ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Obesidade e qualidade de vida: revisão da literatura
Obesity and quality of life: literature review
Telma Braga Tavares1; Simone Machado Nunes2; Mariana de Oliveira Santos3
1. Docente da residência em fisioterapia do Centro Universitário de Belo Horizonte - UNI-BH. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Preceptora do Centro Universitário de Belo Horizonte - UNI-BH. Belo Horizonte, MG - Brasil. Fisioterapeuta do CTI neonatal do Hospital Governador Israel Pinheiro - HGIP/IPSEMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Residente em fisioterapia no HGIP/IPSEMG. Centro Universitário de Belo Horizonte - UNI-BH. Belo Horizonte, MG - Brasil
Telma Braga Tavares
Rua: Londres, 141 Bairro: Parque Recreio
Contagem, MG - Brasil, CEP: 31.10-250
E-mail: telmatavares@yahoo.com.br
Recebido em:26/08/2009
Aprovado em:18/08/2010
Instituição: Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais - IPSEMG
Resumo
A obesidade é considerada, atualmente, um dos principais problemas de saúde pública, constituindo-se em epidemia mundial responsável por aumento substancial da morbimortalidade. O aumento do índice de massa corporal (IMC), principalmente em obesos graves (IMC > 40,0 kg/m2), provoca graves problemas de saúde, como elevação do fator de risco para doenças cardiovasculares, metabólicas, neoplásicas, ortopédicas, entre outras. Por ser de causa multifatorial resultante da interação de fatores genéticos, metabólicos, sociais, comportamentais e culturais, causa forte impacto tanto na saúde quanto no bem-estar psicológico e, principalmente, na qualidade de vida. O declínio na qualidade de vida é mais acentuado nos obesos que não seguem tratamento para a perda de peso. Esta revisão bibliográfica objetiva discutir as causas da obesidade e suas consequências na qualidade de vida das pessoas.
Palavras-chave: Obesidade; Obesidade Mórbida; Qualidade de Vida.
INTRODUÇÃO
A obesidade é doença crônica caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo no organismo. Sua prevalência cresceu acentuadamente nas últimas décadas, principalmente nos países em desenvolvimento.1,2 Sua causa é multifatorial e depende da interação de fatores genéticos, metabólicos, sociais, comportamentais e culturais.3
A obesidade tornou-se problema de saúde pública, uma vez que as consequências para a saúde são muitas e variam do risco aumentado de morte prematura a graves doenças não letais, mas debilitantes, que afetam diretamente a qualidade de vida.4
Este estudo apresenta, por meio de revisão bibliográfica, as causas da obesidade e suas consequências na qualidade de vida.
MÉTODOS
Foi realizada a busca dos dados nas bases de dados MEDLINE, LILACS e SCIELO, em português, espanhol e inglês, por meio dos seguintes descritores: obesity, morbid obesity, quality of life, combinados entre si. Foram usados também livros-textos recentes, considerando a relevância e o valor informativo do material e alguns artigos-chave selecionados a partir de citações em outros artigos.
OBESIDADE
Conceituação e classificação
A obesidade pode ser definida, de forma simplificada, como doença caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, sendo consequência do balanço energético positivo e que acarreta repercussões à saúde, com perda importante na qualidade e no tempo de vida.2,5-7
A Organização Mundial de Saúde (OMS)8 classifica a obesidade baseando-se no índice de massa corporal (IMC) definido pelo cálculo do peso corporal, em quilogramas, dividido pelo quadrado da altura, em metros quadrados (IMC = kg/h2(m)), e também pelo risco de mortalidade associada. A obesidade é caracterizada quando o IMC encontra-se acima de 30 kg/m2. A OMS define a gravidade da obesidade em: grau I (moderado excesso de peso) quando o IMC situa-se entre 30 e 34,9 kg/m2); a obesidade grau II (obesidade leve ou moderada) com IMC entre 35 e 39,9 kg/m2 e, por fim, obesidade grau III (obesidade mórbida) na qual IMC ultrapassa 40 kg/m2.2,9
A distribuição da gordura corporal10 considera a sua localização. Há a obesidade central (androide), em que o tecido adiposo localiza-se principalmente na parte superior do corpo, e a periférica (ginecoide), predominantemente na parte inferior do corpo, quadril, nádega e coxa.
A obesidade integra o grupo de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). As DCNTs podem ser caracterizadas pela sua história natural prolongada, múltiplos fatores de risco, longo curso assintomático e em geral lento, prolongado e permanente, com períodos de remissão e de exacerbação, lesões celulares irreversíveis e evolução para diferentes graus de incapacidade ou para a morte.11
Prevalência
A prevalência da obesidade vem crescendo acentuadamente nos últimos anos. De acordo com dados da World Health Organization (WHO)13, 1,6 bilhão de pessoas acima de 15 anos foram classificadas em sobrepeso e 400 milhões estavam obesas em 2005. As projeções para 2015 são de aproximadamente 2,3 bilhões de pessoas acima do peso e mais de 700 milhões obesas.13
O peso elevado era considerado problema somente em países de alta renda, no entanto, o sobrepeso e a obesidade estão em dramática ascensão nos países de baixa e média renda.14 A WHO13 informou que, em 2005, 53,5 e 47,4% da população feminina (PF) e masculina (PM) brasileira encontravam-se com sobrepeso e 18,3 e 8,7% apresentavam obesidade, respectivamente. A projeção para 2015 é de que sejam anotadas 73,6 e 67,2% de sobrepeso e 39,7 e 21,6% de obesidade na PF e PM, respectivamente.
Velásquez-Meléndez et al.15, em estudo observacional realizado entre março de 1996 e março de 1997, com dados baseados na pesquisa sobre padrões de vida feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em amostra envolvendo 1.105 adultos com idades entre 18 e 50 anos, investigados por meio de inquérito domiciliar na cidade de Belo Horizonte-MG, registraram prevalência de 315 (38,7%) pessoas com excesso de peso, das quais 113 (10,2%) já apresentavam obesidade.
Causas da obesidade
A obesidade tem causas multifatoriais e resulta de interação de fatores genéticos, metabólicos, sociais, comportamentais e culturais.3 Na maioria dos casos, associa-se ao abuso da ingestão calórica e ao sedentarismo, em que o excesso de calorias armazena-se como tecido adiposo, gerando o balanço energético positivo. O balanço energético pode ser definido como a diferença entre a quantidade de energia adquirida e gasta na realização das funções vitais e de atividades em geral. Pode tornar-se positivo quando a quantidade de energia adquirida é maior do que a gasta, podendo variar entre pessoas.3,16,17
Acredita-se que fatores genéticos podem estar relacionados à eficiência no aproveitamento, armazenamento e mobilização dos nutrientes ingeridos, ao gasto energético, em especial à taxa metabólica basal (TMB), ao controle do apetite e ao comportamento alimentar.18,19 A obesidade pode estar associada também a algumas desordens endócrinas, como o hipotireoidismo e problemas no hipotálamo, mas essas causas representam menos de 1% dos casos de excesso de peso.19
As pessoas que referem obesidade materna e paterna apresentaram risco quase duas vezes mais alto de tendência à obesidade do que aqueles cujos pais não são obesos20. As mulheres com um ou três ou mais filhos apresentam risco de obesidade quase duas ou três vezes mais alto do que as nulíparas, respectivamente.20
Motta et al.21 afirmam que fatores sociais, econômicos e culturais estão presentes na determinação da obesidade, destacando-se o novo papel feminino na sociedade e a inserção da mulher no mercado de trabalho. Parecem também condicionar o crescimento da obesidade à concentração das populações no meio urbano e à diminuição do esforço físico e, consequentemente, do gasto energético no trabalho e na rotina diária e à crescente industrialização dos alimentos.
A busca de explicações para o crescimento acelerado da obesidade nas populações tem destacado a modernização das sociedades, a qual tem provocado mais oferta de alimentos aliada à melhoria das formas de trabalho devido à mecanização e à automação das atividades. O modo de viver foi alterado pela economia do gasto energético no trabalho e nas atividades de vida diária, associada à maior oferta de alimentos. Por essas razões, a obesidade vem sendo denominada "doença da civilização" ou "síndrome do Novo Mundo".22
Outros fatores associados ao ganho excessivo de peso são as mudanças em alguns momentos da vida (ex.: casamento, viuvez, separação), determinadas situações de violência, fatores psicológicos (como o estresse, a ansiedade, a depressão e a compulsão alimentar), alguns tratamentos medicamentosos (psicofármacos e corticoides), a suspensão do hábito de fumar, o consumo excessivo de álcool e a redução drástica de atividade física.2,6,20
Impacto na saúde
Segundo Mancini et al.23, vários distúrbios fisiopatológicos são causados pela obesidade, principalmente nas pessoas com IMC acima de 30 kg/m2. Podem ser citados os distúrbios cardiovasculares (hipertensão arterial sistêmica, hipertrofia ventricular esquerda com ou sem insuficiência cardíaca, doença cérebro-vascular, trombose venosa profunda, entre outros), distúrbios endócrinos (diabetes mellitus tipo II, dislipidemia, hipotireoidismo, infertilidade e outros), distúrbios respiratórios (apneia obstrutiva do sono, síndrome da hipoventilação, doença pulmonar restritiva). A obesidade ainda pode gerar disfunções gastrointestinais, como hérnia de hiato e colecistite; distúrbios dermatológicos, como estrias e papilomas; distúrbios geniturinários, como anovulação e problemas gestacionais; distúrbios músculos-esqueléticos, como osteoartrose e defeitos posturais; neoplasias, como câncer de mama ou próstata; distúrbios psicossociais, como sentimento de inferioridade e isolamento social; e outras implicações, como o aumento do risco cirúrgico e anestésico e também a diminuição da agilidade física.
A morbimortalidade23 relacionada à obesidade vem aumentando de forma alarmante, principalmente quando o IMC situa-se em pelo menos 30 kg/m2 e o risco de morte prematura duplica acima de 35 kg/m2.
A obesidade grau III (> 40 kg/m2), de acordo com Coutinho e Benchmol24, é das doenças que mais matam no mundo. Na América Latina, aproximadamente 200 mil pessoas morrem, anualmente, em decorrência das comorbidades relacionadas à obesidade. A taxa de mortalidade para esses obesos (> 40 kg/m2) é 12 vezes mais alta entre homens de 25 a 40 anos, quando comparada à de pessoas de peso normal.
Tratamentos
A obesidade constitui-se em condição médica crônica de etiologia multifatorial, o que requer tratamento de múltipla abordagem. A orientação dietética, a programação de atividade física e o uso de fármacos antiobesidade constituem os seus principais pilares.9,25 O tratamento convencional para a obesidade de grau III, entretanto, continua produzindo resultados insatisfatórios, com 95% dos pacientes recuperando seu peso inicial em até dois anos. A indicação de cirurgia bariátrica vem se tornando mais frequente9,26 devido à dificuldade da abordagem clínica de obesos graves.
QUALIDADE DE VIDA
O interesse na qualidade de vida já data de 1970, quando foi inicialmente partilhado por cientistas sociais, filósofos e políticos. Porém, com crescente desenvolvimento tecnológico da Medicina e ciências afins, ocorreu também como consequência negativa desse avanço: "a progressiva desumanização das ciências". Assim, a preocupação com o conceito de "qualidade de vida" veio à tona, levando as ciências humanas e biológicas a valorizarem parâmetros mais amplos do indivíduo do que somente o controle de sintomas, a diminuição da mortalidade ou o aumento da expectativa de vida.27,28
A qualidade de vida (QV) foi definida pelo Grupo de Qualidade de Vida, da Divisão de Saúde Mental da WHO, como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações". Nessa definição, é implícito que o conceito de qualidade de vida é subjetivo e multidimensional, incluindo elementos de avaliação positivos e negativos.8
Saúde não significa apenas não estar doente, mas alcançar o estado de satisfação e plenitude consigo próprio e com a vida.29 A QV relacionada à saúde é avaliada com base em dados mais objetivos e mensuráveis, aplicados às pessoas reconhecidamente doentes do ponto de vista físico, referindo-se ao grau de limitação associada ao desconforto que a doença e/ou sua terapêutica acarretam.30
QUALIDADE DE VIDA NA OBESIDADE
A obesidade tem significativo impacto na saúde, bem-estar psicológico, longevidade e na QV.3 Segundo Nahas31, a obesidade é considerada problema de abrangência mundial pela WHO, porque atinge elevado número de pessoas e predispõe o organismo a várias doenças e morte prematura. Ela torna mais numerosas as chances do aumento da mortalidade e da piora dos indicadores de QV em mesmo grupo etário de indivíduos obesos e não obesos. Inúmeras pesquisas indicam que doenças cardiovasculares, renais, digestivas, diabetes mellitus, problemas hepáticos e ortopédicos estão associadas ao excesso de gordura corporal e a incidência dessas doenças é duas vezes mais alta entre homens obesos e quatro vezes mais alta entre mulheres obesas, comparados à população não obesa.25,26,31
A inatividade física é um dos fatores que acometem a QV dos obesos, sendo considerada fator de risco primário e independente para o desenvolvimento da obesidade32, cuja contribuição tem efeito cumulativo.
Vários estudos sugerem estreita relação entre a obesidade e o declínio na QV, sendo mais acentuado naqueles que não seguem algum tratamento.3,27,33
Browne et al.34 afirmam que há alteração da imagem corporal provocada pelo aumento de peso, produzindo diminuição da autoimagem e desvalorização no seu autoconceito psicológico. Em consequência, poderão surgir sintomas depressivos e ansiosos, diminuição da sensação de bem-estar e aumento da sensação de inadequação social relacionado com consequente degradação da performance.30,35
A QV dos obesos, de acordo com Van Germet et al.36, está intensamente comprometida quando associada a comorbidades, podendo gerar também distúrbios emocionais e psicológicos causados por prejuízo e discriminação. A obesidade torna-se aspecto negativo na vida da pessoa, que também sofre com o preconceito.
Kolotkin3 informa que os maiores problemas sociais encontrados pelos obesos são o preconceito e a discriminação no trabalho, na sociedade em geral e nos relacionamentos interpessoais. O preconceito contra a obesidade começa em crianças com idade de seis anos. Elas são descritas como preguiçosas, sujas, burras, mentirosas e feias. Os obesos, para alguns tipos de trabalho, são classificados como menos qualificados, com problemas emocionais e interpessoais, tendo ainda menos chance de serem admitidos em escolas de prestígio ou em profissões mais atraentes.
Observa-se, ainda, em países industrializados, segundo Segal e Fandino9, que o preconceito pode ocorrer também entre as pessoas que prestam o serviço de saúde. Entre os obesos que se submeteram à cirurgia bariátrica, 80% relataram terem sido, devido ao peso, sempre ou quase sempre tratados desrespeitosamente pela classe médica.
Nos obesos grau III, a percepção da má qualidade de vida pode ser mais evidente, já que o isolamento social é mais significativo, provocado pela sensação de inadequação perante padrões sociais vigentes.35
A avaliação atual da QV dos obesos é área de interesse crescente. Recomenda-se o uso de escalas de avaliação validadas, visando a estabelecer quais as variáveis que podem interferir na sua QV.37 Koloktin et al.3 reportaram que, até pouco tempo, havia poucas medidas padronizadas para a avaliação de QV em obesidade, porém, nos últimos cinco anos, esse interesse tem aumentado intensamente.
Em estudo realizado por Diniz38, foram comparadas 60 mulheres obesas de acordo com a distribuição de gordura corporal, divididas em dois grupos, 30 com obesidade do tipo androide e 30 do tipo ginecoide, classificadas pelo índice cintura-quadril. As pacientes foram acompanhadas no pós-operatório durante seis a 48 meses. Foram utilizados para a comparação dos resultados entre os grupos: a perda de peso total, a perda do excesso de peso e o BAROS (Bariatric Analysis and Reporting Outcome Sistem). A análise desses dados mostrou que mulheres com distribuição de gordura corporal tipo androide perderam mais peso em relação ao tipo ginecoide. Apesar disto, o questionário BAROS mostrou melhora acentuada na QV de todas as pacientes, independentemente do grupo a que pertenciam.
Engel et al.27 compararam o impacto da perda de peso e da recuperação do peso perdido na QV do obeso. Foram estudadas 122 pessoas (106 mulheres, 16 homens) com sobrepeso e obesidade em programa de redução de peso à base de medicamentos e aconselhamento dietético com perda de, pelo menos, 5% do seu peso corporal total e, em seguida, recuperados, no mínimo, 5% do seu peso durante 10 a 41 meses (média de 28 meses) de acompanhamento clínico. Os participantes eram avaliados por meio do questionário Impact of Weight Questionaire on Obesity Life-Lite(IWQOL-Lite) em intervalos de três meses. Observou-se que houve tanto perda quanto recuperação de peso, associadas à melhora e à deterioração na QV, respectivamente. A QV melhorou na mesma proporção para cada unidade de peso perdido e deteriorou para cada unidade de peso reconquistada.
Em outro estudo realizado por Brilmann et al.39, investigou-se a QV em pacientes com sobrepeso/obesidade I ou II (grupo I) e obesos grau III (grupo II) que buscavam, em quatro instituições especializadas na região da Grande Porto Alegre, tratamento para excesso de peso. Participaram desse estudo 73 pessoas, sendo 79,5% mulheres (n=58) e 20,5% homens (n=15), com idade média de 40,3 anos e escolaridade mínima de cinco anos. Os instrumentos empregados para a compilação dos dados foram a Escala de Compulsão Alimentar Periódica (ECAP), o Short Form Health Survey (SF-36) questionário genérico de avaliação da QV e o Obesity Related Well-being questionnaire (Orwell 97) questionário específico para avaliação da QV em obesos. Todos os participantes do estudo obtiveram na ECAP escore médio de 18,77 (desvio-padrão = 9,97), sendo que 50,7, 13,7 e 35,6% não apresentaram compulsão alimentar, tinham compulsão alimentar moderada e compulsão alimentar grave, respectivamente. Foram encontradas no SF-36 associações estatisticamente significantes entre ser obeso grave ou apresentar sobrepeso/obesidade I ou II e os componentes capacidade funcional (p<0,001), aspectos físicos (p<0,05) e dor (p=0,003). Nos oito domínios do SF-36, as pessoas com obesidade grave apresentaram escore mais baixo que aqueles com so brepeso ou obesidade I ou II, indicando acentuado prejuízo na QV. Foi identificada, na avaliação da QV específica na obesidade do Orwell 97, associação estatisticamente significante (p<0,05) entre ser obeso grave ou ter sobrepeso/obesidade I ou II. A intensidade da obesidade mostrou-se relacionada com a piora na QV do obeso.
Koloktin et al.30 avaliaram a relação entre obesidade e QV sexual utilizando o instrumento específico para obesos (IWQOL-Lite) em três grupos distintos; 500 participantes estavam inseridos em intenso programa de mudança de estilo de vida e perda de peso (IMC 41,3 kg/m2), 372 seriam submetidos à cirurgia bariátrica (IMC 47,1 kg/m2) e 286 procuravam tratamento para perda de peso (IMC 43,6 kg/m2). Foi observado que, nos obesos classe III e naqueles que iriam se submeter à cirurgia, houve elevada frequência de dificuldades sexuais atribuídas ao peso e, com isso, a QV sexual era particularmente prejudicada. Houve muito mais relatos de comprometimento da QV sexual das mulheres obesas do que dos homens obesos. Concluiu-se que a obesidade estava associada à falta da atividade sexual, do desejo sexual, das dificuldades no desempenho sexual e à negativa em ter encontros sexuais.
Os estudos salientaram a relação direta entre obesidade e QV e a sua íntima relação com representativo excesso de peso, mais tendência ao isolamento social, ao estresse, à depressão e ao agravamento da capacidade funcional.
Constatou-se, segundo Torgenson et al.40, que em obesos classificados em grau III a intervenção cirúrgica para a redução de peso influenciou diretamente a recuperação da autoestima e da QV, provavelmente pelo fato de o tratamento produzir garantias mais concretas quanto à manutenção do peso abaixo dos níveis considerados de obesidade mórbida.
Vasconcelos e Costa Neto27 analisaram 30 pacientes de ambos os sexos, com idade entre 20 e 60 anos, que aguardavam a cirurgia bariátrica. Entre os pacientes avaliados, 93,3% apresentavam obesidade grau III (IMC > 40 kg/m2) e 6,7% grau II (IMC entre 35-39,9 kg/m2). A QV foi investigada por meio do WHOQOL 100 - World Health Organization Quality of Life Assessment. Observaram que, tanto por meio do WHOQOL 100 quanto do SF-36, a percepção da QV pelos obesos, antes da realização da cirurgia bariátrica, apresentava perda expressiva no grau de independência e no bem-estar físico. Houve também mais preservação da QV, como nos aspectos sociais e saúde mental. Acreditaram que isso poderia ter ocorrido por estarem esses pacientes sendo assistidos aproximadamente 24 meses por uma equipe multiprofissional de saúde do hospital para controle de sintomas e preparo para intervenção cirúrgica.
A QV foi analisada por Villela et al.41 em pacientes com obesidade grau III (IMC > 40 kg/m2) e obesidade grau II (IMC entre 35-39,9 kg/m2) mais comorbidades, submetidos à cirurgia bariátrica tipo Fobi-Capella, utilizando o SF-36. Os pacientes foram distribuídos em dois grupos, sendo que 66 se encontravam na fase pré-operatória (grupo I) e 29 em fase pós-operatória tardia (grupo II), sendo este último comparado em três diferentes fases, com menos de seis meses pós-operatório, de seis a 12 meses e com mais de um ano após a cirurgia bariátrica. Os autores detectaram nos pacientes, depois da análise estatística entre os grupos I e II, melhora significante nos itens relativos à capacidade funcional (de 20,2 para 25,3), vitalidade (de 14,6 para 17,8) e saúde geral (de 16,5 para 26,5) após a cirurgia. O item "aspectos físicos" melhorou mais de 100% a partir dos seis meses de pós-operatório. Em contrapartida, houve significativa redução na QV de pessoas que ainda não haviam sido submetidas à cirurgia.
Em estudo realizado no Sul do Brasil durante 14 anos (1987-2001) por Souto et al.42, 49 obesos da classe III, sendo 85% mulheres, foram submetidos à cirurgia bariátrica pela técnica disabsortiva (bypass ileojejunal) e avaliada a QV destes por meio do protocolo BAROS. Destes, cinco pacientes foram a óbito e quatro foram perdidos durante o seguimento da pesquisa. No pré-operatório, 11 (22,4%) possuíam diabetes mellitus, 13 (26,5%) dislipidemia e 23 (46,9%) pressão arterial sistêmica elevada. Houve completa resolução da comorbidade em todos os pacientes após tempo médio de pós-operatório de 64,3 ± 40,0 meses. O IMC médio de pré-operatório foi de 52,8 ± 10,3 kg/m2 e no pós-operatório registrou-se a perda de peso média de 58,9% ± 18,9%. O protocolo BAROS, aplicado aos 40 demais pacientes, permitiu definir que a redução de peso e a eliminação das comorbidades levaram à significativa melhora da QV.
Faria et al.43 realizaram estudo com 160 obesos (grau III IMC > 40 kg/m2) entre abril de 2000 e novembro de 2002 com o objetivo de analisar retrospectivamente a morbimortalidade operatória, eficácia do tratamento cirúrgico (técnica Fobi-Capella) da obesidade grau III em relação à perda de peso, diminuição do número de comorbidades e melhora da QV. O protocolo BAROS foi aplicado a 71 pacientes de acordo com a recomendação de, no mínimo, três meses no período pós-operatório. Não houve falha no tratamento cirúrgico. A maioria dos pacientes obteve resultados finais excelentes (60,6%), muito bom (26,8%) e bom (9,8%). Portanto, 97,2% dos procedimentos cirúrgicos realizados foram tidos como sucesso, demonstrando que a perda de peso e a atenuação das comorbidades levaram à melhora significativa da QV.
Koloktin3 considera que existem instrumentos específicos e válidos, como o questionário Impact of Weight Questionaire on Obesity Life(IWQOL) e o Impact of Weight Questionaire on Obesity Life-Lite(IWQOL-Lite), que associados aos questionários genéricos têm colaborado para melhor e mais completa avaliação da QV dos obesos.
A avaliação da QV permite a obtenção de parâmetro de comparação da eficácia de determinado ou de diferentes modalidades de tratamento e da avaliação do impacto dessas terapêuticas sobre a função diária dos obesos3,38,44, além de permitir inferir sobre os aspectos mais globais do indivíduo, considerando o seu contexto biopsicossocial e a construção da abordagem mais ampla da doença e do ser humano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crescente aumento da obesidade, em especial quando o IMC > 40,0 kg/m2, e a sua associação com comorbidades influem diretamente o bem-estar físico, emocional e psicossocial, com impacto significativo sobre o declínio da QV.
A avaliação da QV dos obesos possui muito interesse. É importante que sejam realizados estudos que busquem, além de avaliar a QV dos obesos, a validação de escalas específicas para essa avaliação no Brasil. Esses estudos permitirão mais compreensão desse problema de saúde pública, análise do impacto da queda da QV na função diária dos obesos e parâmetros para serem usados para comparar a eficácia de determinados tratamentos.
Deve também procurar a obtenção de mais conscientização da equipe de saúde envolvida no processo terapêutico de obesos sobre a importância da assistência multidisciplinar, buscando a melhora física, psíquica e social, visando a aprimorar e melhorar a qualidade da assistência oferecida.
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