RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 28. (Suppl.5) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20180138

Voltar ao Sumário

Relato de Caso

Trombose venosa cerebral: Estudo de sete casos

Cerebral venous thrombosis: Study of seven cases

Francisco de Assis Pinto Cabral Júnior Rabello1; Mauro Eduardo Jurno2; Tulio Marcus Ribeiro Bellard3; André Brasil Tollendal3; Giovanni Agnelo Martins Filho4; Camila Emanuele Peixoto Avelar4; Waldemar de Souza Monteiro4

1. Médico Neurologista (FHEMIG). Mestrando em Neurologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Barbacena, MG - Brasil
2. Médico Neurologista. Doutor em Neurologia pela UFF. Coordenador da Residência de Neurologia do Hospital Regional de Barbacena (FHEMIG). Barbacena, MG - Brasil. Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, MG - Brasil
3. Médico Neurologista. Preceptor da Residência de Neurologia do Hospital Regional de Barbacena (FHEMIG). Barbacena, MG - Brasil
4. Médico(a) Residente em Neurologia. Hospital Regional de Barbacena (FHEMIG). Barbacena, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Francisco de Assis Pinto Cabral Júnior Rabello
Hospital Regional de Barbacena Dr. José Américo - Fundaçao Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG)
Barbacena, MG - Brasil
E-mail: fco.psicossomatica@gmail.com

Resumo

INTRODUÇÃO: Trata-se de um estudo retrospectivo e observacional realizado por meio de busca ativa no prontuário hospitalar por pacientes atendidos com diagnóstico de Trombose Venosa Cerebral (TVC) entre março 2016 e maio 2017. Objetiva discutir aspectos clínico-radiológicos de interesse no diagnóstico da cefaleia secundária à TVC contextualizando a partir de estudo de sete casos clínicos.
ESTUDO DE CASOS: Caso 1 - Paciente de 43 anos com cefaleia intensa e progressiva ao longo de 7 dias, nos últimos 3 dias associada a náusea refratária. Caso 2 - Paciente de 31 anos com paralisia facial central, hemiparesia desproporcionada e hipoestesia tátil à esquerda de instalação súbita. Caso 3 - Paciente de 49 anos com crise convulsiva e rebaixamento do nível de consciência. Caso 4 - Paciente de 66 anos com cefaleia nova hemicraniana à esquerda há 30 dias, com piora progressiva. Caso 5 - Paciente de 22 anos, previamente hígida, com status epilepticus. Caso 6 - Paciente de 39 anos com hemiplegia à direita de instalação súbita. Caso 7 - Paciente de 41 anos com cefaleia, vertigem e hemiparesia à esquerda.
CONCLUSÃO: Apesar de rara, a trombose venosa cerebral é um diagnóstico diferencial que deve ser considerado em todos pacientes com síndrome de hipertensão intracraniana isolada, encefalopatia, síndrome focal e crises convulsivas de causa não esclarecida. A cefaleia é o sintoma mais prevalente e pode preceder outros sintomas. Pode, ainda, simular migrânea, devido a sua forte intensidade, padrao localizado e associação a náuseas. O clínico deve estar atento aos sinais de alarme como maneira de suspeitar da etiologia secundária da dor.

Palavras-chave: Trombose Intracraniana; Isquemia Encefálica; Cefaleia.

 

INTRODUÇÃO

A cefaleia é uma das queixas principais a nível ambulatorial, tanto para o generalista quanto para o especialista. Estima-se que virtualmente 95% das pessoas terao pelo menos um episódio de cefaleia ao longo da vida.1 As cefaleias primárias de origem tensional constituem a forma mais comum, mas como não são incapacitantes, raramente os pacientes chegam a realizar consulta médica para tratá-las. A migrânea, por sua vez, representa a causa mais comum de cefaleia incapacitante.2 A cefaleia geralmente tem evolução benigna, quando não apresenta uma relação com causa subjacente secundária.

A Trombose Venosa Cerebral (TVC) é uma condição rara causada por oclusão dos seios e/ou veias cerebrais por trombos, relacionada à cefaleia secundária. Estudo transversal realizado em Portugal detectou incidência anual de 0,22:100.000 habitantes. Na Holanda, estudo prospectivo estimou a incidência em 1,32:100.000 e estudo direcionado verificou incidência de 1,57:100.000 na Austrália.3-5 Entretanto, é consenso que devido ao aperfeiçoamento das técnicas diagnósticas como a venografia por angiorressonância magnética, a TVC não é tao incomum quanto se descrevia, tendo uma incidência anual estimada em até 5:100.000.6

Sua incidência é três vezes maior nas mulheres jovens (25 a 40 anos), que têm fatores de risco adicionais tais como gestação, puerpério e uso de contraceptivos orais.5 Um fator de risco adquirível é identificável em até 85% dos pacientes com TVC, sendo múltiplos esses fatores em cerca de metade dos pacientes adultos.7

Tendo em vista que múltiplos fatores de risco não são incomuns, as trombofilias devem ser pesquisadas em todos pacientes com trombose espontânea com menos de 50 anos de idade. As trombofilias hereditárias devem ser pesquisadas naqueles indivíduos com história familiar positiva.8

Apesar de ainda incerta, a patogênese da TVC envolve, em graus variáveis, aumento da pressão venosa devido à presença de trombo intraluminal, com consequente rompimento da barreira hematoencefálica e edema vasogênico. O trombo também causa diminuição da absorção liquórica nas granulações aracnóideas. A falha de mecanismos regulatórios leva a alterações parenquimatosas relacionadas à diminuição da pressão de perfusão cerebral.

O edema vasogênico, em última instância, causa disfunção da bomba Na +/K + ATPase, ocasionando edema citotóxico.9-11 Na fase inicial, em que predomina o edema vasogênico, as alterações são reversíveis e o prognóstico é favorável. A associação ao edema citotóxico, que ocorre na evolução da doença não tratada, está relacionado à hemorragia venosa devido ao rompimento de veias e capilares, tendo pior prognóstico e relacionada à morte precoce na fase aguda, em até 5% dos casos.

O espectro clínico da TVC é muito variável e pode ser complexo, a depender de fatores como a idade e gênero do paciente, da localização do seio/veia trombosada, da extensão da trombose, da existência ou não de lesões parenquimatosas cerebrais, entre outros.5,12,13 Entretanto, existem três grupos sindrômicos que reúnem constelações de sintomas relativamente previsíveis, sendo estes: a síndrome de hipertensão intracraniana isolada, a síndrome focal e a encefalopatia.14

Quadro neurológico focal inclui mono ou hemiparesia, por vezes bilateral, associada ou não à afasia fluente e crises convulsivas (até 40% na apresentação). Alterações sensitivas e alterações de campo visual são menos comuns. A encefalopatia está mais associada a trombose de seios profundos, e pode incluir distúrbio da consciência, disfunção cognitiva, apatia e delirium.

A cefaleia é o sintoma mais comum da TVC. No International Study on Cerebral Vein and Dural Sinus Thrombosis (ISCVT), estava presente em aproximadamente 90% dos pacientes.7 Surpreendentemente, pode ser o único ou primeiro sintoma, precedendo outros em dias a semanas.15 A cefaleia pode ter características variáveis, inclusive simulando migrânea, sendo mais comumente localizada que difusa. Pode ter padrao súbito e explosivo simulando hemorragia subaracnóidea. A apresentação geralmente é gradual, piorando ao longo de vários dias quando não tratada. Quando ocorre no contexto da síndrome de hipertensão intracraniana costuma ser generalizada, intensa, piorar com o decúbito e manobra de Valsalva.16,17

O tratamento da fase aguda da TVC objetiva prevenir a propagação do trombo, bem como a recanalização da veia/ seio venoso ocluído, envolvendo também o tratamento do estado pró-trombótico, quando identificado. Está formalmente indicada terapia anticoagulante em doses plenas (heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular), mesmo na presença de hemorragia.

Drogas antiplaquetárias podem ser alternativa ao tratamento quando os anticoagulantes são contraindicados, apesar da falta de evidências. Tratamento endovascular é restrito para os casos de pior prognóstico, que não responderam a anticoagulantes.18 Há fortes evidências de que o tratamento melhora o desfecho clínico, devendo ser instituído o mais precoce possível após a confirmação diagnóstica.

 

ESTUDO DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 43 anos, obesa, portadora de cefaleia crônica diária por abuso de analgésicos admitida no pronto-socorro hospitalar com mudança do padrao de dor (biparietal e contínua) e piora progressiva da intensidade de cefaleia (intensidade 10 na escala numérica de dor) ao longo de 7 dias. Nos últimos 3 dias a dor esteve associada a náusea refratária.

Tinha sido diagnosticada com otite média crônica pelo otorrinolaringologista recentemente, o qual solicitou uma tomografia computadorizada de crânio (TCC) sem contraste que evidenciou hiperdensidade espontânea heterogênea do seio reto (Figura 1). Foi admitida no pronto-socorro hospitalar com cefaleia intensa e sem alterações ao exame físico, exceto linfonodomegalia dolorosa retroauricular à direita. Não tinha exames de neuroimagem prévios a essa intercorrência clínica, para fins de comparação.

 


FIGURA 1

 

Realizou angiorressonância magnética fase venosa (angioRMv) com confirmação diagnóstica - trombose do seio reto, sagital inferior e seio transverso à direita (Figuras 2 e 3). Líquor na apresentação apresentava pressão de abertura elevada (26cm de H2O) e discreta pleocitose (9 leucócitos/mm3) com diferencial de predomínio linfomonocítico, glicorraquia e proteinorraquia normais.

 


FIGURA 2

 

 


FIGURA 3

 

A paciente foi tratada com enoxaparina dose plena, seguida por uso de varfarina por 6 meses, com alívio significativo da dor. Faz acompanhamento ambulatorial trimestral com neurologia, tendo feito tratamento conservador para hipertensão intracraniana com uso de acetazolamida por 3 meses devido a frequentes episódios de cefaleia refratárias a analgesia simples, com boa resposta.

Fez angiotomografia fase venosa (angioTCv) de controle com 7 meses do início do tratamento, que evidenciou recanalização dos vasos acometidos, com

pequenas falhas de enchimento residuais (Figura 4). A pesquisa de trombofilias evidenciou discreta redução de proteína C e S (69 e 59%, respectivamente). Paciente sem recorrências de fenômenos trombóticos até o momento.

 


FIGURA 4

 

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 31 anos, admitida na emergência do hospital geral com paralisia facial central, hemiparesia e hipoestesia tátil à esquerda de instalação súbita. Vinha tratando uma infecção dentária após implante ortodôntico e fazia uso de anticoncepcional oral.

Realizada TCC, com evidência de área hipodensa em regiao parietal à direita, tendo sido iniciada terapia antiplaquetária com hipótese inicial de acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi). Entretanto, como a paciente não tinha fatores de risco para AVEi, foi realizada ressonância magnética de encéfalo (RMe), que evidenciou presença de trombo em veia cortical em lobo parietal à direita, com hipersinal em sequência ponderada em TR longo e sinal baixo em T1 e restrição à difusão. Devido à TVC, foi suspenso o anticoncepcional oral e iniciada anticoagulação oral. Após 10 meses do ictus, paciente não apresentou recorrência.

Caso 3

Paciente do sexo feminino, 49 anos, previamente hígida, sem uso regular de medicações, admitida na emergência do hospital geral após transferência de outra unidade de saúde do interior do Estado com hipótese diagnóstica de acidente vascular encefálico hemorrágico. Apresentou quadro de rebaixamento do sensório após crise convulsiva (Glasgow 10 - AO4/RV1/RM5). Ao despertar, paciente apresentava afasia global e hemiparesia densa em dimidio direito (grau 1 da escala MRC).

TCC admissional revelava múltiplos focos de infarto cerebral com hemorragia associada, sendo o mais extenso deles em lobo frontal esquerdo e presença de edema vasogênico. Apresentava ainda outro foco de infarto hemorrágico em lobo frontal direito em regiao parassagital e perirrolândica. Havia presença do sinal do triângulo denso na confluência dos seios (tórcula de Herófilo).

Devido à suspeita de TVC aventada pelo serviço de Neurologia, foi realizada no mesmo dia angiotomografia dos vasos intracranianos (angioTCCv), que confirmou a hipótese a partir da demonstração de falha de enchimento de seio sagital superior com dilatação compensatória do seio e recrutamento de colaterais corticais. Lesão semelhante ocupava o seio reto e o seio sigmoide à direita. Havia também presença do sinal do delta vazio.

Foi iniciada terapia anticoagulante com heparina de baixo peso molecular, seguida de anticoagulante antagonista da vitamina K. Paciente segue em acompanhamento ambulatorial, mantém afasia em melhora (motora) e em reabilitação motora, sem sinais de recorrência de doença.

Caso 4

Paciente do sexo feminino, 66 anos, hipertensa e portadora de osteoporose, admitida no prontoatendimento do hospital geral após encaminhamento de médico assistente de outra unidade de saúde do interior do Estado. Paciente com quadro de cefaleia nova hemicraniana à esquerda há 30 dias, com piora progressiva de intensidade - inicialmente responsiva a analgésicos simples e depois se tornou refratária. Fazia uso regular de losartana, ômega 3, suplemento de cálcio e vitamina D. Quando sentia fogachos, fazia uso de tibolona por cerca de 8 dias, por conta própria.

Já havia realizado a nível ambulatorial uma RMe com área de encefalomalácia em lóbulo parietal medial à esquerda (AVE prévio) e falha de enchimento parcial do seio sigmoide à direita com extensão ao bulbo da veia jugular ipsilateral e hipótese de TVC. Realizou entao angioTCCv, que mostrou ausência de fluxo de contraste nos vasos acima citados, confirmando a hipótese de TVC.

A fase arterial complementar mostrou ausência de lesões agudas, apenas persistência do padrao fetal arterial dos vasos do polígono de Willis. Foi suspenso o uso de tibolona e iniciada terapia anticoagulante com varfarina por 3 meses. Paciente faz acompanhamento regular no ambulatório de neurologia, com remissão completa da cefaleia sem recorrência até o momento.

Caso 5

Paciente do sexo feminino, 22 anos, previamente hígida e sem histórico de uso de drogas ilícitas, admitida no pronto-atendimento do hospital geral após transferência de outra unidade de saúde com hipótese diagnóstica de AVE hemorrágico. Fazia uso regular de anticoncepcional oral.

Havia apresentado quadro clínico com status convulsivo refratário e instabilidade hemodinâmica dois dias antes, tendo sido intubada em Glasgow 3 (AO1/RV1/RM1) e sedada na cidade de origem. TCC admissional no dia do ictus revelava dois focos hiperdensos, sendo um em lobo temporal esquerdo e outro em regiao frontoparietal esquerda.

AngioTCCv realizada no dia da chegada (D2 do ictus) devido à hipótese de TVC revelou ingurgitamento venoso assimétrico no seio reto e seio transverso esquerdo com visualização de trombo nessa topografia. O exame neurológico estava comprometido pelo efeito do midazolam, tendo sido orientada suspensão da sedação para avaliar nível de consciência e prognóstico e iniciada terapia anticoagulante com heparina não fracionada.

Foi repetida angioTCCv no dia seguinte, com aumento importante do volume das hemorragias, associado a extenso edema citotóxico e brain swelling. Paciente manteve Glasgow 3 após 24h sem sedação, não apresentava drive respiratório, reflexo córneo-palpebral, reflexo óculo-cefálico e reflexo de tosse, sendo aventada iminência de morte encefálica e suspensa anticoagulação plena. Não foi possível realização do protocolo de morte encefálica, pois a paciente foi a óbito cerca de 6 horas depois.

Caso 6

Paciente do sexo feminino, 39 anos, hipertensa e diabética, em uso regular de hidroclorotiazida, captopril e metformina, sem histórico de uso de drogas ilícitas, apresentou quadro de súbita hemiplegia do dimidio direito e desvio contralateral da comissura labial. Durante investigação com TCC na cidade de origem, foi evidenciada hipodensidade temporoparietal à esquerda com hemorragia intraparenquimatosa associada. Ficou hospitalizada 4 dias, tendo recebido alta e retornou 2 dias depois, com súbito rebaixamento do nível de consciência.

TCC de controle evidenciou aumento do edema vasogênico e do volume da hemorragia intracerebral, sendo entao transferida ao hospital de referência no D8 do ictus, instável hemodinamicamente, sendo analgesiada com midazolam e fentanil.

Devido à suspeita de TVC, foi realizada angioTCCv com presença de extensa trombose de seio transverso e sigmoide à esquerda, que conduziu ao início de terapia anticoagulante com heparina de baixo peso molecular. Após suspensão da sedação, evoluiu com para nível de consciência normal (alerta), com Glasgow 15, movendo os quatro membros espontaneamente. Foi iniciada rivaroxabana 20mg/dia e indicado acompanhamento ambulatorial para investigação ambulatorial de trombofilias (TVC espontânea). Após 3 meses de evolução, a paciente não apresentou recorrência de sintomas de TVC.

Caso 7

Paciente do sexo feminino, 41 anos, previamente hígida, etilista social, sem histórico de uso de drogas ilícitas. Foi admitida no pronto-atendimento do hospital geral com história de afasia e hemiparesia à esquerda de início súbito, associada a vertigem e cefaleia holocraniana intensa. Realizou TCC na cidade de origem que evidenciou hemorragia subaracnoide aguda espontânea (HASAE) e trombose venosa cerebral no seio transverso esquerdo.

Na admissão apresentava-se sonolenta, afásica e hemiparética à esquerda. Realizada angioTCCv, que confirmou trombose de seio transverso esquerdo e seio sagital superior. Admitida no CTI, evoluindo com melhora clínica importante após inicio do tratamento com enoxaparina, sendo também iniciada varfarina objetivando RNI entre 2,0 e 3,0, com proposta de ser mantida por 6 meses. Recebeu alta do CTI sem déficit neurológico e em ar ambiente. Permaneceu na enfermaria por 3 dias e recebeu alta para tratamento ambulatorial e encaminhamento para hematologista com objetivo de investigar trombofilia. Não apresentou recorrência até a data atual.

 

DISCUSSÃO

A cefaleia é o sintoma mais frequente da TVC, estando presente em até 90% dos casos.7 Na série de casos relatados neste estudo, a cefaleia foi uma das queixas principais em pelo menos 4 casos, sendo nos demais pacientes a alteração do sensório fator limitante para compor a anamnese cefaliátrica.

É digno de nota que no Caso 1 a cefaleia não apenas foi o sintoma de apresentação, como também estava enquadrada no espectro sintomático da síndrome de Hipertensão Intracraniana Isolada (SHIC - cefaleia, papiledema, alteração visual, vômitos, paralisia de nervo abducente), confirmada através da punção lombar com elevada pressão de abertura (26cmH2O).

Chamam a atenção dois fatores (red flags) para o raciocínio de que era uma cefaleia secundária, nesta paciente: a modificação do padrao de dor antes holocraniana, não associada à náusea; posteriormente biparietal e com náusea intensa; a evolução progressiva e a irresponsividade ao tratamento.15,19 A cefaleia crônica por abuso de analgésicos nessa paciente foi um fator de viés, pois também pode causar cefaleias não responsivas e de padrao borderline.

Ainda em relação à cefaleia, o Caso 4 serve para ilustrar que não existe, necessariamente, uma relação direta entre a localização da dor e a localização do seio/veia trombosado.20,21 Neste paciente, por exemplo, o seio trombosado era o seio sigmoide à direita e a cefaleia era referida como hemicraniana à esquerda.

A síndrome focal,7 associada ou não à epilepsia, estava presente na apresentação clínica em 4 pacientes desta série, sendo tao prevalente quanto a própria cefaleia. Sua importância, no que concerne ao médico que atende, é quanto ao diagnóstico diferencial com o AVE de território arterial, uma vez que são condições de tratamento diferentes.

Existem alguns sinais neurorradiológicos sugestivos de TVC, entre eles o sinal do triângulo denso e do delta vazio (presentes no Caso 3) e o sinal da corda (presente no Caso 2) vistos à TCC com e sem contraste iodado, respectivamente. Estes são considerados sinais diretos de trombose, entretanto, são pouco comuns e uma TCC normal não exclui o diagnóstico (até 30% das TCC são normais nos pacientes com TVC14).

O desenvolvimento de novas técnicas não invasivas para estudo angiográfico tem tornado o diagnóstico de TVC mais acurado. A associação da TCC com a angioTCCv, por exemplo, tem acurácia diagnóstica de 90 a 100% dependendo do sítio da oclusão.6 Portanto, quando o quadro clínico sugere fortemente TVC e a TCC não mostrou comemorativos está indicado prosseguir com a investigação realizando angioTCCv ou, quando disponível, a angiografia venosa cerebral por cateter (exame padrao-ouro para diagnóstico de TVC, mas menos acessível e mais invasivo).6

O contrário também é verdade: quando tanto a TCC quanto os estudos angiográficos (invasivos ou não) são normais, deve-se pensar em diagnósticos alternativos como síndrome de hipertensão intracraniana idiopática (em caso de cefaleia isolada), AVE em fase hiperaguda (em caso de síndrome focal) e encefalite (em caso de alteração aguda do sensório), entre outras condições.

Em concordância com dados da literatura,7,14 a TVC acometeu mais mulheres (nenhum homem acometido em nossa série), de idade entre 22 e 66 anos. Houve identificação de fatores de riscos para TVC nos pacientes, os quais, sempre que possível, foram modificados. O fator mais comum foi o uso de anticoncepcionais orais (Caso 2 e 5) e terapia de reposição hormonal (Caso 4). Também foi identificado como fator de risco a otite média (Caso 1) e infecção de foco dentário (Caso 2). Múltiplos fatores de risco foram identificados apenas no Caso 2.

Uma paciente (Caso 1) está sendo investigada quanto à possibilidade de trombofilia (deficiência de proteína C e S), entretanto, aguarda finalizar uso de varfarina para concluir a propedêutica diagnóstica.

Uma paciente (Caso 5) apresentou mortalidade precoce na fase aguda da TVC, sendo fatores de pior prognóstico em 30 dias22 para a paciente a depressão do nível de consciência e a alteração do estado mental na admissão. A paciente em questao já chegou ao hospital geral com grave instabilidade hemodinâmica e com dois dias de evolução do ictus. Os demais pacientes (Casos 1, 2, 3 ,4, 6 e 7) evoluíram com significativa melhora, corroborando que a TVC, quando tratada, usualmente tem um prognóstico favorável.22,23

 

CONCLUSÕES

Apesar de rara, a trombose venosa cerebral é um diagnóstico diferencial que deve ser considerado em todos pacientes com síndrome de hipertensão intracraniana isolada, encefalopatia, síndrome focal e crises convulsivas de causa não esclarecida. Apesar do bom prognóstico em si, o atraso no tratamento pode a levar a consequências clínicas nefastas e mortalidade precoce.

Este diagnóstico deve ser suspeitado especialmente em mulheres jovens, com fatores de risco pró-trombóticos associados e sem fatores de risco claros para acidente vascular encefálico de território arterial. A evidência de infarto cerebral que não respeita os limites territoriais arteriais também sugere TVC. A cefaleia é o sintoma mais prevalente e pode preceder em dias a semanas outros sintomas da trombose. Pode, ainda, simular migrânea, devido a sua forte intensidade, padrao localizado e associação a náuseas. O clínico deve estar atento aos sinais de alarme como maneira de suspeitar da etiologia secundária da dor.

 

REFERENCIAS

1. Queiroz LP. Epidemiologia da cefaleia no mundo e no Brasil. In: Brasil Neto JP, Takayanagui OM, orgs. Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013. 128 p.

2. Green MW. Cefaleia. In: Rowland LP. Merritt: Tratado de Neurologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.

3. Coutinho JM. Zuurbier SM. Aramideh M. Stam J. The incidence of cerebral venous thrombosis: a cross-sectional study. Stroke. 2012;43(12):3375-7.

4. Devasagayam S, Wyatt B, Leyden J, Kleinig T. Cerebral Venous Sinus Thrombosis Incidence is Higher than Previously Thought: A Retrospective Population-Based Study. Stroke. 2016;47(9):2180-2.

5. deVeber G, Andrew M, Adams C, Bjornson B, Booth F, Buckley DJ, et al.; Canadian Pediatric Ischemic Stroke Study Group. Cerebral sinovenous thrombosis in children. N Engl J Med. 2001;345(6):417-23.

6. Agrawal K, Burger K, Rothrock JF. Cerebral Sinus Thrombosis. Headache. 2016;56(8):1380-9.

7. Ferro JM, Canhao P, Stam J, Bousser MG, Barinagarrementeria F; ISCVT Investigators. Prognosis of cerebral vein and dural sinus thrombosis: results of the International Study on Cerebral Vein and Dural Sinus Thrombosis (ISCVT). Stroke. 2004;35(3):664-70.

8. Kearon C, Akl EA, Ornelas J, Blaivas A, Jimenez D, Bounameaux H, et al. Antithrombotic Therapy for VTE Disease: CHEST Guideline and Expert Panel Report. Chest. 2016;149(2):315-52.

9. Gotoh M, Ohmoto T, Kuyama H. Experimental study of venous circulatory disturbance by dural sinus occlusion. Acta Neurochir (Wien). 1993;124(2-4):120-6.

10. Corvol JC, Oppenheim C, Manaï R, Logak M, Dormont D, Samson Y, et al. Diffusion-weighted magnetic resonance imaging in a case of cerebral venous thrombosis. Stroke. 1998;29(12):2649-52.

11. Lövblad KO, Bassetti C, Schneider J, Guzman R, El- Koussy M, Remonda L, et al. Diffusion-weighted mr in cerebral venous thrombosis. Cerebrovasc Dis. 2001;11(3):169-76.

12. Coutinho JM, Ferro JM, Canhao P, Barinagarrementeria F, Cantú C, Bousser MG, et al. Cerebral venous and sinus thrombosis in women. Stroke. 2009;40:2356-61.

13. Ferro JM, Canhao P, Bousser MG, Stam J, Barinagarrementeria F; ISCVT Investigators. Cerebral vein and dural sinus thrombosis in elderly patients. Stroke. 2005;36(9):1927-32.

14. Bousser MG, Russell RR. Cerebral venous thrombosis. In: Warlow CP, Van Gijn J, eds. Major Problems in Neurology. London: WB Saunders; 1997.

15. Agostini E. Headache in cerebral venous thrombosis. Neurol Sci. 2004;25 Suppl 3:S206-10.

16. Cumurciuc R, Crassard I, Sarov M, Valade D, Bousser MG. Headache as the only neurological sign of cerebral venous thrombosis: a series of 17 cases. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2005;76(8):1084-7.

17. de Bruijn SF, Stam J, Kappelle LJ. Thunderclap headache as first symptom of cerebral venous sinus thrombosis. CVST Study Group. Lancet. 1996;348(9042):1623-5.

18. Coutinho JM, Stam J. How to treat cerebral venous and sinus thrombosis. J Thromb Haemost. 2010;8(5):877-83.

19. Stam J. Thrombosis of the cerebral veins and sinuses. N Engl J Med. 2005;352(17):1791-8.

20. Ameri A, Bousser MG. Headache in cerebral venous thrombosis: A study of 110 cases. Cephalalgia. 1993;13(Suppl):110.

21. Lopes MG, Ferro J, Pontes C; the Venoport Investigators. Headache and cerebral venous thrombosis. Chephalalgia. 2000;20:292.

22. Canhao P, Ferro JM, Lindgren AG, Bousser MG, Stam J, Barinagarrementeria F, et al.; ISCVT Investigators. Causes and predictors of death in cerebral venous thrombosis. Stroke. 2005;36(8):1720-5.

23. Borhani Haghighi A, Edgell RC, Cruz-Flores S, Feen E, Piriyawat P, Vora N, et al. Mortality of cerebral venous-sinus thrombosis in a large national sample. Stroke. 2012;43(1):262-4.