ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Tratamento endovascular de trombose venosa profunda associada à Síndrome de May-Thurner
Endovascular treatment of deep venous thrombosis related to May-Thurner syndrome
Yane Cristine Pereira Andrade1; Tatiana Roberta Bogutchi Sarubi1; Murillo di Cuollo1; Alberto Okuhara2
1. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Cirurgiao Vascular do Hospital das Clínicas da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Yane Cristine Pereira Andrade
E-mail: yanecpandrade@gmail.com
Recebido em: 10/05/2017.
Aprovado em: 03/07/2017.
Instituiçao: Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil.
Resumo
A trombose venosa profunda (TVP) é a causa mais frequente e mais evitável de óbitos intra-hospitalares em todo o mundo. Descreve-se, neste relato, paciente feminina, de 43 anos de idade, que desenvolveu TVP em membro inferior esquerdo sem, aparentemente, fatores de risco associados. O diagnóstico de TVP aguda em mulher adulta ou adulta-jovem, sobretudo à esquerda, inclui a possibilidade de se associar com a variação anatômica da Síndrome de May-Thurner, o que torna menos adequado o seu tratamento isolado e conservador com anticoagulantes, uma vez que não aborda a sua causa base. Nesta situação clinico-cirúrgica, é necessária intervenção cirúrgica para retirar a compressão mecânica extrínseca da veia ilíaca comum esquerda pela artéria ilíaca comum direita, como revelada neste relato, por intermédio da angioplastia transluminal percutânea com colocação de stent auto-expansível. Este relato alerta para a importância da busca de diagnóstico etiopatogênico correto para a decisão terapêutica apropriada, o que permite a abordagem mais efetiva e condizente com a melhor recuperação e retorno à higidez.
Palavras-chave: Trombose Venosa Profunda; Síndrome May-Thurner; Stents.
INTRODUÇÃO
O tromboembolismo venoso (TV) inclui a trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP) e se expressa por intermédio da tríade de Virchow, caracterizada por: estase do fluxo sanguíneo, lesão ou inflamação da parede do endotélio vascular e aumento da viscosidade ou hipercoagulabilidade sanguínea.1 O TEP pode ainda decorrer, em 19% dos casos, pelo desenvolvimento de trombo em cavidade cardíaca direita e que se associa com cardiopatias dilatadas, isquêmicas e arrítmicas.
A TVP é a principal causa evitável de óbitos em pacientes hospitalizados, acometendo cerca de 0,1% da população mundial por ano. A incidência ajustada por idade e sexo em média anual global é de 48 por 100.000 habitantes. É caracterizada pela TVP distal e proximal quando acomete vaso à jusante e à montante às veias poplíteas, respectivamente. A TVP proximal é a forma que se apresenta com risco aumentado para a TEP. Trata-se de distúrbio cuja incidência aumenta significativamente com a progressão da idade.2 Vários fatores de risco estao relacionados à TVP, como: tabagismo, envelhecimento, trombofilia (hereditária ou adquirida), imobilismo, cirurgias, gravidez, puerpério, neoplasias, terapia de reposição hormonal e variações anatômicas, como observado na síndrome de May-Thurner.
Virchow descreveu, pela primeira vez em 1851, a variação anatômica em que a artéria ilíaca comum direita comprime extrinsecamente a veia ilíaca comum esquerda, que teve a sua fisiopatologia estudada em 1957 por May e Thurner, ficando conhecida como síndrome de Compressão da Veia Ilíaca ou Ileocaval, síndrome de Cockett, mas em homenagem a May e Thurner recebeu o nome de síndrome de May-Thurner.
Estima-se que essa variação anatômica ocorra em 2 a 5% dos pacientes com doença venosa dos membros inferiores e, quando investigada em pacientes com TVP do membro inferior esquerdo, é observada em 18 a 49% dos casos. É predominante em mulheres entre a segunda e a quarta décadas de vida, com média de idade de 34,4 anos.
Pode ser assintomática (maioria dos pacientes) ou manifestar-se clinicamente com dor e edema do membro inferior esquerdo, varizes, úlceras de estase venosa crônica, ou, até, trombose venosa iliofemoral esquerda.3-12
Acredita-se que a artéria ilíaca comum direita, sobrejacente à veia ilíaca comum esquerda, pode promover sua obstrução por intermédio da compressão mecânica determinada pela própria artéria e a vértebra localizada posteriormente (Figura 1); ou pela hipertrofia intimal extensa venosa, resultante de repetitivas compressões da pulsatilidade arterial sobrejacente, e o desencadeamento consequente de algum grau de cisalhamento entre as paredes venosas anterior e posterior.13
Este relato apresenta paciente feminino, na quarta década de vida com TVP em membro inferior esquerdo, aparentemente, sem fatores de risco associados, em que se observaram alterações anatomofuncionais da síndrome de May-Thurner.
RELATO DE CASO
Trata-se de paciente do sexo feminino de 43 anos de idade, com doença cardiovascular hipertensiva sistêmica controlada e sem outras comorbidades. Desenvolveu subitamente edema em membro inferior esquerdo que evoluiu em intensidade a ponto de impossibilitar a sua deambulação, além de associar-se a dor. Procurou uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), sendo diagnosticada com TVP. Recebeu alta no mesmo dia com a prescrição de varfarina oral. Após a alta, ligou para o Serviço de Atenção Móvel de Urgência (SAMU) que a orientou para atendimento hospitalar.
Procurou o Pronto Atendimento do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais sendo observado, à sua admissão, hipersensibilidade em trajeto da veia ilíaca esquerda, edema depressível e assimétrico de todo o membro inferior esquerdo, diâmetro da regiao da panturrilha esquerda 3 cm maior do que da direita e veias superficiais colaterais (não varicosas) atingindo 4 pontos dos critérios clínicos de Wells para TVP. Logo, foi classificada como alta probabilidade para TVP.
Foi submetida à ultrassonografia vascular que mostrou acometimento dos segmentos venosos, com trombose ilíaco-femoro-poplítea e tromboflebite da veia safena magna no segmento proximal da coxa.
A seguir foi realizada fibrinólise por cateter dirigido de membro inferior esquerdo com Alteplase (7mg) por punção da veia poplítea esquerda guiada por ultrassom. Após o exame de revisão, foi realizada nova fibrinólise de setor femoral esquerdo, angioplastia com cateter-balao e implante de stents Absolut Pro 10x60mm e 10x40mm desde a veia ilíaca comum até a ilíaca externa. Houve recuperação completa das luzes das veias poplítea, femoral superficial, femoral comum, ilíaca externa e comum (Figuras 2 a 5).
DISCUSSÃO
O diagnóstico de TVP deve ser suspeitado em qualquer paciente com dor ou edema em membros inferiores unilateral ou assimétrico, como observado neste relato.14 Os critérios de Wells ajudam a definir o diagnóstico da TVP em função de sua maior ou menor probabilidade o que permite a abordagem terapêutica e melhorar substancialmente o prognóstico e impedir a morte (Tabela 1).
Neste relato não se observa, inicialmente, nenhum fator de risco para TVP. Entretanto, é necessário considerar a possibilidade da variante anatômica relacionada ao cruzamento entre a veia ilíaca comum esquerda e a artéria ilíaca comum direita, que caracteriza a síndrome de May-Thurner. Essa síndrome está presente entre 18 a 49% das pessoas com TVP,13,14 o que pode ter como consequência evitar a ocorrência de 1:6 casos de tromboembolismo.15,16
Pode-se, portanto, questionar a profilaxia medicamentosa para TVP em paciente com diagnóstico de síndrome May-Thurner. A prática clínica revela uso excessivo da profilaxia medicamentosa em paciente de baixo e moderado risco, e como consequência reduz a eficiência profilática e conduz à iatrogenia da anticoagulação, além de maior custo financeiro e risco de complicações.
Este relato alerta para a complexidade do tromboembolismo, em que vários fatores de risco estao relacionados, como: tabagismo, envelhecimento, trombofilia (hereditária ou adquirida), imobilismo, cirurgias, gravidez, puerpério, neoplasias, terapia de reposição hormonal e variações anatômicas, como observado na síndrome de May-Thurner.
É importante não limitar o tratamento de TVP à resolução da sua forma aguda, uma vez que, com a persistência da sua causa primária, há maior possibilidade de recidiva. Por isso, a abordagem terapêutica da paciente descrita neste relato não poderia se restringir ao seu tratamento inicial. Neste caso, o tratamento isolado e conservador de TVP com anticoagulantes não seria a opção mais eficaz, considerando que a estenose devido à compressão pela artéria ilíaca continuaria predispondo à TVP. Neste caso, a intervenção endovascular com colocação de stent para correção da estenose é essencial. A paciente aguardou o tempo necessário para que a medicação anticoagulante atingisse níveis terapêuticos e recebeu alta hospitalar, continuando seu tratamento ambulatorialmente.
Este relato revela que o diagnóstico etiopatogenético da TVP deve ser feito de forma correta e perseverante, para que o seu potencial de morbimortalidade seja impedido por intermédio de tratamento adequado precoce e resolutivo. O exame clínico não é, infelizmente, suficiente para diagnosticar a TVP, sendo sempre necessária a associação de anamnese, avaliação clínica contínua e exames complementares.
A escala clínica de Wells auxilia no estabelecimento do diagnóstico da TVP, possibilitando o estabelecimento de sua probabilidade e, consequentemente, a indicação de exames complementares judiciosos para sua confirmação. A identificação da etiopatogenia da TVP estabelece com precisão seu tratamento e a profilaxia necessária. A quimioprofilaxia deve ser considerada de acordo com a presença de fatores de risco e os tipos de procedimentos cirúrgicos realizados.
Este relato alerta para a necessidade de estabelecer a abordagem adequada da TVP com base em seu diagnóstico correto, caso contrário a potencialidade de complicações pode se associar com lesões graves com risco de desconforto, perda de função, e até perda precoce da vida.
CONCLUSÃO
A síndrome de May-Thurner tem prevalência significativa entre os casos de TVP. É importante averiguar a existência da compressão da veia ilíaca esquerda pela artéria ilíaca comum direita, principalmente em mulheres, na quarta década de vida com sintomatologia de TVP em membro inferior esquerdo. A ultrassonografia vascular ajuda a estabelecer seu diagnóstico. Dessa forma, a escolha terapêutica levará em conta a presença da variação anatômica e não apenas as manifestações clínicas de TVP.
Consentimento
A paciente permitiu a coleta de informações no prontuário, acesso aos exames laboratoriais e de imagem e a publicação de seu conteúdo para fins acadêmicos, preservando a sua identidade. Foi assinado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pela paciente e autores do presente artigo.
Conflito de interesse
Os autores declaram não haver qualquer conflito de interesse.
REFERENCIAS
1. Wang KL, Chu PH, Lee CH, Pai PY, Lin PY, Shyu KG, et al. Management of Venous Thromboembolisms: Part I. The Consensus for Deep Vein Thrombosis. Acta Cardiol Sin. 2016;32(1):1-22.
2. Kesieme E, Kesieme C, Jebbin N, Irekpita E, Dongo A. Deep vein thrombosis: a clinical review. J Blood Med. 2011;2:59-69. DOI: 10.2147/JBM.S19009
3. May R, Thurner J. The cause of the predominantly sinistral occurrence of thrombosis of the pelvic veins. Angiology. 1957;8(5):419-27. http://dx.doi.org/10.1177/000331975700800505.
4. Demir MC, Kucur D, Çakır E, Aksu NM, Onur MR, Sabuncu T, et al. May-Thurner syndrome: A curious syndrome in the ED. Am J Emerg Med. 2016;34(9):1920.e1-3. http://dx.doi.org/10.1016/j.ajem.2016.02.045
5. Heit JA, Melton LJ 3rd, Lohse CM, Petterson TM, Silverstein MD, Mohr DN, et al. Incidence of venous thromboembolism in hospitalized patients vs community residents. Mayo Clin Proc. 2001;76(11):1102-10.
6. Stein PD, Henry JW. Prevalence of acute pulmonary embolism among patients in a general hospital and at autopsy. Chest. 1995;108(4):978-81.
7. Carson JL, Kelley MA, Duff A, Weg JG, Fulkerson WJ, Palevsky HI, et al. The clinical course of pulmonary embolism. N Engl J Med. 1992;326(19):1240-5.
8. British Thoracic Society Standards of Care Committee Pulmonary Embolism Guideline Development Group. British Thoracic Society guidelines for the management of suspected acute pulmonary embolism. Thorax. 2003;58(6):470-83.
9. Dorfman GS, Cronan JJ, Tupper TB, Messersmith RN, Denny DF, Lee CH. Occult pulmonary embolism: a common occurrence in deep venous thrombosis. AJR Am J Roentgenol. 1987;148(2):263-6.
10. Hettiarachchi RJ, Lok J, Prins MH, Büller HR, Prandoni P. Undiagnosed malignancy in patients with deep vein thrombosis: incidence, risk indicators, and diagnosis. Cancer. 1998;83(1):180-5.
11. Musset D, Parent F, Meyer G, Maître S, Girard P, Leroyer C, et al.; Evaluation du Scanner Spiralé dans l'Embolie Pulmonaire study group. Diagnostic strategy for patients with suspected pulmonary embolism: a prospective multicentre outcome study. Lancet. 2002;360(9349):1914-20.
12. Fedullo PF, Rubin LJ, Kerr KM, Auger WR, Channick RN. The natural history of acute and chronic thromboembolic disease: the search for the missing link. Eur Respir J. 2000;15(3):435-7.
13. Cavalcante LP, Souza JES, Pereira RM, Bernardes MV, Amanajás MAS, Parisati MH, et al. Iliac vein compression syndrome: literature review. J Vasc Bras. 2015;14(1):78-83. http://dx.doi.org/10.1590/1677-5449.20140027
14. Martins HS, Brandao Neto RA, Velasco IT. Medicina de Emergência: Abordagem Prática. 11ª ed. Barueri: Manole; 2016.
15. Arnold DM, Kahn SR, Shrier I. Missed opportunities for prevention of venous thromboembolism: an evaluation of the use of thromboprophylaxis guidelines. Chest. 2001;120(6):1964-71.
16. Okuhara A, Navarro TP, Procópio RJ, Bernardes RC, Oliveira LCC, Nishiyama MP. Incidência de trombose venosa profunda e qualidade da profilaxia para tromboelmbolismo venoso. Rev Col Bras Cir. 2014;41(1):2-6.
Copyright 2024 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License