários de nefropatia incipiente, caracterizada por um aumento na excreção urinária de albumina e, posteriormente, por proteinúria persistente.

A nefropatia diabética é classificada em quatro estágios principais:

Estágio 1:

Hiperfiltração - Observam-se aumento do ritmo de filtração glomerular (elevação do clearance da creatinina) e normoalbuminúria. Rins aumentados de tamanho bilateralmente foram encontrados em pacientes nesse estágio da doença. A hiperfiltração é a expressão inicial do envolvimento renal no diabetes mellitus. A importância de sua detecção reside em seu potencial de reversibilidade, principalmente através de rigoroso controle glicêmico.

Estágio 2:

Microalbuminúria ou nefropatia incipiente - A excreção urinária de albumina situa-se entre 20-200µg/min ou 30-300mg/24h. O ritmo de filtração glomerular (RFG), usualmente, encontra-se elevado de início, com tendência ao declínio quando a albuminúria alcança valores superiores a 70mg/min.

Estágio 3:

Proteinúria ou nefropatia clínica - A excreção urinária de albumina atinge valores superiores a 200µg/min ou 300mg/24h. Observam-se queda progressiva do RFG e aparecimento de hipertensão.

Estágio 4:

Nefropatia terminal - Pacientes em IRC, em programas de diálise e transplante renal.

 

FISIOPATOLOGIA DA NEFROPATIA DIABÉTICA

A hiperglicemia - distúrbio metabólico induzido por DM - é essencial para o desenvolvimento das lesões glomerulares observadas na nefropatia diabética. Estas lesões podem ser prevenidas ou bastante reduzidas em sua intensidade pela obtenção de valores glicêmicos próximos aos normais, e dependem da duração e da intensidade do tratamento com insulina. Estudos retrospectivos e prospectivos têm sugerido correlação entre controle glicêmico e risco da nefropatia diabética. Um importante estudo, o "Diabetes Control and Complication Trial"7 (DCCT), demonstrou que o desenvolvimento da nefropatia diabética é definitivamente influenciado pelo controle glicêmico. Entretanto, alguns pacientes com bom controle metabólico desenvolveram a ND; por outro lado, outros mantiveram função renal normal e não apresentaram proteinúria, apesar do pior controle glicêmico. Essas observações sugerem que, em pacientes com DM, a hiperglicemia é um fator necessário, mas não suficiente, para causar lesão renal.

As principais alterações patológicas que ocorrem no rim de indivíduos diabéticos são localizadas no glomérulo. No diabetes, o volume total do rim é maior na época do diagnóstico8 e os glomérulos continuam a crescer com a evolução da doença. O aumento inicial do glomérulo deve-se, provavelmente, à proliferação da membrana basal, levando a maior superfície de filtração; posteriormente ocorre a expansão mesangial. O aumento no volume renal total é causado pela expansão do tecido tubular. Na nefropatia diabética, o tamanho do rim continua normal ou aumentado, mesmo quando evolui para insuficiência renal terminal, ao contrário de outras patologias.

Nas fases precoces da doença, o aumento do volume luminal e da superfície de filtração podem explicar a hiperfiltração. Com o avanço da doença renal, a expansão da matriz mesangial leva à redução da superfície de filtração glomerular e do RFG. O grau de fibrose intersticial é diretamente proporcional aos níveis pressóricos e à expansão mesangial.

A barreira entre o capilar glomerular e a cápsula de Bowman é uma membrana que contém poros de cerca de 5,5nm, coberta por carga elétrica negativa, devido ao sulfato de heparan, ácido siálico e outras proteoglicanas9. Tanto o tamanho quanto a carga da molécula determinam sua passagem através dessa membrana. Além disso, forças hemodinâmicas também controlam a filtração glomerular. Na microalbuminúria inicial, o clearance de albumina e de imunoglobulina G estão aumentados. Isso se deve a um aumento da pressão glomerular que favorece a filtração de proteínas, independentemente de suas cargas9. Quando a microalbuminúria acentua-se, ocorre um aumento desproporcional do clearance de albumina e uma queda no nível do clearance de IgG (microalbuminúria seletiva). Tal fenômeno pode ser atribuído a uma perda da eletronegatividade da membrana basal, associada a alterações hemodinâmicas. Subseqüentemente, o tamanho efetivo do poro da membrana aumenta, a microalbuminúria progride para macroalbuminúria, o ritmo de filtração começa a cair e a barreira de filtração perde sua seletividade. Finalmente, com o avanço da insuficiência renal, a proteinúria começa a ser de origem tubular e glomerular, a partir do momento em que os túbulos perdem sua capacidade em reabsorver parte da proteína filtrada8.

Mecanismos das lesões renais induzidas por hiperglicemia

Glicosilação não-enzimática

A associação entre hiperglicemia e nefropatia diabética pode estar relacionada à glicosilação não-enzimática das proteínas (reação de Amadori)10. Por esse mecanismo, a glicose se liga aos grupos-amino das proteínas, resultando em produtos iniciais da glicosilação não-enzimática, como a hemoglobina glicosilada (Hbgli). São também formados produtos finais da glicosilação não-enzimática conhecidos como AGEs, "advanced glycated end-products". Alguns dos AGEs são capazes de estabelecer ligações covalentes com grupos-amino de outras proteínas, resultando em reações proteína-proteína10. Se os AGEs são formados em proteínas de meia vida longa, como o colágeno, seus efeitos podem ser duradouros. Ao contrário dos produtos de meia vida curta, como a Hbgli, os AGEs são estáveis e, portanto, acumulam-se nos tecidos e nas paredes dos vasos. Suas concentrações não retornam ao normal mesmo quando a hiperglicemia é corrigida. Tem sido demonstrado que os AGEs se ligam a receptores específicos identificados nos macrófagos, células epiteliais e células mesangiais, podendo, então, induzir a síntese e a secreção de citocinas, incluindo interleucina 1 (IL-1) e fator de crescimento insulina-símile 1 (IGF-1)6. Esse efeito pode estimular a proliferação de células mesangiais e também a síntese de colágeno IV. Além disso, por meio de ligações cruzadas com o colágeno, os AGEs podem induzir maior síntese da matriz extracelular pelas células mesangiais via fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF)6,10. Todo esse processo pode contribuir para o aumento na deposição de matriz extracelular no mesângio, interferir na depuração mesangial de macromoléculas e alterar a função de macrófagos, determinando expansão mesangial e oclusão glomerular. Tem sido demonstrado que a aminoguanidina, um inibidor da formação de AGEs, previne a expansão mesangial e diminui a albuminúria no diabetes experimental11. Os AGEs também têm sido relacionados à inativação do óxido nítrico, que tem ações vasodilatadoras e antiproliferativas12.

Via do poliol

A glicose em excesso é convertida para sorbitol por meio da enzima aldose redutase, acumulando-se nos tecidos, sobretudo nos túbulos renais e nos glomérulos6. O aumento do sorbitol pode causar lesão tecidual e depletar o meio intracelular de mioinositol, com conseqüente elevação do diacilglicerol (DAG). O DAG é o principal mediador celular endógeno da ativação de proteína quinase C (PKC), a qual tem sido envolvida na patogênese da nefropatia diabética.

Alguns efeitos benéficos dos inibidores da aldose reduta-se têm sido demonstrados em animais diabéticos. Foram observados redução da hiperfiltração e da proteinúria com o uso de sorbinil, ou com suplementação de mioinositol6.

Glicotoxicidade

A hiperglicemia age nas células endoteliais ou mesangiais, levando a aumento da produção de componentes da matriz extracelular, principalmente de fibronectina e colágeno IV. Existem, também, evidências da diminuição da degradação do colágeno. Esses efeitos devem ser mediados pelo fator transformador do crescimento beta 1 (TGFβ1)13.

Alterações da eletronegatividade da membrana

Os glicosaminoglicanos correspondem a, aproximadamente, 90% do conteúdo total de carboidratos da membrana basal glomerular. O principal glicosaminoglicano é o sulfato de heparan, que, junto com o ácido siálico, contribui para a eletronegatividade da parede do capilar glomerular. No DM existe redução da síntese glomerular de sulfato de heparan e, possivelmente, também do ácido siálico, o que facilita a passagem de albumina14.

Alterações da função endotelial

Várias anormalidades do endotélio têm sido descritas no diabetes, incluindo aumento na proliferação celular, alterações na forma das células em áreas de ateroma e distúrbios no "turnover" das células endoteliais15. Observa-se aumento dos níveis circulantes de fator de Von Willebrand e trombomodulina nos pacientes diabéticos com microalbuminúria, refletindo dano endotelial15. O endotélio desses pacientes mostra, também, uma reduzida resposta de relaxamento ao óxido nítrico16. A microalbuminúria pode ser o resultado de uma injúria endotelial generalizada.

Os possíveis caminhos através dos quais o diabetes afeta a função endotelial incluem a glicotoxicidade direta, alterações na via dos polióis, aumento da atividade da PKC, aumento da produção de radicais livres com conseqüente inativação do óxido nítrico e formação de AGEs. Tem sido sugerido que a nefropatia diabética é uma manifestação específica da disfunção endotelial generalizada do diabetes17, e que a glomerulosclerose resulta da interação alterada entre o endotélio glomerular e o mesângio. Além disso, a disfunção endotelial fornece explicação para a associação entre excreção aumentada de albumina e doença vascular aterosclerótica no diabetes.

Fatores hemodinâmicos na nefropatia diabética

Em humanos, observa-se aumento no ritmo de filtração glomerular (RFG) e no fluxo plasmático renal (FPR) em fases iniciais de DM, tendo sido sugerido que essas alterações são responsáveis pela proteinúria e pelas lesões histopatológicas renais18. Mesmo com pressão arterial sistêmica normal, a pressão hidráulica do capilar glomerular aumenta devido à maior redução no tônus da arteríola aferente, comparado com a eferente. Esse aumento na pressão intraglomerular pode danificar o endotélio, alterar a estrutura normal da barreira glomerular e, eventualmente, levar a maior produção de matriz extracelular. Há evidências de que essas alterações na hemodinâmica glomerular contribuem para o desenvolvimento e a progressão da nefropatia diabética. Estudos mostram que o emprego dos inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) tem-se mostrado eficaz em reverter as alterações na hemodinâmica glomerular e também as lesões histológicas renais observadas nos animais diabéticos não-tratados19.

A hipertrofia renal e glomerular, acompanhando o aumento no RFG, são freqüentemente observadas em fases iniciais de DM. Tem sido sugerido que as alterações hipertróficas observadas nos rins possam preceder as anormalidades funcionais20. É possível que as alterações hipertróficas sejam decorrentes de estímulo aumentado de fatores de crescimento, tais como hormônio do crescimento, fatores insulina-símile (IGFs), fator transformador do crescimento beta (TGFb), PDGF, fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF) e outros promotores21.

Fatores familiares e genéticos na susceptibilidade a nefropatia diabética

Uma questão central na nefropatia diabética em humanos é a de que apenas um subgrupo de pacientes desenvolve lesão renal. Se as alterações do meio interno desencadeadas pelo diabetes fossem suficientes para causar alterações renais, todos os pacientes desenvolveriam nefropatia diabética, desde que tivessem tempo suficiente para tanto. Mas isso não ocorre. Existem evidências crescentes de que o grau do controle glicêmico seja um componente necessário, mas não suficiente. Além disso, não está linearmente relacionado ao desenvolvimento da nefropatia diabética. A predisposição herdada para nefropatia diabética é fortemente sugerida por estudos que demonstram que essa complicação ocorre com maior freqüência em determinadas famílias22. Provavelmente, fatores genéticos desempenham importante papel nessa susceptibilidade.

A patogênese da nefropatia diabética é complexa, envolvendo a interação de múltiplos fatores relacionados ao distúrbio metabólico e às variáveis genéticas. Até o momento, não se sabem exatamente quais alterações celulares, bioquímicas e moleculares são primárias e quais são secundárias à doença renal no DM16.

Papel do sistema renina-angiotensina na nefropatia diabética

O sistema renina-angiotensina na nefropatia diabética

Estudos são conflitantes ao demonstrar o que acontece com o sistema renina-angiotensina (SRA) em pacientes diabéticos.Têm sido descritas tanto estimulação, quanto supressão ou ausência de mudança23. A redução da atividade da renina plasmática é freqüentemente observada na nefropatia diabética, que pode ocorrer devido à glicosilação não-enzimática da prorenina, que diminui a conversão para renina ativa. A atividade da renina plasmática pode, contudo, não refletir com acurácia a atividade do SRA no rim. Outro problema tem sido a dificuldade da medida da angiotensina II (Ang II) plasmática com acurácia. Esta medida é importante, pois pode haver discordância entre a renina plasmática e os níveis de Ang II séricos.

O SRA intra-renal tem sido mais estudado ultimamente. Inúmeras evidências sugerem que há um SRA intra-renal que é regulado independentemente do SRA plasmático24. As concentrações de Ang II em vários compartimentos renais, incluindo o glomérulo, têm sido muito maiores que as encontradas sistemicamente24. Observa-se uma resposta vasodilatadora aumentada dos IECAs em pacientes diabéticos, a despeito da presença de atividade de renina plasmática baixa23. Esse achado reforça a idéia de que o SRA vascular é ativado a despeito da supressão do SRA circulante.

Mecanismos de injúria renal induzidos pela angiotensina II

A angiotensina II pode causar lesão renal pelos seguintes mecanismos:

  • aumento da formação de citocinas;
  • estímulo do crescimento da matriz mesangial;
  • ativação de protooncogenes nas células renais;
  • aumento da proteinúria, ocasionando lesão túbulo-intersticial acelerada;
  • aumento da produção de superóxido pelas células mesangiais, causando lesão oxidativa.
  • As células mesangiais contêm todos os elementos do SRA, incluindo renina, angiotensinogênio, receptores angiotensinérgicos do tipo 1(AT1) e ECA. Alterações mecânicas e bioquímicas podem aumentar a atividade do SRA intra-renal. Contração e relaxamento de células mesangiais em cultura aumentam a expressão do gene do angiotensinogênio e a produção e expressão dos receptores AT124,25. A glicose aumenta a produção de Ang II pelas células mesangiais, possivelmente por meio da estimulação da expressão do gene do angiotensinogênio. A síntese de Ang II pelas células mesangiais não é dependente da ECA. Outras peptidases convertem angiotensina I em angiotensina II.

    A glicose e a Ang II têm efeitos similares em culturas de células glomerulares. Ambas estimulam a síntese de proteínas da matriz mesangial, inibem a atividade da colagenase e promovem o acúmulo de colágeno. A angiotensina II também inibe a ativação do plasminogênio. Essa alteração do sistema plasminogênio/plasmina também contribui para a expansão da matriz mesangial25.

    A glicose e a Ang II usam, provavelmente, vias de transdução de sinais similares em culturas de células renais. A glicose estimula a síntese "de novo" de DAG, gerado através da via dos polióis; o aumento do DAG leva à ativação da PKC que, por sua vez, estimula a síntese de TGF-β1 e de proteínas da matriz de células mesangiais e tubulares25.

    A Ang II também ativa a PKC por meio do receptor AT1a. Portanto, podem ocorrer efeitos aditivos da hiperglicemia e da angiotensina II na ativação da PKC26.

    Efeitos da glicose e da angiotensina II no TGF-β

    A citocina TGF-β é um importante mediador de acúmulo e fibrose da matriz. Glomérulos de pacientes diabéticos têm um aumento do RNAm do TGF-β bem como de outros fatores promotores do crescimento26. Os efeitos da glicose e da angiotensina II no metabolismo da matriz mesangial devem ser mediadas pelo TGF-β. A exposição das células mesangiais a altas concentrações de glicose resulta em aumento da secreção do TGF-β por essas células25,26. Evidências mostram que essa citocina também afeta os mecanismos de degradação da matriz. Efeitos similares da angiotensina II na síntese de TGF-β também ocorrem nas células do túbulo proximal27. Em células mesangiais de ratos, o aumento da secreção de TGF-b induzido pela glicose é bloqueado pelo losartan, antagonista do receptor AT1 da angiotensina II27. Estudos em ratos diabéticos com deficiência genética do receptor AT1 revelaram a ausência de aumento do RNAm para TGF-β, em resposta ao estímulo pela Ang II25.

    Sugere-se que os efeitos da glicose nas células renais podem ser mediados pela estimulação da produção da angiotensina II, que, então, determina aumento da síntese da matriz e diminuição da sua degradação, mediadas pelo TGF-β25.

    Papel da angiotensina II na expressão do fator de crescimento vascular

    O fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF) é uma citocina importante na patogênese da nefropatia diabética. A expressão do VEGF é restrita às células glomerulares e mesangiais. A hiperglicemia, a angiotensina II e o estresse mecânico estimulam sua produção25.

    Interação do SRA com o óxido nítrico e endotelina

    As células endoteliais produzem substâncias vasodilatadoras como o óxido nítrico e vasoconstritoras como a endotelina-1.

    O sistema do óxido nítrico (NO) parece estar ativado na nefropatia diabética, servindo como um antagonista funcional da angiotensina II28. O NO tem efeitos renais antiproliferativos, diminui a síntese protéica da matriz, inibe as ações vasoconstritoras da angiotensina II nas arteríolas glomerulares e diminui a síntese de ECA e a expressão periférica dos receptores AT1. A Ang II induz a produção de superóxido e a hipertrofia das células mesangiais. O ânion superóxido favorece o crescimento celular e interage com o NO, reduzindo sua bioatividade29.

    A Ang II também tem importante papel na síntese de endotelina pelas células endoteliais e mesangiais28. Os IECA e os bloqueadores do receptor AT1 reduzem a produção de endotelina. O papel dessas substâncias e suas relações com a angiotensina II na nefropatia diabética requerem mais investigações.

     

    CONCLUSÃO

    A fisiopatologia da nefropatia diabética não está completamente elucidada. O tratamento oferecido e o controle dos pacientes com DM tipo 1 e nefropatia diabética ainda não podem ser considerados ideais.

    Maiores estudos sobre as bases moleculares da doença, outros mediadores da lesão renal e terapêutica, considerando o componente genético, ainda se fazem necessários.

     

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