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CAPES/Qualis: B2
Quedas em idosos: um problema de saúde pública desconhecido pela comunidade e negligenciado por muitos profissionais da saúde e por autoridades sanitárias brasileiras
Falls in the elderly: a public health problem unknown by the community and neglected by many health professionals and by Brazilian health authorities
Arlindo Maciel
Geriatra. Preceptor de residência médica do Hospital Governador Israel Pinheiro do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais - IPSEMG, Professor do Curso de Especialização (Pós-Graduação em Geriatria) do Centro Interdisciplinar de Assistência e Pesquisa em Envelhecimento - CIAPE - Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Belo Horizonte-MG, Brasil
Endereço para correspondênciaAv. Francisco Sales, 359/1501, Bairro: Floresta
Belo Horizonte, MG - Brasil, CEP: 30150-220
E-mail: arlindo@uai.com.br
Recebido em: 09/09/2009
Aprovado em: 10/03/2010
Instituição: Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG) Belo Horizonte-MG, Brasil.
Resumo
Quedas são eventos mórbidos frequentes na população idosa. Causam lesões físicas, distúrbios emocionais, declínio funcional e morte. Infelizmente, não é entendido pela comunidade e por muitos profissionais como um problema de saúde, tampouco é enfatizado pelas autoridades sanitárias brasileiras. As quedas têm origem multifatorial e suas causas podem ser diagnosticadas e prevenidas com medidas relativamente simples. Para tanto, é necessário que se desenvolvam estratégias que incluam a educação da comunidade, a formação e o treinamento de profissionais e a inclusão do tema nos programas de saúde pública do país. O presente artigo tem como objetivo chamar a atenção para a intensidade e a gravidade desse problema.
Palavras-chave: Acidentes por Quedas; Acidentes por Quedas/prevenção & controle; Idoso; Saúde Pública.
INTRODUÇÃO
O crescimento acelerado da população de idosos em várias partes do mundo gera, como consequência, aumento da prevalência de doenças crônico-degenerativas, especialmente das "grandes síndromes geriátricas", entre as quais se destacam as quedas.
Representam grave problema de saúde pública, cuja dimensão tem sido despercebida pela sociedade brasileira e cujo impacto não tem sido discutido adequadamente nos meios acadêmicos (com raras exceções), menos ainda no âmbito das políticas de saúde. Além disso, as quedas não despertam a devida atenção da maioria dos médicos e de outros profissionais da saúde, que ainda as consideram inevitável com o envelhecimento. As quedas são, na realidade, eventos mórbidos multifatoriais, causadores de lesões, de distúrbios emocionais, de declínio funcional e morte1, cujas causas podem ser diagnosticadas e prevenidas, com consequente redução de morbidade, mortalidade e custos financeiros.2 Para isso, é necessário que se instrua a comunidade, que se formem profissionais e que se apliquem protocolos validados de avaliação e intervenção no nível de atenção primária de saúde por equipes adequadamente treinadas.
Este artigo analisa o impacto epidemiológico das quedas, os principais fatores de risco e como devem ser prevenidos. Destacam-se a magnitude desse problema e as medidas educacionais e sanitárias eficazes para a sua prevenção.
EPIDEMIOLOGIA
Prevalência e incidência de quedas
As quedas são eventos comuns, pouco valorizados e relatados por idosos e seus familiares, a não ser que provoquem lesões importantes. O risco aumenta linearmente com o avançar da idade em ambos os sexos, sendo mais alto entre mulheres.3 Sua ocorrência é observada em um terço e em metade dos idosos que vivem em comunidade e em asilo, respectivamente. São recorrentes na metade das vezes,4-6 constituindo-se no acidente mais comum em idosos hospitalizados.3
Morbidade e mortalidade
As lesões acidentais são a sexta causa de morte em idosos e as quedas são responsáveis por 70% das mortes acidentais em pessoas com 75 anos e mais.7,8 O risco de morte em um ano em pacientes internados devido às quedas é de 15 a 50%. No Brasil, a participação das quedas na mortalidade proporcional por causas externas cresceu de 3 para 4,5% de 1984 a 1994, respectivamente. 9
As quedas, além dos possíveis traumas e do risco de morte, levam à restrição das atividades, ao declínio na qualidade da saúde, à incapacidade e ao risco de internação em instituições de longa permanência (asilos). Além disso, geram aumento dos custos devido à utilização de serviços especializados e pelo aumento das internações hospitalares.10
FATORES DE RISCO
A maioria das quedas resulta da interação de fatores relacionados ao indivíduo (intrínsecos) e fatores ambientais (extrínsecos).6 Os fatores intrínsecos incluem: idade, quedas anteriores, redução da acuidade visual, tontura, distúrbios do equilíbrio e da marcha, lesões do sistema nervoso, doenças do aparelho locomotor, comprometimento dos mecanismos reguladores da pressão arterial (barorreceptores), os quais predispõem à hipotensão ortostática, ao distúrbio cognitivo, à depressão e aos transtornos do sono. Os fatores extrínsecos relacionam-se às condições de pisos, iluminação, escadas, cadeiras, mesas, leitos, banheiros, calçados, de órteses mal-adaptadas, das barreiras físicas e uso de mais de quatro tipos de medicamentos. Parece haver forte relação entre quedas e o uso de benzodiazepínicos, antidepressivos, antipsicóticos, anticonvulsivantes e antiarrítmicos da classe IA.11,12 O risco de quedas também é mais alto em indivíduos após internação hospitalar, principalmente no primeiro mês após a alta.9
AVALIAÇÃO CLÍNICA
Os idosos devem ser questionados sobre a ocorrência de quedas, pelo menos uma vez ao ano. Devem ser avaliados também para fatores de risco potenciais para as quedas.12,13
A avaliação criteriosa do paciente que caiu é essencial para se determinar a causa, a circunstância e os mecanismos da queda, o que permite estabelecer estratégias para a prevenção de novos episódios. Os caidores recorrentes (dois ou mais episódios em 12 meses) e aqueles com risco de cair devem ser submetidos à avaliação clínica quando os seguintes aspectos devem ser destacados: 1. Na história: doenças agudas; as condições do ambiente em que vive; a história de quedas anteriores e a atividade no momento da queda; onde e quando a queda ocorreu; prodrômos como vertigem, pré-sincope ou desequilíbrio; a simultaneidade de perda da consciência; o tempo de recuperação da consciência; o uso de medicamentos (psicofármacos, anti-hipertensivos, antiarrítmicos, hipoglicemiantes, anticolinérgicos, anticonvulsivantes); a ingestão de bebidas alcoólicas; a existência de incontinência urinária; 2. No exame físico: os sinais vitais (com medida da pressão na posição supina e em ortostatismo); o estado de hidratação e de nutrição; a acuidade visual e auditiva; a função cognitiva; as características do aparelho cardiovascular; a função músculo-esquelética com atenção para os pés (calos, cravos, deformidades, ausência de sensibilidade, tipo de calçado); as alterações neurológicas, com ênfase na coordenação, no tônus muscular, na propriocepção, no equilíbrio e na marcha.
PREVENÇÃO
As medidas preventivas objetivam evitar o trauma e os seus efeitos. Isso poderá ser alcançado a partir do diagnóstico e prevenção das condições capazes de provocar as quedas; da prevenção e tratamento da osteoporose; da melhoria do estado geral, incluindo da agilidade e da força muscular. São eficazes os programas de prevenção realizados na comunidade e em asilos para reduzir os episódios das quedas.15-17 O objetivo fundamental deve ser maximizar o estado funcional e reduzir o risco de lesão. Para tanto, o profissional ou a equipe de saúde deve identificar e tratar as doenças envolvidas, melhorar o apoio social e as condições ambientais.
As medidas preventivas incluem orientações aos pacientes e aos seus familiares sobre o risco de cair e as suas consequências; a segurança do ambiente em que vive e transita; o estilo de vida (dieta, exercícios físicos); a avaliação geriátrica global periódica com atenção para a função cognitiva, os distúrbios de humor, a capacidade de realizar as atividades de vida diária, as condições sociais; a racionalização da prescrição e a correção da polifarmácia; a avaliação oftalmológica anual; a avaliação nutricional; a indicação de fisioterapia e de exercícios físicos; a correção de fatores de risco ambiental e as medidas de promoção de saúde, com atenção para a prevenção e tratamento da osteoporose.
INTERVENÇÕES
Os caidores e os portadores de fatores de risco requerem medidas preventivas que incluem revisão da medicação, correção de déficits visuais, tratamento da hipotensão ortostática, mudanças ambientais, exercícios, treino do equilíbrio e de marcha e indicação correta de bengalas, andadores e outros13 (Tabela 1).
CONCLUSÕES
As quedas na idade avançada representam grave problema de saúde pública, tratado como circunstância menor por muitos profissionais e gestores da saúde brasileiros. Apesar da sua complexidade etiológica, os episódios de quedas podem ser reduzidos com a aplicação de medidas preventivas, conforme aqui delineado. Para isso, é necessário que se instrua a sociedade e se capacitem profissionais para atender à população geriátrica. A comunidade pode ser alcançada a partir de campanhas "corpo a corpo" ou veiculadas pelos meios de comunicação; e a capacitação de profissionais depende da introdução de disciplinas relacionadas à geriatria e à gerontologia nos cursos de Medicina e afins.
A identificação dos pacientes com risco de cair, seguida da aplicação de medidas de prevenção, possibilitará a redução nos episódios de quedas na população idosa, o que implicará a redução do sofrimento, a incapacidade, a morte e o impacto social.
REFERÊNCIAS
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