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ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Gagueira infantil: subsídios para pediatras e profissionais de saúde
Childhood stutter: subsidies for pediatricians and health professionals
Thamiris Moreira Maciel1; Letícia Corrêa Celeste2; Vanessa de Oliveira Martins-Reis3
1. Fonoaudióloga. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Fonoaudióloga. Professora Adjunta da Universidade de Brasília - UnB. Brasília, DF - Brasil
3. Fonoaudióloga. Professora Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Vanessa de Oliveira Martins-Reis
E-mail: vomartins@ufmg.br
Recebido em: 05/09/2012
Aprovado em: 07/12/2012
Instituição: Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
A gagueira é um distúrbio da comunicação humana que tem início na infância e que pode resultar em mau ajustamento social, emocional e ocupacional. O pediatra pode prestar orientações, esclarecimentos e encaminhamento adequado para sua solução. Alguns pediatras, ao serem procurados por pais de crianças com gagueira, os orientam a ignorar o problema de fala, referindo-se às rupturas tidas como normais durante o período de desenvolvimento de fala da criança. No entanto, esse tipo de orientação só será realmente válido para aquelas crianças que superam o distúrbio. Para aquelas que continuam gaguejando, as possibilidades de terapia serão descartadas, o que irá influenciar na prevenção da instalação da gagueira e no aumento de risco de sua cronicidade.
Palavras-chave: Fonoaudiologia; Gagueira; Criança; Disturbios da Fala; Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem.
INTRODUÇÃO
A gagueira é um distúrbio universal, encontrado em todas as culturas, raças, idades e sexos, podendo ser distúrbio da comunicação isolado ou associado a outros transtornos. O aumento dos riscos de mau ajustamento social, emocional e ocupacional1,2 de pessoas com gagueira requer que profissionais da saúde e da educação tenham conhecimentos suficientes para acolher esses indivíduos e suas famílias, prestando orientações, esclarecimentos e encaminhando-os para que sejam avaliados por fonoaudiólogo3 capacitado para a adequada abordagem do problema. Muitas vezes, professores, pediatras, médicos da família e psicólogos são alguns dos profissionais a quem os pais recorrem em primeiro momento para que os orientem como fazerem para resolver o problema da gagueira. O encaminhamento e a intervenção inadequada podem provocar consequências importantes para a criança que gagueja e sua família.
Este artigo discorre sobre fluência e gagueira (etiologia, fatores de risco e princípios terapêuticos), com o objetivo de atualizar conhecimentos e promover praticidade em relação à abordagem de problema de grande realce social.
FLUÊNCIA
Fluência refere-se ao fluxo contínuo e suave de produção de fala, variável de indivíduo para indivíduo e num mesmo indivíduo, dependendo de fatores emocionais, situacionais e linguísticos. As principais medidas da fluência de um indivíduo levam em conta as rupturas no fluxo da fala e a velocidade de fala, comumente expressa em palavras e sílabas por minuto. As rupturas no fluxo da fala são chamadas de disfluências. As disfluências podem estar relacionadas a problemas nos processos de codificação gramatical, de codificação fonológica ou na recuperação do plano fonético.4 Na literatura nacional e internacional encontram-se algumas propostas de classificação das disfluências, sendo que a mais aceita considera as disfluências como comuns e as gagas.5 As disfluências comuns aparecem na fala de todos os indivíduos gagos ou fluentes e estão mais relacionadas ao processamento da linguagem, enquanto as disfluências gagas são os traços mais característicos da gagueira e estão mais relacionadas ao processamento da fala. São consideradas disfluências comuns: hesitação, interjeição, revisão, palavra não terminada e repetição de palavras, segmentos e frases. As disfluências gagas abrangem prolongamento de sons, bloqueio, repetição de sons e sílabas, pausas e intrusões.
Estudos realizados com indivíduos fluentes, falantes do português brasileiro, mostram que o padrão de rupturas de fala não sofre grande variabilidade ao longo da vida, podendo indicar que a maturação do sistema neurolinguístico para a fluência se estabelece funcionalmente já nos primeiros anos e se mantém ao longo da vida.6 Observa-se, quanto à velocidade da fala, variação ao longo das fases da vida, o que pode indicar aquisição, desenvolvimento, estabilização e degeneração.6 De maneira geral, os falantes fluentes rompem suas falas em no máximo 10% (8% de disfluências comuns e 2% de disfluências gagas). É importante destacar que, das disfluências gagas, os falantes fluentes apresentaram apenas repetição de sílabas (cada sílaba repetida no máximo duas vezes), prolongamento em final de palavras e pausas. Dessa forma, bloqueios, repetição de sons e intrusões estão mais relacionados à gagueira.
De acordo com o modelo neuropsicolinguístico da gagueira, para a fala ser fluente dois sistemas operacionais devem estar equilibrados, o sistema simbólico e o sistema de sinais.7 Em linhas gerais, o sistema simbólico é responsável pelo processamento da linguagem e segmental, enquanto o sistema de sinais relaciona-se ao processamento prosódico ou suprassegmental. Dessa forma, todos os falantes podem manifestar quebras na fluência de fala, seja por falhas no sistema de sinais, no sistema simbólico ou na integração de ambos. O que diferencia os falantes fluentes dos gagos é que aqueles recuperam a fluência rapidamente.
GAGUEIRA
A gagueira é um distúrbio da comunicação humana que afeta diretamente a fluência da fala, causando interrupções na cadeia segmentar devido a falhas na programação motora temporal, com sucessivas tentativas de retomada da fluência.8 Tais interrupções provocam diminuição do ritmo de fala durante a atividade dialógica, podendo ser acompanhada de distorções faciais e corporais que refletem o esforço motor para falar. Além disso, em decorrência de sua dificuldade de fala, o gago pode apresentar limitações sociais e emocionais e por vezes isolamento social. A gagueira pode ser classificada em idiopática (ou do desenvolvimento) ou adquirida (neurogênica e psicogênica).9 A gagueira do desenvolvimento é definida como disfunção do sistema nervoso central de origem genética, sem dano cerebral aparente ou outra causa conhecida, que pode trazer importantes consequências sociais e psicológicas para a criança que gagueja.10 Ela se inicia na infância10,11 , principalmente entre dois e cinco anos de idade, período mais significativo de aquisição e desenvolvimento da fala e da linguagem em que as crianças estão passando pelas tentativas de aprender a falar. Nesse período ocorre acentuado crescimento na linguagem da criança, que não é muito bem acompanhado pelo desenvolvimento da fala e articulação, propiciando o aparecimento da gagueira. A gagueira do desenvolvimento é encontrada em cerca de 70-80% do total dos casos de gagueira na infância e a prevalência é de 20-30%.12
As gagueiras adquiridas podem surgir após a aquisição e desenvolvimento da linguagem. A gagueira neurogênica ocorre em falantes fluentes e é fenômeno raro decorrente de dano cerebral bem definido, de origem vascular, como acidente vascular encefálico (AVE),ou de origem traumática, como é o caso dos traumatismos cranianos.9,13 Além disso, esse subtipo de gagueira pode aparecer após alguns anos da ocorrência do dano cerebral. Já a gagueira psicogênica pode estar associada a algum evento emocionalmente traumático e pode relacionar-se a quadros psiquiátricos.13,14 Esse tipo de gagueira surge, portanto, devido a alterações psicopatológicas. Existe, ainda, a gagueira farmacogênica ou medicamentosa, que é decorrente da ingestão de medicamentos13 , sendo eles os psicofarmacogênicos, anticonvulsivantes e o broncodilatador teofilina.15
A prevalência da gagueira idiopática ou do desenvolvimento é de cerca de 1% na população mundial16 , o que pode ser considerado um número expressivo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Fluência (IBF), a sua prevalência e incidência na população brasileira é de 1 e 5%, respectivamente, sendo que em Belo Horizonte, 118.772 pessoas apresentam gagueira e 23.754 já gaguejam há algum tempo. Sua prevalência é menor do que sua incidência, porque a sua remissão espontânea, para cerca de 80%, das crianças costuma ser encontrada no período de seis a 12 meses ou antes da adolescência. Entretanto, não se sabe ao certo que fatores levam à remissão espontânea. Esse distúrbio apresenta proporção de três homens para uma mulher.17 Na infância, entre a faixa etária de 2 e 6 anos, essa proporção é de 2:1, o que indica que a prevalência da gagueira no sexo masculino está presente desde o início da desordem.18 As meninas têm mais facilidade de recuperação espontânea da gagueira18 , o que pode ser explicado pela melhor capacidade de utilização de recursos linguísticos pelas meninas e mais cobrança do sexo masculino, pelos familiares.
ETIOLOGIA
Ao contrário do que se pensava antigamente, a gagueira não é um distúrbio exclusivamente de natureza nervosa ou emocional. Sabe-se que alguns sintomas psicológicos são predisponentes e outros são consequências da gagueira. O fator emocional configura-se como um sentimento que a reação do ouvinte causa ao falante gago.19
A causa da gagueira está na pauta do dia dos principais laboratórios de pesquisa sobre os distúrbios da fluência do mundo. As evidências mostram que agagueira é distúrbio de origem genética ou neurofisiológica. Apesar de sua origem genômica20-22 , a hereditariedade sozinha não responde pela sua manifestação.17,23
Muitos genes estão envolvidos com a susceptibilidade da gagueira e encontrar esses genes é processo trabalhoso, uma vez que cada um deles está localizado em um locus e tem efeito no distúrbio devido às suas características individuais.24 Existem três genes envolvidos na etiologia da gagueira. As mutações sofridas nesses três genes desencadeiam pequenos defeitos na execução da atividade de reciclagem celular, na qual os componentes celulares inúteis são degradados e reaproveitados. A identificação de um locus autossômico recessivo para a desordem, no braço longo do cromossomo 3, fundamenta a sua origem genética.25
Avanços recentes nas técnicas de imagem vêm sendo realizados a fim de melhor compreensão a respeito da etiologia desse distúrbio da fala. Estudos que comparam a ativação cerebral de gagos e fluentes vêm sendo desenvolvidos nos últimos 20 anos. De maneira geral, revelam que para os falantes gagos há subativação nas áreas responsáveis pelo processamento da fala em hemisfério esquerdo e superativação em áreas correlatas no hemisfério direito, quando comparados aos fluentes.26 Além disso, observa-se que as crianças que gaguejam tendem a apresentar anomalias de desenvolvimentoda área de broca (menos substância cinzenta no giro frontal inferior esquerdo) e desorganização da substância branca no opérculo rolândico esquerdo abaixo da representação motora da articulação da fala.12 Essas anomalias do hemisfério esquerdo do cérebro são ainda observadas em adultos com gagueira persistente27,28 , normalmente com fraca lateralização funcional dos processos relacionados à fala.28
Outros estudos associam a gagueira aos núcleos da base e à área motora suplementar (AMS).30,31 Os núcleos da base têm papel-chave na automatização de sequências motoras rápidas, como a fala, e fornecem pistas de temporalização para a AMS, o que depende de distinção nítida entre a ativação focal (iniciação dos movimentos) e inibição difusa (inibição de movimentos involuntários) do córtex cerebral.30 Falhas nesse processo podem resultar em dificuldade para a iniciação do movimento e liberação de movimentos involuntários, o que é comumente encontrado na gagueira.
Algumas pesquisas sugerem que também existam problemas no processamento/retroalimentação auditiva em pessoas com gagueira.32,33
DIAGNÓSTICO PRECOCE
É fundamental que o diagnóstico das gagueiras do desenvolvimento seja feito o mais precocemente possível, ainda na infância, a fim de se minimizarem os aspectos negativos associados ao distúrbio e potencializar a qualidade de vida desses falantes. As dificuldades iniciais para falar podem resultar em constrangimento, medo ou frustração, levando as crianças a desenvolverem comportamentos de evitação de palavras e de situações de comunicação, o que pode ainda mais agravá-los. O prognóstico para recuperação espontânea é bom se o encaminhamento para fonoaudiólogo para aconselhamento dos pais e tratamento é realizado antes das respostas sociais e emocionais à gagueira.34
No momento do diagnóstico é necessário verificar o risco que a criança tem de se tornar um adulto gago, porque para surgimento e persistência da gagueira é necessária a interação de fatores constitucionais (hereditários e neurobiológicos) e ambientais (psicológicos, linguísticos e sociais).7,34 A Stuttering Foundation of America (SFA) propôs um roteiro rápido para que o pediatra possa aplicar nas famílias de crianças que buscam orientações sobre a gagueira34 e leva em conta o histórico familial para gagueira do desenvolvimento; a idade de início (se antes dos três anos e seis meses o prognóstico é bom); o tempo de surgimento (mais de seis meses o prognóstico passa a ser reservado); o sexo (prognóstico pior para o sexo masculino); e outros distúrbios da comunicação associados, que diminuem a chance de remissão espontânea.
Andrade7 propôs um protocolo de risco para ser utilizado na avaliação de crianças com sintomas de gagueira do desenvolvimento. Esse protocolo leva em conta, além das questões apresentadas pela SFA: a tipologia das disfluências, sendo que quanto mais tipos de disfluências gagas a criança apresentar, pior o prognóstico; fatores qualitativos associados, referente às tensões corporais e faciais; histórico mórbido pré, peri e pós-natal; a reação da criança, família e pessoas do convívio perante a gagueira e a orientação profissional anterior.7 Esse protocolo norteia a intervenção fonoaudiológica, sendo possíveis três tipos de resultado: baixo risco, risco e alto risco. São apresentados programas terapêuticos diferenciados para cada um dos três resultados.23
Os fatores precipitadores que contribuem indiretamente para o aparecimento da desordem incluem: estresse, pressões, inseguranças, traumas e fatores emocionais. A excessiva demanda linguística da criança também deve ser levada em consideração, o que inclui vocabulário inadequado para a idade da criança e a excessiva velocidade articulatória.35
Os fatores mantenedores que indicam a cronicidade da gagueira podem ser considerados os psicológicos e as atitudes que prejudicam a fluência. Nesse caso, incluem o ambiente comunicativo e as interações interpessoais negativas as quais podem gerar medo de palavras e de situações comunicativas.36 Além disso, pode-se citar a preocupação excessiva ou negação do problema por parte dos pais. Tais fatores podem ser responsáveis, inclusive, pela piora do quadro de gagueira.
Além do levantamento dos fatores de risco para a cronicidade da gagueira, é importante que o fonoaudiólogo realize uma avaliação de forma objetiva e subjetiva da fala do indivíduo, a fim de caracterizá-la. Nesse sentido, a tipologia das disfluências, a velocidade de fala, a frequência das rupturas, os movimentos associados e o grau de gravidade da gagueira devem ser estabelecidos. Também fazem parte da avaliação a percepção do próprio indivíduo a respeito de sua fala e a percepção do próprio fonoaudiólogo. No Brasil, estudos já foram realizados no sentido de se conhecer a fluência de fala de indivíduos fluentes6,37,38 , o que contribui para a precisão diagnóstica da gagueira e de outros transtornos da fluência.
INTERVENÇÃO PRECOCE
A gagueira geralmente é evidenciada entre os dois e três anos de idade, quando o processo cerebral da formação da linguagem está no limite máximo. O tratamento é muito mais eficaz e rápido, ainda nessa fase inicial, quando realizado por profissional especializado.35 No entanto, a gagueira tem tratamento em qualquer idade, sendo que adolescentes e adultos também têm expressivos ganhos com a terapia.
A compreensão da etiologia, das características e do impacto e limitações que a gagueira causa em cada indivíduo é imprescindível para o tratamento. A melhor opção é o tratamento indireto, que consiste basicamente em orientações e aconselhamento aos pais, familiares e professores sobre como agir com a criança, visando evitar a evolução do quadro quando a criança tem até quatro anos de idade, é disfluente há menos de um ano e apresenta baixo risco para o desenvolvimento da gagueira, segundo o protocolo de risco.7,23 No entanto, com crianças maiores de quatro anos, com gagueira que persiste por mais de um ano e com risco ou alto risco, a opção é o tratamento fonoaudiológico diretamente com a criança.23
Existem vários e bons tratamentos fonoaudiológicos. A Stuttering Foundation of America estabeleceu dois grandes grupos de tratamento: de modificação da gagueira e de modelamento da fluência. O processo terapêutico segundo a modificação da gagueira baseia-se no princípio de que a maioria das disfluências é resultado das evitações, dos conflitos, medos ou esforço para falar. Assim, nesse tratamento, são incluídas estratégias que visem à redução das evitações, dos medos e das atitudes negativas relacionadas à fala. Além disso, pode haver também modificação da forma da gagueira, velocidade de fala e da tensão ao falar. Os tratamentos baseados no modelamento da fluência são realizados por meio do monitoramento da fala, uma vez que se fundamentam na teoria de condicionamento e programação e princípios da fluência. No processo terapêutico busca-se controle gradual da fluência até os modelos habituais de conversação.
O objetivo do tratamento vai muito além da promoção da fluência e redução das rupturas, já que busca a efetividade da comunicação e melhor qualidade de vida das crianças com melhor ajustamento na sociedade.
Vários estudos vêm sendo desenvolvidos para verificar a eficácia de tratamentos medicamentosos na gagueira.24,39,40 Entretanto, até o momento nenhum medicamento teve seu uso liberado para o tratamento da gagueira. Avanços na área da neurofarmacologia indicam que certas substâncias reduziriam a produção de dopamina ao agirem na região da fala, o que facilitaria a sua resposta motora. Pode-se afirmar que são encontrados muitos efeitos colaterais e adversos concomitantes à administração de medicamentos em tratamentos de gagueira, embora ocorra diminuição de sintomatologia observada em indivíduos gagos.
IMPORTÂNCIA/PAPEL DO PEDIATRA NO ACOMPANHAMENTO DAS CRIANÇAS COM GAGUEIRA
O pediatra é dos primeiros profissionais a quem os pais recorrem diante dos problemas infantis. A gagueira, assim como outros distúrbios da comunicação humana, não é de conhecimento específico do pediatra e, portanto, requer encaminhamento adequado em cada caso41 , o que permitirá mais adequação ao tratamento a ser realizado, reduzindo os prejuízos que o distúrbio pode trazer ao indivíduo, quando realizado de forma precoce e apropriado.34
Apesar de cerca de 80% das crianças apresentarem remissão espontânea da gagueira do desenvolvimento, esta não deve ser considerada normal e puramente linguística, o que indica que esse tipo de gagueira não deve ser observado como evento simples na fala das crianças. Os pediatras podem contribuir para o sucesso terapêutico e, consequentemente, para a redução dos danos sociais e psicológicos. Deve ser realizada orientação à família quanto às reações à fala da criança e ao comportamento linguístico adequado, esclarecidas as atitudes que prejudicam a gagueira, bem como as que promovem a fluência.
Alguns pediatras, ao serem procurados por pais de crianças com gagueira, os direcionam a ignorar o problema de fala, referindo-se às rupturas como normais durante o período de desenvolvimento de fala da criança. Esse tipo de orientação só será realmente válido para as crianças que superam o distúrbio. Para as que continuam a gaguejar, as possibilidades de terapia serão descartadas, o que impede a prevenção da instalação da gagueira e aumenta o risco de cronicidade. Isso poderá trazer importantesconseqüências, para a criança e sua família, que poderiam ter sido evitadas.
É de grande importância que os pediatras não ignorem os problemas de fala mencionados pelos pais e promovam a sensibilização da família para o esclarecimento e conhecimento dos fatores e atitudes positivas e negativas para a fluência. A Tabela 1 sintetiza as orientações que podem ser oferecidas aos pais e familiares de crianças com gagueira.7,42,43
CONCLUSÃO
A gagueira do desenvolvimento, quando diagnosticada precocemente, pode diminuir os riscos de mau ajustamento social, emocional e ocupacional, contribuindo para a melhoria na qualidade de vida dos indivíduos. É fundamental que profissionais da saúde e da educação estejam preparados para detectar as crianças com gagueira, prestando orientações, esclarecimentos e encaminhando para profissionais especializados no assunto.
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