ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Tuberculose: perfil epidemiológico em hospital referência no tratamento da doença
Tuberculosis: epidemiological profile in a reference hospital in the treatment of disease
Ronaldo Rodrigues da Costa1; Marcio Roberto Silva2; Adalgiza da Silva Rocha3; Kelly Cristina Ferreira Abi-Zaid4; Antônio Augusto Fonseca Junior5; Daniele Maria Knupp de Souza6; Paulo Rogério Ferreti Bonan7
1. Farmacêutico-Bioquímico. Mestre em Ciências da Saúde. Pesquisador do Hospital Regional João Penido da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG. Juiz de Fora, MG - Brasil
2. Médico Veterinário. Doutor em Saúde Pública. Pesquisador da Embrapa Gado de Leite. Juiz de Fora, MG - Brasil
3. Médica. Doutora em Clínica Médica. Pesquisadora do Laboratório Biologia Molecular Aplicada a Micobactérias da Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz. Rio de Janeiro, RJ - Brasil
4. Farmacêutica-Bioquímica. Pesquisadora do Hospital Regional João Penido - FHEMIG. Juiz de Fora, MG - Brasil
5. Farmacêutico-Bioquímcio. Doutor em Ciências Animal. Pesquisador do Laboratório Nacional Agropecuário. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Pedro Leopoldo, MG - Brasil
6. Farmacêutica. Doutoranda em Ciências Biológicas na Universidade Federal de Juiz de Fora. UFJF. Pesquisador do Hospital Regional João Penido da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG. Juiz de Fora, MG - Brasil
7 Odontólogo. Doutor em Estomatopatologia. Professor da Universidade Estadual de Montes Claros. Montes Claros, MG - Brasil
Ronaldo Rodrigues da Costa
E-mail: gustavinisc@yahoo.com.br; marcio-roberto.silva@embrapa.br
Instituição: Trabalho realizado no Hospital Regional João Penido/FHEMIG/JF
Resumo
OBJETIVO: Este estudo transversal objetivou determinar o perfil epidemiológico, clínico e diagnóstico de pacientes portadores de micobactérias entre março de 2008 e fevereiro de 2010.
MÉTODO: A coleta de dados foi feita junto aos prontuários médicos e pacientes.
RESULTADOS: De 175 casos, 170 com Mycobacterium tuberculosis, dois M. tuberculosis/complexo M. avium, dois complexo M. avium e um M. bovis/M. tuberculosis. 75,4% dos casos em pacientes do sexo masculino, com mediana etária de 40 anos, 14,3% em HIV positivos, 32% com renda familiar baixa e moradia precária. A doença pulmonar ocorreu em 94,9%. 45,1% se curaram, 24,0% abandonaram o tratamento e 9,7% vieram a óbito. A supervisão do tratamento ocorreu em 60% dos casos e em 56% com investigação para HIV. Das 9,6% amostras paucibacilares e 55,5% das extrapulmonares, o diagnóstico só foi possível pela cultura.
CONCLUSÃO: Evidenciou-se predileção por indivíduos masculinos, com doença pulmonar, muitos sem positividade para HIV conhecida e com supervisão de tratamento parcial. A cultura foi uma importante ferramenta diagnóstica, complementar a baciloscopia.
Palavras-chave: Tuberculose; Infecção por Mycobacterium; Diagnóstico; Epidemiologia; Biologia molecular.
INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é uma doença bacteriana crônica, infecciosa, transmissível de notificação compulsória que tem como agente etiológico M. tuberculosis, sendo descoberto em 1882 por Robert Kock, que isolou e descreveu o bacilo conseguindo cultivá-lo e reproduzir a doença em animais de laboratório.1
Acreditava-se que ela estivesse próxima de erradicar-se, mas em 1993, a Organização Mundial da Saúde (OMS) a anunciou como emergência global e, desde então, vem desenvolvendo políticas para o seu controle.2 Fatores sociais como pobreza, desnutrição, estresse, superpopulação e exposição à micobactérias ambientais influenciam a susceptibilidade à tuberculose, características típicas de nações em desenvolvimento.3 Entretanto, a imunossupressão causada principalmente pela infecção por HIV/AIDS tem sido apontada como um dos principais fatores desencadeadores da tuberculose. Enquanto a possibilidade de um indivíduo imunocompetente infectado pelo bacilo da TB desenvolver a doença é de cerca de 10% ao longo da vida, no indivíduo infectado pelo HIV e sem intervenção terapêutica essa probabilidade é de cerca de 10% ao ano.4
Atualmente a TB é um dos principais problemas de Saúde Pública do mundo. Em 2010 a prevalência mundial da doença é de 12,0 milhões (178/100mil) com 8,8 milhões de novos casos (128/100 mil) e 1,4 milhões de mortes por tuberculose, dos quais 350 mil casos (8% do total) e 200 mil mortes foram em pessoas HIV- positivas.5
No Brasil estima-se que 92 mil (47/100 mil) casos de TB são notificados por ano, em torno de 5 mil (2,6/100 mil mortes por ano, a incidência estimada é de 85 mil (43/100 mil), incluindo pacientes HIV, a incidência de tuberculose em pacientes HIV positivos é de 18 mil (9,3/100 mil) casos em 2010.5 Sessenta por cento dos casos estão em 315 dos 5.570 municípios brasileiros, sendo a TB a sétima causa em gastos com internação no SUS e a primeira causa de mortes entre os pacientes com HIV/AIDS.6 Aproximadamente 95% dos casos de tuberculose ocorrem em países em desenvolvimento, sendo que 22 países concentram 80% do total de casos. O Brasil está entre os principais países que registram esses casos, ocupando a 16ª posição entre as regiões com a maior prevalência da doença.5
O Estado de Minas Gerais ocupa o 4º lugar em número absoluto de casos de tuberculose e 24% dos casos foram diagnosticados em unidades hospitalares.7 No Brasil 30 a 50% dos diagnósticos de TB são feitos no Hospital e 30% dos óbitos acontecem nos hospitais. A Rede FHEMIG é referência estadual no tratamento da tuberculose, nas Unidades Hospital Juscelino Kubitschek (HJK), Hospital Eduardo de Menezes (HEM) e Hospital Regional João Penido (HRJP), todos em nível secundário (ambulatório de especialidades: pneumologia e infectologia) e terciário.8
Portanto, objetivou-se caracterizar o perfil epidemiológico de pacientes portadores de tuberculose em hospital de referência no tratamento da doença.
MATERIAL E MÉTODOS
população incluída, período e local do estudo: No presente estudo, foram incluídos todos os pacientes portadores de micobactérias, cujas culturas positivas para bacilos álcool ácido resistentes (BAAR) foram confirmadas por métodos bioquímicos e/ou moleculares para determinação da espécie da micobactéria envolvida. Os pacientes incluídos tinham idade maior ou igual a 17 anos. A maioria dos pacientes foi atendida no HRJP. O período do estudo foi de março de 2008 a fevereiro de 2010. O HRJP é um hospital público da zona da mata mineira, que atende a uma macrorregião, prestando serviços a usuários do Sistema Único de Saúde. Este hospital tem capacidade terciária de atendimento. Possui 217 leitos e é referência no tratamento da tuberculose na região.
aspectos éticos: A confidencialidade do estudo foi assegurada, sendo o mesmo aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Hospitalar do Estado de Minas (CEP/FHEMIG sob o registro nº 055/2011) e parecer 90b/2011 da Gerência de Pesquisa.
coleta de dados relativos à exposição: Na investigação, para avaliar possíveis exposições relacionadas, foram coletadas informações, utilizando-se um cadastro geral dos pacientes e dois questionários estruturados. O primeiro questionário foi utilizado para entrevistar os participantes do estudo. O segundo foi estruturado de forma a obter dados clínicos; de conclusão dos diagnósticos para tuberculose e sorológicos para HIV; de encerramento dos casos; bem como para completar informações contidas nos arquivos de notificação.
Os participantes potenciais, internados ou ambulatoriais, foram abordados no início do tratamento por um membro da equipe capacitado que os convidava a participar da entrevista, a disponibilizar espécimes biológicos para caracterização e a coletar sangue para exame de HIV.
Informações básicas de todos os participantes (entrevistados ou não) foram registradas no cadastro geral. A entrevista dos participantes foi conduzida por equipe treinada, em sala fechada, para garantir a privacidade do entrevistado. Após a realização da entrevista foi coletada amostra de sangue para exame de HIV dos participantes que tinham requisição médica e consentiram.
variáveis do estudo: O questionário estruturado utilizado para entrevistar os participantes e completar dados clínico-epidemiológicos abrangia vários tópicos, de forma a possibilitar a definição de diversos grupos de variáveis apresentadas a seguir:
sociodemográficas e econômicas: Sexo, idade, valor da última renda familiar mensal, município de residência, tipo de moradia e se possuía ocupação atual.
clínico-epidemiológicas: Local de atendimento do paciente; tipo de entrada no serviço; forma clínica de TB; tipo de diagnóstico presuntivo de TB; Esquema de tratamento utilizado, meio de crescimento da amostra analisada, se pacientes referenciados por outras instituições; se indicados ao Tratamento Observado Diretamente (DOTS); diagnóstico sorológico para HIV, vacinação BCG, uso de bebida alcoólica de forma exagerada (CAGE 3-4), consumo atual de drogas ilícitas e tipo de desfecho do tratamento da doença.
cultivo de micobactérias, caracterização bioquímica e molecular: As alíquotas de escarro e de outras amostras biológicas não estéreis foram processadas previamente ao cultivo, utilizando técnicas de descontaminação pelo Método de DARZINS.9,10 Os sedimentos obtidos foram semeados simultaneamente em meio Löwenstein-Jensen (LJ) e Stonebrink (SB), e realizadas leituras aos 7, 30, 45 e 60 dias de incubação a 36,5 ºC. Amostras que não apresentaram crescimento após 60 dias foram consideradas negativas. Após o crescimento bacteriano as amostras positivas foram encaminhadas ao Laboratório Nacional Agropecuário - LANAGRO, Pedro Leopoldo, MG, seguindo normas de biossegurança, para serem submetidas à caracterização clássica (bioquímica e fenotípica).
análises dos dados: Foi realizado um estudo de distribuição de frequências das variáveis do estudo com o auxílio do software EPI-INFO.
RESULTADOS
Foram realizados no período, entre março de 2008 e fevereiro de 2010, 1000 cultivos de espécimes de pacientes com suspeita de TB, em meios LJ e SB em paralelo. Em um total de 356 meios, seja LJ ou SB, cresceram culturas positivas para BAAR, aproximadamente dois isolados por paciente. A Figura 1 mostra um fluxograma desde o total de pacientes notificados no município (n=476) até os incluídos no estudo (n=175). Em Juiz de Fora, no período de março de 2008 a fevereiro de 2010, foram notificados 476 casos de TB e micobacterioses. Desse total, 357 (75%) foram notificados em conjunto pelo HRJP e Unidade das Clínicas Especializadas (UCE) e 119 (25%) notificados por outras unidades. Destes, 241 (64,2%) foram caracterizados como potenciais participantes (BAAR positivos e/ou cultura positiva) e tiveram as culturas analisadas por métodos bioquímicos e/ou moleculares. Dos potenciais participantes, 216 (89,6%) tiveram baciloscopia e cultura positivas para BAAR e 25 (10,4%) foram baciloscopia negativa e cultura positiva para BAAR. Dos potenciais participantes 194 (80,5%) foram analisados. Destes analisados, 175 (90,2%) tiveram as espécies de micobactérias envolvidas caracterizadas e 19 (9,8%) tiveram resultados inconclusivos para espécies envolvidas e foram, portanto, excluídos do estudo. Esses 175 pacientes incluídos no estudo representam 72,6% dos potenciais participantes notificados pelas duas unidades de saúde do município no período. Do total de incluídos, 154 (88,0%) tiveram baciloscopia e cultura positiva para BAAR e 21 (12,0%) baciloscopia negativa e cultura positiva para BAAR. Desses 175, 170 (97,1%) tiveram pelo menos uma cultura com perfil da Mycobacterium tuberculosis conhecido; 1 (0,6%) apresentou perfil bioquímico de M. bovis (não confirmado por biologia molecular) e outra amostra do mesmo paciente perfil de M. tuberculosis; 2 (1,2%) apresentaram perfil de co-infecção M. tuberculosis e complexo M. avium; finalmente, 2 (1,2%) apresentaram apenas infecção pelo complexo M. avium.
A Tabela 1 apresenta características sociodemográficas e econômicas da população incluída no presente estudo (n=175). A maioria (75,4%) dos pacientes era do sexo masculino com idade mediana de 40 anos e idade mínima de 17 anos. Boa parte dos pacientes tinha rendimentos abaixo de dois salários mínimos por mês, sendo que 58,3% moravam em casa ou apartamento. A maior parte dos entrevistados (85,1%) era residente no município de Juiz de Fora. Pacientes com idade menor que 17 anos não foram incluídos, porque os serviços de saúde não solicitaram cultivo nesta faixa etária.
A Tabela 2 apresenta características clínico-epidemiológicas da população do estudo (n = 175). Cento e trinta e sete (78,3%) dos pacientes foram recrutados no Hospital João Penido, sendo a grande maioria de casos novos (81,1%). A forma clínica pulmonar teve um amplo predomínio (94,9%). Dos 175 pacientes, em 21 (12%) a baciloscopia mostrou-se negativa e o diagnóstico presuntivo de TB foi possível apenas pela cultura positiva do material biológico. Para o tratamento dos doentes a maioria 140 (84,3%) foi submetida ao esquema I - básico. Em relação ao envio das cepas para caracterização, 92 (52,6%) e 83 (47,4%) foram enviadas nos meios Löwenstein-Jensen e Stonebrink, respectivamente.
Dados de notificação mostram que a maioria 116 (66,3%) não era institucionalizada. Ainda dados de notificação mostram que 105 (60,0%) foram indicadas ao DOTS. Uma parcela significativa 25 (14,3%) teve diagnóstico positivo e, 73 (41,7%) negativo para HIV, porém, 77 (44,0%) não realizaram o teste sorológico para o diagnóstico. Quanto à BCG, em menos de 50% dos pacientes foi observada marca evidente da vacina. 57 (32,5%) consumiam bebida alcoólica de forma exagerada (CAGE 3-4) e 35 (20,0%) eram consumidores atuais de drogas. Quanto aos encerramentos dos tratamentos, 42 (24,0%) abandonaram, 17 (9,7%) foram a óbito e 9 (5,1%) tiveram falência do tratamento da TB.
A Tabela 3 mostra que 150 em 166 amostras pulmonares (90,4%) tiveram diagnóstico pela baciloscopia do material biológico enquanto que de 9 amostras extra-pulmonares, 5 (55,6%) foram diagnosticadas apenas pela cultura, a pesquisa direta do bacilo na lâmina corada pelo método de Ziehl-Neelsen se mostrou positiva em 4 (44,4%) das amostras extrapulmonares. Houve mais chance de baciloscopia positiva no grupo de pacientes com tuberculose pulmonar que no grupo com tuberculose extrapulmonar/pulmonar e extrapulmonar (OR = 11,71; IC95% 2,85-48,10).
DISCUSSÃO
Uma maior prevalência de tuberculose em pacientes do sexo masculino foi verificada. Uma situação semelhante foi verificada por outros autores.11,12 Em um estudo sobre a transmissão da tuberculose em Paris, o sexo masculino foi considerado um fator de risco para tuberculose. 13 Oelemann e colaboradores14, em estudos recentes no Brasil, também obtiveram uma maior prevalência de tuberculose em indivíduos do sexo masculino.15 Adicionalmente, uma significativa proporção dos casos aconteceram em pacientes co-infectados por HIV. O HIV/AIDS aumenta as chances de ocorrência de tuberculose entre infectados pelo bacilo para 10% ao ano, comparado com 10% durante toda vida entre imunocompetentes.4
Boa parte dos casos da doença aconteceu em pessoas com renda familiar baixa, muitos destes morando em barracos, quartos, presídios, rua, albergue ou hospital psiquiátrico. Além disso, uma parcela considerável dos pacientes eram consumidores inveterados de bebida alcoólica e de drogas ilícitas. Situações sociodemográficas e econômicas desfavoráveis aumentam consideravelmente as chances de um indivíduo adoecer de tuberculose, bem como ter menores chances de sucesso do tratamento.3
Em relação ao diagnóstico presuntivo, este estudo mostra a importância da realização da cultura, pois, na maioria das amostras extrapulmonares o diagnóstico só foi possível após a realização da cultura do material biológico, isso ocorre principalmente porque para se obter uma baciloscopia positiva é necessário ter aproximadamente 10.000 bacilos por mL de escarro ao passo que para cultura apresentar resultado positivo, basta que tenha de 10 a 100 bacilos por mL de material.16
A parcela dos pacientes deste estudo que teve tratamento supervisionado (DOTS) foi abaixo da meta estabelecida pelo Ministério da Saúde. Além de o número de casos indicados para o DOTS ter sido menor que o preconizado, acredita-se que parte deles podem ter sido classificados erroneamente como tendo recebido DOTS. O fato de a maior parcela de pacientes ter iniciado o tratamento em um Hospital pode ter incluído erroneamente na categoria de DOTS pacientes que tiveram a estratégia do tratamento supervisionado empregada por tempo inferior ao preconizado. Convenciona-se como submetido ao DOTS os pacientes que tenham tido no mínimo 24 tomadas observadas na fase de ataque e 48 tomadas observadas na fase de manutenção.17
Quanto ao diagnóstico sorológico para HIV, este foi realizado em pouco mais da metade dos casos de tuberculose, abaixo do estabelecido como meta pelo PNCT que é de oferecer teste anti-HIV a 100% dos adultos com TB. Esta baixa taxa de solicitação de exames anti-HIV reflete a falta de conscientização dos profissionais da saúde sobre a importância da co-infecção TB/HIV.5
Observando a presença de marca da vacinação para tuberculose, percebeu-se que em menos da metade dos pacientes ela foi verificada, o que reflete uma baixa taxa de cobertura vacinal. Entretanto, como os pacientes do presente estudo tinham mais de 17 anos de idade, essa baixa cobertura provavelmente reflete a situação do PNCT no passado. A importância da vacina BCG não pode ser desconsiderada no PNCT na prevenção de formas graves de TB, como a meningite tuberculosa e a forma miliar ou sistêmica.18
No desfecho do tratamento da TB entre os pacientes do presente estudo, verificou-se que as taxas de abandonos e de óbitos por TB foram maiores que a média municipal, estadual e nacional. Isto provavelmente se deve ao fato de o estudo ter sido conduzido entre pacientes que passaram por hospitalização, os quais possuem comorbidades como uso de bebida alcoólica, drogas ou outras que normalmente levam a maiores taxas de abandono e óbitos comparado a pacientes ambulatoriais. Outro estudo conduzido em hospital regional de referência em tuberculose de Minas Gerais verificou uma situação semelhante. O percentual de abandono estava bem acima do que o preconizado pelo Ministério da Saúde. Os autores daquele trabalho argumentaram que o alto índice de abandono talvez esteja ligado ao fato de a maioria dos casos terem sido diagnosticados em pacientes hospitalizados, que após a alta hospitalar acabam não dando continuidade ao tratamento por uma série de motivos entre eles, o uso de drogas, o alcoolismo e a falta de uma estrutura familiar. Além disso, a baixa conscientização dos profissionais de saúde e a ausência de uma estrutura clínica organizada integrada com o laboratório de micobactéria podem ser responsáveis pelo retardo no diagnóstico e consequentemente, diminuindo a possibilidade de cura.19 Enfim, uma parcela considerável dos pacientes com TB, devido à associação com uso de álcool e drogas, após a alta hospitalar deviam ser direcionados à estratégia de tratamento DOTS para garantir a cura.
A maior parte (75%) dos casos de TB e micobacterioses no município incluída no presente estudo, foi notificada por duas instituições, metade deste total por uma unidade ambulatorial e a outra metade por um hospital regional de referência para TB. Esta constatação leva-nos a algumas considerações. Primeira, a descentralização do tratamento da tuberculose ainda não aconteceu definitivamente em Juiz de Fora. Segunda, os hospitais de referência em tuberculose ainda representam um importante instrumento para o controle da doença e não devem ser negligenciados pelas autoridades sanitárias, mesmo após implantação dos princípios da descentralização. Ao contrário, os laboratórios desses hospitais deveriam ser fortalecidos principalmente na parte de diagnósticos complementares e diferenciais. Um estudo observou que aproximadamente um terço dos pacientes notificados de TB foram oriundos de unidade hospitalar, os quais não apresentavam laboratório de micobactéria ou atividades coordenadas de controle de tuberculose.19
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificou-se nesse estudo que o perfil de acometimento principal para a TB foi de indivíduos masculinos adultos, com doença pulmonar, portadores de condições sócio-econômicas ruins, muitos sem positividade para HIV conhecida e com supervisão de tratamento parcial.
A importância da realização de cultivo para o diagnóstico presuntivo da tuberculose fica evidente neste estudo, uma vez que dos pacientes com tuberculose extrapulmonar detectados, a metade somente foi identificada por meio da cultura do material biológico.
Sugere-se expandir a cultura de micobactérias utilizando-se meios convencionais em paralelo com algum que favoreça o crescimento de M. bovis (como SB ou LJ contendo piruvato) para laboratórios macrorregionais, além dos centros nacionais e estaduais de referência em TB. É também necessária a implantação de novas técnicas efetivas e rápidas para o diagnóstico da tuberculose.
Os hospitais como estratégia importante no controle da TB não podem ser negligenciados pelas autoridades de saúde. Além disso, pacientes hospitalizados com TB que possuam co-morbidades como alcoolismo e uso de drogas, após a hospitalização, deveriam ser encaminhados à estratégia DOTS para evitar abandono e óbito por TB.
Finalmente, recomenda-se outros estudos sejam realizados com pacientes atendidos em unidade ambulatoriais, para que se tenha uma amostragem mais representativa da população acometida pela tuberculose na região estudada.
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