ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Complicações pulmonares no pós-operatório: preditores
Postoperative pulmonary complications: predictors
Gabriel Dias Bertolossi Cabral1; Raphael de Faria e Silva2; Ziltomar Donizetti de Oliveira Borges2
1. Médico. Residente em Anestesiologia. Cento de Ensino e Treinamento-CET da Sociedade Brasileira de Anestesiologia - SBA. Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico Anestesiologista. Título Superior de Anestesiologia - TSA/SBA. Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG - Brasil
Gabriel Dias Bertolossi Cabral
Email: gabrielbcabral@gmail.com
Instituição: Hospital Felício Rocho Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: as complicações pulmonares no pós-operatório apresentam incidência similar às complicações cardiovasculares e estão associadas a elevadas mortalidade e morbidade, aumento do tempo de internação e dos custos hospitalares. No entanto, o número de publicações sobre o assunto é mais baixo e seus preditores não estão definidos de forma clara. O objetivo desta revisão é identificar os principais fatores de risco envolvidos e destacar a existência de modelos que buscam facilitar a avaliação pré-operatória desses preditores.
CONTEÚDO: foram definidas as complicações pulmonares mais comuns no período pós-operatório e os fatores de risco mais frequentes relacionados a elas. A partir dessa definição, dois escores foram analisados para avaliar os riscos de desenvolvimento de complicações pulmonares precoces e tardias.
CONCLUSÕES: as complicações pulmonares pós-operatórias são marcadores de gravidade e estão associadas a outras complicações clínicas. Por esse motivo a identificação prévia dos fatores de risco é um aspecto importante da avaliação pré-operatória para que condutas sejam adotadas visando à diminuição da incidência de acometimento pulmonar.
Palavras-chave: Período Pós Operátorio; Complicações Pós-operatórias; Pneumopatias; Doença Cardiopulmonar; Atelectasia Pulmonar.
INTRODUÇÂO
As complicações pulmonares pós-operatórias são tão freqüentes quanto as complicações cardiovasculares em cirurgias não cardíacas. Apesar disso, o número de publicações encontradas na literatura é bem mais baixo.
Pela alta incidência, consideram-se válidas a identificação de pacientes em risco para desenvolvimento dessas complicações e a adoção de medidas para controlar esses riscos.
A definição de complicações pulmonares é mais abrangente e menos intuitiva quando comparada à de complicações cardíacas. As complicações cardíacas - infarto agudo do miocárdio, edema pulmonar, morte cardíaca - são mais claras e aferidas em estudos clínicos. As complicações pulmonares frequentemente são agrupadas (pneumonia, insuficiência respiratória, atelectasia, broncoespasmo e exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica), tornando-se difícil avaliar individualmente os fatores de risco e as complicações desenvolvidas.
A incidência de complicações pulmonares foi de 2,7%, comparável com a incidência de complicações cardíacas de 2,5%.1 No entanto, complicações pulmonares diferem das complicações cardíacas em um importante aspecto: fatores relacionados ao procedimento têm maior valor preditivo do que fatores relacionados ao paciente.
A insuficiência respiratória mostra-se marcador de má-condição clínica e preditor de outras complicações. Insuficiência respiratória no cenário pós-operatório pode ser definida como a necessidade de ventilação mecânica por mais de 48 horas após a cirurgia e constitui um evento com elevada morbidade. Johnson et al.2 encontraram elevada incidência de intercorrências em pacientes vítimas de insuficiência respiratória: 26% morreram em 30 dias, 6% apresentaram infarto agudo do miocárdio, 35% desenvolveram pneumonia, 10% evoluíram com insuficiência renal e 3% com trombose venosa profunda ou embolia pulmonar. Em pacientes que não apresentaram insuficiência respiratória a incidência dessas complicações foi inferior a 2%.
As complicações pulmonares apresentam os mais elevados custos de internação se comparadas às outras complicações pós-operatórias. E, juntamente com complicações tromboembólicas, requerem os mais longos períodos de internação.
IDENTIFICAÇÃO DOS FATORES DE RISCO PARA COMPLICAÇÕES PULMONARES
As alterações na função pulmonar que ocorrem no pós-operatório são, a maioria, do tipo restritivas com diminuição de todos os volumes pulmonares. O principal parâmetro para se medir esse efeito restritivo é a diminuição na capacidade residual funcional (CRF). Essa alteração é gerada pelo conteúdo abdominal que pressiona e impede a movimentação normal do diafragma. Clinicamente há taquipneia, com padrão respiratório mais superficial e com menor volume corrente. Deve-se destacar que fatores relacionados à piora desse efeito restritivo também estão associados a alto risco de complicações pulmonares.
O sítio operatório é um dos principais fatores determinantes da restrição pulmonar e dos riscos de complicações pulmonares. Cirurgias não laparoscópicas na região superior do abdome causam o mais profundo efeito restritivo, diminuindo a CRF de 40 a 50% comparados aos níveis pré-operatórios. Cirurgias torácicas e do abdome inferior causam a segunda maior alteração na função pulmonar, reduzindo a CRF em 30%. Cirurgias intracranianas, vasculares periféricas e otorrinolaringológicas podem causar alterações de 15 a 20% na CRF.
Em 2006, Qaseem et al. desenvolveram uma diretriz para o American College of Physicians, esclarecendo os fatores de risco para complicações pulmonares e as estratégias para se evitarem tais complicações.3
Fatores de risco relacionados ao paciente
Nas diretrizes de Qaseem et al. 3 alguns aspectos relacionados ao paciente foram analisados.
A idade avançada do paciente foi um importante preditor de complicações pulmonares, mesmo após compensação clínica de comorbidades. A análise de 10 estudos revelou que a idade foi o segundo fator de risco mais identificado. Quanto mais avançada a idade, mais chances de complicações pulmonares. Em pacientes entre 60 e 69 anos foi encontrada odds ratio (OR) de 2,09 (IC=95%, 1,70-2,58) e entre 70 e 79 anos a OR foi de 3,04 (IC=95%, 2,11-4,39), comparados a pacientes mais jovens (<60 anos).
Estudos que realizaram análises multivariadas identificaram a DPOC como o fator de risco mais comum para desenvolvimento de complicações pulmonares [OR 1,79(IC=95%, 1,44-2,22)].
Quanto a doenças restritivas (fibrose pulmonar idiopática e deformidade da parede torácica), a literatura não referenciou relação de risco com esse grupo de pacientes.
Alguns autores tentaram relacionar o estado clínico do paciente ao risco de complicações pulmonares pós-operatórias. Foi observado que a obesidade, mesmo com as alterações restritivas da doença, não aumenta os riscos pulmonares por si só. Já idade avançada e mau estado clínico impactam diretamente mais riscos de complicações.
Pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) têm elevado risco de complicações pulmonares intra e pós-operatórias. Esses pacientes desenvolvem reatividade aumentada da via aérea, possibilitando o desenvolvimento de broncoespasmo com a sua manipulação. Esses riscos podem ser reduzidos na ausência de infecção pulmonar ativa ou pelo uso de broncodilatador.
Pacientes portadores de asma não estão em alto risco para desenvolverem atelectasias ou pneumonia, porém a exacerbação da asma no pós-operatório pode trazer grandes problemas.
O tabagismo representou aumento moderado no risco de complicações pulmonares [OR 1,26 (IC=95%, 1,01-1,56)] nessas diretrizes. No entanto, é um dos principais e mais prevalentes fatores de risco associados à morbidade pós-operatória. Pacientes tabagistas portadores de DPOC têm duas a seis vezes mais riscos de desenvolverem pneumonia no período pós-operatório quando comparados aos não tabagistas. Além disso, tabagistas têm o dobro de risco de desenvolverem complicações pulmonares, mesmo sem apresentarem doença pulmonar ou alterações na função pulmonar.
Estudo conduzido por Warner et al. analisou as complicações pulmonares em pacientes tabagistas submetidos à revascularização miocárdica.4 Foi demonstrado que pacientes que interromperam o uso de cigarros menos de oito semanas antes da cirurgia exibiram quatro vezes mais complicações pulmonares comparados aos pacientes que interromperam o tabagismo por mais de oito semanas. Esse estudo também evidenciou que pacientes que cessaram o tabagismo por menos do oito semanas antes da cirurgia tiveram mais complicações do que os pacientes que simplesmente continuaram fumando.
A normalização da função mucociliar requer duas a três semanas de interrupção do tabagismo e durante esse período a produção de muco aumenta. Somente após diversos meses de abstinências o clearance de muco se normaliza. Pacientes devem ser orientados a interromper o uso de cigarros por dois meses antes de uma cirurgia eletiva, para se obter mais benefícios da cessação do tabagismo, ou por pelo menos quatro semanas, devido à melhora na função mucociliar e diminuição na incidência de complicações pulmonares.
A interrupção do tabagismo nas 24 horas pré-operatórias é controversa, pois ao mesmo tempo em que proporciona a normalização dos níveis de carboxi-hemoglobina, há mais produção de secreção expectorante, podendo causar aumento do risco de complicações pulmonares.5,6
Pacientes com limitações funcionais relataram mais associação com complicações pulmonares pós-operatórias. Insuficiência cardíaca congestiva foi importante fator de risco [OR 2,93 (IC=95%, 1,02-8,43)]. Pacientes com dependência funcional também estão associados a alto risco de complicações. E aqueles totalmente dependentes para realização de atividades cotidianas apresentaram mais riscos [OR 2,51 (IC=95%, 1,99-3,15)], enquanto os parcialmente dependentes, menos riscos [OR 1,65 (IC=95%, 1,36-2,01)].
A classificação de risco da American Society of Anesthesiologists busca prever as taxas de mortalidade perioperatórias, mas também tem se mostrado útil para predizer complicações cardíacas e pulmonares. A maior classificação ASA está associada ao aumento significativo no risco quando comparados pacientes ASA 2 ou mais com os de classificação abaixo de ASA 2 [OR 4,87 (IC=95%, 3,34-7,10)]. Classificação superior à ASA 3 apresentou mais riscos comparada à ASA abaixo de 3 [OR 2,25 (IC=95%, 1,73-3,76)] (Tabela 1).
Estudos não acusaram aumento do risco de complicações atribuídas à obesidade. As taxas de complicações pulmonares foram de 6,3% em pacientes obesos e de 7,0% em pacientes não obesos.
A apneia obstrutiva do sono dificulta o manejo da via aérea no pós-operatório imediato, mas não estava claro seu papel em complicações pulmonares até há poucos anos. Em estudo de Hwang et al.7, 172 pacientes que apresentavam pelo menos dois sinais clínicos de apneia obstrutiva foram selecionados anteriormente para a realização de cirurgias eletivas e monitorizados com oximetria noturna. Aqueles com mais de cinco episódios de dessaturação tiveram mais incidência de complicações pulmonares (oito complicações entre 98 pacientes) quando comparados a menos de cinco dessaturações (uma em 74 pacientes). Mesmo sendo um estudo pequeno, esses resultados sugerem intensa associação.7
Pacientes com alterações agudas no nível de consciência, achados anormais na ausculta pulmonar, etilismo e perda ponderal estiveram associados a elevados riscos de complicações pulmonares.
Não houve dados suficientes para indicar se a capacidade para o exercício, diabetes ou infecção pelo HIV constituem fatores de risco para complicações pulmonares.
Fatores de risco relacionados ao procedimento
Entre os fatores de risco relacionados ao procedimento podem-se citar o sítio cirúrgico, a duração da cirurgia, a técnica anestésica e a cirurgia de emergência.
O sítio cirúrgico está relacionado ao risco aumentado para complicações pulmonares, especialmente os seguintes procedimentos: reparo de aneurisma de aorta, cirurgia torácica, cirurgia abdominal alta, neurocirurgia, cirurgia prolongada, cirurgia de cabeça e pescoço, cirurgia de emergência e cirurgia vascular.
Cirurgias prolongadas, com mais de três a quatro horas de duração são um fator de risco independente para complicações pulmonares [OR 2,14 (IC=95%, 1,33-3,46)].
Em análise que reuniu 19.156 pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, foi demonstrado que a técnica laparoscópica apresentou aproximadamente a metade dos casos de complicações pulmonares [OR 1,92 (IC=95%, 1,54-2,38)].8 A cirurgia não laparoscópica esteve associada à alta incidência de sepse, complicações cardiovasculares e reoperações.
Após cirurgias abdominais altas, a CRF retorna a valores normais após três a sete dias, enquanto que nas cirurgias torácicas, após esternotomia, ela leva semanas para normalizar. A CRF persistentemente baixa nesses pacientes se deve a fatores mecânicos como mediastino alargado, fluidos pleurais e alteração na complacência da parede torácica.
A utilização de anestesia geral também constitui um fator de risco, com odds ratio de 1,83 (IC 1,35-2,46). Essa técnica interfere de diferentes maneiras na fisiologia respiratória, podendo causar redução da CRF, alterações na relação ventilação-perfusão, atelectasias, fechamento das pequenas vias aéreas, inibição do reflexo de vasoconstrição e broncoconstrição hipóxicas e modificações na função mucociliar.
As alterações na relação ventilação-perfusão com a formação de shunts intrapulmonares são as principais alterações causadas pela anestesia geral e pela ventilação mecânica. Há formação de atelectasias, preferencialmente nas regiões pulmonares dependentes, e impacto direto na redução da CRF. Outros fatores envolvidos na formação de atelectasias são a compressão do parênquima pulmonar pelo mediastino e a ventilação com alta difusibilidade do oxigênio pela membrana alveolocapilar.
A analgesia pós-operatória influencia diretamente no risco de complicações pulmonares. A analgesia peridural, especialmente para cirurgias abdominais ou torácicas, reduz os riscos pulmonares e o tempo de internação.
Seis estudos identificaram cirurgias de emergência como significativo preditor de complicações pulmonares pós-operatórias. A odds ratio foi de 2,21 (IC=95% 1,57-3,11).
Nessa mesma diretriz foram analisadas a associação entre técnicas anestésicas e complicações pulmonares.
O uso de bloqueadores neuromusculares de longa duração, como o pancurônio, apresentou três vezes mais associação com complicações pulmonares devido ao bloqueio residual. Pacientes com bloqueio residual que receberam bloqueadores de ação intermediária, como atracúrio e vecurônio, não descreveram maior incidência de complicações pulmonares comparados aos pacientes sem bloqueio residual (4 e 5%, respectivamente).
Metanálise estudou 141 trabalhos para comparar a incidência de complicações pulmonares em pacientes submetidos a anestesia geral isolada e bloqueio neuroaxial. Os resultados foram similares, porém essa metanálise foi criticada por analisar um grupo heterogêneo de pacientes e procedimentos, além de terem sido utilizadas técnicas anestésicas e agentes anestésicos antigos.9
Testes laboratoriais para estratificação do risco
Foram analisados estudos de espirometria, radiografia de tórax, dosagem de ureia, cultura de orofaringe e dosagem de albumina sérica.
Espirometria é o padrão-ouro no diagnóstico de DPOC, porém sua realização não está diretamente relacionada à determinação de risco efetivo. A espirometria não é superior à história e exame físico dos pacientes para predizer a ocorrência de complicações pulmonares pós-operatórias. Não parece haver um valor espirométrico abaixo do qual os riscos para a realização de procedimentos cirúrgicos sejam inaceitáveis. Diante disto, a realização de espirometria está reservada para pacientes com provável DPOC não diagnosticada.
A maioria dos estudos que avaliaram a realização de radiografia de tórax teve como objetivo definir se um exame anormal alteraria o manejo perioperatório dos pacientes. Revisões recentes revelaram incidência de exames anormais varando até 23%, e entre eles apenas 3% eram achados significativos que influenciariam na abordagem a esses pacientes. Isso sugere que os médicos são capazes de prever alterações na radiografia de tórax pela história e exame físico, e o exame suplementar raramente fornece informações inesperadas que interferem na conduta. No entanto, existem evidências de que a radiografia é útil em pacientes com doença cardiopulmonar já diagnosticada, pacientes com idade acima de 50 anos e aqueles que serão submetidos à cirurgia abdominal alta, torácica ou de correção de aneurisma de aorta abdominal.
As taxas de complicações pulmonares para pacientes com albumina sérica baixa e normal foram de 27 e 7%, respectivamente. Revisão de estudos demonstrou que baixo nível sérico de albumina é importante preditor de complicações pulmonares. Os valores estipulados foram de albumina sérica entre 3,0 e 3,9 g/dL. Com base nessa análise, albumina abaixo de 3,5 g/dL é um dos mais importantes fatores de risco relacionados ao pacientes e um dos maiores preditores de risco.10
Criação de escores para predizer riscos de complicações pulmonares
Brueckmann et al. realizou estudo para criação de um escore que pudesse funcionar como uma ferramenta simples para avaliação rápida da necessidade de reintubação e insuficiência respiratória no pós-operatório. Foram avaliados 33.769 pacientes intubados no início da cirurgia e extubados ao seu término. O principal resultado avaliado foi a reintubação após extubação na sala operatória, nos primeiros três dias de pós-operatório.11
Outras pesquisas realizadas até então investigaram a ocorrência de insuficiência respiratória em um período de até 30 dias. Neste trabalho adotou-se período de três dias, por se acreditar que as intercorrências respiratórias precoces têm mais probabilidade de estarem relacionadas a fatores passíveis de prevenção associados à anestesia.
Em 137 casos houve a necessidade de reintubação, correspondendo a 0,41% de pacientes estudados. O tempo médio até a reintubação foi de 6,4 horas. Diversos motivos para a reintubação foram identificados, sendo que os pacientes apresentavam, em média, 2,3 causas de insuficiência respiratória (Figura 1).
Com base nos resultados obtidos, foi desenvolvido um escore denominado SPORC (escore para predizer complicações respiratórias pós-operatórias). Foram avaliados os seguintes fatores: classificação ASA > 3, procedimento de emergência, cirurgia de alto risco, insuficiência cardíaca congestiva e DPOC. Não foram incluídos neste estudo fatores de risco relacionados aos períodos intra e pós-operatório, como duração da cirurgia e exames laboratoriais, sendo apenas incluídos fatores detectáveis na avaliação pré-anestésica.
Para cada fator de risco foi determinada uma pontuação específica. Pacientes que pontuaram de zero a sete manifestaram probabilidade de reintubação de 0,1%, enquanto que em pacientes acima de sete a probabilidade aumentou para 6,4%. A cada ponto somado ao escore, a probabilidade de reintubação aumentava em 1,7 vez [OR 1,72 (IC 95%, 1,55-1,91)]. A necessidade de reintubação não planejada significou um importante marcador de morbidade e mortalidade, aumentando o risco de morte durante a internação em 72 vezes (Figura 2).
Esse escore tem limitações, pois apenas explica algumas das causas de insuficiência respiratória após a extubação. O manejo intraoperatório e o cuidado pós-operatório impactam na incidência de reintubação e não podem ser medidos pelo SPORC.
Em outro estudo realizado na Espanha, Canet et al. desenvolveram um escore para complicações pulmonares pós-operatórias denominado ARISCAT (avaliação de risco respiratório em pacientes cirúrgicos na Catalunha).12 Nesse estudo foi considerado o problema de diferenças no contexto cirúrgico, sendo utilizada abordagem populacional com ampla variedade de procedimentos e pacientes, com dados provenientes de serviços urbanos e rurais.
Foram recrutados 59 hospitais de forma randomizada, nos quais 2.464 pacientes submetidos a anestesia geral, bloqueio neuroaxial ou bloqueio de nervo periférico foram selecionados no período de um ano.
Ocorreu o total de 242 episódios de complicações pulmonares em 123 pacientes (5% de 2.464 pacientes). Entre os critérios utilizados para determinar as complicações pulmonares, encontraram-se pneumonia associada a tratamento com antibióticos em 40 pacientes (1,6%), insuficiência respiratória em 63 (2,6%), derrame pleural em 43 (1,7%), atelectasias em 35 (1,4%), pneumotórax em oito (0,3%), broncoespasmo em 44 (1,8%) e pneumonia aspirativa em nove (0,4%).
A avaliação da duração de internação revelou longa permanência hospitalar em pacientes com complicações pulmonares, com média de 12 dias (variando de quatro a 37 dias), enquanto pacientes que não sofreram complicações tiveram média de três dias de internação (intervalo de um a 11 dias).
A taxa de mortalidade em 30 dias de pós-operatório foi de 35 pacientes, dos quais 24 tiveram complicações respiratórias (19,5% dos 123 pacientes com complicações pulmonares, IC 95%, 12,5-26,5%). A mortalidade após 90 dias foi de 24,4% dos 123 pacientes com ao menos um episódio de complicação pulmonar (IC 95%, 16,8-32%).
A escolha dos pacientes foi feita de forma randomizada, por aqueles submetidos a procedimentos anestésicos de rotina para cada tipo de cirurgia, incluindo cirurgia cardíaca. Pacientes submetidos à cirurgia cardíaca foram incluídos, pois correspondiam a significativa quantidade dos casos selecionados e apresentavam fatores de risco comuns aos demais pacientes.
No entanto, as porcentagens de complicações respiratórias foram mais altas em pacientes após cirurgias cardíacas, representando 39,6% dos 53 pacientes. Os outros procedimentos relacionados às altas taxas de complicações foram cirurgias torácicas, com 31,4%, cirurgias abdominais, com 7,2%, e procedimentos vasculares, com 5,8%. Em números absolutos os procedimentos abdominais foram os mais relacionados às complicações pulmonares, somando 52 episódios de complicações.
Para a formulação do escore, foram adotados sete critérios clínicos pré-operatórios de avaliação de risco para complicações pulmonares, com validação interna do sistema de pontuação (Tabela 2).
Dos fatores de risco selecionados, quatro estavam relacionados ao paciente, como idade, saturação de oxigênio pré-operatória, história de infecção respiratória no último mês e anemia pré-operatória. Esses fatores correspondem a 55% do escore. Os demais fatores de risco analisados estão relacionados ao procedimento, entre eles o local de incisão cirúrgica, a duração da cirurgia ou o procedimento de emergência.
No desenvolvimento da pontuação do escore, o ponto de corte de mais relevância foi a pontuação de 26, com sensibilidade de 87,3% (IC 95%, 77,7-94%) e especificidade de 79,1% (IC 95%, 77,0-81,1%).
Pacientes que pontuaram abaixo de 26 apresentaram baixo risco. Foram considerados de risco intermediário aqueles com pontuação entre 26 e 44; e de alto risco para desenvolvimento de complicações pulmonares os que pontuaram acima de 45 pontos.
A saturação de oxigênio em posição supina em ar ambiente foi o fator de risco relacionado ao paciente com mais forte associação a complicações pulmonares. A adoção da oximetria de pulso como preditor independente a ser avaliado substituiu a inclusão de doença respiratória, tabagismo ou insuficiência cardíaca para formulação do escore, pois a SpO2 reflete as funções respiratória e cardiovascular.
História de infecção das via aéreas um mês antes da cirurgia correspondeu a aumentado risco de complicações. Infecções respiratórias recentes alteram a reatividade da via aérea, a função pulmonar e deficiência do sistema imunológico causada pela infecção ou pelo uso de antibióticos. Em crianças, uma cirurgia eletiva deve ser adiada quatro a seis semanas após episódio de infecção das vias aéreas, principalmente se houver possibilidade de intubação traqueal.
A idade avançada mostrou-se importante preditor de complicações respiratórias, havendo um ponto de deflexão após os 80 anos, quando as taxas aumentam significativamente [OR 5,1 (IC=95%, 1,9-13,3)].
A anemia (Hb< 10 g/dL) no pré-operatório aumentou o risco de complicações em quase três vezes, sendo um preditor de mau prognóstico em pacientes graves e no período pós-operatório. Mesmo em caso de anemia moderada verifica-se aumento na mortalidade no risco de eventos cardíacos nos primeiros 30 dias de pós-operatório.
O estudo ARISCAT também demonstrou a grande importância de fatores relacionados ao procedimento em predizer eventos pulmonares. Fatores como sítio cirúrgico (intratorácico e abdome superior), duração da cirurgia acima de duas horas e cirurgias de emergência podem ser controlados pelo cirurgião em pacientes de alto risco.
Diferentemente de outros estudos, tabagismo e DPOC não se apresentaram como fatores de risco independentes, havendo alto nível de correlação com outros fatores analisados. Pacientes atualmente tabagistas relataram menor taxa de complicações do que ex-tabagistas, porém aqueles eram, em média, 17 anos mais jovens. Os autores levaram em consideração que pacientes eram considerados portadores de DPOC com base em parâmetros clínicos, e não por confirmação espirométrica. Por isso, foram pesquisados sintomas respiratórios, que seriam facilmente analisados na consulta pré-anestésica. Porém, os sintomas clínicos respiratórios não foram confirmados como fatores de risco independentes na análise com múltiplas variáveis.
CONCLUSÃO
Complicações pulmonares no período pós-operatório constituem uma fração substancial dos riscos envolvidos na realização de cirurgias e procedimentos anestésicos. A identificação precoce dos fatores de risco ajuda a diminuir a mortalidade, tempo de internação e custo de tratamento.
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