RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 27 e-1860 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20170055

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Artigo Original

Estudo de revisão da cirurgia de hernioplastia inguinal: técnica de Lichtenstein versus laparoscópica

Revision study of inguinal hernia repair surgery: Lichtenstein technique versus laparoscopic

Filipe Mateus Costa Teixeira1; Francisco Patruz Ananias de Assis Pires2; Joyce De Sousa Fiorini Lima3; Fernanda Linhares de Carvalho Pereira4; Carolina de Almeida e Silva5; Mariane Habib Sales de Paula6; Daniel Magalhaes Nobre7

1. Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG - Brasil
2. Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG - Brasil
3. Médica. Mestre em Programa de Pós-Graduaçao em Ciências da Saúde. Professora Titular da Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP. Médica Cirurgia Plástica/Docente do setor de propedêutica cirúrgica da Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG - Brasil
4. Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG - Brasil
5. Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, MG - Brasil
6. Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, MG - Brasil
7. Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Filipe Mateus Costa Teixeira
E-mail: fmcostateixeira@gmail.com

Recebido em: 06/06/2016.
Aprovado em: 30/01/2017.

Instituiçao: Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG - Brasil.

Resumo

INTRODUÇÃO: As hérnias inguinais são das afecções mais comuns na cirurgia geral e fomentam uma rica discussão sobre qual o melhor método cirúrgico para sua correção.
OBJETIVOS: O objetivo deste artigo é fazer uma revisão de literatura não sistemática descrevendo e comparando a técnica de Lichtenstein e a técnica laparoscópica, ressaltando os prós e contras de cada abordagem.
MÉTODOS: Essa revisão foi realizada entre novembro de 2015 e fevereiro de 2016 nos bancos de dados: PubMed/Medline, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Bireme, Scielo, Lilacs, além de livros. Todas as buscas basearam-se nos seguintes descritores: "Hernia inguinal, laparotomy, laparoscopic".
RESULTADOS: A laparoscopia possui melhores indicativos quanto à dor crônica pós-operatória. As taxas de recidiva em análise de curto prazo são semelhantes, entretanto, alguns estudos evidenciam divergências quanto aos resultados em longo prazo. O tempo de recuperação é menor na técnica por vídeo, porém o tempo de internação hospitalar pós-procedimento não apresentou variação significativa. A videolaparoscopia possui, entretanto, maiores custos e riscos quando comparada com a técnica aberta de Lichtenstein. Vários desses riscos são associados à necessidade de realização de anestesia geral e à maior curva de aprendizado no desenvolvimento da técnica, acarretando em complicações intraoperatórias mais evidentes que na técnica aberta.
CONCLUSÃO: A escolha do método mais adequado para a hernioplastia deve ser feita levando-se em consideração os riscos de cada uma delas, bem como características particulares de cada caso, como experiência do cirurgiao, preferência do paciente, estado de saúde, custo e benefícios de uma em relação à outra.

Palavras-chave: Hernia Inguinal; Laparotomia; Laparoscopia.

 

INTRODUÇÃO

Hérnia em latim significa ruptura ou rasgo.1 É definida como uma protrusão anormal de um órgao ou tecido por um defeito em suas paredes circundantes. Podem ocorrer em vários locais do corpo, porém esses defeitos mais comumente envolvem a parede abdominal, em particular a regiao inguinal.2

Neste artigo abordaremos as hérnias inguinais, que são afecções extremamente frequentes nos serviços de cirurgia geral. Sua importância se deve à alta incidência (75% de todas as hérnias ocorrem na regiao inguinal – dois terços indiretas e o restante diretas), risco de complicações (são a segunda maior causa de obstrução do intestino delgado), recidiva (varia de 0,1 a 10% conforme a técnica utilizada na correção), e aspectos socioeconômicos (incide predominantemente no sexo masculino, numa fase produtiva, causando incapacidade transitória).

As hérnias inguinais podem ser classificadas em indireta, que desce ao longo do canal inguinal, e direta, que faz protrusão através do triângulo de Hesselbach. A primeira, de caráter congênito, ocorre pela persistência do conduto peritônio-vaginal. A segunda é adquirida como resultado de uma fraqueza na fáscia transversal, que tem demonstrado estar relacionada a defeitos hereditários na síntese ou renovação do colágeno. O diagnóstico clínico pode não ser muito fácil pelo fato de as hérnias inguinais serem, na maioria das vezes, assintomáticas.3

Faz-se necessário conhecer a anatomia do canal inguinal e fisiopatologia da hérnia inguinal para compreender as diferentes etiologias. O espaço miopectíneo de Fruchaud corresponde a uma parte da parede abdominal anterior não muscular constituída apenas pela fáscia transversal e por peritônio, o que torna esta regiao vulnerável ao aparecimento de hérnias abdominais.

O espaço descrito por Fruchaud em 1956 é delimitado superiormente pelos músculos oblíquo interno e transverso, inferiormente pelo ligamento pectíneo (exemplo: Cooper), lateralmente pelo músculo iliopsoas e medialmente pelo músculo reto abdominal. O espaço miopectíneo é dividido pelo ligamento inguinal num compartimento inferior (local de aparecimento de hérnias femorais) e num compartimento superior, que é subdividido pelos vasos epigástricos inferiores num compartimento medial ou triângulo de Hesselbach (local de aparecimento de hérnias inguinais diretas) e num compartimento lateral (local de aparecimento de hérnias inguinais indiretas).4

As hérnias foram primeiramente descritas 1500 anos antes de Cristo, sendo Celso, no primeiro século da era crista, o precursor do tratamento cirúrgico. Eduardo Bassini, em 1884, iniciou uma nova etapa na cirurgia de hérnia inguinal ao propor o reforço da parede posterior para correção da hérnia.

Lichtenstein, em 1970, foi um dos primeiros a defender a anestesia local e a cirurgia ambulatorial para o tratamento da hérnia inguinal e em 1992 esse procedimento já era proposto no Brasil.1 O reparo laparoscópico da hérnia inguinal é outro método cirúrgico que vem ganhando espaço nas duas últimas décadas e conta com duas abordagens principais, a extraperitoneal total (TEP) e a transabdominal pré-peritoneal (TAPP).5

Atualmente, persistem as dúvidas sobre qual o melhor método cirúrgico para a correção das hérnias inguinais. O sucesso do tratamento é medido pela duração da operação, menor número de complicações, menor custo e retorno rápido às atividades normais. Este triunfo depende em grande parte das competências do cirurgiao, do pré e pós-operatório do paciente e do uso eficaz de técnicas cirúrgicas e dos materiais atualmente disponíveis para o reparo.6

Existem evidências a favor e contra às cirurgias por laparoscopia e pelo método de Lichtenstein. Desse modo, a controvérsia persiste sobre a reparação mais eficaz de hérnia inguinal. O objetivo deste artigo é fazer uma revisão de literatura não sistemática descrevendo e comparando a técnica aberta de Lichtenstein e a técnica laparoscópica, ressaltando os prós e contras de cada abordagem cirúrgica.

 

MÉTODO

A revisão não sistemática foi realizada entre novembro de 2015 e fevereiro de 2016 nos bancos de dados mais importantes, no que concerne à indexação de publicações científicas: PubMed/Medline, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Bireme, Scielo, Lilacs, além de livros. Todas as buscas basearam-se nos seguintes descritores: "Hernia inguinal, laparotomy, laparoscopic".

Foram excluídos artigos publicados em línguas que não fossem português, inglês e espanhol e artigos que não abordavam diretamente o assunto a ser revisado. Por fim, selecionamos 18 artigos de diferentes tipos de estudo e foi realizada uma leitura reflexiva buscando definições conceituais e demais dados que seriam vitais para construção do estudo.

Foi utilizado também, na construção desse trabalho, um livro como bibliografia complementar. Utilizando o livro e baseado nas leituras dos artigos, descrevemos e comparamos as duas técnicas, a fim de levantar as vantagens e desvantagens de cada procedimento.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Lichtenstein – Descrição da técnica

Em 1986, Lichtenstein introduziu seu conceito pioneiro de reparação das hérnias inguinais primárias usando a prótese "em rede", o que revolucionou o tratamento de hérnias em todo o mundo.7 A técnica se aplica a todos os tipos de hérnias inguinais diretas ou indiretas e rapidamente atingiu o "padrao-ouro" no tratamento das hérnias inguinais.8 O princípio básico da técnica de Lichtenstein é promover uma hernioplastia sem tensão, presente tanto durante a cirurgia (posição supina) quanto no pós-operatório (em ortostase), evitando complicações decorrentes do aumento da pressão intra-abdominal e do encolhimento da tela depois da sua implantação.

A técnica de Lichtenstein é realizada por inguinotomia, com a inserção de uma tela de polipropileno suturada sobre a fáscia transversal, substituindo a estrutura original por um forte reforço de tela.7 Existem vários tipos de telas à disposição dos cirurgioes. Elas são classificadas em quatro tipos, de acordo com o tamanho dos poros. A tela de polipropileno é a mais utilizada na hernioplastia sem tensão. Ela estimula fibroblastos, levando à formação de um forte tecido conjuntivo cicatricial que melhora significativamente a durabilidade da camada fasciomuscular formada durante a cirurgia.9 A estrutura microscópica da tela desempenha um papel importante, especialmente em relação ao diâmetro de suas aberturas. Os macrófagos podem penetrar livremente em mono ou duplo filamento com aberturas maiores do que 75 micra, o que promove a eliminação de infecções potenciais.9

As vantagens desta técnica incluem o retorno rápido do paciente às suas atividades usuais, eficácia no que diz respeito à prevenção de recidivas e menor necessidade de analgesia no pós-operatório.8 Outro importante benefício da técnica de Lichtenstein é a abordagem bilateral no mesmo ato cirúrgico. Durante anos, acreditava-se que as hérnias inguinais bilaterais não poderiam ser corrigidas simultaneamente, uma vez que tal conduta implicava em altas taxas de recorrência. Este pensamento passou a ser questionado progressivamente e, a herniorrafia inguinal bilateral simultânea pela técnica de Lichtenstein é considerada segura e eficaz, baseado no estudo que demonstra baixo índice de complicações, curta permanência hospitalar e baixa recidiva neste procedimento.10

Em estudo com 2953 pacientes submetidos à correção simultânea de hérnias inguinais bilaterais sob anestesia local, já se evidenciava que a técnica sem tensão permitiu o mínimo de dor pós-operatória e teve um curto período de recuperação, com uma taxa de recorrência de 0,1%.11 Devido à característica de ser simples e eficiente, possui ampla aplicabilidade por ser de fácil ensino aos cirurgioes mais jovens.

As operações para hérnia inguinal podem diferir quanto ao tipo de anestesia, que pode ser geral, regional (raqui ou peridural) ou local. No Brasil, a maioria desses procedimentos é realizada com anestesia regional, embora o custo-benefício da anestesia local seja melhor.12 Apesar de existirem poucos centros no Brasil onde essa modalidade cirúrgica é praticada, a técnica de Lichtenstein empregada sob anestesia local é método simples, facilmente reprodutível, seguro, prático e apresenta bons resultados, com baixos índices de recidivas e altos índices de satisfação para os pacientes previamente selecionados.12

Outro estudo reafirma a conclusão de que o emprego da técnica de Lichtenstein com anestesia local apresenta bons resultados quanto ao pós-operatório imediato e tardio, e tem se mostrado eficaz entre os vários serviços que as utilizam, visto o baixo número de recidivas.10 Além disso, torna-se possível realizar a cirurgia com anestesia local em sistema ambulatorial e esta possibilidade traz como vantagem também o aprendizado acadêmico.7,12

Principais complicações da técnica de Lichtenstein

Na técnica de Lichtenstein, apesar das baixas taxas de reincidência, a dor e o desconforto continuam a ser um problema para um grande número de pacientes.8 Além disso, pacientes frequentemente relatam uma sensação de dormência, rigidez ou corpo estranho, após o implante da tela de polipropileno.

Em estudo prospectivo composto de 38 pacientes separados em duas coortes, sendo uma composta por indivíduos cuja fixação da tela ocorreu por meio de sutura e a outra por cola de fibrina-selante, evidenciou-se que a fixação de fibrina-selante é superior à fixação por sutura em relação à qualidade de vida, conforto do paciente, dor pós-operatória e dor crônica.8

Diante disso, uma das justificativas apresentadas foi o fato de a cola de fibrina ser biodegradável, biocompatível e ser substituída por tecido conjuntivo dentro de duas semanas, desempenhando um papel importante, uma vez que as suturas não absorvíveis não são biodegradáveis e potencialmente irao manter um processo inflamatório crônico associadas com a dor e o desconforto.

Neste mesmo estudo foi encontrada uma taxa de 5,3% de complicação intraoperatória, que corresponde a dois casos ressecção parcial do nervo ileogástrico no grupo da cola de fibrina-selante, além de uma taxa de 18,4% de complicações pós-operatórias (Tabela 1), em que se destacaram: hematoma (15,8%) e seroma (2,6%). No entanto, não houve diferença estatística significante entre as complicações pós-operatórias entre os dois grupos.

 

 

Destacou-se, em um dos artigos analisados, complicações pós-operatórias em 15,5% nos 84 pacientes que foram operados devido ao quadro de hérnia inguinal encarcerada reparadas pela técnica de Lichtenstein (Tabela 1).9 Dentre as complicações, destacam-se: complicações associadas à ferida cirúrgica (10,7%), hematoma (4,8%), seroma (3,6%) e pequena inflamação (2,4%). Em 90,5% dos casos não houve morbidade pós-operatória relacionada à tela implantada. Outras morbidades citadas neste artigo são: exacerbação de doença coronariana, pneumonia pós-operatória, ascite relacionada ao fígado cirrótico descompensado e retenção urinária.

Estudo retrospectivo de 2003 a 2007 com 59 pacientes submetidos à herniorrafia bilateral simultânea pela técnica de Lichtenstein, evidenciou que, no pós-operatório imediato, 38% dos pacientes apresentaram queixas, sendo a dor a principal intercorrência (27,7%), e em 94,92% dos casos, não houve complicações tardias. Neste estudo, observou-se um caso de recidiva bilateral (1,69%) (Tabela 1).10

Outras possíveis complicações das herniorrafias citadas descritas neste artigo, são: retenção urinária, hematoma escrotal, infecção urinária, infecção da ferida, arritmia cardíaca, trombose venosa profunda, neuralgia, atrofia testicular, hidrocele e infecção, orquite, infecção de parede, edema testicular, hematoma eseroma, inflamação local e dor.10 No pós-operatório tardio, 95% dos pacientes deste estudo não apresentaram complicações, porém, dois pacientes (3%) queixaram-se de inguinodinia, e um (2%), de queimação local.

Descrição da técnica laparoscópica

A reparação da hérnia inguinal tem sido um assunto controverso desde sua concepção. Historicamente, a análise de custo favorece a hernioplastia aberta sobre a laparoscópica. Porém, com a experiência em correção de hérnia laparoscópica e disseminação do conhecimento, o custo caiu e tornou-se comparável à cirurgia aberta.5

A herniorrafia inguinal totalmente extraperitoneal (TEP) e a correção transabdominal pré-peritoneal (TAPP) são as técnicas endoscópicas que mais comumente são usadas.5 A TEP tem como vantagem a ausência de tensão utilizando o reforço da tela na virilha com a cirurgia laparoscópica e pode ser considerada como um desenvolvimento adicional do procedimento de herniorrafia transabdominal-pré-peritoneal.13

O procedimento totalmente extraperitoneal é realizado sob anestesia geral e com antibioticoprofilaxia em dose única de 2g cefazolina.13 O paciente é colocado em decúbito dorsal, em posição de Trendelenburg ligeiramente inclinada, e com o membro superior ao longo do corpo, no lado oposto da hérnia posição. O cirurgiao também se posiciona contralateral à hérnia.

São usados três trocartes regulares na linha média, colocados sob visualização direta. O estabelecimento de pneumoperitônio é realizado com uma média de 12 mmHg de pressão, com isso, o laparoscópio é introduzido através do portal infraumbilical e é visualizado o espaço pré-peritoneal. Para a dissecção pré-peritoneal, utiliza-se o laparoscópio de 0º e três estruturas anatômicas são importantes como ponto de reparo: osso púbico, linha arqueada e vasos epigástricos inferiores.13

A dissecção lateral é feita até o músculo psoas inferolateralmente, expondo, assim, os nervos no "triângulo lateral da dor". A hérnia é dissecada das estruturas do cordao e reduzida; entao, o saco e suas reflexoes são também reduzidos, exibindo o "triângulo da desgraça" entre os vasos deferentes e os gonadais.13

A tela de polipropileno é introduzida através do portal infraumbilical de 10 mm, colocada sobre o espaço criado para que possa cobrir os locais das hérnias direta, indireta, femoral e obturatória. A fixação por grampo das telas é utilizada apenas em casos excepcionais, em um anel interno muito alargado; neste caso, a tela é apenas grampeada medialmente no ligamento de Cooper para evitar neuralgia.13,14 O processo de desinsuflação acontece sob visão direta.

Para hérnias primárias, a hernioplastia pelo método de Lichtenstein é a mais recomendada, já a reparação por herniorrafia inguinal totalmente extraperitoneal (TEP) é recomendada no caso de hérnias bilaterais ou recorrentes quando uma técnica anterior tiver sido utilizada para a reparação primária.14 Contudo, em mãos experientes, TEP também podem ser considerado para reparação de hérnia primária.

Principais complicações da cirurgia laparoscópica

Em um estudo realizado com 261 correções herniárias realizadas pela técnica totalmente extraperitoneal a taxa de morbidade pós-operatória foi de 5,7%, incluindo uma lesão da veia ilíaca tratada por compressão, quatro com hérnias grandes desenvolveram seroma, um apresentou hematoma escrotal, um teve hematúria sem lesão de bexiga e dois apresentaram enfisema subcutâneo.5 Todas as complicações foram manejadas de forma conservadora (Tabela 2).

 

 

As complicações maiores são raramente vistas em hernioplastias.5 A mais comum intraoperatória com TEP e TAPP é lesão na bexiga (0% -0,2%), principalmente em pacientes com operação suprapúbica anterior.

Em outro estudo, analisaram-se dez anos de correção de hérnia inguinal TEP em países diferentes. Ao todo, foram realizadas 4565 operações, sendo que em 402 eram em hérnias recidivadas. Os pacientes foram operados por sete cirurgioes experientes em cirurgia laparoscópica, sendo que cada cirurgiao operou mais de 150 casos. Houve 27 complicações graves e dois óbitos (0,02%) decorrentes de embolia pulmonar e peritonite.

Vinte complicações necessitaram de uma nova intervenção: dez hemorragias, cinco oclusões, quatro perfurações intestinais (duas no intestino delgado e duas no intestino grosso). Ocorreram 12 hematomas, que necessitaram de uma nova intervenção para a retirada das telas. Houve uma lesão de veia ilíaca causada pela dissecção com o gancho monopolar13 (Tabela 2).

A taxa de complicações com o procedimento TEP é baixa, contudo, a técnica deve ser minuciosa para evitar complicações.

Estudos comparando as duas técnicas

Um estudo prospectivo, não randomizado, comparou duas técnicas de hernioplastia: a de Lichtenstein (LICH) e laparoscópica totalmente extraperitoneal (TEP).15 Foram incluídos em seu estudo 216 pacientes com diagnóstico de hérnia inguinal bilateral que foram submetidos à cirurgia, no período de 1996 a 2002 no Hospital Universitário J.M. Morales Meseguer em Murcia, Espanha. Nesse estudo os autores não levaram em consideração os pacientes ASA III descompensados e ASA IV, assim como os pacientes com hérnias inguinais encarceradas e com hérnias inguinoescrotais gigantes. Em 88 pacientes, correspondente a 40,74%, o método de escolha foi a videolaparoscópica e nos demais, 126 (59,26%), a hernioplastia foi feita pela técnica de Lichtenstein.15

Das 88 hernioplastias por TEP, 7 foram convertidas em Lichtenstein devido à dificuldade de acesso pré-peritoneal. Foram 38,42% anestesias gerais, 86,74% dessas no procedimento videolaparoscópico. Esse tipo de anestesia é a escolha para esses procedimentos, uma vez que controla a intensa dor abdominal e no ombro, que podem aparecer quando ocorre a ruptura peritoneal, principal complicação da TEP. Os demais procedimentos foram realizados com bloqueio raquidiano.

Ao contrário da LICH, em que não ocorreram complicações intraoperatórias, na TEP foi notado o rompimento peritoneal e pneumoperitônio em 31,8% dos casos, hemorragia pré-peritoneal em 2,3%, perfuração vesical e enfisema subcutâneo maciço em 1,13% dos procedimentos15 (Tabela 3).

 

 

Por outro lado, a duração da cirurgia foi menor na TEP, 64,9 minutos, quando comparada com a LICH, 72,9 minutos, assim como a dor no pós-operatório imediato e intermediário. Outro fator analisado foi o tempo de internação após a cirurgia, que foi menor no grupo submetido à videolaparoscopia em relação à cirurgia aberta, 1,2 e 3,2 dias, respectivamente15 (Tabela 3).

Por fim, esse estudo analisou as complicações no pós-operatório e as recidivas. As morbidades pós-operatórias no geral foram mais comuns na LICH, exceto a neuralgia transitória, que foi maior na TEP, apesar de baixa prevalência em ambos os procedimentos. O hematoma da ferida ou escrotal foi a de maior prevalência, sendo que 21,87% dos casos ocorreram na LICH enquanto que na TEP foram 4,54%.

A retenção urinária, com 14,84% casos na LICH e 3,4% na TEP, foi a segunda principal complicação e está associada sobretudo à anestesia raquidiana. Já a recorrência herniária foi maior na TEP, com 3,4%, sendo todas hérnias diretas, enquanto que na LICH foi apenas 0,78% e indireta. Todas recidivas foram reparadas por cirurgia aberta15 (Tabela 3).

Relata-se que, apesar da correção pela técnica de Lichtenstein ser a mais empregada, a laparoscópica totalmente extraperitoneal vem ganhando seu espaço, sobretudo na correção de hérnias bilaterais.15 Isso porque a correção é feita com apenas um acesso, o processo cicatricial é menor e, consequentemente, um melhor resultado estético, menos dor, deambulação mais precoce e com mais rápida reincorporação no contexto socioeconômico. Alertam ainda sobre a anestesia geral e o maior custo como pontos negativos.15

Outro estudo prospectivo, não randomizado, comparou as duas técnicas supracitadas. Neste foram avaliados, durante 18 meses, 169 pacientes do sexo masculino, com hérnia inguinal unilateral.16 Destes 53 foram submetidos à TEP e 116 à LICH, sendo todos procedimentos realizados em regime ambulatorial, em Valência, Espanha. Os autores avaliaram, por meio de questionários e observações, especificamente três parâmetros: dor percebida, o consumo de analgésicos e recuperação de atividades cotidianas, exceto atividades físicas extenuantes.

No pós-operatório imediato o consumo de analgésico foi maior no grupo submetido à TEP (81,1%) quando comparado com a LICH (65,4%). Porém no pós-operatório intermediário esse parâmetro foi revertido, sendo que 35,3% e 29,6%, no quarto e quinto dia, respectivamente, dos pacientes submetidos à LICH necessitaram de analgesia, enquanto que nesse mesmo período apenas 13,2% e 3,8% dos que se submeteram usaram fármacos para controle da dor. O grau da dor percebida seguiu o mesmo padrao acima exposto.

Após quatro e cinco dias da cirurgia, o percentual que caracterizou a dor como leve ou ausente foi de 88,7% e 92,3% respectivamente, no grupo de TEP versus 60,9% e 76,6% no grupo de Lichtenstein. Esses dois primeiros parâmetros apresentam essa flutuação devido ao bloqueio ilioinguinal feito na técnica de Lichtenstein, que reduz a dor e consequente analgesia no primeiro dia do pós-operatório, mas com o decorrer dos dias tem seu efeito reduzido.

O último ponto analisado foi o retorno às atividades diárias e apresentou menor divergência. A diferença ocorreu a partir do sétimo dia após a cirurgia e a videolaparoscopia superou a técnica aberta na realização das atividades domiciliares, uma vez que após esse período 21,2% dos pacientes submetidos a TEP já realizavam tais atividades e apenas 9,6% dos que foram realizaram a Lichtenstein encontravam-se ativos nesse quesito16 (Tabela 4).

 

 

Um estudo duplo cego randomizado com 300 pacientes comparando as duas técnicas de reparo de hérnia inguinal estudou no pós-operatório imediato as dores crônicas, bem como o tempo médio de procedimento, principais complicações pós-operatórias, tempo de internação hospitalar, custos operacionais, retorno às atividades diárias normais e recorrência.17

Nesse trabalho há um enfoque em tentar compreender, bem como em quantificar, a incidência de dor crônica após reparo inguinal, que é a dor que dura mais de 3 meses após a cirurgia e pode ser originária de iatrogenia ou não. Enquanto alguns estudos demonstram resultados controversos, concluindo haver menor incidência de dor após reparo endoscópico de hérnia quando comparado ao reparo aberto, e que, após 5 anos, a incidência de dor crônica permanecia em 27% em um ano quando comparada a 36% no grupo que realizou Lichtenstein, outros encontraram que dor testicular era mais frequente após reparo endoscópico e dor crônica suprapúbica comum após reparo aberto.17

Apesar de algumas revisões demonstrarem uma menor associação de dor persistente na técnica endoscópica em relação à aberta, duas desvantagens são evidenciadas no método laparoscópico. Em primeiro lugar, o aumento dos custos do procedimento, principalmente quando são usados instrumentos descartáveis, e, em segundo lugar, a necessidade da realização de anestesia geral com seus riscos associados em um procedimento que muitas vezes pode ser realizado de maneira prática com uso de anestesia local em alguns casos selecionados.

Há também um risco pequeno, porém definitivo, de dano a órgaos intra-abdominais, que não é relatado na tradicional técnica por via aberta. A comparação entre a técnica TIPP e a de Lichtenstein apresentou uma redução na dor crônica pós-operatória de 25% para 10% e hipoteticamente é atribuída ao local de fixação da tela no espaço pré-peritoneal17 (Tabela 4).

Um estudo randomizado com um total de 60 pacientes realizado dividiu-os aleatoriamente em dois grandes grupos iguais: grupo 1, que foi submetido ao procedimento por técnica de Lichtenstein, e grupo 2, que realizou herniorrafia por técnica laparoscópica (TAPP).6 Todos os pacientes eram ASA I ou ASA II e possuíam hérnia direta. Com o intuito de avaliar dor pós-operatória, foi utilizada uma escala de percepção de dor conhecida como Visual Analogue Scale (VAS).

Todos os pacientes foram submetidos à mesma analgesia pós-operatória imediatamente após a cirurgia e repetida em 6 horas. Os valores de dor pós-operatória encontrados estiveram entre 2 e 9, com médias de 6,23 no grupo de reparo aberto contra 4,43 no grupo de reparo fechado. A gravidade (agrupada em leve, moderada e severa) relatada foi de severa em 53% dos pacientes seguida de moderada em 33,34% dos pacientes do grupo 1 contra 63,34% de moderada e 20% de leve no grupo 2. Quanto ao tempo de internação hospitalar, segundo esses mesmos autores, a duração média do grupo 1 (35,1 horas) é pouco menor do que a do grupo 2 (38,7 horas), entretanto, esses valores não evidenciam uma diferença estatística significante no grupo analisado6 (Tabela 4).

Em um outro estudo clínico de seguimento anual de 379 pacientes por 5 anos estudou taxas de recorrência e de complicações pós-operatórias e sintomas18. Desses pacientes, 300 foram randomizados: 149 para TEP e 151 para reparo aberto. 79 foram excluídos para randomização, isto é, não havia possibilidade de realização de anestesia geral, refutaram entrar na randomização, possuíam cirurgia previa abdominal ou possuíam hérnias irredutíveis. 6% das cirurgias inicialmente laparoscópicas foram convertidas para reparo aberto por dificuldade técnicas durante o procedimento.

Não houve complicações intraoperatórias ou pós-operatórias significativas. Foi verificada 2% de infecção da ferida operatória em ambos os casos e um número similar de retenção urinária. Quanto à recorrência das hérnias, observou-se 6 recorrências no total, sendo 2% no grupo de cirurgia aberta e 2% no grupo da videocirurgia. A principal diferença observada entre a incidência de dor crônica foi uma tendência em desenvolver dor testicular no grupo laparoscópico enquanto que no grupo de reparo aberto foi mais ao longo do ligamento inguinal e sobre o tubérculo púbico.

Dentre os 300 pacientes randomizados, o grupo de cirurgia aberta apresentou 12,6% de dor crônica, enquanto que o de TEP apresentou 10,1%. Desses, foram referenciados para tratamento especializado de dor crônica 2% do grupo de cirurgia aberta e 1,3% do grupo que realizou TEP18 (Tabela 5).

 

 

CONCLUSÕES

Ainda persistem vários quesitos que podem ser pesquisados comparativamente, a fim de uma discussão mais aprofundada no assunto. Em nossa revisão percebemos que o reparo laparoscópico possui melhores indicativos quanto à dor crônica pós-operatória, com menor frequência e intensidade. As taxas de recidiva em análise de curto prazo são semelhantes, entretanto, alguns estudos evidenciam divergências quanto aos resultados em longo prazo.

O tempo de recuperação é menor na técnica por vídeo, porém o tempo de internação hospitalar pós-procedimento não apresentou variação significativa. A videolaparoscopia possui, entretanto, custos mais elevados, principalmente se há o uso de instrumental descartável, e riscos mais severos quando comparada com a técnica aberta de Lichtenstein. Vários desses riscos são associados à necessidade de realização de anestesia geral, à maior curva de aprendizado no desenvolvimento da técnica e acarretam em estatísticas de complicações intraoperatórias bem mais evidentes que na técnica aberta.

Entao, ainda hoje, a escolha do método mais adequado para a hernioplastia deve ser feita levando-se em consideração os riscos de cada uma delas, bem como características particulares de cada caso, como experiência do cirurgiao, preferência do paciente, estado de saúde, custo e benefícios de uma em relação à outra.

 

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