ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Síndrome do antro gástrico retido: relato de caso
Retained gastric antrum sydrome: a case report
Daniel Fontes1; Marco Tulio Costa Diniz2; Marco Antonio Gonçalves Rodrigues2; Alexandre Lages Savassi-Rocha3; Aloísio Sales da Cunha4
1. Médico Residente de Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas da UFMG
2. Professor Adjunto-Doutor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG, Membro do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clinicas da UFMG
3. Cirurgião do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clinicas da UFMG
4. Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Membro do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clinicas da UFMG
Daniel Fontes
Rua Jaú, 55 Santa Efigênia
Belo Horizonte/MG 30.270-250
Tel: (31) 3482-3538
Resumo
Relata-se o caso de paciente de 63 anos de idade com quadro de úlcera péptica recorrente, secundária à síndrome do antro retido. A causa principal de recorrência ulcerosa é a hipersecreção cloridropéptica secundária à estimulação vagal persistente ou à hipergastrinemia, como ocorre nessa síndrome. O diagnóstico diferencial da hipergastrinemia é algumas vezes difícil, mas importante para a conduta terapêutica. Os diagnósticos clínico, laboratorial e imaginológico pré-operatórios foram de gastrinoma, o que motivou a indicação cirúrgica e a totalização da gastrectomia. O diagnóstico do antro retido foi feito no peroperatório, no momento da reconstrução do trânsito digestivo.
Palavras-chave: Antro Retido; Úlcera Péptica Recorrente; Cirurgia Gástrica
A úlcera péptica recorrente ou pós-operatória refere-se à recidiva da úlcera após tratamento cirúrgico. Uma causa pouco freqüente de recorrência é a síndrome do antro retido. Ela predispõe à recidiva ulcerosa em decorrência da hipergastrinemia. O diagnóstico diferencial com outras causas de hipergastrinemia, particularmente com a síndrome de Zollinger-Ellison, se impõe, necessitando, eventualmente, de exames pouco utilizados na prática clínica.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 63 anos, leucodérmico, casado, tabagista, encaminhado ao Serviço de Gastroenterologia, Nutrição, Cirurgia Geral e do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas da UFMG, atual Instituto Alfa de Gastroenterologia, para tratamento de úlcera péptica recorrente. Estava em uso de omeprazol (40mg/dia) e tinha história pregressa de cinco laparotomias (quatro para tratamento de úlcera péptica perfurada e uma em decorrência de obstrução intestinal secundária a aderências).
A endoscopia revelava gastrectomia parcial com reconstrução à Billroth II e úlcera de boca anastomótica em atividade (anastomose gastrojejunal). A dosagem de gastrina mostrava valor de 366 picog/ml (valor normal < 150 picog/ml). Tomografia computadorizada do abdome evidenciava espessamento em topografia de cabeça do pâncreas. A arteriografia seletiva do tronco celíaco, solicitada na tentativa de se diagnosticar possível gastrinoma, revelou blush vascular nutrido por ramos da artéria gástrica esquerda e porção média da artéria esplênica.
Devido à forte suspeita de gastrinoma, o paciente foi submetido a laparotomia exploradora, que revelou remanescente de gastrectomia subtotal com reconstrução à Billroth II, ausência de nódulos sugestivos de gastrinoma e ausência de alterações pancreáticas. Durante a dissecção do coto duodenal para a reconstrução digestiva, foi observada presença de antro retido (segmento de antro de cerca de quatro centímetros de comprimento junto ao coto duodenal). Realizou-se, então, totalização da gastrectomia com interposição de alça jejunal e ressecção do antro retido, confirmado posteriormente pelo exame anatomopatológico.
DISCUSSÃO
A úlcera péptica recorrente ou pós-operatória surge após operações gástricas realizadas no tratamento definitivo da doença. O mecanismo principal de recorrência ulcerosa é a hipersecreção cloridropéptica, secundária à estimulação vagal persistente e à hipergastrinemia. Muitas vezes, a condição responsável por esses fatores é um procedimento cirúrgico realizado de forma inadequada, como vagotomia incompleta ou permanência do segmento antral junto ao duodeno isolado do trânsito, ao se efetuar ressecção gástrica e reconstrução à Billroth II (antro residual).
O diagnóstico da recidiva da úlcera baseia-se na recidiva dos sintomas da doença, principalmente a dor epigástrica em queimação (95%). Outras vezes, o diagnóstico é feito na presença de complicações como hemorragia (20% a 63%), obstrução (5% a 19%) e perfuração (1% a 9%). O método complementar mais eficaz para o diagnóstico da recidiva é a endoscopia digestiva alta4.
A síndrome do antro retido constitui complicação pouco freqüente da gastrectomia2,5 com reconstrução à Billroth II, na qual o segmento antral que permanece junto ao duodeno secreta gastrina sem controle.
A gastrina é um hormônio secretado pelas células G, presentes em maior número na mucosa antral. Esse hormônio é absorvido pelo sangue e transportado até as glândulas oxínticas, localizadas no corpo gástrico, onde estimulam fortemente a secreção de ácido clorídrico pelas células parietais. Quando a acidez do suco gástrico atinge pH menor que 3,0, o mecanismo da gastrina para estimulação da secreção ácida fica bloqueado. Na síndrome do antro retido não ocorre contato do ácido clorídrico, produzido no corpo gástrico, com as células G (antro isolado do trânsito) e, portanto, não ocorre bloqueio da secreção de gastrina.2,5,6,7,8
Níveis elevados de gastrina são também observados em várias outras situações, como: síndrome de Zollinger-Ellison, acloridria, hiperplasia das células G, insuficiência renal crônica e esvaziamento gástrico retardado.2,5
A diferenciação entre as várias causas de hipergastrinemia, particularmente das síndromes do antro retido e de Zolliger-Ellison, é dificil. O primeiro exame solicitado é a dosagem sérica de gastrina. Valores abaixo de 150 picog/ml são considerados normais. Valores acima de 500picog/ml são fortemente sugestivos de gastrinoma, e os valores entre 150 a 500picog/ml são duvidosos e requerem a realização de testes provocativos da secreção de gastrina.9,10,11 São três os testes provocativos utilizados: o teste da secretina, o teste da infusão de cálcio e o teste da refeição balanceada. As alterações dos respectivos exames nas diferentes causas de hipergastrinemia são apresentadas no Quadro 1.
Os exames de imagem geralmente solicitados são ultra-sonografia abdominal, tomografia computadorizada do abdome e cintilografia abdominal com tecnécio.12,13 Os dois primeiros são realizados na tentativa de se evidenciarem alterações compatíveis com gastrinoma. A endoscopia com biópsia da mucosa antral é também bom método para o diagnóstico da síndrome, porém sua eficácia depende da experiência do operador.13,14 A cintilografia é, atualmente, considerada exame padrão-ouro para diagnóstico da síndrome do antro retido.12,15,16
O tratamento da síndrome é exclusivamente cirúrgico e consiste na ressecção da porção antral excluída do trânsito junto ao duodeno.2,5,6,7,8
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