RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. 4

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Artigos de Revisão

Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)

Cristiane Ruth Mendonça de Andrade1; Wagner Augusto Parreiras da Silva2; José Ferreira Belizário Filho3; José Carlos Cavalheiro da Silveira4

1. Pediatra - Hospital Nossa Senhora das Dores de Itabira e Centro Médico de Itabira. Itabira, MG - Brasil
2. Médico psiquiatra, membro do Ambulatório de Déficit de Atençao da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Psiquiatra, Coordenador do Ambulatório de Déficit de Atençao da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Professor Associado do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Coordenador Geral do Ambulatório de Déficit de Atençao e do Ambulatório de Trauma da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Cristiane Ruth M. Andrade
Rua Brás Martins, 48 Bairro: Pará
Itabira, MG - Brasil CEP: 35900-032
Email: cristiane.ruth@hotmail.com

Recebido em: 02/05/2010
Aprovado em: 16/02/2011

Resumo

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade é uma desordem neurobiológica caracterizada pela falta manutenção da atenção, pela hiperatividade e impulsividade. Possui prevalência, morbidade e taxa de comorbidades altas, podendo persistir até a vida adulta. Apesar disso, o desconhecimento dos vários aspectos desse transtorno é alto, estando rodeado de mitos e conceitos errôneos mesmo entre profissionais que lidam diretamente com ele. Existem três tipos de TDAH, segundo os critérios diagnósticos do DSM-IV: predominantemente hiperativo; predominantemente desatento ou combinado. A anamnese deve ser cuidadosa e os sintomas, contextualizados. O tratamento farmacológico é feito com metilfenidato, dexanfetaminas e atomoxetine. A American Heart Association (2008) recomendou obter anamnese e exame físico cardiológicos completos e realizar rotineiramente o ECG. Entender melhor o TDAH possibilitará a sua detecção e a prevenção de seus efeitos deletérios nas crianças e nos adultos por meio de diagnóstico e tratamento mais efetivos.

Palavras-chave: Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade/Epidemilogia; Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade/Classificação; Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade/Complicações; Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade/Diagnóstico; Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade/ Terapia; Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade/Genética/ Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade/Prevenção e Controle; Comorbidade.

 

INTRODUÇÃO

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é uma desordem neurobiológica caracterizada por dificuldade em privilegiar um foco e sustentá-lo com nível suficiente de atenção, modular níveis de atividade cognitiva e, em alguns casos, controlar comportamentos impulsivos. Como consequência, evidencia-se prejuízo global nos indivíduos, resultante de comportamentos mal-adaptados inconsistentes para a idade cronológica e o estágio de desenvolvimento esperado.1 Acredita-se que seja uma desordem no sistema executivo, e não um comprometimento primário na inteligência ou no conhecimento.2

A prevalência estimada na população geral para o TDAH é de 4 a 12%, na faixa etária de seis a 12 anos.3 Em revisão sistemática, os resultados indicam que em todo o mundo essa prevalência ocorre na razao de 5,29%4 em menores de 18 anos: 6,48% em crianças e 2,74% em adolescentes.5 A proporção meninos/meninas varia de 9:1 a 2,5:1, todavia, vem sendo identificado aumento na incidência de casos de meninas.6 Estudos realizados na Argentina e no Brasil encontraram proporções equivalentes de TDAH entre meninos e meninas7 e entre adolescentes de ambos os sexos; já para mulheres na fase adulta a proporção é de 2:18. Provavelmente, a diferença entre essas proporções seja porque as meninas apresentam TDAH do tipo com predomínio de desatenção e com menos sintomas de conduta como comorbidade. Isso faz com que a família e a escola observem com menos intensidade o impacto do TDAH, o que resulta em baixa taxa de encaminhamento para avaliação e tratamento.

Independentemente de intervenções e devido à melhora de alguns sintomas com a idade9, entre 40 e 80% dos portadores de TDAH ainda preencherao os critérios diagnósticos na adolescência inicial e entre 8 e 66% na adolescência tardia e na vida adulta.10 Em pessoas com TDAH não tratadas, os sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade podem levar a insatisfatório desempenho nas atividades escolares e laborativas, gerando baixa autoestima e comprometimento importante nas relações interpessoais, com elevado número de separações e divórcios. São baixos a chance e o grau de satisfação em várias áreas do desenvolvimento humano, alto o risco de abuso de tabaco, álcool e substâncias ilícitas, ocasionando outros transtornos psiquiátricos e mais envolvimento em infrações e acidentes de trânsito.11-14 Crianças e adolescentes com TDAH têm duas vezes mais chances de se tornar usuários de drogas do que a população geral.15,16

Esta revisão tem como objetivo apresentar uma síntese atualizada do conhecimento disponível sobre TDAH, enfatizando a sua abordagem clínica, diagnóstico e estratégias terapêuticas.

O conhecimento do TDAH no Brasil ainda é insuficiente. Na população geral apenas 9% disseram ter ouvido falar no distúrbio. Entre profissionais, 59% dos educadores, 43% dos psicólogos, 55% dos pediatras, 53% dos neurologistas e 42% dos psiquiatras acreditavam que o TDAH era devido a pais ausentes. Entretanto, há ampla literatura sobre prevalência, perfil de comorbidades, genética e achados neuropsicológicos e de neuroimagem sustentando que o TDAH é um transtorno neurobiológico com forte influência genética.6,14, 17

Em conformidade com a literatura atual, este trabalho se justifica pela necessidade urgente de capacitar profissionais que lidam com crianças, adolescentes e adultos na rotina da vida diária, tendo em vista que o TDAH ainda é mal-abordado em decorrência da desinformação e da ausência de uniformidade de critérios entre médicos, psicólogos e educadores.

 

ORIGEM E FATORES DE RISCO

Investigações quanto à origem do TDAH focam o envolvimento do sistema nervoso central, fatores genéticos e fatores ambientais. Evidências na neuropsicologia, neuroimagem, neurofarmacologia e genética sugerem o envolvimento do circuito frontoestriatal dopaminérgico no cérebro. Estudos realizados em famílias revelam alta incidência entre membros parentais de primeiro grau, com herdabilidade de 0,76%. Os fatores ambientais consistentemente associados ao TDAH incluem mae fumante durante a gravidez, estresse emocional ou adversidade familiar durante a gravidez e início da vida, baixo peso ao nascimento (<1.500 g), hipoxemia, encefalite, trauma, exposição ao chumbo e injúrias cerebrais causadas por distúrbios metabólicos.18

 

DIAGNOSTICO

Deve-se aventar a possibilidade da vigência do TDAH quando a hiperatividade, o aumento do potencial de distração, a baixa concentração ou a impulsividade começam a afetar o desempenho escolar, os relacionamentos sociais ou o comportamento em casa.19

O diagnóstico é baseado na história clínica, com sintomas definidos. Avalia-se o contexto em que tais sintomas ocorrem, a sua duração (vários meses de intensa sintomatologia), a persistência em vários locais (escola, casa, trabalho) e ao longo do tempo (flutuações na sintomatologia não são característicos de TDAH), o grau de comprometimento no desenvolvimento do indivíduo e as consequências (deficiências e/ou prejuízos clinicamente significativos resultantes), além do entendimento do significado do sintoma (a criança não segue instruções por falta de atenção ou por comportamento desafiador?).6 (Tabela 1).

 

 

Considerando-se esses critérios, três tipos de TDAH são identificados:

TDAH predominantemente desatento: se, por um período de seis meses, os critérios de desatenção forem encontrados, mas não os de hiperatividade/impulsividade.

TDAH predominantemente hiperativo/impulsivo: se, por um período de seis meses, os critérios de hiperatividade/impulsividade forem encontrados, mas não os de desatenção.

TDAH combinado: se, por um período de seis meses, forem encontrados os critérios tanto de distúrbio de atenção quanto de hiperatividade/impulsividade.

A frequência observada em alguns trabalhos é de 10 a 15% do tipo predominantemente desatento, 5% do tipo predominantemente hiperativo e até 80% do tipo combinado com desatenção, hiperatividade e impulsividade.1 Nas escolas de Porto Alegre-RS, entre adolescentes portadores de TDAH, observou-se prevalência de 34,8% para o tipo desatento, 52,2% para o tipo combinado e 13% para o tipo hiperativo.21

A história clínica, atual e pregressa do paciente deve ser amplamente avaliada, incluindo desenvolvimento motor, social, habilidades de linguagem, bem como temperamento, hábitos de sono, atividades escolares, modos, preocupações e relacionamentos. Devem ser sistematicamente abordados tanto a história pregressa materna quanto o período gestacional e o parto quanto à exposição do feto às substâncias farmacologicamente ativas, como tabaco, álcool, drogas ilícitas e medicamentos. A história familiar também deverá ser abordada para se avaliar a presença e a distribuição de doenças orgânicas e psiquiátricas, como TDAH, ansiedade, depressão, transtorno bipolar e tiques, entre outras. A história e a inserção sociais do paciente também não devem ser ignoradas.

A história clínica deve ser colhida com a criança, pais, cuidadores e professores. Sabe-se que as crianças tendem a subestimar os sintomas, os pais são considerados bons informantes e os professores tendem a superestimar os sintomas.22 Mesmo assim, as observações e percepções dos professores são essenciais, já que no DSM-IV a falta de atenção é definida, em grande parte, com base em atividades acadêmicas.

O exame físico deve ser completo, não para diagnóstico de TDAH, mas para exclusão dos diagnósticos diferenciais e na vigência de comorbidades orgânicas. A audição e a visão devem ser avaliadas, entretanto, não necessitam de laboratório especial, exceto nos casos de hipotireoidismo.9 Os exames complementares serao dirigidos às suspeitas clínicas evidenciadas ao final da anamnese e exame físico. Apesar da associação entre TDAH e a rara resistência generalizada ao hormônio tireoidiano ter sido reportada, os testes hormonais são normalmente negativos.23

Para um diagnóstico clínico tal como exigido em ambiente de pesquisa, emprega-se o módulo de TDAH do questionário K-SADS, uma entrevista diagnóstica semiestruturada baseada nos critérios do DSM-IV e capaz de diagnosticar aproximadamente 32 desordens psiquiátricas infantis, atuais ou anteriores à entrevista.2 Existem vários questionários que utilizam os critérios da DSM-IV utilizados para rastreio, avaliação da gravidade e frequência de sintomas bem como acompanhamento evolutivo do tratamento. Eles podem ser respondidos por pais, cuidadores e/ou professores, entre os quais se destacam o ADHD Rating Scale, o questionário de Conners e o SNAP-III e IV (o SNAP-IV possui versão em português, validada no Brasil24). O questionário de Conners mostrou-se útil não só como auxílio diagnóstico, mas também como um instrumento de avaliação da eficácia do tratamento do TDAH.25. Todos os questionários têm em comum a utilização de escores quantitativos (também chamados de quantificadores), isto é, escores de gravidade para cada um dos sintomas arrolados, em vez do simples cômputo dos sintomas. Em geral, quando é utilizada escala de quatro pontos, a média obtida para a população geral cai entre zero (not at all, rarely) e 1 (just a little). Testes para avaliar o desempenho, a inteligência e os déficits de aprendizagem podem auxiliar quanto aos diagnósticos diferenciais e ajudar a planejar o tratamento. Entretanto, o desempenho nos testes de atenção e impulsividade computadorizados ou manuais não é diagnóstico de TDAH.1

Vale lembrar que crianças com TDAH são frequentemente capazes de controlar os sintomas com esforço voluntário ou em atividades de grande interesse. Por isso, são capazes de manter a atenção focada por horas diante do computador ou videogame, mas não mais do que alguns minutos na frente de um livro, em sala de aula ou em casa.26

 

COMORBIDADES

Os sintomas de TDAH podem se sobrepor ou coexistir com outras doenças psiquiátricas, por exemplo, desordens de aprendizagem e linguagem, transtorno opositor desafiante, transtorno de conduta, distúrbios de ansiedade e depressão, transtornos de adaptação27 e distúrbios de sono.

A comorbidade é significativa (chega a 93%) em pacientes com TDAH e sugere a necessidade de entrevistas diagnósticas que abordem outros sintomas psíquicos e comportamentais além daqueles específicos do TDAH.28 Uma importante distinção entre TDAH e essas comorbidades é a precocidade dos sintomas, curso contínuo e sem remissões e a piora deles em ambientes de maior demanda, como a escola (Tabela 2).

 

 

Algumas condições clínicas que podem mimetizar o TDAH são as crises de ausência (podem ser muito frequentes), os distúrbios de sono29 (causando irritabilidade), a síndrome das pernas inquietas e a narcolepsia. Na narcolepsia, a criança parece desatenta por tirar cochilos no decorrer do dia. Porém, sabe-se que os distúrbios de sono acometem reduzido subgrupo de pacientes com TDAH.30

Em maio de 2000, a American Academy of Pediatrics (AAP)31 publicou diretrizes para o diagnóstico e tratamento do TDAH. Nelas se estabelece o TDAH como uma condição crônica. Determina também que o pediatra, em conjunto com a criança, pais e escola, deve estipular metas para guiar seu manejo e recomendar uso de estimulantes e/ou tratamento comportamental. Menciona ainda que quando não se alcançarem as metas determinadas, deve-se avaliar o tratamento, a adesão e a presença de comorbidades, além de reconsiderar o diagnóstico.32 Entretanto, a implantação dessas diretrizes no atendimento primário indicou falhas e dificuldades, entre as quais se destacam: a limitada informação no manual a respeito de escalas de avaliação de TDAH; a necessidade de informação e suporte para a família; a limitação na cobertura de planos de saúde para TDAH33; o conhecimento e/ou uso restrito dos recursos da comunidade. (Tabela 3).

 

 

TRATAMENTO

O tratamento do TDAH deve ser focado no controle dos sintomas, na educação em classe, na melhoria do relacionamento interpessoal e na transição para a vida adulta34, a fim de propiciar "alívio do sofrimento causado pelos sintomas"10, e não apenas melhora das notas escolares.35

O pediatra ou clínico não deve tratar o paciente sozinho. É necessário envolver pais, professores e profissionais relacionados ao ensino; portanto, a primeira ação deve focar a educação do paciente, sua família ou cuidadores e professores. Deve-se oferecer informações sobre a condição, discutir as opções de tratamentos e os efeitos colaterais da medicação prescrita e monitorar o paciente, bem como aconselhar a família quanto às formas de atuação junto à criança, ajudá-la a estabelecer metas e acompanhamentos periódicos, estar disponível para eliminar dúvidas. Podem ser utilizados materiais educacionais, palestras, reunioes e encaminhamento a grupos de apoio.36, 37

O uso de fármacos é fundamental para o tratamento do TDAH, proporcionando 68 a 80% de melhora dos sintomas.38 Existem basicamente três tipos de medicação: metilfenidato, dexanfetaminas e atomoxetine. Os estimulantes são a medicação de primeira linha para pacientes sem comorbidades. Inicialmente, a medicação deve ser tomada sete dias/semana. Deve-se iniciar com dose mínima e ir aumentando progressivamente, até a dose com máximo efeito possível e mínimos efeitos adversos. Na maioria das medicações, a dosagem não é baseada no peso. Em geral, uma vez estabelecida a dosagem, visitas em intervalos de três ou quatro meses são suficientes para se monitorar a efetividade do tratamento e a ocorrência de efeitos colaterais.36

Entre os resultados com o tratamento à base de estimulantes, pode-se esperar a melhora da hiperatividade, atenção, autocontrole e impulsividade, a redução de queixas, diminuição de agressões verbais e físicas. Espera-se ainda melhora na interação com professores e colegas, na produtividade acadêmica e sua acurácia. Não se espera, contudo, melhora na habilidade de leitura, habilidades de convívio social, aprendizagem ou notas acadêmicas. Isso porque 20 a 30% dos pacientes com TDAH possuem também distúrbios de aprendizagem como dislexia, distúrbios de escrita, leitura e aritmética. A baixa inteligência está associada a piores respostas ao uso da medicação8 (Tabelas 4 e 5).

 

 

 

Estudos comparando as diferentes formulações de uma mesma droga não revelaram diferença na eficiência39. As formulações de liberação lenta são consideradas, além de mais práticas, mais seguras porque diminuem o risco do efeito de reforço causado por súbitos aumentos do nível plasmático de metilfenidato, reduzindo o potencial de abuso, ao mesmo tempo em que mantêm a ação terapêutica.40

A indicação para a suspensão parece ocorrer quando o paciente encontra-se assintomático há cerca de um ano ou quando há melhora importante da sintomatologia. Quando a medicação for interrompida, deve-se fazer acompanhamento cuidadoso e prudente, monitorar o comportamento na escola e o desempenho nas atividades acadêmicas.26

Em maio de 2008, a American Heart Association recomendou que todas as medicações em uso (inclusive para outras doenças) sejam verificadas e que um histórico familiar completo para sintomas e doenças cardíacas seja obtido. Em caso de sintomas ou doenças cardíacas, uma avaliação cardiopediátrica deve ser realizada antes do início das medicações. Sugere também a realização rotineira de um eletrocardiograma. Se o ECG for obtido antes dos 12 anos, deve-se repeti-lo após os 12 anos. Deve-se reavaliar continuamente o tratamento, perguntar sobre ocorrência de sintomas cardíacos, medir a pressão arterial nos três primeiros meses de tratamento e depois a cada seis a 12 meses. Utilizando-se α-agonistas, as medições devem ser mais frequentes. Caso ocorram sintomas cardíacos, uma avaliação especializada e exames devem ser realizados.16 (Tabela 6).

 

 

A incidência de morte súbita associada ao metil-fenidato é de 0,2 por 100.000 e a de anfetaminas 0,3 por 100.000.46 As taxas de morte súbita são consideradas baixas e similares às taxas nacionais gerais americanas.47 Porém, os estimulantes estao associados a aumento de visitas a serviços de atendimento médico devido a sintomas cardíacos.48

As terapias comportamentais têm apenas reduzido efeito nos sintomas ou desempenho da criança com TDAH, mas, ao se combinar terapia comportamental e medicação, o seu desempenho melhora e a quantidade necessária de medicação estimulante diminui.39,49

As técnicas de modificação de comportamento incluem recados, relatórios diários e reforço positivo para crianças em idade escolar. Interações que afetem a autoestima da criança devem ser evitadas. Existe uma infinidade de intervenções na escola e acomodação para crianças com distúrbios de aprendizagem possíveis, desde a troca para assentos preferenciais na sala de aula e alterações na dinâmica das atividades pedagógicas, até acomodações especiais para crianças com distúrbios mais limitantes. Porém, vasta maioria dos pacientes com TDAH podem ser educados sem essas intervenções. O treinamento de habilidades sociais é direcionado para melhorar a interação com colegas. Apesar de não ter alcance nos sintomas de hiperatividade, desatenção e impulsividade, o aconselhamento individual pode aliviar os sintomas secundários de baixa autoestima, comportamento opositor desafiante e problemas de conduta.

A falha no tratamento pode ser atribuída à não adesão ao uso correto da medicação, superestima dos efeitos adversos e à tentativa de tratar os sintomas, e não todo o espectro do TDAH. Sugere-se estabelecer rotinas (deixar o remédio no mesmo lugar onde o paciente pegará água de manha ou algum objeto), uso de alarmes, avisos em geladeira ou espelho, lembretes nos celulares. Deve-se manter pequena porção de medicação de reserva em algum lugar (carro ou bolsa) para casos de esquecimento50,51,52. Apenas baixo número de pacientes não tolera a medicação.

 

TDAH NA VIDA ADULTA

Embora se acreditasse que o TDAH persistisse somente até a adolescência, atualmente há um corpo sólido de conhecimento científico evidenciando que ele persiste até a fase adulta dos pacientes diagnosticados na infância.50 A prevalência em adultos foi de 1-6%5, com incidência de 4,4% em adultos americanos.12 Estudos revelam que 30-60% das crianças com TDAH continuam a ter sintomas clinicamente significativos na fase adulta53, independentemente de preencher os critérios para TDAH em adultos. Existem críticas quanto aos critérios do DSM-IV não valorizarem adequadamente os prejuízos na função executiva (problemas de decodificação, dificuldades de organização e gerenciamento do tempo).

Entre os fatores de risco para persistência estao gravidade dos sintomas na infância, sintomas combinados de desatenção e hiperatividade/impulsividade, mais amplitude de prejuízo na infância, deficiências acadêmicas, comportamentais e sociais. Adultos com persistência dos sintomas têm baixa escolaridade, empregos de menos status e/ou alto nível de desemprego e elevada incidência de comportamentos antissociais, entre outros.9

A qualidade de vida dos adultos com TDAH foi avaliada utilizando-se o Adult ADHD Quality of Life Questionnaire. Esse estudo evidenciou o comprometimento mais acentuado na produtividade e nos relacionamentos, que se traduz em discrepâncias clinicamente significativas em taxas de emprego, casamento e rendimento (salário) médio nos indivíduos não tratados. Os portadores tratados tinham escores mais altos de qualidade de vida.54

Diagnosticar TDAH em adultos é mais difícil, por não existir uma lista definitiva de sintomas que possa ser aplicada para quem tem essa condição. Devem-se acrescentar na anamnese perguntas referentes ao uso de tabaco, álcool e drogas55, infrações e acidentes no trânsito. A Adult Self-Report Scale (ASRS), já validada no Brasil, foi desenvolvida pela Organização Mundial de Saúde, já é de domínio público e pode ser usada livremente. Devido à alta prevalência de comorbidades em adultos, aconselha-se o uso dessa escala em conjunto com outras, para diagnóstico de distúrbios de humor, ansiedade e de abuso de drogas.56

Em adultos o tratamento geralmente é feito com psicoestimulantes (primeira escolha), antidepressivos e atomoxetina. Alterações no ambiente de trabalho, treinamento das habilidades organizacionais, terapia de grupo ou individual podem ser úteis para ajudar os adultos a desenvolverem formas de compensar o TDAH. Psicoterapias suplementares e psicofármacos podem ser essenciais para o tratamento de comorbidades.

Concluindo, enfatiza-se a necessidade de capacitar e educar os profissionais que lidam com crianças, especialmente clínicos, pediatras, educadores, psicólogos, além de criar efetivo programa de informação para pais e escola. Entender as diferentes formas clínicas de manifestações do TDAH, sua etiologia, prevalência, curso de sua evolução, buscando a promoção de adequada estratégia de abordagem e tratamento, possibilitará combater os mitos e conceitos errôneos que cercam esse distúrbio e prevenir seus efeitos deletérios no desenvolvimento adequado dos indivíduos por ele acometidos.

 

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