RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 16. 1

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Relato de Caso

Fibromatose Mamária: relato de um caso

Mammary fibromatosis: a case report

Cristóvão Pinheiro Barros1; Flávia Silvia Guimarães Dias2; Marcelo Juntoli3; Marco Antônio Dias Filho4

1. Mastologista do HGIP-Ipsemg
2. Médica residente do 3º ano de Ginecologia-obstetrícia do HGIP
3. Cirurgião Torácico do HGIP-Ipsemg
4. Patologista do Laboratório Anatomia Patológica e Citologia Ltda

Endereço para correspondência

Cristóvão Pinheiro Barros
Rua Dr Lucídio Avelar, 66/401 Bairro Buritis
BH-MG Cep: 30455-790
Tel: (31) 33787601
E-mail: cristovao_pb@uol.com.br

Realizado no Serviço de Mastologia do HGIP-IPSEMG

Resumo

Fibromatose da mama é tumor não-metastatisante, embora possa infiltrar e recorrer localmente. Trata-se de afecção rara, localmente agressiva, que se caracteriza por alta tendência em recidivar localmente. Os autores relatam caso de fibromatose mamária com infiltração do músculo peitoral maior, sendo abordados aspectos diagnósticos, terapêuticos e prognósticos da patologia.

Palavras-chave: Fibromatose; Neoplasias Mamárias; Relatos de casos

 

INTRODUÇÃO

A fibromatose ou tumor desmóide extra-abdominal pode atingir grande volume.¹ Embora não seja doença maligna, tem comportamento agressivo pelo seu poder infiltrativo e de recidiva.² É muito raro na mama (0,2% das lesões).³ Foi descrito pela primeira vez em 1832, por Mac Farianec, e a denominação desmóide provêm do grego desmos (tendão).4 Deriva de estruturas músculo-aponeuróticas.

Clínica e mamograficamente, pode simular carcinoma. O tratamento exige ressecção ampla, para diminuir as recidivas.5 Quando estas ocorrem e atingem órgãos vitais, acarretam 8% de mortalidade.6

 

RELATO DO CASO

Paciente de 36 anos, sexo feminino, foi avaliada no serviço de mastologia do Hospital Governador Israel Pinheiro (HGIP-IPSEMG), em janeiro de 2003, com relato de nódulo na mama esquerda, descoberto há duas semanas, indolor. Negava patologias clínico-cirúrgicas pregressas e histórico familiar de câncer de mama e/ou ovário.

Ao exame clínico, apresentava área dominante fixa a planos profundos, de consistência fibroelástica, medindo 2,5 x 1,5 cm, na junção dos quadrantes mediais (JQQMM) da mama esquerda, próximo à borda esternal, associado a pequeno linfonodo móvel na axila homolateral.

A mamografia evidenciou densidade assimétrica de limites imprecisos no segmento medial da mama esquerda (visibilizado em incidência crânio-caudal). A ultra-sonografia mostrou nódulo hipoecóico, de contornos irregulares, medindo 1,18cm, na JQQMM da mama esquerda.

A citologia do material obtido pela punção aspirativa por agulha fina (PAAF) mostrou-se insatisfatória (presença de hemáceas e raros histiócitos, sem elementos epiteliais). O estudo histopatológico do material obtido por biópsia excisional mostrou uma lesão irregular, de limites imprecisos, medindo 2,5 x 2,0 x 1,8 cm. A microscopia evidenciou proliferação miofibroblástica infiltrando-se no parênquima mamário, na fáscia e no plano muscular, com margens cirúrgicas acometidas (Fig. 1).

 


Figura 1 - Neoplasia constituída por células fusiformes com núcleos vesiculosos, cromatina aberta e nucléolos evidentes (HE, 100X).

 

Com esse diagnóstico, foi solicitada tomografia computadorizada (TC) do tórax, que foi realizada trinta dias após. O exame evidenciou massa medindo 3,5 x 2,0 cm, localizada na projeção para-esternal esquerda, entre a parede torácica anterior e a mama esquerda.

Após discussão com equipe multidisciplinar e com a paciente, foi realizada ressecção da parede torácica, em espessura total, incluindo parte inferior do esterno (Fig. 2). Com esta cirurgia obtiveram margens livres (Fig. 3).

 


Figura 2 - Corte sagital de peça cirúrgica, incluindo pele, tecido mamário, nódulo brancacento, musculatura e segmento de arco costal.

 

 


Figura 3 - Interface entre a lesão e a musculatura esquelética normal (HE, 10X).

 

Até o presente momento, a paciente não apresenta sinais de recidiva local.

 

DISCUSSÃO

O tumor desmóide, também denominado fibromatose agressiva, caracteriza-se pela proliferação excessiva de tecido conjuntivo, formando fibras espessas, massas irregulares ou nódulos, que se infiltram lentamente nas estruturas vizinhas, especialmente em fáscias e músculos. Seu crescimento é lento, porém progressivo, podendo atingir proporções gigantescas.¹ Embora tenda a invadir localmente e a recidivar após excisão cirúrgica, o tumor não apresenta propensão a metástases.²

Enzinger e Weiss5 classificaram o tumor desmóide em abdominal, intra-abdominal ou extra-abdominal, de acordo com a origem da lesão primária. O tumor desmóide abdominal é responsável por 3% a 4% de todas as tumefações da parede abdominal anterior.¹ Ocorre nas estruturas aponeuróticas e musculares da parede abdominal, sendo mais freqüente em mulheres após o parto, sobre cicatrizes, especialmente de cesarianas. Desmóides intra-abdominais são encontrados na parede pélvica ou no mesentério.

A fibromatose primária mamária é rara, representando menos de 0,2% das lesões primárias da mama³. O acometimento mamário ocorre, mais freqüentemente, por extensão de lesões da fáscia do peitoral, o que pareceu ser o nosso caso. Apesar de raro, mais de 100 casos de fibromatose mamária já foram descritos na literatura, tanto em homens, quanto em mulheres.7 A idade das pacientes varia de 13 a 80 anos, com pico entre a quarta e sexta décadas.8

A etiopatogenia do tumor desmóide ainda é desconhecida. Apesar dos casos descritos de tumor desmóide mamário após implantes mamários cirúrgicos e trauma, fatores físicos isolados parecem ser insuficientes para iniciar a fibromatose na mama.³ Embora a maioria dos casos tenham sido descritos em mulheres no menacne, a presença de receptores hormonais na fibromatose mamária ainda é controversa.9 Ao contrário dos tumores desmóides abdominais, raramente é diagnosticada em associação com a polipose adenomatosa familiar e seu subgrupo, a polipose familiar do cólon (Síndrome de Gardner).

Devido à propriedade de invasibilidade local, os achados clínicos, mamográficos e citológicos do tumor desmóide mamário podem simular carcinoma.

Clinicamente, manifestam-se na forma de massa solitária de consistência endurecida e indolor, de localização profunda, podendo ser fixa. A retração da pele subjacente pode estar presente. A lesão se desenvolve em um dos quadrantes da mama, sendo que a lesão subareolar é incomum. 10 Desmóides múltiplos são raros, sendo associados à Síndrome de Gardner.

A imagem mamográfica mais comum é de massa espiculada, porém pode aparecer como uma densidade assimétrica, distorção arquitetural do parênquima ou massa lobulada bem delimitada.5

A punção aspirativa com agulha fina tem pouco valor diagnóstico. O material obtido em geral é insuficiente. Além disso, consiste de spindle cells e elementos glandulares esparsos, que estão presentes em diversos tipos de lesões da mama.10

O diagnóstico histológico pré-operatório pode ser feito por core biopsy ou biópsia excisional. Histopatologicamente, a lesão é irregular, não-capsulada, e se caracteriza pela proliferação de spindle cells, formando fibras que se infiltram no tecido mamário adjacente (gordura, ductos e lóbulo). Aglomeração de leucócitos é encontrada em 50% dos tumores. A maioria das fibromatoses apresenta pouco ou nenhum grau de pleomorfismo nuclear.8 A ausência de fibras mitóticas e a presença de tecido fibroso bem diferenciado são características que diferenciam o desmóide do fibrossarcoma maligno.¹ Também deve ser feito o diagnóstico diferencial com o quelóide, a fasciíte nodular, o tumor filóide benigno, o histiocitoma fibroso maligno e o carcinoma metaplásico.²

Devido ao caráter infiltrativo das lesões, sua abordagem é sempre cirúrgica e exige amplas excisões. Em algumas pacientes, estruturas adjacentes são ressecadas para proporcionar margens cirúrgicas livres.11

A tomografia computadorizada (TC) pode revelar o tamanho e a extensão do tumor, bem como a sua relação com outras estruturas anatômicas, proporcionando informações úteis no planejamento de sua ressecção.¹

A recidiva local é comum, variando entre 21% e 27%, de acordo com os trabalhos existentes na literatura5. Está relacionada com a excisão incompleta do tumor e, geralmente, ocorre dentro de três anos após a excisão. Portanto, caso se faça a opção pela mastectomia para a excisão completa do tumor, a cirurgia de reconstrução mamária deve ser adiada por, pelo menos, três anos.5

Apesar de freqüentes, as recidivas quase sempre podem ser tratadas com êxito através de nova excisão.¹

Há evidências de que a radioterapia pós-operatória possa influenciar a taxa de sobrevida livre da doença, e deve ser considerada como adjuvante nos casos em que o tumor não pode ser totalmente ressecado, ou nos casos em que a excisão ampla pode apresentar alta morbidade para a paciente², o que não foi o caso da nossa paciente.

A presença de receptores hormonais na fibromatose mamária ainda é controversa, mas já foi relatada em alguns trabalhos, o que sugere que a terapia endócrina pode se tornar uma opção terapêutica no futuro.5

 

REFERÊNCIAS

1. Schauertz SI. Parede abdominal, omento, mesentério e retroperitônio. In: Schauertz SI, editor. Princípios de cirurgia. 6a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1993.

2. Ng WH, Lee JS, Poh WT, Wong CY. Desmoid Tumor (Fibromatosis) of the breast. A clinican's dilemma: a case Report and Review. Arch Surg 1997;132:444-6.

3. Devouassoux-Shisheboran M, Schammel MD, Man YK, Tavassoli FA. Fibromatosis of the breast. Age-correlated morphofunctional features of 33 cases. Arch Pathol Lab Med 2000;124: 276-80.

4. Souen J, Carvalho FM. Fibromatose mamária. Rev Bras Mastol 2001;11:37-40.

5. Enzinger FM, Weiss SVV. Fibromatoses. In: Enzinger FM, Weiss SVV, editors. Soft tissue tumors. 3a ed. St Louis: Mosby-Yearbook; 1995. p. 201-29.

6. Cosbisier C, Gorbin O, Jacob D. Tumeur rare do seid: la fibromatose mamaire. A propos de deux cap et reune de la liitterature. J Gynecol Obstet Biol Reprod 1997;26:315-20.

7. Kouriefs C, Leris A, Mokbel K, Wells C. Infiltrating fibromatosis of the breast: a potential pitfall. Int J Clin Pract 2002;56:401-2.

8. Reis Filho JS, Milanezi F, Pope LZB, Fillus-Neto J, Schmitt FC. Primary fibromatosis of the breast in a patient with multiple desmoid tumors. Pathol Res Pract 2001;197:775-9.

9. Abraham SC, Reynolds C, Montgomery EA, et al. Fibromatosis of the breast and mutations involving the APC/B-catenin pathay. Human Pathol 2002;33:39-46.

10. Rosen PP, Ernsberger D. Mammary fibromatosis. A benign Spindle-Cell tumor with significant risk for local recurrence. Cancer 1989;63:1363-9.

11. Schuh ME, Radford DM. Desmoid tumor of the breast following augmentation mammaplasty. Plastic and Reconstructive Surgery 1994;93:603-5.